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Revista
Brasileira
de
CIÊNCIAS
DO
ESPORTE
ARTIGO
ORIGINAL
O
espetáculo
esportivo
na
construc
¸ão
das
representac
¸ões
sobre
a
identidade
brasileira:
uma
análise
da
abertura
dos
Jogos
Pan-americanos
de
2007
-
o
‘‘Pan
do
Brasil’’
Bruno
Otávio
de
Lacerda
Abrahão
a,∗e
Antonio
Jorge
Gonc
¸alves
Soares
b,c,daColegiadodeEducac¸ãoFísica,UniversidadeFederaldoValedoSãoFrancisco,Petrolina,PE,Brasil
bBolsistadeProdutividadeemPesquisa,ConselhoNacionaldeDesenvolvimentoCientíficoeTecnológico(CNPq),Brasília,
DF,Brasil
cCientistadoEstado,Fundac¸ãodeAmparoàPesquisadoEstadodoRiodeJaneiro(Faperj),RiodeJaneiro,RJ,Brasil dDepartamentodeDidática,FaculdadedeEducac¸ão,UniversidadeFederaldoRiodeJaneiro,RiodeJaneiro,RJ,Brasil
Recebidoem13desetembrode2011;aceitoem12dedezembrode2014 DisponívelnaInternetem24deagostode2015
PALAVRAS-CHAVE
XVJogos Pan-Americanos; Cerimônia deabertura;
Espetáculoesportivo; Identidadebrasileira
Resumo Esteartigo objetivouanalisarasrepresentac¸õessobreaidentidadebrasileiraque emergiramapartirdafestadeaberturadosXVJogosPan-Americanos.Paratanto,tomou-se comofonteàtransmissãodacerimôniadeabertura,odocumentário‘‘JogosPan-Americanos Rio2007---CerimôniadeAbertura’’matériasjornalísticasquecircularamem 14deJulhode 2007.Asimbolizac¸ãodoBrasilnesteevento,traduzidaemelementosdasuadiversidadenatural ecultural,representamaauto-imagemdaharmoniamultirracialedoethosfestivodo‘‘ser brasileiro’’ revelando aessênciademocrática do caráter deum povoque souberaaplainar osantagonismosehierarquias sociais.Essaseriaacontribuic¸ãoquenac¸ãobrasileirateria a ofereceraomundo.
©2015ColégioBrasileirodeCiênciasdoEsporte.PublicadoporElsevierEditoraLtda.Todosos direitosreservados.
KEYWORDS
XVPan-American Games;
Openinggames; Sportsspectacle; Brazilianidentity
Sportsspectaclesintheconstructionofrepresentationsaboutbrazilianidentity: ananalysisofthe2007Pan-AmericanGamesopeningceremony---the‘‘BrazilianPan’’
Abstract The aimofthe presentstudy wastoanalyze therepresentationsaboutBrazilian identity thatemergedfromtheopeningceremonyoftheXVPan-AmericanGames.In order
∗Autorparacorrespondência.
E-mail:bolabra@gmail.com(B.O.L.Abrahão).
http://dx.doi.org/10.1016/j.rbce.2015.08.006
todoso,thedocumentary‘‘Rio2007Pan-AmericanGames---OpeningCeremony’’andnews reportspublishedinJuly,14th2007wereusedassourcesofinformation.Inthisevent,Brazil’s symbolism,translatedinelementsofitsnaturalandculturaldiversity,representtheself-image ofthemultiethnicharmonyandofthefestiveethosof‘‘beingBrazilian’’,revealingthe demo-craticessenceofanationwholeveledwiththeantagonismsandsocialhierarchies.Thiswould bethecontributionthattheBraziliannationhastooffertotheworld.
©2015ColégioBrasileirodeCiênciasdoEsporte.PublishedbyElsevierEditoraLtda.Allrights reserved.
PALABRASCLAVE
XVJuegos panamericanos; Ceremoniade apertura;
Espetaculodeportivo; Identidadbrasile˜na
Elespectáculodeportivoenlaconstruccióndelaidentidadbrasile˜na:unanálisisdela aperturadeJuegosPanamericanosde2007-el«PandeBrasil»
Resumen Esteartículotienecomoobjetivoanalizarlasrepresentacionesdelaidentidad bra-sile˜naquesurgierondelaceremoniadeinauguracióndelosXVJuegosPanamericanos.Setoman comofuenteslatransmisióndelaceremoniadeinauguracióneldocumental«Juegos
Paname-ricanosRío2007-Ceremoniadeinauguración»ylasnoticiasquesepublicaronel14dejuliode
2007.Enesteevento,elsimbolismodeBrasil,traducidoenelementosdesudiversidadnatural ycultural,representalapropiaimagendelaarmoníamultirracialyelespíritufestivode«ser
brasile˜no»,loquerevelalaesenciademocráticadelcarácterdeunpuebloquehasabido
neu-tralizarantagonismosyjerarquíassociales.Estaseríalacontribuciónquelanaciónbrasile˜na ofreceríaalmundo.
©2015ColégioBrasileirodeCiênciasdoEsporte.PublicadoporElsevierEditoraLtda.Todoslos derechosreservados.
Introduc
¸ão
Os diferentes Estados-nac¸ão se pensam como peculiares. A construc¸ão das representac¸ões hegemônicas1 capazes deaglutinar apeculiaridade dos ditos estados são forma-das pela elaborac¸ão de recursos simbólicos investidos de trac¸os de distinc¸ão responsáveis identificar uma nac¸ão e diferenciá-ladeoutra.Todaidentidadeéconstruídaapartir daescolhasimbólicadedeterminadoselementosem detri-mentodeesquecimentosouocultamentosdeoutrostrac¸os deidentificac¸ão. Dizerque somosdiferentesnãobasta, é necessáriomostraroquênosdiferencia.Assim,aafirmac¸ão daidentidadee,consequentementedadiferenc¸a,depende deumacadeiaocultaentreoutrasidentidades.O‘‘ser bra-sileiro’’,porexemplo,nãosignificaapenasdizerque‘‘não éargentino’’,‘‘nãoénorte-americano’’ououtrasnegac¸ões denacionalidades.O‘‘serbrasileiro’’sópodeser compre-endido a partir de umprocesso de produc¸ão simbólica e discursivaqueponhaemdestaqueosingularemdetrimento douniversal(TadeudaSilva,2000).
Uma das possibilidades de observarmos os trac¸os de distinc¸ãoresponsáveispordiferenciar umanac¸ão daoutra é através dos esportes que, ao longo do Século XX, se transformaramemfenômenosprivilegiadosparaconstruc¸ão de metáforas e analogias sobre a qualidade ou o cará-ter dos povos que habitam as nac¸ões. Representadas nas
1Quandoumarepresentac¸ãoprevalecenaspráticassociais com-partilhadaspormembrosdeumgrupoestruturado---umanac¸ão, porexemplo---elassetornamhegemônicas.VerArruda(1998).
competic¸õesinternacionaisporatletas,clubesouselec¸ões nacionais,apromoc¸ãodeumaauto-identificac¸ãonacionale ascrenc¸asdediferenciac¸ãoperanteaos‘‘outros’’são facili-tadaspelaidentificac¸ãoimediatadeumadadacoletividade poraquelesquerepresentamospaíses.
Na atualidade a espetacularizac¸ão dos esportes per-mitecompreendê-losenquantoespac¸osprivilegiadosparaa ebulic¸ãodedramatizac¸õessobreaimaginac¸ãonacional.Os espetáculosesportivostêmdramatizadoumadisputapelas formasdeimaginac¸ãodasnacionalidadesnomercado inter-nacional através daparticipac¸ão das selec¸ões/atletas nas competic¸õesinternacionais,especialmentenos megaeven-tosesportivos.Oesporte,assim,acompanhaoprocessode construc¸ãosimbólicaeimagináriadasnac¸ões.
Dessa maneira, interessa-nos estudar o papel do amalgama ‘‘espetáculo esportivo - identidade nacional’’ enquanto umaarenapúblicaqueoferece umcenário sim-bólico privilegiado para formar e reforc¸ar as identidades socioculturaisdetiposnacionais(Fiengo,2003).Como res-saltaMann(2000,p.314)‘‘assistiràsOlimpíadasouaoutros eventostransformados em exibic¸õescheias deemoc¸ão,é difícilacreditarqueoEstadonacionalestejaacabado’’.De fato,oesporteesuacirculac¸ãotransnacionalcontinuama serumforteagenciadordasidentidadesnacionais.
internacionaldocomércioouumacompetic¸ãoesportivasão momentosprivilegiadosparaqueasnarrativasidentitárias sejamacionadas,rememoradas,reconstruídase resignifica-das.
Tomandoessaperspectivaeadotandoosuporteteórico metodológicosobreonacionalismo(Anderson,1983;Smith, 2000;Balakrishnan,2000),quedestacamqueasnac¸õessão construídas2ouinventadas3,naesteiradasconstruc¸õesdas nacionalidadesatravésdosfenômenosesportivos,os mega-eventosseconfigurameventosespeciaisparaobservarmos como os dilemas e orgulhos secondensam na imaginac¸ão dasnac¸ões.Nestesentido,aênfaseaquirecaiem analisar osrecursossimbólicosacionadossobrea‘‘identidade brasi-leira’’apartirdaaberturadosXVJogosPan-Americanos-o ‘‘PandoBrasil’’---realizadoem2007.
Interpretaroseventosesportivosinternacionais,segundo oscódigosculturaisdopresente,permite-noscompreender aemissãoideológicadasnarrativasesportivasàluzdos dra-masdaconstruc¸ãodasidentidadesnacionais.Compreender esseprocessosemostraimportantenamedidaemqueo Bra-silsediouaCopadoMundodeFutebol,em2014,esediará asOlimpíadas,em 2016,noRiodeJaneiro.Nestesentido, suas aberturaspermitemapresentarumconjunto de ima-genserepresentac¸õesdaquiloqueéimaginadocomosendo oBrasil.
AcidadedoRiodeJaneiro,emJulho de2007,recebeu osXVJogosPan-Americanos.O‘‘PandoBrasil’’,sloganpelo qualforachamado,foiumdoseventosesportivosde rele-vânciainternacionalsediadoemsolobrasileiro.Paraalém dosinteressesparticularesdoesporte,ofatodeumacidade brasileiratersidoaanfitriãdomaioreventoesportivodas Américasnaépocafezcircularmuitasrepresentac¸õessobre o Brasil e o seu povo. Diferentemente das outrasedic¸ões desseeventoqueo esportebrasileirohaviaparticipado,o fatodosjogosteremocorridoemsolonacionalacaboupor gerarnovasdemandaseagenciamentosemrelac¸ãoà iden-tidadedo país.Neste sentido, investigaro legado doPan para asociedade brasileira vai alémdos recursos materi-aisregistradosnacontabilidadegeraldoevento.Passapor uminventáriodosinvestimentossimbólicosutilizadosparaa mobilizac¸ãodecorpos,corac¸õesementesnadirec¸ãodosXV JogosnacidadedoRiodeJaneiro(FerreiraeCosta,2008). Destaque-sequenocampoesportivonoBrasilofutebol temcentralidadeparaidentificaropaísnaconfigurac¸ãodos Estados-nacionais.Ossucessosefracassosdofutebol naci-onalsetornam motivo parafalar tanto dapotencialidade
2‘‘Todas as nac¸ões são comunidades imaginadas’’: ‘‘todas as comunidadesmaiores doqueas aldeiasprimitivas(...) são ima-ginadas. As comunidades devem ser distinguidas não por sua falsidade/autenticidade, mas pelo estilo como sãoimaginadas’’ (Balakrishnan,2000,p.215).
3BenedictAndersondesenvolveuoconceitodeComunidade Ima-ginada.Aidentidadenacionalnãoéinteiramentedependenteda ideiaquefazemosdela.Sendoassim,eumavezquenãoseria pos-sívelconhecertodasaquelaspessoasquepartilhamdeumamesma identidadenacional,devemosterumaideiapartilhadasobreaquilo queaconstitui:‘‘adiferenc¸aentreasdiversasidentidades naci-onaisreside,portanto,nasdiferentesformaspelasquaiselassão imaginadas’’(Woodward,2000,p.24).
quantodas carênciasdanac¸ão4. Todavia, quandoo Brasil setorna sedede um megaevento, asdemandas identitá-riascondensadas no futebol migram de certa formapara organizac¸ão,gestãoeparticipac¸ãoemdiferentesesportes, mesmoqueesseeventoeasdemaismodalidadesesportivas nãoatinjam adramaticidadeque ofuteboltem emnosso país.
Partimos do pressuposto que os trac¸os distintivos ou interpretac¸ões selecionadas pelos organizadores da aber-turadoPan’ 2007podemservirparaobservarmos como o discursosobreoque‘‘éoBrasil’’.Cabedestacarqueéuma singularidadedenossahistóriaquestionarmossobre‘‘quem somos’’ e quea angústia em responder a este questiona-mento continua permanentemente (Ianni, 2000). Todavia, diantedemuitas interpretac¸õessobreo Brasilnopassado e presente, uma questão que se coloca é: quais recur-sossimbólicos deveriam serutilizados para homogeneizar a identidade de uma nac¸ão de dimensões continentais e que traz consigo uma alta diversidade cultural a fim de representá-lanaabertura deummegaevento esportivo,o principaldasAméricas?
Nesse sentido,a cerimôniadeabertura daedic¸ão des-tesJogosoferece-nos umaexcelenteoportunidade paraa compreensãodaimaginac¸ãonacional.Entendendo-a como umespac¸o de apresentac¸ão do que é imaginado sobre o queéoBrasil,analisamososprodutossimbólicosutilizados pararepresentar o país naquele espetáculo esportivo.Se ostrac¸osquedistinguemaidentidadedeumEstado-nac¸ão residemnasformashomogeneizadoraspelasquaisele esco-lheuser‘‘imaginado’’,oobjetivodesteartigofoianalisaras representac¸õessobreaidentidadebrasileiraqueemergiram apartirdafestadeaberturadosXVJogosPan-Americanos. Paratanto,afimdeobservarosrecursosutilizadospara espetacularizarodiscursosobreabrasilidadenaaberturado ‘‘PandoBrasil’’einterpretarcomoestafestafoirecebida pelaimprensalocal,assistimosàtransmissãodacerimônia deaberturaeaodocumentário‘‘JogosPan-AmericanosRio 2007 --- Cerimônia de Abertura5’’, que seria a versão dos organizadoressobreessa fasedoevento. Entendemosque a produc¸ão do documentário revela elementos importan-tesqueosorganizadorespretendiameternizarnamemória dascelebrac¸õesdosmegaeventosrealizadosnoBrasil.Além disso,adicionamosmatériasjornalísticasquecircularamem 14deJulhode2007,diaposterioràaberturadosJogos.Àluz doexposto,nossointentoseráanalisaramensagememitida pelaaberturado‘‘Pan’2007’’apartirdaqualoBrasilbuscou articularasnarrativasdesua‘‘identidade’’e‘‘diferenc¸a’’ relac¸ãoàsoutrasnac¸ões.
Estamos partindo do modelo codificac¸ão/decodificac¸ão propostoporHall(2003),que propõeque o consumoseja visto como determinante daproduc¸ão e vice-versa6. Hall entendeaindaqueaproduc¸ãodeumamensagemnãoéuma atividadetãotransparentecomoparece.Elaépartedeuma
4AderrotadoBrasilnaCopade1950earecentederrotade7a1 paraaselec¸ãoalemãnaCopadoMundode2014sãobonsexemplos.
5https://www.youtube.com/watch?v=ZROu32wxjk
estruturacomplexacujossignificadosnãosãofixos,massim determinadosporumaproduc¸ãocujosentidoideológicoestá relacionadocomconteúdopolítico7.Hall(2003)sevaledo modelosaussarianoemquealinguagemdeveserentendida comoumaarticulac¸ãodadiferenc¸a.Logo,ointeressedeve recairsobreasdiferenc¸asparaentenderoqueasarticula: ‘‘alinguageméumaarticulac¸ãodediferenc¸as’’(Hall,2003, p.360).
Os
Jogos
Pan-Americanos
e
elementos
identitários
acionados
na
cerimônia
de
abertura
do
‘‘Pan
do
Brasil’’
Historicamenteos Jogos Pan-Americanos sãodisputados a cada4anospelospaísesdoscontinentesamericanos, sem-preumanoantesdosJogosOlímpicos,comafinalidadede integrarodesenvolvimentoesportivodesses países. Trata--sedeumaversãodosJogosOlímpicosemqueseincluem algunsesportesdaculturadopaís.
ARevistadeHistória daBiblioteca Nacional,na edic¸ão deJulho de 2007 dedicou um dossiê a fim de ampliar os conhecimentossobreosJogosPan-Americanosqueapartir daquelemês seriam realizados noBrasil.8 Umdos artigos publicadopor Fernando Vale Castro revela ossignificados colocadosnaidealizac¸ãodosJogos.
Maior evento esportivo das Américas, os Jogos do Pan expressamoimaginárioamericanodeintegrac¸ãodesde oséculoXIX.
‘‘Sonho’’decooperac¸ãocontinentalnaAmérica nas-ceu nosprimeiros anosapós as independências,com a iniciativa de Simón Bolívar (1783 --- 1830) de convocar asnovasnac¸õesparadiscutirasformasdecolaborac¸ão. Oprimeiroencontrointernacionalocorreunumcongresso realizadonoPanamáem1826.Predominava,então,uma visãoidealizadaacercadapossívelaproximac¸ãoentreos paísesdoNovoMundo.
(...)
APrimeiraConferênciaInternacionalAmericana,que ocorreuentreosdias2deOutubrode1889e19deabril de1890,marcouoiníciodopan-americanismo.(...)
Oimaginário sobrea integrac¸ão dasAméricas ultra-passou as fronteiras da política. Na esfera esportiva, essabusca porunião teveinícionas primeirasdécadas doSéculo XX. Inspirados pelos Jogos Olímpicos da era moderna, iniciados na Grécia em 1896, foram organi-zadosos Jogos Abertos daAmérica Central --- primeiro noMéxico,em1926,depoisemCuba,em1930(Castro, 2007,p.18-20).
Observa-sequeaidealizac¸ãodosJogosPan-Americanos revelaoanseiodaintegrac¸ãodasnac¸õesdo‘‘NovoMundo’’, antigascolônias de explorac¸ão dasmetrópoles européias. Aexperiênciadarealizac¸ãodeumacompetic¸ãocontinental traduzemo ideáriodeaproximac¸ãodospovos agora inde-pendentesmediadospelofenômenoesportivo.
7 ‘‘Osignificadodamensagemtemavercomamaneiracomose pensaquestõespolíticas’’(Hall,2003,p.355)
8Ano2,n◦22,Julhode2007.
UmdossímbolosdosjogoséaTochaOlímpicaque aglu-tina elementos representativos sobre os significados dos Jogos.Esse trechoquetrazquestõessobreasimbolizac¸ão datochaolímpicaesalienta queosJogosPan-Americanos representamoideáriodeintegrac¸ãodoNovoMundo.
CampeõesdaAmérica
Das pirâmides do deus Sol, no México, heranc¸a da culturaasteca,paraacidademaravilhosa,atocha Pan--Americanachega aoBrasil trazendo suamensagemde paz.
Inspiradanaantigatradic¸ãodosJogosOlímpicos gre-gos foi fabricada em acrílico e metal, que representa adiversidadeeauniãoentreasmuitasnacionalidades, línguaseetnias.Porondeelapassa,eladespertao inte-resse peloesporte e faz lembrar um velho ideal:o da integrac¸ãodasAméricas.
Ofogo---símbolodabuscahumanapeloconhecimento edodesejodecompartilhar---tambémestáassociadoà mascotedacompetic¸ão:umsolsorridenteCauê,nome deorigemtupirelacionadoàlendadamisturadasrac¸as9
Édepraxe,em cadaumadasedic¸ões,eleger um mas-cotequeaglutineossignificadosdopaísnosjogos.Aeleic¸ão pelanac¸ãobrasileiradeumsol,chamadoCauê,acabapor representar um ‘‘país tropical’’e alinha-se a umtipo de interpretac¸ãosobre‘‘oqueéoBrasil’’.Nossahipótesede trabalhoéqueostemasdanatureza,dariquezadaterra, doclima,dahospitalidadeeda‘‘mestic¸agem’’delinearam aaberturadosjogosdo‘‘PandoBrasil’’exaltandoas rique-zasdoterritórionacionaledeseupovo.Comissoaestética e oconteúdodoeventoacabouporprivilegiarumtipode interpretac¸ãodoqueéoBrasil.AoanalisarCauê,Ferreira eCosta(2008)viram-nocomo
alegre,esportistaeapreciadordetodasasmodalidades deRio2007. Respeitadordanatureza.Umsímbolo que temacarada‘cidademaravilhosa’,conhecidaemtodo omundoporsuaalegria,calorehospitalidade.
Representantedosideaisolímpicoscompreende tam-bém todas as línguas das Américas. Além disso, pela primeiraveznahistóriadosJogosamesmamascote inte-grouosJogosPan-AmericanoseParapan-Americanosnum exemplopráticodosvaloresolímpicosdeigualdadeenão discriminac¸ão.OnomeCauêvemdoTupi,éumnome pró-prio,possivelmentederivadodeauê,umasaudac¸ãoque nestalínguaindígenasignificasalve!(...)
Fazpartedeumalendaqueevocaamisturaderac¸ase acolonizac¸ãodoRiodeJaneiro.Cauêseriafilhodeuma branca(afrancesaAmanda)edoCaciqueArarê,alegre, esportista,bomanfitrião,amigo(FerreiraeCosta,2008, p.277).
Aeleic¸ão deumíndiopodesignificar váriascoisas que compõemaimagemdoBrasil.Observequeoanalista supra-citadoreconhece queessesímbolo significaalegria,clima nãohostil,hospitalidadeepacifismo.Alémdisso,Cauê sim-bolizaamiscigenac¸ãoderac¸aseculturasnopaís.Observe que mesmo diante de umavelha interpretac¸ão do Brasil, esse resgate estaria em conformidade com as demandas
contemporâneas que clamam por um mundo que celebre valoresmodernoscomoaigualdadeeatolerância.
ORIO2007trouxea‘‘energia’’comotema.Omotedos Jogos,‘‘Vivaessa Energia’’,foiapresentadona cerimônia atravésdaforc¸avinda detrêselementos: sol,águase do serhumano,numbeloespetáculodecores,luzesesonsque reuniu diversos símbolos e representac¸ões sobre o Brasil. Além dos vários efeitos deiluminac¸ão, a festatevecomo destaqueatletas,danc¸arinosefigurantesqueabrilhantaram oevento.Cadapaísfoirepresentadoporglobosgiratórios comseusrespectivosnomesescritosemportuguês,inglêse espanhol,dandoassimdestaqueàstrêslínguasmaisfaladas nocontinenteamericano.
SegundoFerreira eCosta(2008) foramexplicitadas nos discursosestratégiaspersuasivasdevalorizac¸ãodoesporte, daimagemenaltecedoradoestado,dosideaisdoliberalismo eatemáticadaenergiaqueespelhariaaalmacoletiva bra-sileiraaofazeralusãoaossímbolosdaidentidadenacional comoadiversidadenatural,culturaleétnica.Acerimônia de abertura chamou atenc¸ão dos símbolos representati-vos daidentidadenacional e asdemandas demostrarum Brasildesenvolvidocomenergia,sejadeseupovo,dassuas fontesnaturaisedaprincipalempresadegerac¸ãode ener-gianoBrasil,aPetrobrás10.Empresadeeconomiamistaque foiumdosprincipaispatrocinadoresdoevento.
A fimdeaprofundar esta questão recorremosao docu-mentário ‘‘Jogos PanAmericanos Rio 2007 --- Cerimônia de Abertura11’’. Nele, Leonardo Gryner, diretor geral de cerimônias, destaca a importância dacerimônia de aber-turaparaoevento:‘‘acerimôniadeaberturaéoelemento fundamental dos jogos,ela dáo tomcom que aspessoas vãoreceber osjogos’’. Aindaem relac¸ão àabertura, Ali-ciaFerreira,produtoraassociadadafesta,chama atenc¸ão nodocumentárioparaoineditismodeumacerimôniadesta natureza:‘‘Afesta,elatemumadimensãodeaberturade jogoolímpico,que émuitomaiore muitomaiscomplexo. Issoseconstituiumdesafiosim,delogonaprimeiravezque agenteestáfazendoumacerimôniadessanaturezainédita noBrasil,elajáterumaordemdegrandezafenomenal.’’12 Vejamosentãocomofoipensadaestacerimônia grandi-osaqueditariao‘‘tom’’dosjogos.Odocumentárioinicia rememorandoadisputaemtornodacidade-sededosjogos. NaTela2: ‘‘Emumatarde qualquerdoanode2002,uma disputapelaoportunidade desediar osXVJogosPan Ame-ricanos terminou de forma surpreendente’’, que seria a escolha do Rio de Janeiro para sediar tais jogos.A telas subsequentes(3,4e5)seocupamdeapresentaruma entre-vistacomLeonardoGryner.Odiretorchamaatenc¸ãoparaa concepc¸ãodoprocessodoPandoBrasil:
Foramtrêsdiasdereuniões seguidas:eu,Scott,aRosa eo Luís,internadosem umhotele fazendooprimeiro desenhodacerimônia.Etudoissoeraumdesdobramento dessaideiadoVivaessaEnergia,decomoeraessa ener-giabrasileira.Agentetinhatrêselementosimportantes daenergiabrasileira:umaeraaenergiadanatureza.Nós
10 https://www.youtube.com/watch?v=ZyN4xXOBsYQ. Acessoem 10Jul.2014.
11 https://www.youtube.com/watch?v=ZROu32wxjk 12 https://www.youtube.com/watch?v=ZROu32wxjk
temosumanaturezaexuberante,maravilhosa,fantástica eumdoselementosessenciaispraessaenergiaacontecer éosol.Umoutroelementoéaágua,aáguaéumacoisa muito presentena nossacultura, nossincretismos, nós somosbanhadosporumavariedadederioimensa;eo ter-ceiro,obviamente,éaenergiadohomem.Acriatividade do brasileiro é uma coisa impressionante. Eu costumo dizer que eu não conhec¸o nenhum país, na dimensão que é o Brasil, tendo umalíngua somente, tendo pra-ticamente umasóreligiãoqueé muitopredominantee quetemumadiversidadeculturaltãogrande.
Grynerrevelaassolicitac¸õespolíticasemrelac¸ãoà aber-turadoPandoBrasilrealizadonacidadedoRiodeJaneiro:
O governo pediu que a gente mostrasse o Brasil, que não fosse uma coisa só Rio de Janeiro, que a gente mostrasseadiversidadeculturalbrasileira,pedirampra gente fugir dealguns estereótipos, que tambémera a nossaintenc¸ão,aquelacoisademulata,bunda,carnaval, mulhernua,agentequeriasairforadessesestereótipos. MostrarqueoBrasiléumpaísmoderno,quenãoficasse uma coisa folclórica, que mostrasseque o Brasil é um paíscapazdefazerumshowcontemporâneo.Aindaque tenhareferênciasfolclóricas,queonossoshowtem,mas feitodeumaformacontemporânea,moderna,feitode umaformamoderna.Onúmerodeaberturado espetá-culoéonúmerodepercussionistasfantástico.Eaideia erarealmenteenergizaresseMaracanãtodo.Comtodo esse conceito, com toda essa energia, você conseguir energizaresseestádiotodo e trazeraenergia dopovo brasileiro,queétãoparticipativo,deumavez.
Vê-se que havia uma intenc¸ão política na abertura do primeiromegaeventoesportivodessanaturezaqueoBrasil iria sediar. Fica evidente que o governo solicita o agen-ciamento de uma imagem que fugisse de estereótipos e privilegiasseadiversidadedestepaísquesequermoderno eapesardoselementostradicionaisdoqueconservaemseu folclorenacional.TambémintencionavadescentraroPanda cidade-sede,pois,oinvestimento doGoverno Federalfoi centralparaqueoeventofosserealizado.GeneralizaroPan paraoBrasilfoiumaestratégiapolíticademostrarparaa federac¸ãodosestadoseparaforaqueoBrasilnãoera ape-nasocartãopostalrepresentadopeloRiodeJaneiro,como desejouPereiraPassosnaReformaUrbanade1904.
Um dos elementos que deveriam também traduzir a identidadebrasileira era a trilha sonora dacerimônia de abertura.LeonardoGrynerdestacaque
Amúsicafoiumprocessoartísticoumpoucomaislento, demorado,porqueprecisavadessabaseartísticacriada, precisava saber o que seriam osnúmeros parao Alê13 poder trabalhar. Como ele resolveria a música? Como a música iria complementar e dar um fechopara essa criac¸ãoartística.Nãopodiaserumacoisasódamúsica brasileira, nãopodia serumacoisa de umsó composi-tor,tinhaquemisturarosinfônico,tinhaquemisturara músicabrasileira.ImagineumpoucodeVilaLobos,Tom Jobim,misturadocomumritmomoderno?’’.
Estatrilhasonoradeveriarepresentaradiversidade artís-tica,traduzidanadiversidadederitmosbrasileiros,criados apartir de umpovo misturado culturalmente e da singu-larmusicalidadericaediversanosnovosevelhostempos. O diretor musical do cerimonial, Alê Siqueira, chamou a atenc¸ãoparaofatodequeestadiversidadeestavatraduzida nadiversidademusical dascantorasedogrupoescolhidos paracantar/tocarnacerimôniadoPandoBrasil:
euacheiinteressantetrazerpessoascomoaElza,queé uma das maiores cantoras que o Brasil já teve e isso éindiscutível.(ElzaSoarescantouoHinoNacional Brasi-leiro,acapela).TrazeraNaraCosta,queéumacantora revelac¸ão do Rio, trazer a Céu, que também é uma revelac¸ãodeSãoPaulo, é fantástica,oCordel doFogo Encantado que é um grupo já conhecido, mas infeliz-menteograndepúblicoaindanãoconhece.
Com relac¸ão a relac¸ão dos ideários do jogos com as demandasdarepresentac¸ãodoBrasilnafestadeabertura, LeonardoGrynedestaca:
Pessoas de vários países, de vários credos, pessoas de diversascores,pretos,brancos,amarelosconvivendoem umambientedepaze harmonia.Essaéaideiacentral dos jogos, sejam os jogos olímpicos ou os jogos pan--americanosouosjogosasiáticosetal.Entãotemsempre ummomentoemquevocêcelebraapaz.OAlêsugeriuo ChicoCésarpracomporumacanc¸ãosobreapazeelefez umacoisaabsolutamentearrepiante’’.Odiretormusical justificaaescolhadestecantor:‘‘Porque oChicoé um porta-vozdos lamentos,dasrezadeiras nordestinas,de maneiranatural,orgânica.Elecantacomessaheranc¸a, euacho.Aestética,avozdarezadeiranordestina.
Um doselementos elogiados foramascoreografias dos bailarinos. Lola Gabriel, um das coreógrafas responsáveis pela organizac¸ão do evento revela o convite aos grupos da cultura popular da cidade do Rio de Janeiro para participac¸ão dafestadacerimôniadeabertura:‘‘agente convidoualgunsgruposdeculturapopulardoRiodeJaneiro, algunscapoeiristas,opessoaldoJongodaSerrinhatambém veio e a gente pôde contar nesse evento também com o bachareladoemdanc¸adaUFRJquedeu,semdúvida,uma basemuitointeressante’’14
A avaliac¸ão, realizada pelos organizadores, dão conta queacerimôniafoiumsucesso,comorevelano documen-tárioScottGivens,produtorexecutivoediretor:
Quando você tem uma cerimônia de abertura mara-vilhosa, na manhã seguinte as manchetes são ótimas, as críticas são ótimas. Todos dizem coisas boas sobre os jogos.E toda uma vibrac¸ão positiva se inicia. Com isso,todasasoutrascoisasquevocêestáfazendopelos jogossão afetadas positivamente, comec¸ando naquela primeiramanchetedodiaseguinte.Issofazcomquetodo opaísfiqueorgulhoso,todaacidadeorgulhosadoesforc¸o feitoparaaqueleevento.Tudoissocontaimensamente paraosucessodosjogos,eeutedigo:euviissoaquino Rio.
14 https://www.youtube.com/watch?v=ZROu32wxjk
CarlotaPortella15,umadasresponsáveispelas coreogra-fiasdafestadeabertura,optouporrepresentaraidentidade brasileira à luzdesse cenáriopor meiode acrobacias cir-censescombinadascom floreiosdojogo decapoeira16.As coreografiashomenageavamasbelezasnaturaiseculturais dopaís,noseugrandeeunificadoterritório.Estamarcaque delineiatodaaconstruc¸ãodaidentidadenacional(Oliveira, 1990)serefletetambémnacerimôniadeaberturadoPando Brasilqueseencerracomacantorabaiana,DanielaMercury, cantando‘‘CidadeMaravilhosa’’emritmodesamba.
DuranteatransmissãodaRedeGlobodeTelevisão obser-vamosumaênfasedatransmissãoemexaltarelementosda naturezatropicaledapluralidadeculturalbrasileira, espe-cialmenteosambaeacapoeira.Ressaltamosquenaocasião daentradadasdelegac¸ões,a‘‘trilhasonora’’dadelegac¸ão brasileira foiosamba. Comefeito,podemos observarque o samba e a capoeira assumem um protagonismo na demanda derepresentar o Brasil na festa deabertura do ‘‘PandoBrasil’’.Issofoioquepôdeserobservadoapartir datransmissãodaRedeGlobodeTelevisão.
Odiaseguintetrouxeasmanchetesdosjornaiscariocas sobreafestadeaberturado‘‘PandoBrasil.Vejamoso con-teúdodasmatérias.O JornaldoBrasil17 estampouem sua primeirapágina:
Amaiordetodasasfestas:
O Rio é Pan: 75 mil espectadores viram o Mara-canãtransformar-senumagaleriadaalmabrasileira.Elza Soares reviveu Garrincha: paralisou o estádio com a interpretac¸ão do Hino Nacional. Era o prelúdio de um show de raízes. Em verde e amarelo a delegac¸ão foi festejada com a alegria de umgol. (...) dos batuques anunciavamaópera amazônicaàaquareladoBrasil,os JogosPan-Americanosforamabertosporumespetáculo impecáveldedanc¸asluzesesons.Melhorinspirac¸ão,os atletasnãohaveriamdeter(oitálicoénosso).
Namesmadirec¸ão,OGlobo18estampou:‘‘Fogosagrado: afestadeaberturadoJogosPan-AmericanosqueoRio apre-sentou para o mundo foi perfeito. O show de cores que valorizouaculturabrasileira’’(oitáliconosso).
AtentativadosorganizadoresdoPanerafugirdos este-reótiposeapresentarumMadeinBrazilcomoaexposic¸ão dosnossosexóticosprodutosculturaisemestic¸os(Schwarcz, 2001). Era,como apontamseusorganizadores,apresentar atradic¸ãomodernizada.Secomo destacaMunanga (2004) a produc¸ão discursiva do ‘‘ser brasileiro’’ passa por uma compreensão do conteúdo simbólico e político da mestic¸agem, a festade abertura doPan doBrasil acabou celebrandoamestic¸agemcomoumgrandelegadodacultura brasileiraparaomundo.Reforc¸andoassimainterpretac¸ão queaquivivemosemharmoniaparaalémdasdiferenc¸asda cordapele,dareligiãoedaideologia,assimcomoCauê,um índiohospitaleiroefilhodamestic¸agem(Ferreira eCosta, 2008).
15 Carlota Portella é uma premiada coreógrafa carioca. Mai-ores informac¸ões: http://www.rio.rj.gov.br/rioarte/site/danca subvencao.
16 http://www.globo.com,acessadoem14denovembrode2007. 17 14Jul.,Esportes,p.1.
Orientadapela demandadeconstruc¸ão deumdiscurso distintivosobreanac¸ão,acategoriada‘‘mestic¸agem’’foi investidacomo capitalsimbólicopara representaroBrasil tambémnoPAN, assumindo os contornosda modernidade pela estética do evento. O samba e a capoeira, além do candombléedofutebol,setransformariamelementos dis-tintivosdaculturanacionalnoevento.‘‘Desafricanizados’’ esimbolicamenteclareados,esseselementosculturais pas-saram a atender, a partir dos anos 20-30, à demanda da construc¸ãodanacionalidadebrasileira(Oliveira,1980).
Miscigenados, esses símbolos dramatizam uma das marcas distintivas da identidade brasileira: a ilustrac¸ão ideológica da propalada convivência equilibrada entre os antagonismosdasociedadebrasileira.Talequilíbriode anta-gonismossetornariaummodeloasercopiadoparaaqueles quebuscamapazinterétnica.Essesprodutos(samba, capo-eiraefutebol)revelariama‘‘democraciaracialbrasileira’’, umdosmitosnacionaisqueprivilegiaodiscurso assimilaci-onista de uma nac¸ão que soubera romper com o passado escravo e vislumbrar o futuro a partir do legado de seus gruposétnicos.
Amensagemdesse‘‘povo-novo’’multiétnicoeracomoo Brasilqueriaservistopelasrepresentac¸õesdamestic¸agem nopassadoepelasimagensatualizadaspelosidealizadores doPan naqueleevento esportivo.Noplano dasideologias nacionais,amestic¸agemrepresentaaigualdade proporcio-nadapeloesquecimentodasdiferenc¸asquehierarquizavam anteriormente e uma crítica à ‘‘pureza racial’’, que por muito tempo serviu de bastião para a escravizac¸ão e/ou colonizac¸ãodospovos.Paraalémdabipolarizac¸ão hierarqui-zante‘‘colonizador-colonizado’’,o‘‘mestic¸o’’sóépossível seosantagonismosouascategoriasqueoutroraforam pen-sadascomonaturaisoupurasforemsuprimidas.
Observemosqueaeleic¸ãoda‘‘mestic¸agem’’atendeua demanda do ‘‘Novo Mundo’’ no sentido deconstruir uma identidade que expressasse a civilizac¸ão da Jovem Repú-blica. Decorrente da positividade como foi encarada as relac¸ões raciais na sociedade brasileira, a ‘‘democracia racial’’expressavaassim oethos civilizadodeumanac¸ão que soubera superar, sem conflito, o preconceito racial. Ainterpretac¸ãodoBrasilnaaberturadoPAN2007não apre-sentacontinuidadecomessatradic¸ão?
Alegoriasdodiscursoideológicoda‘‘democraciaracial’’ e os ‘‘produtos culturais mestic¸os’’ dramatizam como o Brasil pode ser visto ainda hoje. No plano simbólico, osambae acapoeirarepresentam oethosdabrasilidade, qual seja: o discurso ideológico daharmonia multirracial da‘‘nac¸ãomestic¸a’’.Noplanosimbólico,esses‘‘produtos culturais mestic¸os’’ ilustravam a mensagemideológica da demonstrac¸ãodeumaessênciademocráticadocaráter naci-onalpelofatodaconvivênciadeantagonismosehierarquias. Essaseriaacontribuic¸ãoda‘‘nova’’-‘‘civilizada’’-nac¸ão brasileira teria para oferecer ao mundo no passado, mas tambémnopresente.
Conclusão
Chacon (2001) esclarece que umacultura se descobre ao constituir-se.Nessadirec¸ão,oBrasilnãofoipropriamente descoberto,nemachado,nemqualqueroutronomequelhe imputeumadatarígida(Chacon,2001).Odescobrimentodo
Brasiléasuacontínuaconstruc¸ão.Forametapassucessivas deconstruc¸ão,antesedepoisdasdatac¸õesdehoje.
Ianni(2000)numagudoartigosobreessaconstruc¸ãodo BrasilrealizaummapeamentodosintérpretesdoBrasiledas narrativasdominantes,nopassadoenopresente,que pen-samoestadocomo demiurgodasociedade,comoproduto dasociedadepatriarcal,comoumlocalparaforjar capita-lismonacional,comolutadeclassesparaforjarosocialismo ecomoopaíspodeserintegradoanovaordemmundialdo neoliberalismoe docapitalismo transnacional.Várias cor-rentesdeintelectuaisaolongodoséculoXXintegraramas diferenteslinhagensdeintérpretesdoBrasil.Paraalém des-saslinhagens de interpretac¸ão temos asculturalistas que pensaramquea históriadopaís sedesenvolveemtermos designos, símbolose emblemas de nossacultura. Assim, temosprecursoresnopassadoenopresentequeinterpretam oBrasil,‘‘assim,quepodeservistocomouma‘‘fábrica’’de explicac¸ões,umacolec¸ãodeinterpretac¸õescompondouma visãodopaísnocursodahistória’’(Ianni,2000,p.72).
O interessante do argumento de é que essas linha-genspodemseramalgamadasesetransformamemficc¸ões sobreo que é ou deveser o Brasil. O argumentotratado atéintenciona marcarqueosorganizadoresdoevento em tela,conscientesounão,acabamincorporandoalgumasdas interpretac¸ões correntes do que é ou deve ser o Brasil. Oqueorganizadoreseanalistasdesejaraminformarsobre oBrasil?DeacordocomCastro(2007)
todos esses espetáculos do esporte internacional se caracterizam como espac¸o de solidariedade e congrac¸amentoentreospovos,momentodepaze exem-plo de ummundo onde adversário não é inimigo e as batalhasentrepaísesocorremsemderramamentode san-gue.NasAméricas,Jogosestimulamareflexãosobreas possibilidades de um continente unido, pacífico, prós-pero, com a construc¸ão de umarede desolidariedade e cooperac¸ãopormeiodoesporte,umadasexpressões dopan-americanismo(Castro,2007,p.21).
Observemosquemesmoumanalistatomaoeventocomo uma metáfora do dever ser do esporte e do continente americanonessecontexto.Acreditamosqueafestade aber-turado‘‘PandoBrasil’’cumpriucompartedademandada construc¸ãodabrasilidadeque,pormaisquefosseatualizada alinguagemdoespetáculo,aindatemosoresíduodos sím-bolos,signoseemblemasqueao falaremdasingularidade denossacultura acionamo exótico ea mestic¸agem como marcasdasingularidadebrasileira.
nosreportarmosàsinterpretac¸õesclássicasdenossos inte-lectuais(Ianni,2000).
Todavia,poder-se-iaperguntar:quaisseriamosrecursos simbólicosutilizadosparaa afirmac¸ãodo‘‘PandoBrasil’’ senãoasimagenseritmosdograndeterritóriounificadopela língua,dasriquezasnaturais,doclima,dapacífica convivên-cia,dosambaedacapoeira?OPANretomaosvelhos símbo-losdaidentidadenacionalatravésdeumanovaroupageme daatualizac¸ãodalinguagemestéticadoespetáculono sen-tidodepreservareatualizaresseBrasilmodernosem rom-percomsuasvelhasinterpretac¸õessobreoqueéoBrasil.
O que estamos querendo marcar é que se ossímbolos sótêmcoerênciamedianteseussignificados,aeleic¸ãodos exóticos‘‘produtosmestic¸os’’selecionadospara represen-taroBrasilnaqueleeventoreforc¸aamensagemideológica da‘‘nac¸ão mestic¸a’’quepossuium povopacíficoe, como induz Castro (2007), os jogos e nosso estilo harmonioso poderiamestimularareflexão sobreaconstruc¸ão do Pan--americanismopormeiodoesporte.
Se o desejo era mostrar o Brasil industrializado, para alémdeumaculturaexóticacomsoloricoprodutorde com-modities,observamos queossímbolosutilizados doCauê, dosambaedacapoeiraaprisionaramalinguagemgerando poucamargemdemanobraestéticaparaosorganizadores doevento.Nafestadeabertura,aosolhosdecercade75mil espectadoresqueestiverampresentenoMaracanãeaosde outrosmilharesdetelespectadores queassistiram-napela televisão,revelaram-seossímbolosidentitáriosqueoBrasil querquesejaprotegidonasuamemória.
Asimbolizac¸ãodoBrasilatravésdasuadiversidade natu-ral e cultural, traduzida na presenc¸a de elementos como território,florestas,águaemabundância,sol,tropicalidade e, sobretudo, a capoeira e o samba explicam a eleic¸ão dos ‘‘produtos mestic¸os’’ como permanentes mediadores daidentidadenacional parafora eparadentro.Acionadas aosolhosdomundoapartirdosmegaeventosesportivosno mercadointernacional,esteselementoscontinuama repre-sentaraautoimagem daharmoniamultirraciale doethos festivodo ‘‘ser brasileiro’’. Seas nac¸ões são construídas àcustademuitosesquecimentosealgumaslembranc¸as,a aberturado ‘‘Pando Brasil’’rememorou aosbrasileiros a mensagemideológica, reafirmando-ano plano dos signifi-cadosdasuaculturaadisputae aconciliac¸ão dealgumas perspectivasdeleiturassobreoBrasil.
Conflitos
de
interesse
Osautoresdeclaramnãohaverconflitosdeinteresse.
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