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Afinal, para que serve a escola?: representação feita por adultos alfabetizados e analfabetos.

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Academic year: 2017

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AFINAL, PARA QUE SERVE A ESCOLA?

REPRESENTAÇÃO FEITA POR ADULTOS ALFABETIZADOS Ε ANALFABETOS.

Leda Verdiani Tfouni* Geraldo Rontanelli* Ana Mana Alvares** Roberta Μ. da S. Garcia**

RESUMO

Este trabalho tem por objetivo investigar qual a opiniγo que grupos  de adultos alfabetizados e nγo alfabetizados fazem da escola, bem como as suas  representaηυes subjacentes acerca do papel social dessa instituiηγo. Mais  especificamente, procura­se verificar se a experiκncia concreta com a vida  escolar, aliada ΰ alfabetizaηγo, leva as pessoas a terem opiniυes sobre a escola  que seriam diferentes daquelas opiniυes de pessoas analfabetas, com pouca, ou  nenhuma, experiκncia escolar, 

I - INTRODUÇÃO

Em uma sociedade altamente letrada, que atingiu um alto grau de  desenvolvimento tecnolσgico e cientνfico, a condiηγo dos analfabetos nγo  somente os aliena do conhecimento produzido e sistematizado, impedindo­os de  ter acesso a ele pela impossibilidade de ler e escrever, como tambιm os aliena de  si mesmos, por forηar a Uma abdicaηγo de suas prσprias prαticas culturais, o que  ideologicamente acentua a marginalizaηγo. O mesmo argumento ι vαlido para  grupos alfabetizados com baixo grau de escolaridade, visto que, apesar de  saberem ler e escrever, acabam ficando marginalizados devido ΰ falta de  qualificaηγo, a qual estα intimamente relacionada com a escola e o ensino  especializado (Tfouni, 1987). 

Sabe­se que o conhecimento valorizado pela sociedade  circunscreve­se principalmente a esse conhecimento especializado oferecido pela  escola, a qual, por conseguinte, ι vista como um veνculo que propicia a ascensγo  social. A literatura a respeito deste tema ilustra suficientemente essa discussγo.  Segundo alguns autores, nγo se pode entender a educaηγo, que na realidade  brasileira restringe­se principalmente ao βmbito escolar, sem considerar seus  determinantes sociais, ou seja, deve­se compreendκ­la atravιs da anαlise de suas  relaηυes com as dimensυes polνticas, sociais e econτmicas da sociedade. De  acordo com Saviani (1982), a sociedade ι marcada por uma acentuada divisγo de 

* Docentes do Departamento de Psicologia e Educaηγo da Faculdade de Filosofia, Ciκncias e Letras  de Ribeirγo Preto ­ U.S.P. 

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classes, que se manifesta pelas "condiηυes de produηγo de vida material" (op.cit.  p.8) e as relaηυes sociais fundam­se, essencialmente, na base da forηa. Assim, de  uma forma geral, a classe que possui mais forηa se apropriaria da produηγo  material e do controle sobre a vida social, dominando a classe mais fraca, que se  torna marginalizada. 

O papel da escola, nesse contexto seria, entγo, o de reproduzir e  reforηar a marginalidade social, jα que esta seria inerente ao sistema no qual a  escola estα inserida. Conseq٧entemente, os conhecimentos produzidos pela  classe dominante, que sγo considerados como o saber legνtimo, sγo apropriados  por esta classe e dificilmente a parcela marginalizada da populaηγo tem acesso a  esse corpo de conhecimento. O conte٥do que a escola transmite ι todo baseado  em um conjunto de saber condizente com as necessidades da classe privilegiada e  nγo com as da classe dominada, que nem sequer possui o mesmo vocabulαrio. No  entanto, a classe dominante prega a superaηγo da marginalidade pela escola,  atravιs de discursos, como "oportunidades iguais para todos", alιm de outros nos  quais estα embutida a idιia de ascensγo social. Essas idιias veiculadas pela  ideologia dominante nγo passam, porιm, de ilusγo, jα que a escola reproduz as  relaηυes sociais, mantendo o "status quo". 

Assim, este segmento desprivilegiado da populaηγo, por ter  necessidades prioritαrias, como alimentaηγo, habitaηγo e sa٥de, acaba relegando  a segundo plano a questγo da educaηγo, que nγo estα ligada de forma tγo direta  ao problema da sobrevivκncia. Pode­se observar nestas camadas a inserηγo  precoce dos indivνduos no mercado de trabalho. Por outro lado,  contraditoriamente, exige­se, cada vez mais, um grau maior de escolaridade para  o ingresso no mercado de trabalho, mesmo que determinadas funηυes nγo  requeiram, necessariamente, esse saber escolar como mostra Spindel (1985, apud  Madeira, 1986 ) a propσsito da contrataηγo de menores brasileiros. Vale ressaltar  ainda que, muitas vezes, esse saber nγo garante o sucesso profissional. Desta  forma, parece haver pouca relaηγo entre a escolaridade, de um lado, e a renda e  a igualdade de oportunidades, do outro. 

Apesar das dificuldades em assegurar a escolarizaηγo para os filhos,  pesquisas como aquelas realizadas por Scarfon (1979), Lella (1987), Vieira e  Mello (1987), entre tantos outros, mostram que grupos sociais marginalizados  sonham com uma melhoria das condiηυes de vida, para si e para seus filhos, e  relacionam­na com o estudo e a obtenηγo de um diploma. 

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II - METODOLOGIA Ε ANÁLISE DOS DADOS

A pesquisa foi realizada com 328 adultos residentes na regiγo de  Ribeirγo Preto ­ S.P., divididos em oito grupos: "bσias­ frias" alfabetizados;  "bσias­frias" analfabetos; adultos alfabetizados que residem e trabalham na zona  urbana; adultos analfabetos que residem e trabalham na zona urbana; adultos  alfabetizados que residem na zona urbana e nγo trabalham; adultos analfabetos  que residem na zona urbana e nγo trabalham; adultos alfabetizados que residem  e trabalham na zona rural; e finalmente adultos analfabetos que residem e  trabalham na zona rural. Vale notar que os alfabetizados tiveram seu grau de  escolaridade controlado (no mαximo atι a 5a

 sιrie do Ρ grau completa ). Por  outro lado, alguns analfabetos tiveram experiκncia com o ensino formal, havendo  freq٧entado a escola, em alguns casos, por atι 7 anos (isto, no entanto, nγo foi  suficiente para garantir­lhes a aprendizagem mνnima possibilitada pela escola,  que ι aprender a ler e a escrever). 

Comparando os dois grupos, alfabetizados e analfabetos, pode­se  dizer que eles diferem entre si nγo somente com relaηγo ΰ atfabetizaηγo, como  tambιm quanto a: grau de escolaridade, tempo de escolarizaηγo, experiκncia  com o ensino formal, e distribuiηγo quanto ao sexo. Assemelham­se, no entanto,  no fato de serem marginalizados das profissυes mais especializadas que, dentro  do mercado de trabalho, sγo exercidas por aqueles que possuem pelo menos  instruηγo de nνvel superior. 

Os dados a respeito da representaηγo sobre a escola foram colhidos  atravιs da pergunta Tara que serve a escola?". As respostas dadas pelos adultos  foram gravadas, transcritas, e submetidas a um processo de categorizaηγo,  baseado em uma anαlise do conte٥do das mesmas. A Tabela 1 mostra o resultado  desta anαlise. 

Nota­se, inicialmente, examinando a Tabela 1, que a representaηγo  da escola subjacente ΰs categorias de 1 a 6 ι predominantemente positiva,  enquanto que a categoria 7 agrupa aquelas opiniυes que denotam uma  representaηγo negativa da escola por estes adultos. 

A categoria 1, "A escola vista como propiciadora de melhores  condiηυes futuras" contιm a idιia de que o fato de freq٧entar a escola por si sσ  pode proporcionar ΰs pessoas melhores condiηυes de vida, principalmente no  que diz respeito ΰ situaηγo econτmica. Nota­se que essa representaηγo da escola  ι a mais freq٧ente, tanto para os alfabetizados quanto para os analfabetos,  havendo um percentual maior entre os analfabetos (37,3% contra 34.5%). 

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"A escola vista como um ambiente socializador que propicia o  desenvolvimento individual e social" ι a categoria que aparece em terceiro lugar,  e exprime a idιia de que a escola nγo transmite apenas o conhecimento formal,  mas serve tambιm para que as pessoas sintam­se mais adaptadas ao seu  ambiente social, podendo, assim, desenvolver­se individualmente atravιs da  facilitaηγo para estabelecer contatos sociais .Aqui tambιm nγo existe diferenηa  entre os adultos alfabetizados e os analfabetos. 

"A escola vista como detentora exclusiva do conhecimento e  responsαvel por sua transmissγo" ι uma categoria que expressa o modo pelo qual  os adultos parecem representar­se como agentes passivos no processo  ensino­aprendizagem, ao mesmo tempo em que atribuem ΰ escola o papel de  transmissora de conhecimentos que ela detιm de forma absoluta. Vemos aν um  percentual maior para os adultos alfabetizados (11.5%) do que para os  analfabetos (9,1%). 

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Finalmente, temos que apenas um adulto analfabeto representa a  escola como propulsora do desenvolvimento tecnolσgico, o que denota uma visγo  mais abrangente do papel da escola, voltada para o progresso social como um  todo. 

Por fim, a categoria 7 agrupa as representaηυes denominadas  "negativas". Revelam uma representaηγo desfavorαvel sobre o papel da escola,  tanto do ponto de vista individual ("A escola por si sσ nγo garante um bom  emprego") quanto do ponto de vista social mais amplo ("A escola nγo ensina a  viver; o mundo ι que ensina"). A porcentagem do grupo alfabetizado (2.8%) ι  maior do que a do grupo analfabeto (1.9%). 

III. DISCUSSÃO

Atravιs dos dados obtidos podemos constatar que ambos os grupos  estudados atribuem um alto valor ΰ escola, jα que grande parte das categorias  relacionam a freq٧κncia ΰ escola e os conhecimentos nela adquiridos com idιias  de ascensγo social, desenvolvimento individual e social, entre outras. 

O ideal da doutrina liberal de escola para todos e de garantia de  mobilidade social atravιs da escolarizaηγo, sabe­se bem, nγo funciona em  sociedades como a nossa. No entanto, os adultos pesquisados, tanto alfabetizados  e com alguma escolaridade, quanto os analfabetos, parecem representar a  instituiηγo escolar de maneira idealizada, de acordo com a forma como ela ι  representada no discurso oficial. 

Assim, nas categorias de 1 a 5, na Tabela 1, vemos a escola  representada como a ٥nica instituiηγo capaz de criar condiηυes mais satisfatσrias,  tanto no trabalho, quanto nas relaηυes sociais. Esses conte٥dos expressam ainda  o desejo desses adultos de adquirir conhecimento, o que parece indicar que  atribuem um valor positivo ΰ posse do saber sistematizado e "oficial" transmitido  pela escola, saber esse que, para eles funcionaria como facilitador da  participaηγo e convivκncia em outros ambientes sociais, alιm de ter o poder de  amenizar aspectos desagradαveis e αsperos do cotidiano. Essa aspiraηγo  simbσlica, que tem a funηγo de amenizar esse cotidiano sofrido, ligada ao ideal  de "ter cultura", e "ter diploma", estα presente nos dois grupos de adultos  estudados, mas parece expressar­se de forma mais elaborada no grupo  alfabetizado, e de maneira mais difusa nos analfabetos. Temos aν um efeito da  maior vivκncia e da experiκncia concreta com a escola, o que evidencia a  existκncia do chamado "currνculo oculto", que passa, ao lado dos conte٥dos  explνcitos (programαticos) toda uma ideologia autς­promocional, que tem a  funηγo de ocultar que ι exigido, no processo de escolarizaηγo, um saber prιvio  do qual esses adultos sγo destituνdos, o que impossibilita a continuaηγo do  processo, gerando o fracasso escolar. Como conseq٧κncia, o indivνduo acaba  atribuindo a si prσprio a culpa pelo fracasso. 

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frustraηγo frente ao fracasso. Com efeito, sabe­se que atualmente existe uma  super valorizaηγo da escola, que estα ligada ΰ exigκncia cada vez mais acentuada  de um maior grau de escolaridade para o ingresso no mercado de trabalho,  mesmo que determinadas funηυes nγo requeiram necessariamente o saber  escolar (Braverman, 1977). Muitas vezes, ainda, esse saber nγo garante o sucesso  profissional. Leila (1987) mostra, atravιs de pesquisa realizada com adultos 

analfabetos, que existe tambιm no Brasil uma exigκncia cada vez maior de  qualificaηγo (e escolaridade) para ocupaηυes similares. Assim, alguns dos  adultos estudados colocam a instituiηγo escolar como algo fora, quer da sua  realidade, quer de suas necessidades, quer de suas expectativas, o que eq٧ivale a  nγo aceitar o sonho para si, sem que isso os impeηa de continuar sonhando um  futuro melhor para seus filhos: "boa piora os pequenos, porque para o adulto nγo  serve mais...". (CNPq, FAPESP, Fundo de Pesquisa ­ USP). 

V - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Braverman, H. "Nota final sobre qualificaηγo" in: Braverman, H. Trabalho e  Capital Monopolista. Zahar: Rio de Janeiro, 1977. 

Leila, C. de "Os livros­texto do primαrio intensivo para adultos: principais  interesses e opiniυes de seus usuαrios". Cadernos de Pesquisa, 61, 30­41, 

1987. 

Madeira, F. R. "Los jσvenes en el Brasil: antigos supuestos y nuevos derroteros."  Revista de la CEPAL, Santiago, no 29,57­80, agp. 1986. 

Saviani, D. "As teorias da educaηγo e o problema da marginalidade na Amιrica  Latina." Cadernos de Pesquisa, 42,8­18,1982. 

Scarfon, M. de L. Crescimento e Misιria. Sνmbolo: Sγo Paulo, 1979. 

Spindel, Cheywa R. Ό menor assalariado registrado: condiηυes de trabalho em  αreas metropolitanas. Textos IDESP, Sγo Paulo, na

 8,1985. 

Tfouni, L. V. "A inteligκncia prαtica e a prαtica da inteligκncia". Arquivos  Brasileiros de Psicologia, 39 (3), 44­56.1987. 

Vieira, L. M. F. e Melo, R. L. C de "A creche comunitαria Casinha da Vovσ:  prαtica de manutenηγo/prαtica de educaηγo". Cadernos de pesquisa, 62,  60­78,1987. 

ABSTRACT

Referências

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