ANA PAULA BÉRGAMO ARAUJO
São Paulo
2008
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ANA PAULA BÉRGAMO ARAUJO
São Paulo
2008
Tese apresentada à Universidade
Federal de São Paulo – UNIFESP, para
obtenção do Título de Doutor em
Ciências.
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Araujo, Ana Paula Bérgamo
Proteoglicanos de Heparam Sulfato no Cerebelo em Desenvolvimento: Expressão Gênica, Estrutura e Funções./ Ana Paula Bérgamo Araújo. - - São Paulo, 2008.
xxii, 126f.
Tse (Doutorado) - Universidade Federal de São Paulo, Escola Paulista de Medicina. Programa de Pós-graduação em Ciências.
Título em inglês: Heparan Sulfate Proteoglycans in Cerebellar Development: Expression, Structure and Functions.
Esta tese foi desenvolvida na
Disciplina de
Biologia Molecular – Departamento de
Bioquímica- Universidade Federal de São Paulo
– Escola Paulista de Medicina, durante o curso
de pós graduação em Biologia Molecular, com
auxilio financeiro das entidades: CNPq,
FADA-UNIFESP e FAPESP. O autor foi bolsista
CNPq.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO
ESCOLA PAULISTA DE MEDICINA
DEPARTAMENTO DE BIOQUÍMICA
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ANCAE
XAMINADORAT
ITULARESProf. Dr. Alexander Henning Ulrich
Profa. Dra. Helena Bonciani Nader
Prof. Dr. Ivarne L. S. Tersariol
Profa. Dra. Maria da Graça Naffah-Mazzacoratti
Profa. Dra. Marimélia Porcionatto
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UPLENTESA
GRADECIMENTOSÀ Profa. Dra. Helena Bonciani Nader que é um exemplo de garra e
determinação, e pela coragem de nunca desistir.
Aos demais Docentes da Disciplina de Biologia Molecular: Profa. Dra.
Leny Toma, Profa. Dra. Yara Michelacci, Profa. Dra. Maria Aparecida Pinhal,
Prof. Dr. Hugo Monteiro
pela amizade e acima de tudo pelo exemplo de
dedicação.
Á Elsa Yoko Kobayashi, pela paciência, pelo exemplo de dedicação à
ciência.
À Aline Mendes e Fernanda Casemiro de Souza pela ajuda sempre que
precisei e pela amizade.
Aos meus amigos e colegas de laboratório: Carolina Batista Ariza,
Ritichelli Ricci, Carolina Meloni, Thais R. Filippo , Yvette May
Coulson-Thomas, Caroline Mônaco, Maria Emília O. Brenha Ribeiro, Juliana Dominato,
Rodrigo I. Bouças, pelo apoio, pela amizade e por terem me ajudado em tudo
que foi possível e impossível.
Aos funcionários do Biotério de Experimentação Animal do
INFAR/UNIFESP pela paciência, pela ajuda e principalmente pela dedicação
com os animais.
A todos que não foram mencionados, mas que de alguma forma
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UMÁRIOPáginas
1. Introdução... 1
1.1. Cerebelo: Citoarquitetura e Desenvolvimento... 1
1.1.1 Citoarquitetura... 1
1.1.2 Desenvolvimento... 5
1.2 Proteoglicanos de Heparam Sulfato: Estrutura, Funções e Biossíntese... 8
1.2.1 Glicosaminoglicanos ... 8
1.2.2 Heparam Sulfato... 12
1.2.3 Proteoglicanos... 15
1.2.4 Proteoglicanos de Hepram Sulfato... 18
1.2.4.1 Família dos Glipicans... 23
1.2.4.2 Família dos Sindecans... 24
1.2.5 Biossíntese do Heparam Sulfato... 29
1.2.6 Papel Biológico dos Proteoglicanos de Heparam Sulfato ... 33
1.2.7 Proteoglicanos de Heparam Sulfato e os Fatores Morfogênicos e de Crescimento... 37
1.2.7.1 Heparam Sulfato e FGF (Fibroblast Growth Factor)... 37
1.2.7.2 Hepram Sulfato e Shh (Sonic Hedgehog)... 39
1.2.8 FGF e Shh no Desenvolvimento do SNC ... 40
2. Objetivos... 45
2.1 Geral... 45
2.2 Específicos... 45
3. Material e Métodos... 46
Animais... 46
3.1 Protocolos Celulares... 46
3.1.1 Cultura Primária de Precursores de Células Granulares... 46
3.1.2 Marcação Metabólicas... 47
3.1.2.1 Incorporação de [3H]-Timidina para Quantificação de Proliferação Precursores de Células Granulares... 47 3.1.2.2 Incorporação de [35S]-Sulfato para Análise Estrutural de Heparam Sulfato... 48
3.1.2.2.1 Marcação Metabólica de Glicosaminoglicanos Extraídos de Cerebelo... 48
3.1.2.2.2 Marcação Metabólica de Glicosaminoglicanos Extraídos de Precursores de Célula Granulares... 48
3.1.3 Outros Ensaios Celulares... 49
3.1.3.1 Inibição da Sulfatação... 49
3.1.3.2 Viabilidade Celular... 49
3.2 Protocolos Químicos e Enzimáticos... 50
3.2.1 Extração de Glicosamonoglicanos de Cerebelo... 50
3.2.2 Extração de Glicosaminoglicanos de Cultura Primária de Precursores de Células Granulares... 51
3.2.3 Purificação do Heparam Sulfato... 51
3.2.4 Eletroforese em Gel de Agarose... 51
3.2.5 Degradação Enzimática do Heparam Sulfato... 52
3.2.6 Análise Estrutural das Cadeias de Heparam Sulfato... 54
3.2.6.2 Análise da Composição Dissacarídica do Heparam Sulfato por HPLC... 55
3.3 Protocolos de Biologia Molecular... 55
3.3.1 Preparação de Soluções, Material Plástico e Vidraria para Execução de Protocolos de Biologia Molecular... 55
3.3.2 Extração de RNA Total... 56
3.3.3 Quantificação do RNA... 56
3.3.4 Desenhos dos Primers... 57
3.3.5 RT-PCR (Reverse Transcription Polymerase Chain Reaction)... 57
3.3.6 RT-PCR em Tempo Real... 59
3.3.7 Análises Estatísticas dos Resultados de Expressão Gênica... 66
4. Resultados ... 67
4.1 Análise da Síntese de Glicosaminoglicanos... 67
4.2 Análise da Expressão Gênica por RT-PCR em Tempo Real... 70
4.2.1 A Expressão de Vários Genes Relacionados com os Proteoglicanos de Heparam Sulfato é Regulada Temporalmente no Cerebelo ... 71 4.2.1.1 Expressão do Esqueleto Protéico de Glipicam e Sindecam... 71
4.2.1.2 Expressão de Heparam Sulfato Sulfotransferases... 75
4.2.1.3 Expressão de Sulfatases Extracelulares que Agem Sobre Heparam Sulfatos. 77 4.2.2 A Expressão de Vários Genes Relacionados aos Proteoglicanos de Heparam Sulfato é Regulada Temporalmente nos Precursores de Células Granulares... 79
4.2.2.1 Expressão do Esqueleto Protéico de Glipicam e Sindecam... 80
4.2.2.2 Expressão das Heparam Sulfato Sulfotransferases... 83
4.2.2.3 Expressão das Sulfatases Extracelulares que Agem Sobre Heparam Sulfatos.. 85
4.3 Análise Estrutural de Heparam Sulfato Cerebelar... 87
4.3.1 Espectrometria de Massas... 88
4.3.2 Análise da Composição Dissacarídica por Degradação Enzimática Seguida por HPLC 94 4.4 Ensaio de Inibição da Sulfatação de Glicosaminoglicanos in vitro... 96
5. Discussão... 98
6. Conclusões.... 103
7. Referências Bibliográficas... 105
8. Anexos ... 106
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BREVIATURASAd : adulto
α-D-GlcN : α-D-glucosamina
α-L-IdoUA : ácido α-L-idurônico
AP : eixo antero-posterior
AS : ácido siálico
Asn : L-asparagina
β-D-GlcUA : ácido β-D-glucurônico
BMP bone morphogenetic proteins
BrE t: brometo de etídeo
Cb : primórdio cerebelar
CCG : camada de célula granular CCP : camada de célula de Purkinge CGE : camada granular externa CGI : camada granular interna
CM : camada molecular
CP : células de Purkinge
cp : plexo-coróide
cpm : contagens por minuto
CS : condroitim sulfato
CXCR4 : receptor de SDF-1
DEPC : dietilpirocarbonato
Δ : presença de insaturação
ΔDiDiS : dissacarídeo insaturado dissulfatado
ΔDiNac6S : dissacarídeo insaturado N-acetilado, 6-Sulfatado
ΔDiNS : dissacarídeo insaturado N-sulfatado
ΔDiTriS : dissacarídeo insaturado trissulfatado
ΔU,GlcNAc,6S : dissacarídeo insaturado N-acetilado, 6-Sulfatado
ΔU-GlcNS : dissacarídeo insaturado N-sulfatado
ΔU-GlcNS,6S : dissacarídeo insaturado dissulfatado
ΔU2S-GlcNS,6S : dissacarídeo insaturado trissulfatado DEMEM : dulbecco´s Modified Eagle Medium
DMSO : dimetilsulfóxido
DS : dermatam sulfato
DV : eixo dorso-ventral
EBSS : earle´s balanced salt solution ESI-MS : espectrometria de massas EXT1 : proteínas exostosina-1 EXT2 : proteínaexostosina-2
EXTL2 : α1,4-N-acetilhexaminiltransferase FGF : fibroblast growth factor
g : gravidade
GAG : glicosaminoglicanos
GADPH glyceraldehyde-3-phosphate dehydrogenase
Gal : galactose
GalNAc : 2-Desoxi-N-acetil D-galactosamina Gal-TI : galactosiltransferase
Gal-TII : galactosiltransferase II
GCP : precursores de células granulares GlcNAc : N-acetilglucosamina
GlcNAc,6S : N-acetilglucosamina 6-sulfato GlcNS : glucosamina N-sulfato GlcNS,6S : glucosamina 2,6 dissulfato
Gly : L-glicina
GPI : glicosilfosfatidil inositol
HB-EGF: heparin-binding EGF-like growth factor
Hep: heparina
HEPES : ácido N-2-hidroxietilpiperazina-N-2-etano-sulfônico HIP : proteína de membrana que se liga a Hh
HPLC : cromatografia líquida de alta eficiência
HPRT hypoxanthine guanine phosphoribosyltransferase
HS : heparam sulfato
IdoUA,2S : ácido L-idurônico 2-sulfato Ilog : Interference Hedgehog
kDa : quilo daltons
L : lateral
M : medial
Man : D-manose
MTT : brometo de 3,-(4,5-dimetiltiazol-2-yl)- 2,5difeniltetrazolio mSulf-1 : sulfatase extracelular 1
mSulf-2 : sulfatase extracelular 2 NDST-1 : N-deacetilsulfotransferase-1 2-OST-1 : 2-O-sulfotransferase-1 3-OST-2 : 3-O-sulfotransferase-2 6-OST-3 : 6-O-sulfotransferase-3
PAPS : 3’-fosfoadenosina 5’-fosfosulfato
pb: pares de bases
PBS : tampão salina fosfato
PCR: reação em cadeia da polimerase PDA : tampão 1,3-diaminopropano PDGF : platelet-derived growth factor PGHS : proteoglicano de heparam sulfato
QS : queratam sulfato
rl : lábio rômbico
RT-PCR : reverse transcription polymerase chain reaction SDF-1 : stromal-derived factor-1
Ser : L-serina
SFB : soro fetal bovino
Shh : sonic hedgehog
SNC : Sistema Nervoso Central TCA : ácido tricloroacético
VEGF : vascular endothelial growth factor
v/v : volume/volume
Xil : D-xilose
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UMÁRIO DET
ABELASPáginas
Tabela I Principais componentes da unidade estrutural dos glicosaminoglicanos ... 11
Tabela II Características de alguns proteoglicanos... 20
Tabela III Características dos membros da família dos Glipicans e Sindecans... 25
Tabela IV Principais características dos primers utilizados... 62
S
UMÁRIO DEF
IGURASPáginas
Figura 1 Organização sináptica do circuito cerebelar básico... 3
Figura 2 Estrutura básica do córtex cerebelar... 4
Figura 3 Esquema representando odesenvolvimento cerebelar no período embrionário... 6
Figura 4 Proliferação e migração de precursores de células granulares durante o desenvolvimento pós-natal do cerebelo... 7
Figura 5 Unidades estruturais dos glicosaminoglicanos... 10
Figura 6 Destribuição dos glicosaminoglicanos sulfatados na escala filogenética... 12
Figura 7 Estrutura de heparam sulfato obtidos de diferentes origens... 15
Figura 8 Região de ligação entre a cadeia de glicosaminoglicanos e a porção protéica... 16
Figura 9 Principais formas de ligação dos proteoglicanos de heparam sulfato à superfície celular... 19
Figura 10 Estrutura dos membros da família do glipicam... 26
Figura 11 Estrutura dos esqueletos protéicos dos sindecans... 28
Figura 12 Representação esquemática da biossíntese do heparam sulfato... 31
Figura 13 Esquema da biossíntese do heparam sulfato... 32
Figura 14 Papel biológico dos proteoglicanos de heparam sulfato... 36
Figura 15 Estrutura em 3D do complexo FGF/heparina/FGFR ... 38
Figura 16 Via de sinalização do Shh... 44
Figura 17 Sítio de clivagem da heparinase e heparitinases de Flavobacterium heparinum sobre a molécula de heparina/heparam sulfato... 53
Figura 18 Representação esquemática do anelamento dos primers... 58 Figura 19 Curva de amplificação em PCR em tempo real... 64
Figura 20 Cuva de dissociação dos produtos de PCR derivados da amplificação... 65
Figura 21 Curva de calibração da expressão de β-actina, GAPDH e HPRT... 66
Figura 22 Glicosaminoglicanos extraídos de cerebelos de camundongos C57Bl/10... 68
Figura 23 Glicosaminoglicanos sintetizados por precursores de células granulares... 69
Figura 25 Produtos de RT-PCR em tempo real amplificados a partir de mRNA obtido de tecido cerebelar total em diferentes fases do desenvolvimento pós-natal... 72
Figura 26 Mudanças no nível de expressão de glipicans no tecido cerebelar total durante o desenvolvimento pós-natal... 73
Figura 27 Mudanças no nível de expressão de sindecans no tecido cerebelar total durante o desenvolvimento pós-natal... 73
Figura 28 A expressão de glipicans no tecido cerebelar é maior em adultos do que nas duas primeiras semanas do período pós-natal... 74
Figura 29 A expressão de sindecans no tecido cerebelar varia nas duas primeiras semanas do período pós-natal dependendo do sindecam analisado ... 75
Figura 30 Mudanças no nível de expressão de sulfotransferases no tecido cerebelar total durante o desenvolvimento pós-natal... 76
Figura 31 A expressão de heparam sulfato sulfotransferases no tecido cerebelar varia nas duas primeiras semanas do período pós-natal dependendo do enzima analisada... 77
Figura 32 Mudanças no nível de expressão de sulfatases extracelulares tecido cerebelar total durante o desenvolvimento pós-natal... 78
Figura 33 A expressão das sulfatares extracelulares no tecido cerebelar diminui nas duas primeiras semanas do período pós-natal... 79
Figura 34 Produtos de RT-PCR em tempo real amplificados a partir de mRNA obtido de precursores de células granulares cerebelares em diferentes idades pós-natal... 80
Figura 35 Mudanças no nível de expressão de glipicans por precursores de células granulares... 81
Figura 36 Mudanças no nível de expressão de sindecans por precursores de células granulares... 81
Figura 37 A expressão de glipicans por precursores de células granulares varia ao longo dos primeiros 9 dias de vida... 82
Figura 38 A expressão de sindecans-2, -3 e -4 por precursores de células granulares aumenta ao longo dos primeiros 9 dias de vida... 83
Figura 39 Mudanças no nível de expressão das sulfotransferases por precursores de células granulares....
84
Figura 40 A expressão de 6-OST-3 e NDST-1 por precursores de células granulares aumenta durante o desenvolvimento pós-natal... 85
Figura 41 Mudanças no nível de expressão das sulfatases extracelulares por precursores de células granulares... 86
Figura 42 A expressão das sulfatases por precursores de células granulares diminui durante o desenvolvimento cerebelar pós-natal... 87
Figura 43 Espectros da análise por ionização em electrospray de heparam sulfato de cerebelo... 93
Figura 45 Glicosaminoglicanos sintetizados por precursores de células granulares na presença de inibidor de sulfatação... 96
Figura 46 A inibição da sulfatação do heparam sulfato in vitro diminui a proliferação dos precursores de células granulares... 97
Figura 47 Representação esquemática da expressão temporal de glipicans, sindecans, sulfotransferases e sulfatases no tecido cerebelar... 99
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ESUMO1.
I
NTRODUÇÃO1.1 Cerebelo: Citoarquitetura e Desenvolvimento
O cerebelo tem sido há tempos reconhecido como o centro primário de coordenação
motora no sistema nervoso central (SNC), uma estrutura relativamente simples com anatomia
e fisiologia bem definidas. O cerebelo, especialmente o córtex cerebelar, é uma das regiões do
SNC na qual o padrão de organização é mais claro. Sua simplicidade aparente e disposição
geométrica têm atraído muitos cientistas por ser um excelente modelo para o estudo dos
mecanismos envolvidos no desenvolvimento do SNC (Sotelo, 2004). Apesar de representar
apenas 10% do volume total do cérebro, o cerebelo maduro contém mais da metade dos
neurônios do SNC. O cerebelo age como um centro de coordenação, usando estímulos
sensoriais vindos da periferia do corpo para refinar o movimento e equilíbrio (Wang &
Zoghbi, 2001).
1.1.1 Citoarquitetura
O cerebelo é composto por oito tipos diferentes de populações neuronais, seis clássicas
descritas por Ramón y Cajal em 1911: células de Purkinje, células de Golgi, células de
Lugaro, células granulares, células em cesto, e células estreladas, e duas populações descritas
posteriormente, células em escova unipolares e células em candelabro (Laine & Axelrad,
1994; Muganini & Floris, 1994) (Fig. 1). Com exceção das células em escova unipolares, que
são mais numerosas nos lóbulos ventrais do que nos dorsais (Hockfield, 1987; Muganini &
Floris 1994), as outras repetem seu padrão específico quase da mesma maneira em todas as
folhas que compõem o córtex cerebelar. Esse arranjo neuronal característico consiste de um
geometria tridimensional estereotipada, que tem sido muito útil para determinar a propriedade
da maioria desses tipos de neurônios e o entendimento de suas conectividades (Ito, 1984).
Das oito classes de neurônios encontradas no córtex cerebelar apenas uma, a célula de
Purkinje, tem um axônio que se projeta para fora. As outras sete populações são neurônios de
circuitos locais: células granulares e células em escova unipolares são glutamatérgicas e as
outras cinco são gabaérgicas, e seus axônios nunca alcançam estruturas extracorticais (Ramón
y Cajal, 1911; Laine & Axelrad, 1994; Muganini & Floris, 1994; Nunzi et at., 2001).
As células de Purkinje são, consequentemente, os elementos pivôs em torno do qual
todo o circuito cerebelar é organizado, recebendo informação sináptica extracortical. Após
processá-la, canaliza-a para vias corticais eferentes, o núcleo profundo do cerebelo e os
núcleos reticulares do tronco e, principalmente, mas não exclusivamente, o núcleo vestibular
(De Camilli et al., 1984).
Os dois principais sistemas aferentes que conduzem informação para o córtex
cerebelar são os sistemas de fibras trepadeiras e musgosas, as quais direcionam seus impulsos
para um único sistema eferente, as células de Purkinje (Fig. 1).
Apenas as fibras trepadeiras mantêm contato direto com as células de Purkinje. Essas
fibras se originam no núcleo olivar inferior e estabelecem sinapses com os dendritos das
células de Purkinje (espinhas dendríticas no compartimento dendrítico proximal) (Desclin,
1974; Sotelo et al., 1975). A sinapse entre as fibras trepadeiras e as células de Purkinje é
única no SNC devido à combinação numérica perfeita entre ambas as partes: existe apenas
uma fibra trepadeira por célula de Purkinje (Ramón y Cajal, 1911; Eccles, Llinas & Sasaki,
Fibras
Paralelas Células em
Células Cesto Estreladas
Célula de
Golgi Célula de
Purkinje Célula
Granular
Fibra Trepadeira
Fibra Musgosa
Neurônios Cerebelares Profundos
Célula do Núcleo Pré- Cerebelar
Sistemas motores Célula do Núcleo
Olivar Inferior Descendentes
Figura 1. Organização sináptica do circuito cerebelar básico. Os neurônios cerebelares são: células de Purkinje, de Golgi, granulares, em cesto, estreladas, de Lugaro*, em escova unipolares* e em candelabro*. Fibras musgosas e trepadeiras: fibras aferentes do cerebelo que transportam os sinais através de uma alça excitatória principal que passa pelos núcleos profundos. (* Células não representadas nesta figura). Adaptado de Wang & Zoghbi, 2001.
As fibras musgosas constituem uma população de fibras aferentes que chegam de
vários núcleos na medula espinhal (Matsushita, Hosoya & Ikeda, 1979), tronco encefálico
(Gould, 1980) e até dos núcleos cerebelares profundos (Tolbert, Blantli & Bloedel, 1978;
Gould, 1979). Essas fibras alcançam as células de Purkinje indiretamente através das células
granulares. Os axônios desses interneurônios, chamados de fibras paralelas, se estendem na
camada molecular, orientados perpendicularmente ao plano dos dendritos das células de
Purkinje. Em cada intersecção, as fibras paralelas apresentam uma varicosidade que
representa um botão sináptico no dendrito da célula de Purkinje. Nesse caso, contrário ao que
mostra um grande grau de divergência: através de centenas de fibras paralelas, uma única
fibra musgosa se conecta com outras centenas de células de Purkinje (Sotelo, 2004).
Em mamíferos adultos, o córtex cerebelar contém três camadas principais. Uma
camada mais superficial, a camada molecular, uma região de baixa densidade celular, mas de
alta incidência de sinapses. Uma camada mais profunda que exibe, ao contrário da camada
molecular, uma maior densidade celular, composta pelas células granulares, chamada de
camada granular interna. E na interface entre essas duas camadas, existe uma zona fina que
contém os corpos celulares das células de Purkinje que estão organizadas em uma fila única,
formando uma monocamada (Fig. 2) (Apps & Garwicz, 2005).
Figura 2. Estrutura básica do córtex cerebelar. Esquema em 3D representando a estrutura do córtex cerebelar com a disposição das células em suas camadas. Abreviaturas: M: medial; L: lateral; CCG: camada de célula granular; CCP: camada de célula de Pukinje; CM: camada molecular. Adaptado de Sillitoe & Joyner, 2007.
CM CCP CCG
Célula em Escova Unipolar Núcleo Denteado Célula de Purkinge
Fibra Paralela Célula Eestrelada
Célula Granular
Célula de Golgi Célula em Cesto Célula de Lugaro Célula em Candelabro Núcelo Fastigial Glia de Bergmann
1.1.2 Desenvolvimento
Apesar do cerebelo ser uma das primeiras estruturas do SNC a se diferenciar, ele
atinge a sua configuração madura apenas muitos meses após o nascimento em humanos e
após 15 dias em roedores como ratos e camundongos. Esse período de formação mais
prolongado que o de outras estruturas do SNC deixa o cerebelo especialmente vulnerável ao
desenvolvimento de irregularidades. Tais anormalidades podem se manifestar sob defeitos
estruturais óbvios, como as malformações de Chiari e Dandy-Walker, ou então sob a forma de
neoplasias cerebelares decorrentes de descontroles da diferenciação e proliferação celular
como o meduloblastoma. Por outro lado, esse desenvolvimento lento faz com que o cerebelo
seja talvez a estrutura cerebral mais acessível para se estudar experimentalmente.
Múltiplas malformações cerebelares têm sido descritas em humanos, entretanto o
desenvolvimento e etiologia genética de muitas delas ainda são desconhecidos. A maioria
dessas malformações está associada a risco significante de retardo mental e outras
inabilidades causadas por problemas durante o desenvolvimento, como ataxia e paralisia
(Chizhkov & Millen, 2003).
O desenvolvimento do cerebelo envolve a integração de eventos celulares intrínsecos e
extrínsecos controlados por múltiplas cascatas de transcrição gênica. O desenvolvimento
cerebelar ocorre em vários, porém interconectados estágios. Eles incluem a formação de um
território cerebelar ao longo dos eixos antero-posterior (AP) e dorso-ventral (DV) do tubo
neural; especificação inicial dos tipos celulares cerebelares, sua subseqüente proliferação,
diferenciação e migração; e, finalmente, a formação do circuito cerebelar (Chizhkov &
Millen, 2003).
Uma vez que o território cerebelar esteja estabelecido, o desenvolvimento continua no
período embrionário restante e está associado a extensas mudanças morfológicas. Em
dias (P15) (Millen et al., 1994). O primórdio cerebelar é formado no período gestacional,
entre os dias embrionários E9.5 e E11.5, assim que o tubo neural do camundongo se fecha e
se liga para estabelecer a flexura pontina. Isso resulta na formação de uma estrutura em forma
de boca (lábio rômbico) próxima à margem dorsal do teto do quarto ventrículo, adjacente ao
primórdio cerebelar (Fig. 3). O lábio rômbico é formado como uma região especializada da
zona subventricular adjacente ao teto do quarto ventrículo e, mais tarde, dará origem às
células granulares, que é a classe mais numerosa de neurônios do córtex cerebelar (Alder, Cho
& Hatten, 1996; Altman & Bayer, 1997). A zona ventricular adjacente ao lábio rômbico
produz precursores do núcleo cerebelar profundo em E10-E11, e mais tarde se torna uma
fonte de células de Purkinje (Hatten & Heintz, 1995).
Células de Purkinje sobre a camada granular externa
Precursores de células granulares migrando para formar a camada granular externa Lábio rômbico
Plexo Coróide
Os precursores das células de Purkinje migram ao longo das fibras da glia radial para
povoar uma camada intermediária ao longo do eixo DV do primórdio cerebelar. Os
progenitores de neurônios granulares migram anteriormente acima da superfície do primórdio
cerebelar em desenvolvimento para formar a camada granular externa (CGE).
Após o nascimento, os progenitores de células granulares proliferam extensivamente
na CGE, e migram no córtex cerebelar ao longo da glia de Bergmann para estabelecer a
camada granular interna (CGI) abaixo da monocamada de células de Purkinje (Fig. 4). A
maciça proliferação pós-natal dos precursores neuronais presentes na CGE e subseqüente
migração dos neurônios granulares resulta no crescimento do cerebelo após o nascimento
(Hatten & Heintz, 1995). A foliação do cerebelo está intimamente ligada tanto à proliferação
das células granulares, quanto ao crescimento para o interior do cerebelo das fibras aferentes,
que também ocorre durante o desenvolvimento pós-natal (Altman & Bayer, 1997).
CGE
→
CM
→
CP
→
CGI
→
P9
P6 P15 Adulto
1.2 Proteoglicanos de Heparam Sulfato: Estrutura, Funções e Biossíntese
Os proteoglicanos de heparam sulfato pertencem a uma classe abundante de compostos
que exibem estruturas complexas e muito variadas. As funções dos proteoglicanos de heparam
sulfato, assim como de outros membros da classe dos proteoglicanos, são extremamente
variadas, reflexo de sua variabilidade estrutural e de localização. Frente a essa complexidade,
e por ser o objeto de estudo deste trabalho, serão apresentadas a seguir as principais
características dos proteoglicanos de heparam sulfato, incluindo sua estrutura, biossíntese e
funções. A título de contextualização, incialmente serão apresentados todos os
glicosaminoglicanos, seguido das especificidades relacionadas ao heparam sulfato.
1.2.1 Glicosaminoglicanos
Os glicosaminoglicanos são heteropolissacarídeos lineares constituídos por unidades
dissacarídicas repetitivas. Essas unidades dissacarídicas são formadas, alternadamente, por
uma hexosamina (glucosamina ou galactosamina) unida por ligação glicosídica a um ácido
urônico (D-glucurônico ou L-idurônico), ou ainda a um açúcar neutro (galactose). Estes
açúcares podem ainda apresentar grupos sulfato que, juntamente com as carboxilas dos ácidos
urônicos, conferem a esses polímeros uma elevada densidade de cargas negativas em
condições fisiológicas (Brimacombe & Weber, 1964; Dietrich, 1984; Jackson, Busch &
Cardin, 1991; Kjellén & Lindahl, 1991).
Os principais glicosaminoglicanos encontrados são: ácido hialurônico, heparam sulfato,
condroitim 4-sulfato, condroitim 6-sulfato, dermatam sulfato, queratam sulfato e heparina
(Fig. 5). A distinção entre os diversos glicosaminoglicanos é feita de acordo com o tipo de
açúcar não nitrogenado (ácido urônico ou açúcar neutro), tipo de hexosamina (galactosamina
ou beta). Todos os glicosaminoglicanos possuem uma hexosamina que pode ser glucosamina
ou galactosamina, mas nunca ambas no mesmo polímero. O condroitim sulfato e dermatam
sulfato possuem resíduos de galactosamina, enquanto todos os outros glicosaminoglicanos
contêm resíduos de glucosamina. As hexosaminas são sempre N-acetiladas, exceto na
heparina e heparam sulfato onde podem ser tanto N-acetiladas quanto N-sulfatadas.
Estes compostos foram inicialmente denominados mucopolissacarídeos por Meyer
(1938) e, atualmente, são referidos como glicosaminoglicanos segundo a classificação
proposta por Jeanloz em 1960.
As principais características estruturais destes polissacarídeos estão sumarizadas na
Tabela I. Os diversos glicosaminoglicanos sulfatados possuem massas moleculares que
variam entre 5 e 100 kDa, enquanto que o ácido hialurônico pode apresentar massa molecular
na ordem de 4000 kDa (Brimacombe & Weber, 1964).
Os glicosaminoglicanos sulfatados são encontrados com exclusividade no reino animal
e apresentam-se amplamente distribuídos na escala filogenética, desde espongiários até
mamíferos superiores (Fig 6). Heparam sulfato e condroitim sulfato estão presentes tanto em
vertebrados quanto em invertebrados. Já o dermatam sulfato está presente em cordados e
hemicordados e o queratam sulfato é encontrado somente em cordados (Cássaro & Dietrich,
1977; Toledo & Dietrich, 1977; Gomes & Dietrich, 1982; Dietrich et al., 1983; Nader et al.,
1984; 1996; Mourão et al., 1998; Medeiros et al., 2000).
Durante o processo evolutivo, a estrutura do heparam sulfato manteve-se constante.
enquanto que os condroitim sulfatos apresentam-se não sulfatados ou sulfatados em C-4, desde
espongiários até os moluscos (gastrópodes). A partir da ordem eulamelibranchia, há a
ocorrência tanto do grupamento sulfato em C-4 quanto em C-6, estendendo-se até insetos e em
O O O O O O O O O O O O O O O O O O O O O O O O
O O O
O O
O OH
CH2OSO3H
NAc O COOH O OH OH OH CH2OSO3H
NAc O
COOH OH
OH Condroitim 6-Sulfato
OH CH2OH
NAc O COOH O HO3SO OH OH CH2OH
NAc O
COOH HO3SO
OH Condroitim 4-Sulfato
OH CH2OH
NAc
O COOHOH O
OH CH2OH
NAc
O COOH
OH
OH Dermatam Sulfato
OH CH2OH
NAc O COOH O OH OH CH2OH
NAc O
COOH
OH Ácido Hialurônico
HO3SO
HO3SO
OH
OH CH2OSO3H
NAc O
CH2O-R
O HO
OH
OH CH2OSO3H
NAc O
CH2O-R
OH HO Queratam Sulfato
OH CH2OR2
N-R1 O COOH O OH OH CH2OR2
N-R1 O
COOH
Heparam Sulfato
OH
R = HSO3H
R 2 = HSO3H R 1 = AcSO3H
OH OH OH COOH OH O O
OSO3H
CH2OSO3H
HNSO3 OH OH O COOH OH
OSO3H
HNSO3
HNSO3 O CH2OSO3H
OH COOH
OH O
CH2OSO3H
Heparina ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
T
ABELA IPrincipais Componentes da Unidade Estrutural dos Glicosaminoglicanos
GLICOSAMINOGLICANO MONOSSACARÍDEOS a POSIÇÃO
DO SULFATO
LIGAÇÃO GLICOSÍDICA
Condroitim N-Acetil Glucosamina
Ácido Glucorônico
- -
β (1→4)
β (1→3)
Condroitim 4-Sulfato N-Acetil Galactosamina Ácido Glucorônico 4 -
β (1→4)
β (1→3)
Dermatam Sulfato N-Acetil Glucosamina Ácido Idurônico Ácido Glucorônico 4 - -
β (1→4)
α (1→3)
β (1→3)
Condroitim 6-Sulfato N-Acetil Galactosamina Ácido Glucorônico 6 -
β (1→4)
β (1→3)
Ácido Hialurônico N-Acetil Glucosamina Ácido Glucurônico - -
β (1→4)
β (1→3)
Queratam Sulfato N-Acetil Galactosamina Galactose 6 -,6
β (1→3)
β (1→4)
Heparam Sulfato Glucosamina
N-Acetil Glucosamina Ácido Glucurônico Ácido Idurônico 2,6 -,6 - -
α (1→4)
α (1→4)
β (1→4)
α (1→4)
Heparina Glucosamina
Ácido Glucurônico Ácido Idurônico
2,6 - 2
α (1→4)
β (1→4)
α (1→4)
a
Heparam Sulfato
Heparina
Condroitim Sulfato Dermatam Sulfato
Figura 6. Distribuição dos glicosaminoglicanos sulfatados na escala filogenética. Os glicosaminoglicanos sulfatados encontram-se largamente distribuídos na escala filogenética, desde espongiários até mamíferos superiores. Heparam sulfato e condroitim sulfato estão presentes tanto em vertebrados quanto em invertebrados. Já o dermatam sulfato está presente em cordados e hemicordados. Por outro lado, o queratam sulfato é encontrado somente em cordados. Heparina, por sua vez, está presente principalmente em vertebrados, com exceção de algumas espécies de ctenóforas, moluscos, anelídios e crustáceos. Árvore filogenética obtida de Nader et al., 1999a.
1.2.2 Heparam Sulfato
O heparam sulfato foi isolado em 1948 por Jorpes e Gardell como sendo uma heparina
com baixa atividade anticoagulante (Jorpes & Gardell, 1948), porém desde então, uma grande
quantidade de atividades biológicas vêm sendo atribuídas a esse composto, como será descrito
mais adiante.
Os heparam sulfatos são constituídos por unidades dissacarídicas constituídas de α
-D-glucosamina (α-D-GlcN) e ácido β-D-glucurônico (β-D-GlcUA) ou ácido α-L-idurônico (α
-L-IdoUA) unidas por ligações glicosídicas interdissacarídicas do tipo α(1→4) a outro
ácido urônico e o resíduo de glucosamina (ligações intradissacarídicas) variam dependendo do
ácido urônico. Assim, as ligações entre glucosamina e ácido glucurônico são do tipo β(1→4)
enquanto que as ligações entre glucosamina e ácido idurônico são do tipo α(1→4). A
glucosamina pode apresentar-se N-acetilada ou N-sulfatada podendo ainda ser O-sulfatada na
posição C6. Os heparam sulfatos têm estrutura que difere da heparina, pois possuem maior
conteúdo de ácido glucurônico e N-acetil-glucosamina(Cifonelli & Dorfman, 1960; Taylor et
al., 1973; Dietrich et al., 1971, 1983; Dietrich & Nader, 1974; Hook, Lindahl & Iverieus,
1974; Silva, Dietrich & Nader, 1976; Gallagher, Turnbull & Lyon, 1990; Tersariol et al.,
1994).
A análise de heparam sulfato de diferentes origens demonstrou que sua estrutura é
extremamente conservada em termos de composição dissacarídica, porém muito variável em
termos das proporções das unidades dissacarídicas que compõem esse glicosaminoglicano
(Fig. 7) (Dietrich, et al., 1983, 1998; Tersariol, et al., 1994; Maccarana et al., 1996;
Salmivirta, Lindholt & Lindahl, 1996; Dietrich et al., 1998). Os heparam sulfatos são
constituídos por cinco tipos de unidades dissacarídicascuja proporção varia de acordo com o
tecido e a espécie de origem (Silva, Dietrich & Nader, 1976; Dietrich, et al., 1979, Dietrich,
Nader & Straus, 1983; Nader et al., 1984). Por degradações com heparitinases específicas,
isoladas de Flavobacterium heparinum, foi demonstrado que a estrutura do heparam sulfato é
composta por unidades dissacarídicas que são distribuídas em regiões variáveis formadas por
blocos contendo: dissacarídeo N-acetilado (glucosamina acetilada na posição 2)
[GlcUA(β1,4)GlcNAc], dissacarídeo N-sulfatado (glucosamina sulfatada na posição 2)
[GlcUA(β1,4)GlcNS], dissacarídeo N-acetilado-6-sulfatado (glucosamina acetilada na
posição 2 e sulfatada na posição 6) [IdoUA(α1,4)GlcNAc6S], dissacarídeo dissulfatdo
(glucosamina sulfatada nas posições 2 e 6) [IdoUA(α1,4)GlcNS6S] e dissacarídeo
6) [IdoUA2S(α1,4)GlcNS6S], e duas regiões constantes, uma contendo o tetrassacarídeo
ácido idurônico-N-acetil-glucosamina-ácido idurônico-N-acetil-glucosamina
[IdoUA-GlcNAc-IdoUA-GlcNS], e no terminal não redutor, a presença de glucosamina N-sulfatada
(GlcNS) ou glucosamina N,6-sulfatada (GlcNS,6S) (Nader, et al., 1987; Tersariol, et al.,
1994; Dietrich, et al., 1998).
Um dos aspectos mais interessantes da estrutura do heparam sulfato é que esse
composto apresenta uma grande variabilidade estrutural, uma vez que os cinco dissacarídeos
descritos acima podem ser combinados virtualmente ad infinitum. Embora exista essa
possibilidade de número ilimitado de combinações dos dissacarídeos que compõem as cadeias
de heparam sulfato, o que se observa é que sua estrutura final é finamente regulada, uma vez
que cada tipo celular de cada organismo sintetiza heparam sulfatos com estruturas bem
definidas, como será discutido mais adiante.
Exemplificando o tema da variabilidade estrutural dos heparam sulfato, temos que o
seqüenciamento desse glicosaminoglicano obtido de diferentes órgãos de quatro espécies de
mamíferos (cão, boi, coelho e porco) mostrou que as diferentes unidades dissacarídicas são
combinadas de maneira diferente em cada um deles, demonstrando que as estruturas são
espécie- e tecido-específicas (Fig. 7).
Cássaro e Dietrich (1977) analisaram 22 espécies das principais classes de
invertebrados e encontraram heparam sulfato em todas elas. Em estudos mais recentes, com
mais de 50 invertebrados de diferentes classes, constatou-se que o heparam sulfato está
presente em todos os animais analisados (Nader et al., 1999b; Medeiros et al., 2000).
Diversas evidências sugerem que o heparam sulfato desempenhe um importante papel no
reconhecimento celular, na adesão celular, no controle do crescimento e na angiogênese
(Dietrich et al., 1977; Dietrich & Armelim, 1978; Dietrich, 1984; Fransson, 1989; Porcionatto
Figura 7. Estrutura de heparam sulfato obtidos de diferentes origens. Todos os heparam sulfatos contêm características estruturais comuns, compostas por duas regiões. A primeira região possui um domínio acetilado no terminal redutor, seguido de um domínio N-sulfatado, ambos contendo adido β-D-glucurônico. A outra região, que é mais sulfatada, é formada por dissacarídeos contendo ácido α-L-idurônico. Separando estas duas regiões há um tetrassacarídeo peculiar composto de sissacarídeos N-acetilados e N-sulfatados, ambos contendo ácido L-idurônico. O terminal não redutor de todos os heparam sulfatos analisados é constituído por um monossacarídeo (D-glucosamina, N-sulfatada e/ou 2,6 dissulfato. Abreviaturas: GlcUA: ácido D-glucurônico; IdoUA: ácido idurônico; IdoUA,2S: ácido L-idurônico 2-sulfato; GlcNAc: N-acetilglucosamina; GlcNAc,6S: N-acetilglucosamina 6-sulfato; GlcNS: glucosamina N-6-sulfato; GlcNS,6S: glucosamina 2,6 dissulfato. Adaptado de Dietrich et al., 1998.
1.2.3 Proteoglicanos
Os proteoglicanos são compostos de alto peso molecular, formados por um esqueleto
protéico ao qual se ligam, covalentemente, cadeias de glicosaminoglicanos e oligossacarídeos
N- e/ou O-ligados (Thonar & Sweet, 1977; Lohmander et al., 1980; Nilsson De Luca &
Lohmander, 1982; Dietrich, 1984; Lindahl et al., 1994). Todos os glicosaminoglicanos, com
exceção do ácido hialurônico, são sintetizados na forma de proteoglicanos (Dietrich, 1984;
Os glicosaminoglicanos apresentam-se ligados à proteína por intermédio de um
tetrassacarídeo formado por ácido β-D-glucurônico-β-D-galactose-β-D-galactose-β-D-xilose,
sendo que a xilose presente no terminal redutor dos glicosaminoglicanos está unida por
ligação O-glicosídica, a um grupamento hidroxila de um resíduo de serina ou treonina do
esqueleto protéico (Fig.8).
(CS, DS, HS ou Hep)
(QS - córnea) (QS - cartilagem) Ser - O - GalNAc
GlcNAc Gal
-Gal - AS (ou GlcNac) Ser - O - Xil - Gal - Gal - GlcUA
-- N -- GlcNAc - GlcNAc - Man
Man - GlcNAc
-Man - GlcNAc -Asn
Figura 8. Região de ligação entre a cadeia de glicosaminoglicanos e a porção protéica.
Abreviaturas: Ser: L-serina; Asn: L-asparagina; GlcA: ácido D-glucurônico; GalNAc: 2-Desoxi-N-acetil D-galactosamina; GlcNAc: 2-Desoxi-N-acetil D-glucosamina; AS: ácido
siálico; Man: D-manose; Xil: D-xilose;
○
:
hexosamina;●
:
ácido urônico;♦:
D-galactose; CS: condroitim sulfato; DS: dermatam sulfato; HS: heparam sulfato ; Hep: heparina; QS: queratam sulfato está ligado à porção protéica do proteoglicano através de ligação N -glicosídica (córnea) ou O-glicosídica (cartilagem).Os proteoglicanos estão presentes na matriz extracelular, membrana basal, superfície
celular e intracelularmente em grânulos secretórios (Dietrich, 1984; Poole, 1986; Nader &
Dietrich, 1989; Gallagher & Lyon, 1989; Stevens, Kamada & Serafin, 1989; Nader, 1991;
Esko, 1991; Bernfield et al., 1992; 1999; Iozzo, 1998). Apresentam variabilidade com relação
ao número de cadeias de glicosaminoglicanos ligadas ao seu esqueleto protéico,
encontrando-se desde uma até mais de cem cadeias. O comprimento dessas cadeias varia desde poucas
mais de um tipo de cadeia de glicosaminoglicano, formando assim, um proteoglicano híbrido.
Ainda, esqueletos protéicos diferentes podem estar substituídos com o mesmo tipo de cadeia
de glicosaminoglicano. São também encontrados os chamados proteoglicanos facultativos,
que correspondem aos proteoglicanos que podem ou não conter cadeias de
glicosaminoglicanos ligadas.
A atividade biológica de cada proteoglicano depende das propriedades do seu
esqueleto protéico, da estrutura química do(s) glicosaminoglicano(s) covalentemente ligado(s)
e sua localização (Dietrich, 1984; Esko, 1991; Yanagishita & Hascall, 1992; Couchman &
Woods, 1993; Iozzo, 1998; Bernfield et al., 1992; 1999; Porcionatto, Nader & Dietrich,
1999).
Atualmente, são conhecidos dezenas detipos diferentes de proteoglicanos, os quais
exercem uma grande variedade de funções biológicas. Os proteoglicanos atuam como
organizadores de tecidos, influenciam o crescimento celular e a maturação de tecidos
especializados, modulam a atividade de váriosfatores de crescimento, regulam a hidrólise de
colágeno, afetam o crescimento e invasão tumoral, influenciam na transparência da córnea e
no crescimento de neuritos, entre outras funções. O estudo de suas funções biológicas,
utilizando animais transgênicos, tem indicado que certos proteoglicanos são essenciais para a
vida (Iozzo, 1998; Bernfield et al., 1992; 1999).
Até o final da década de 1980, a classificação dos proteoglicanos era baseada nos
tipos de glicosaminoglicanos constituintes (Poole, 1986). Após os estudos de seqüenciamento,
clonagem gênica e imunohistoquímica constatou-se que vários proteoglicanos de diferentes
origens têm apresentado esqueletos protéicos idênticos. Por isso, desde o início dos anos 90 os
proteoglicanos têm sido organizados com base na homologia de seus esqueletos protéicos,
Esko, 1991; Iozzo, 1998). A Tabela II sumariza as características dos principais
proteoglicanos, agrupados por esta nova classificação.
A classificação pela localização celular divide os proteoglicanos em três categorias:
intracelular, de superfície celular e extracelular. A classificação pelo tipo de
glicosaminoglicano não tem sido mais utilizada, pois existem proteoglicanos que possuem
mais de um tipo de glicosaminoglicano, o que dificulta a classificação. A título de
curiosidade, os nomes dados aos proteoglicanos muitas vezes são alusões à 1) sua função ou
atividade biológica, como por exemplo, lumicam que confere transparência à córnea; 2) sua
localização tecidual, como por exemplo, testicam descrito inicialmente nos testículos e
cerebroglicam inicialmente descrito no cérebro; ou ainda 3) a aspectos de sua estrutura, como
o biglicam que possui duas cadeias de glicosaminoglicanos e o perlecam, que tem aspecto de
“colar de pérolas” quando analisado por microscopia eletrônica. É importante ressaltar que
embora os nomes sejam dados pelas diversas razões citadas acima, a classificação para
membros de uma mesma família é feita, atualmente, com bases na homologia da seqüência
gênica dos esqueletos protéicos.
1.2.4 Proteoglicanos de Heparam Sulfato
O heparam sulfato encontra-se associado a uma grande variedade de esqueletos
protéicos, compondo os proteoglicanos de heparam sulfato presentes na superfície celular e
matriz extracelular de todos os tecidos dos animais com organização tissular(Yanagishita &
Hascall, 1992; Iozzo & Murdoch, 1996; Iozzo, 1998; Bernfiel, et al., 1992; 1999). Os
proteoglicanos de heparam sulfato constituem uma classe de compostos com funções,
estruturas e localizações extremamente variadas.
Os proteoglicanos de heparam sulfato podem estar localizados na superfície celular
1) intercalados na bicamada lipídica, apresentando um domínio extracelular, onde são
encontradas as cadeias de glicosaminoglicanos covalentemente ligadas, um domínio
hidrofóbico inserido na membrana (transmembrânico) e um domínio citoplasmático
que corresponde à porção C-terminal (Fig. 9a) (Kjellen, Pettersson & Hook , 1981;
Rapraeger & Bernfield, 1985);
2) ancorados na superfície celular por ligações covalentes ao glicosilfosfatidil inositol
(GPI) (Fig. 9b) (Carey & Sthal, 1990; David et al., 1990);
3) interagindo, por ligação não covalente, com um receptor da membrana celular através
do esqueleto protéico ou das cadeias de glicosaminoglicanos (Fig. 9c,d) (Yanagishita
& Hascall, 1992).
a
b
c d
Esqueleto Protéico
Heparam Sulfato
Membrana Plasmática
Figura 9. Principais formas de ligação dos proteoglicanos de heparam sulfato à superfície celular. O proteoglicano está localizado na membrana plasmática através de: (a) um segmento peptídico hidrofóbico do esqueleto protéico do proteoglicano; (b) âncora de glicosilfosfatidil-inositol (GPI); (c) e (d) receptores protéicos que reconhecem o esqueleto protéico ou a cadeia de glicosaminoglicano do proteoglicano
A descrição abrangente de todos os proteoglicanos de heparam sulfato seria muito
extensa, sendo assim, serão apresentados a seguir somente os membros das duas famílias de
T
ABELAII
Características de Alguns proteoglicanos
NOME GAG PROTEÍNA LOCALIZAÇÃO ATIVIDADE
nº Tipo (kDa)
PROTEOGLICANOS DE MATRIZ EXTRACELULAR
Família dos “Hyalectans” a
Agrecam ~100 20-30
CS QS
~220 Cartilagem, cérebro e vasos sangüíneos
Suporte mecânico, transporte de soluto Brevicam 1-3 CS ~100 Cérebro Regeneração Neurocam 3-7 CS ~136 Cérebro, cartilagem Regeneração,
orientação do crescimento de neuritos
Versicam 10-30 CS/DS 265-370 Tecidos
embrionário
Orientação da migração da crista neural
Família “Leucine-Rich”
Biglicam 2 CS/DS 40 Conjuntivo Adesão celular, fibrinogênese e
regulação hematopoiética
Decorim 1 CS/DS 40 Conjuntivo, ossos,
dentes
Adesão celular, fibrinogênese
Epificam 2-3 CS/DS 35 Cartilagem
epfisária
Não definida
Fibromodulina 2-3 QS 42 Conjuntivo Adesão celular, fibrinogênese
Lumicam 3-4 QS 38 Córnea, intestino,
fígado, músculo e cartilagem
Transparência da córnea e outras funções ainda não definidadas Mimecam ou Osteoglicina 2-3 QS 35 Córnea e tecidos
conjuntivos
Regulação da fibrinogênese
Osteoaderina 2-3 QS 42 Ossos Promove a
ligação nas células através da integrina
αvβ3
PRELP 2-3 QS 44 Conjuntivo Auxilia na
NOME GAG PROTEÍNA LOCALIZAÇÃO ATIVIDADE
nº Tipo (kDa)
Queratocam 3-5 QS 38 Córnea e esclera Manutenção da transparência da córnea
Facultativos
Colágeno α2 (IX) 1 CS/DS 68 Cartilagem e humor vítreo
Ligação na banda D do colágeno tipo II
Outros
Apicam nd CS 120 Cérebro Envolvimento na
doença de Alzheimer
Fosfacam nd CS 173 Cérebro Modulação de
interações celulares no cérebro Testicam 1-2 HS/CS 44 Testículos e
cérebro
Modulação da adesão neuronal
PROTEOGLICANOS DE MEMBRANA BASAL
Agrim 3 HS 250 Junções
neuromusculares, membrana basal renal e de pulmão.
Regulação do crescimento axonal, formação e estabilização de junções neuro-musculares Bamacam 3 CS 138 Membrana basal Estabilidade da
membrana
Leprecam nd CS ~100 Membrana basal Atividade prolil hidroxidase no
desenvolviment o glomerular Perlecam 3 HS/CS 400-467 Membrana basal,
cartilagem
Estrutural
PROTEOGLICANOS DE MEMBRANA PLASMÁTICA
NOME GAG PROTEÍNA LOCALIZAÇÃO ATIVIDADE
nº Tipo (kDa)
Família dos Glipicans
3-4 HS 62 Epitélio, fibroblasto e sistema nervoso central Endocitose, co-receptores para fatores morfogênicos e de crescimento, sinaptogênese, plasticidade sináptica
α5β1 nd CS/HS Cél. de melanoma humano (Mel-85), osteossarcoma humano
Estabiliza a interação com a fibronectina
Facultativos
Betaglicam 0-4 CS/HS 110 Fibroblasto Receptor do TGF-β
Cadeia invariante 0-1 CS 31 Macrófagos Processamento antigênico
Receptor de transferrina 4-6 HS 2x90 Fibroblasto Mediar a captação de transferrina
Trombomodulina 0-1 CS 58-60 Endotélio Controle da coagulação
Outros
NG2 2-3 CS 300 Células neurais,
mesênquima
Ligação ao colágeno tipo VI e adesão celular
PROTEOGLICANOS INTRACELULARES
Cromogranina A 0-1 CS 48 Grânulos cromafins
Condensação granular Serglicim 10-15 CS/DS
HEP
14-19 Células mielóides, Mastócitos e plaquetas Ligação a proteases, condensação granular, processos inflamatórios a
1.2.4.1 Família dos Glipicans
Os glipicans, inicialmente identificados em fibroblasto humano, apresentam, na
extremidade C-terminal do esqueleto protéico (massa molecular de 62 kDa), uma seqüência
hidrofóbica covalentemente ligada a uma âncora de GPI (Fig. 9) (Carey & Stahl, 1990; Carey
et al., 1993; David, et al., 1990). O glipicam foi o primeiro proteoglicano formalmente
identificado como sendo ancorado à membrana pela âncora de GPI e recebeu este nome por
causa do processo de síntese. Proteínas que são ligadas à membrana por uma âncora de GPI
são inicialmente sintetizadas com um peptídeo-sinal hidrofóbico na região C-terminal que,
após translocação ancora a proteína à membrana do retículo endoplasmático. Imediatamente
após a síntese, essa seqüência hidrofóbica é clivada e o novo terminal é transferido para um
GPI pré-formado que está na membrana do retículo. Este processo é chamado de glipiação e
localiza as proteínas na face externa da membrana. As proteínas ancoradas não têm interações
diretas com componentes intracelulares.
Os glipicans possuem regiões em comum, que são: uma seqüência sinal N-terminal;
um domínio de aproximadamente 50kDa contendo um padrão característico de 14 resíduos de
L-cisteína altamente conservados; uma região próxima da membrana plasmática contendo 2
ou 3 resíduos de Ser-Gly, que corresponde à seqüência para a ligação de glicosaminoglicano,
e uma seqüência C-terminal envolvida na ligação ao GPI da membrana plasmática (Bernfield
et al., 1999) (Fig. 10). A região do esqueleto protéico contendo 14 resíduos de cisteína sugere
um domínio globular compacto, que poderia ser importante na interação proteína-proteína
(Bernfield et al., 1992; 1999).
A relação na seqüência protéica e a organização dos exons sugerem que todos os
membros desta família são produtos de deleção originados de um gene ancestral comum. Com
glipicans-1 e -2, glipicans-3 e -5, e glipicans-4 e -6 (Tabela III) (Fig. 10) (Veugeles & David,
1998).
Os glipicans são predominantemente expressos durante a organogênese em
diferentes estruturas como também no cérebro adulto de mamíferos (Song & Filmus, 2002).
Por exemplo, precursores neuronais na zona ventricular de vesículas telencefálicas expressam
glipicam-1, -4 e -6 (Litwack et al., 1998, Hagihara et al., 2000; Ford-Perriss et al., 2003;
Veugelers et al., 1999) e precursores neuronais do primórdio estriatal expressam glipicam-5
(Saunders, Paine-Saunders & Lander, 1997). Os transcritos de glipicam-1 e -5 também são
encontrados em neurônios pós-mitóticos durante a diferenciação e no cérebro adulto.
Neurônios pós-mitóticos expressam glipicam-2, sendo que o sincronismo de expressão
correlaciona com a migração neuronal e crescimento axonal (Stipp, Litwack & Lander, 1994;
Ivins et al., 1997).
Vários estudos mostram que a maioria dos glipicans é expressa durante a
neurogênese. Dados recentes têm mostrado que glipicam-4 exibe um padrão de expressão
distinto e dinâmico durante o desenvolvimento do neuroepitélio do prosencéfalo e tecidos
adjacentes em E7-E10.5, sugerindo seu potencial envolvimento em uma ou mais via de
sinalização regulando o desenvolvimento do prosencéfalo (Ybot-Gonzalez, Copp & Greene,
2005).
1.2.4.2 Família dos Sindecans
Possivelmente os sindecans sejam os principais proteoglicanos de heparam sulfato
da superfície celular. O primeiro proteoglicano de heparam sulfato de membrana que teve o
gene que codifica para seu esqueleto protéico clonado foi o sindecam-1. Esse proteoglicano
contém 310 resíduos de aminoácidos, incluindo um domínio intracelular de 35 resíduos
O termo sindecam vem da palavra francesa syndein, originada da palavra grega
syndetikos, que significa ligar, conectar. Assim, o sindecam serviria como ponte para ligar os
componentes da matriz extracelular à actina do citoesqueleto (Saunder et al., 1989).
TABELA III
Principais características dos membros das famílias dos
glipicans e sindecans
Proteoglicano Nome original Características Expressão nos Tecidos
Embrionários Adultos
Glipicam-1 Glipicam Sistema nervoso central
Universal, porém prevalece no Sistema Nervoso
Central
Glipicam-2 Cerebroglipican Sistema nervoso central
Sistema Nervoso Central
Glipicam-3 OCI-5 Universal Sistema Nervoso Central, porém de
forma reduzida
Glipicam-4 K-Glipicam Rim, Sistema nervoso central, Adrenal
Sistema Nervoso Central, porém de
forma reduzida
Glipicam-5 - Rim, Sistema nervoso central
Sistema Nervoso Central
Glipicam-6 - - -
Sindecam-1 Sindecan Superfície basolateral de céluals epteliais Preimplantação da camada germinativa, organogênese Células epteliais
Sindecam-2 Fibroglican Fígado Organogêneses Endotélio e fibroblastos
Sindecam-3 N-Sindecam Fibras neurais Neuroectoderme, crista neural
Derivados da crista neural e sistema nervoso
central
Sindecam-4 Anfiglican ou Riurocan
Contatos focais Tecidos maduros Universal ou células aderentes
Atualmente, já foram descritos quatro tipos de sindecam: sindecam-1 (Saunder et al.,
1989), sindecam-2 (também conhecido por fibroglicam) (Marynen et al., 1989), sindecam-3
(ou N-sindecam) (Carey, 1997; Gould, Upholt & Kosher, 1992) e sindecam-4 (anteriormente
denominado anfiglicam ou riudocam) (David et al., 1992; Kojima, Schworak & Rosenberg,
1992). O nome original bem como as principais características e localização de cada membro
desta família são apresentadosna Tabela III. Os esqueletos protéicos dos membros da família
dos sindecans são proteínas de membrana livres de cisteína, que apresentam poucas, mas
importantessimilaridades estruturais (David, 1993).
Glipicam 1
Glipicam 2
Possível Ancestral
Glipicam 4 Glipicam 3
Glipicam 6 Glipicam 5
A família dos sindecans caracteriza-se por apresentar um domínio citoplasmático e um
domínio transmembrânico bem conservados, e uma região extracelular que varia entre os
diferentes sindecans. As cadeias de heparam sulfato estão localizadas próximas à região
N-terminal (Fig. 11). Embora os sindecans sejam proteoglicanos de heparam sulfato, já foram
descritossindecans híbridos contendo cadeias de condroitim sulfato localizados na região do
esqueleto protéico próximo à membrana plasmática (Carey, 1997; Bernfield, et al.,1999).
Na junção do domínio extracelular com a porção transmembrânica a presença de
aminoácidos básicos susceptíveis à ação de proteases possibilita que, através de clivagem
proteolítica, os sindecans sejam liberados da superfície celular (Kim et al., 1994; Lidholt,
Kjellen & Lindahl, 1989; Kjellén & Lindahl, 1991; Bernfield et al., 1992; 1999). A porção
transmembrânica e o pequeno domínio citoplasmático da proteína são muito conservados,
incluindo a conservação de quatro resíduos de tirosina, um na junção da porção
transmembrânica com o domínio citoplasmático e três no domínio citoplasmático (Bernfield
et al., 1999 ) (Fig. 11).
Os sindecans são capazes de interagir com uma série de ligantes pelas cadeias de
heparam sulfato. Entre esses ligantes estão os componentes da matriz extracelular (colágeno
tipos I, III e V; fibronectina, trombospondina, tenascina), e os fatores de crescimento (FGF,
HB-EGF, PDGF e VEGF). Certamente os membros da família dos sindecans estãoenvolvidos
com importantes funções celulares, incluindo proliferação celular, adesão célula-matriz e
adesão célula-célula (Dietrich et al., 1977; Dietrich, 1984; Carey, 1997; Woods & Couchman,
1998; Bernfield et al., 1999; Porcionatto, Nader e Dietrich, 1999; Porcionatto et al., 1994;
1998; Oh, Woods & Couchman, 1997;Park, Reizes & Bernfield, 2000; Rapraeger, 1995).
No cérebro, sindecam-2 e -3 são abundantemente expressos e estão envolvidos na
formação de sinapses, no crescimento de neuritos e migração neuronal (Hienola et al., 2006;
evidências da participação dos sindecans em eventos de remodelamento sináptico no
hipotálamo, uma região do cérebro conhecida por integrar sinais homeostáticos na regulação
do comportamento alimentar e peso corporal (Harrold, 2004; 2006; Horvath & Bruning, 2006;
Pinto et al., 2004).
YY
Figura 11. Estrutura dos esqueletos protéicos dos sindecans. Os membros da família dos sindecans apresentam um domínio citoplasmático e um transmembrânico bem conservados. A região extracelular é variável entre eles. As cadeias de heparam sulfato estão localizadas próximas à região N-terminal. Sindecans híbridos podem ocorrer, sendo que as cadeias de condroitim sulfato estão localizadas na região do esqueleto protéico próximo à membrana plasmática.
Os sindecans são bastante expressos no cérebro, em vários tipos e populações
celulares (Hsueh & Sheng, 1999). Sindecam-4 é expresso de maneira difusa em todo o
cérebro sugerindo uma expressão glial. Sindecam-2 e -3 são encontrados na superfície celular
de neurônios, mas são, aparentemente, distribuídos em diferentes partes da célula (Hsueh &
Sheng, 1999). Sindecam-2 é expresso em dendritos e sindecam-3 é predominantemente
expresso ao longo dos axônios. A expressão de sindecam-2 e -3 é particularmente alta durante
Domínio transmembrânico
Domínio extracelular
Seqüência sinal
Potencial sítio de substituição com GAG
Potencial sítio de N-glicosilação
Resíduos de L-tirosina conservados
YY
Y YY Y
YYYY
YYYY
Y
Domínio citoplasmático
Sítio de clivagem proteolítica
Sindecam-4 Sindecam-3 Sindecam-1