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O cotidiano da formação de professores/as da Campanha de Pé no Chão Também se Aprende a Ler

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Academic year: 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

FERNANDA MAYARA SALES DE AQUINO

O COTIDIANO DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES/AS DA CAMPANHA DE PÉ NO CHÃO TAMBÉM SE APRENDE A LER

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FERNANDA MAYARA SALES DE AQUINO

O COTIDIANO DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES/AS DA CAMPANHA DE PÉ NO CHÃO TAMBÉM SE APRENDE A LER

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para a obtenção do grau de mestre em Educação, sob a orientação da Profª. Drª. Marisa Narcizo Sampaio.

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________ Orientadora: Profa. Dra. Marisa Narcizo Sampaio Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN

________________________________________ Profa. Dra. Jane Paiva

Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ

________________________________________ Profa. Dra. Rosa Aparecida Pinheiro

Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN ________________________________________

Profa. Dra. Marlúcia Menezes de Paiva

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Seção de Informação e Referência

Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Central Zila Mamede

Aquino, Fernanda Mayara Sales de.

O cotidiano da formação de professores/as da Campanha de Pé no Chão Também se Aprende a Ler / Fernanda Mayara Sales de Aquino. – Natal, RN, 2015.

157 f.

Orientadora: Marisa Narcizo Sampaio.

Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Educação – Programa de Pós-graduação em Educação.

1 Formação de professores - Dissertação. 2. Memória - Dissertação. 3. Narrativas – Dissertação. 4. Campanha de Pé no Chão Também se Aprende a Ler - Dissertação I. Sampaio, Marisa Narcizo. II. Título.

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A Jesus, por estar sempre ao meu lado e ter me ajudado a escrever não obstante as atribulações do dia-a-dia.

Aos meus pais, José Aquino e Francisca Beserra, pelo investimento e cuidados ao longo da minha vida.

À minha irmã Meire Aquino pelo apoio de sempre.

À minha orientadora Profa Dra Marisa Narcizo Sampaio, pela orientação criteriosa e presença constante mesmo quando durante um ano precisou estar em outro país. Foi o longe/perto mais real que pude experimentar!

A todos os que fizeram o NUHMEJA-RN por terem me oportunizado um espaço de formação e pesquisa, do qual esta dissertação é produto.

Aos professores e professoras da Campanha De Pé no Chão Também Se Aprende a Ler, Diana Rodrigues, João Raimundo, Josemá Azevedo, Margarida Cortez, Maria Diva Lucena, Marlene Araújo, Nair de Oliveira, Neide Varela, Salete de Souza e Salonilde Ferreira pelos importantes depoimentos concedidos ao NUHMEJA e a mim quando os procurei, especificamente, para esta pesquisa.

Aos membros da banca pela leitura e disponibilidade em contribuir com este trabalho.

Aos amigos André Tavares, Vanessa Raphaella, Elaine Mayara, Tábita Pollyana e Sorrana Abutrabe por terem sido presente e contribuído com orações.

Às amigas pedagogas Thalyne, Michelle, Raquel, Andréia e Tâmara pela torcida e incentivo de sempre. Em especial, à Tereza Raquel por haver me auxiliado com a organização das fotografias.

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RESUMO

Esta dissertação nasceu no contexto dos trabalhos e discussões dos quais participei no Núcleo de História e Memória da Educação de Jovens e Adultos do Rio Grande do Norte (NUHMEJA-RN). Nesta pesquisa, busco compreender como se dava o cotidiano da formação docente da Campanha De Pé no Chão Também Se Aprende a Ler (1961-1964). Com base nos estudos com o cotidiano e na epistemologia da complexidade, a investigação com o cotidiano da formação dos professores/as da Campanha foi realizada com o propósito de visibilizar sua complexidade e multidimensionalidade, em diálogo com as discussões atuais sobre formação docente. Para isso recorri, também, aos estudos sobre memória e narrativa. O percurso metodológico desta pesquisa foi realizado a partir de entrevistas com professores/as da Campanha. Suas narrativas foram entrelaçadas a discussões sobre memória, pois entendo que, no momento de reconstituições das memórias narradas dos docentes foi reconstituído o cotidiano da sua formação durante a Campanha De Pé no Chão. A multiplicidade de espaçostempos formativos; as relações de poder que nortearam a oferta e participação dos docentes da Campanha nos cursos de formação continuada; um complexo de teorias que fundamentam a formação de professores/as na Campanha; a existência de dois grupos de docentes com experiências e contextos de formação distintos, o que repercutia nas práticas formativas cotidianas e contribuiu para visibilizar as relações de poder/saber que norteavam essas práticas; o acompanhamento realizado pela equipe do Centro de Formação de Professores (CFP), mediante o planejamento e as unidades de trabalho, revelando formação continuada e controle dos docentes em exercício; a não passividade dos docentes, fazendo outro uso do que lhes foi proposto; a proposição e efetivação de práticas formativas que buscavam integrar o político e o pedagógico foram percebidas nas narrativas e discutidas neste estudo. Entendo este estudo como contribuição para uma reflexão sobre formação docente nos dias hodiernos.

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ABSTRACT

The following work was born in the context of academic works and discussions that I have joined in the “Núcleo de História e Memória da Educação de Jovens e Adultos do Rio Grande do Norte” (NUHMEJA-RN). In this research, I aim understand how was the everyday teacher training in the Campaign “De Pé no Chão Também Se Aprende a Ler” (1961-1964). Based on studies with daily life and in the epistemology of complexity the research with the daily training of teachers of the campaign was held proposing visualize its complexity and multidimensionality, in dialogue with the current discussions about teacher training. Therefore this could happen I also used studies about memory and narrative. The methodological approach of this research was conducted through interviews with teachers of the Campaign. Their narratives were intertwined to memory discussions, because I understand that at the time of reconstitution of narrated memories of teachers the everyday training of the teacher during the Campaign “De Pé no Chão Também Se Aprende a Ler” it was reconstituted. The multiplicity of formative spacestime; the power relations that guided the offer and participation of the teachers in in continuing education courses inside the Campaign; a complex of theories underlying the training of teachers in the Campaign; the existence of two groups of teachers with different experiences and training contexts, which echoed in the daily training practices and contributed to visualize the relationships of power / knowledge that guided these practices; monitoring carried out by the “CFP” team, through planning and work units, revealing continuing education and control of teachers at work; the not passivity of teachers, making other use of what was proposed to them; the proposition and execution of training practices that sought to integrate the political and pedagogical were perceived in the narratives and discussed in this study. I understand this study as a contribution to reflect about the teacher training education nowadays.

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LISTA DE ABREVIATURAS

RN Rio Grande do Norte

UFRN –Universidade Federal do Rio Grande do Norte IC– Iniciação Científica

NUHMEJA – Núcleo de História e Memória da Educação de Jovens e Adultos CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior SAR – Serviço de Assistência Rural

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SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS...11

CAPÍTULO I - As escolhas teórico-metodológicas da pesquisa: adentrando no cotidiano da formação docente da Campanha De no Chão...20 1.1 Os professores/as da Campanha De Pé no Chão...26

1.2 Memórias narradas: percurso para reconstituições cotidianas de formação

docente...35

CAPÍTULO II - As ofertas e práticas de formação na Campanha De Pé no Chão

Também Se Aprende a Ler...47 2.1 Os cursos de emergência, os cursos do CFP e as ofertas de formação

continuada na Campanha...52

CAPÍTULO III - Influências que atravessam a formação dos docentes na campanha: emaranhado das teorias pedagógicas nas artes de fazer dos docentes...72 3.1 Nem isto nem aquilo, mas um complexo de teorias que consubstanciam a formação de professores/as na Campanha...73

3.2 Campanha de Pé no Chão: movimento de educação popular?...81

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4.2 Autonomia docente na Campanha...116

4.3 Valorização docente na Campanha e ressignificação do ser professor/a num contexto de educação popular...120

CONSIDERAÇÕES FINAIS...126

REFERÊNCIAS...132

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Esta dissertação surgiu com base nas minhas experiências no Núcleo de História e Memória da Educação de Jovens e Adultos (NUHMEJA-RN). O trabalho com as memórias dos sujeitos/atores que fazem parte da história da educação de adultos e educação popular do Rio Grande do Norte (RN) me levaram à investigação acerca da formação docente na Campanha De Pé no chão Também Se Aprende a Ler1. A discussão gira em torno da formação de professores/as no cotidiano da referida experiência educativa.

Em 2010, enquanto graduanda do curso de Pedagogia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) passei a integrar o Núcleo NUHMEJA-RN. Esse Núcleo tem como objetivo reunir e disponibilizar fontes documentais referentes à história e à memória da Educação de Jovens e Adultos e da Educação Popular do RN. Ele se tornou ambiente propulsor para diversas pesquisas na área da história e memória da educação de pessoas jovens e adultas e educação popular do estado, dentre as quais se insere esta dissertação sobre a formação docente no cotidiano da referida Campanha.

No contexto de trabalho no NUHMEJA-RN, desenvolvi a monografia intitulada “Campanha De Pé no Chão Também Se Aprende a Ler (Natal/RN, 1961-1964): reflexões sobre práticas educativas e currículo” (AQUINO, 2012). Essa pesquisa revelou, na prática educativa de professores de adultos da Campanha, a presença de elementos como o diálogo, valorização da cultura dos alunos, prática reflexiva, flexibilidade do processo educativo a diferentes situações de ensino-aprendizagem e integração entre as disciplinas. Enfatizo esses elementos organizadores da prática pedagógica por dois motivos. O primeiro se refere ao fato de que, ainda hoje, inúmeros autores discutem a importância de práticas educativas pautadas no diálogo, na valorização da cultura dos educandos, na reflexão sobre a prática e no trabalho com disciplinas integradas.

Segundo Freire (2006), ao defender uma educação voltada para libertação do oprimido, essa educação não pode ocorrer sem o diálogo entre os

1 No decorrer desta dissertação, passarei a usar a nomenclatura Campanha De Pé no Chão para

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sujeitos cognoscentes. Esse autor também ressalta a importância da valorização da cultura dos educandos. Nesse processo de valorização da cultura dos alunos e alunas chamo atenção para o que discutimos, atualmente, em termos de valorização das práticas culturais dos educandos. Pinheiro (2011) nos ajuda a compreender as práticas culturais dos educandos como experiências que possam se tornar conteúdos curriculares, bem como produtoras e condicionantes da autonomia dos sujeitos. Essa autora discute ainda acerca do princípio da flexibilidade no tocante ao currículo. Segundo ela, as ações educativas devem ser adequadas à situação da aprendizagem. Nesse sentido, na Campanha, com base nos resultados da pesquisa mencionada anteriormente, esse princípio pode ser percebido devido à presença de os diversos elementos organizadores da prática pedagógica serem usados de acordo com as diferentes situações de ensino-aprendizagem da Campanha, que inclui diferentes espaçostempos de ensino e formação. A integração de disciplinas ou interdisciplinaridade, como é atualmente chamada, também é bastante discutida, ainda hoje, por autores que se dedicam a pensar o desenvolvimento de práticas pedagógicas e formativas mais significativas. Esse é outro motivo pelo qual esses elementos se destacam, uma vez que o trabalho formativo e pedagógico, alicerçado nesses princípios, torna o ensino-aprendizagem mais significativo para os alunos e alunas.

Com base nesses resultados, senti a necessidade de investigar a formação docente que alicerçou essas práticas educativas da Campanha. Com a pesquisa anterior, foi possível identificar a existência dessas práticas, mas, posteriormente a esse momento, pretendia discutir que tipo de formação os professores/as recebiam no cotidiano da Campanha para compreender como foi possível aos docentes desenvolverem práticas educativas alicerçadas no diálogo, na valorização da cultura, na integração das disciplinas etc, nos anos de 1960. É nesse contexto que surgiu a motivação para a presente investigação. O diálogo com essa memória não se trata de uma discussão do passado pelo passado, mas uma memória que serve ao presente no sentido de nos oferecer elementos para a reflexão sobre a formação docente nos dias atuais.

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formação docente no que se refere a uma prática formativa significativa repleta de coerências e contradições. É a possibilidade de discutirmos a temática da formação de professores/as a partir da narrativa dos docentes que vivenciaram essa experiência educativa, conhecida nacional e internacionalmente pelos resultados alcançados. Segundo Benjamin (2012), a experiência de narrar é algo que tem desaparecido e uma das causas desse fenômeno é que as ações da experiência estão em baixa. É fato que na sociedade onde vivemos há uma demanda expressiva pelo novo; é uma supervalorização do presente em detrimento do passado. A esse respeito, Hobsbawm (1995), assim, se manifestou:

A destruição do passado – ou melhor, dos mecanismos sociais que vinculam nossa experiência pessoal à de gerações passadas

– é um dos fenômenos mais característicos e lúgubres do final do século XX. Quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie de presente contínuo, sem qualquer relação orgânica com o passado público da época em que vivem. (HOBSBAWM, 1995, p. 13).

Porém, esta pesquisa foi desenvolvida com a preocupação de romper com essa lógica, colocando a memória da Campanha De Pé no Chão como espaçotempo propulsor para as discussões sobre formação de professores/as. A formação docente vivenciada pelos docentes no cotidiano da Campanha nos permite dialogar sobre o que foi realizado na Campanha e que, ainda hoje, é complexo, tais como as questões referentes ao desenvolvimento de uma prática educativa que integre as dimensões do político e do pedagógico, bem como refletir sobre as soluções encontradas por esses docentes no cotidiano de sua formação e de sua prática pedagógica ante as incertezas e os imprevistos da prática educativa. Com fulcro nos Estudos com o Cotidiano, mergulho na referida Campanha, introduzindo a seguinte questão: Como se dava a formação no cotidiano dos professores/as da Campanha De Pé no Chão Também Se Aprende a Ler?

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posto. Desta feita, a compreensão das práticas formativas da Campanha De Pé no Chão pode, de fato, contribuir para que possamos pensar em transformações e mudanças de nossas práticas educativas na contemporaneidade.

Assim, me proponho investigar sobre o cotidiano da formação docente na Campanha De Pé no Chão, que inclui considerar os diversos espaçostempos formativos, definindo os seguintes objetivos:

 Distinguir os processos formativos relacionados às práticas educativas da Campanha De Pé no Chão.

 Discutir e compreender as práticas de formação de professores/as na Campanha De Pé no Chão.

 Visibilizar a complexidade do processo de formação de professores/as na Campanha De Pé no Chão.

 Relacionar a formação de professores/as da Campanha com o que se discute hoje no âmbito da formação docente.

A Campanha De Pé no Chão foi desenvolvida na cidade do Natal no período de 1961-1964, durante a gestão do prefeito Djalma Maranhão e do Secretário de Educação Moacyr de Góes. O pensamento humanista marxista de Djalma Maranhão, sua passagem no Partido Comunista, a militância no cafeísmo2, seu pensamento nacionalista e sua identificação com a causa popular (GÓES, 2010), tudo isso o leva a desenvolver uma série de ações em prol dos direitos das classes menos favorecidas. Entre essas ações, destaco a oferta de educação para todos e o incentivo à cultura popular se desdobrando na Campanha De Pé no Chão, já que, em sua administração, a diminuição da taxa de analfabetismo foi tida como meta principal. Nesse período, o número de analfabetos na cidade do Natal chegava a mais de trinta mil numa população de 154.276 habitantes (GÓES, 2010). Por meio dessa Campanha, buscou-se oferecer educação para todos os analfabetos da cidade, criança e adulto.

2Esse grupo reunia as forças progressistas do Rio Grande do Norte, sob a bandeira de luta contra

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Assim, diversas ações foram desenvolvidas, entre elas, a criação de Escolinhas, que consistiam em classes de alfabetização que utilizavam espaços cedidos, gratuitamente, pela população (casas, cinemas, igreja etc); os Acampamentos Escolares, cobertos de palha e chão de barro batido, localizados nas periferias da cidade do Natal, onde aconteciam aulas de alfabetização para crianças durante o turno diurno e para adultos no período noturno; o Centro de Formação de Professores (CFP) criado em 1962, sob a direção da professora Margarida de Jesus Cortez, que teve a função de preparar e ministrar cursos de formação para professores/as que iriam trabalhar na Campanha e realizar o trabalho de coordenação técnico-pedagógica; a Escola de Demonstração, que se tornou importante por servir de local onde os professores/as em formação no CFP poderiam observar como acontecia a prática docente; os círculos de cultura, voltados para alfabetização de adultos na perspectiva freireana; a Interiorização da Campanha, que consistiu na expansão da Campanha De Pé no Chão para municípios do estado e, consequentemente, modificação dos cursos de emergência do CFP; e a vertente De Pé no Chão Também se Aprende uma Profissão, em que foram oferecidos cursos de barbearia, artesanato, enfermagem de urgência, sapataria, corte e costura, encadernação e datilografia (GÓES, 2010; AQUINO, 2013).

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mais perseguidos, tendo suas casas vasculhadas pelo exército, responderam a períodos longos de interrogatórios e, consequentemente, tiveram suas funções na Campanha De Pé no Chão interrompidas. Nesse processo de interrupção das atividades da Campanha, as aulas nos acampamentos foram canceladas. Em outros espaços de ensino aprendizagem da Campanha, a exemplo da Escola de Demonstração, as aulas continuaram, porém não nos moldes como vinham sendo desenvolvidas na Campanha. Houve um esforço, em razão do regime militar, para efetivação de práticas educativas esvaziadas das discussões políticas.

Na organização dos capítulos procurei contemplar os objetivos propostos. Os dois últimos objetivos permeiam todos os capítulos de discussão desta dissertação, uma vez que a complexidade do processo formativo de docentes na Campanha De Pé no Chão e a relação entre essa formação e o que discutimos hoje em termos de formação de professores/as são inerentes a todos os temas de discussão, tais como: ofertas e práticas da formação, conteúdos da formação e a participação dos professores/as na promoção de sua formação continuada. Esses temas desdobraram-se em três capítulos de discussão dos dados produzidos com base nas entrevistas com os professores/as. A estrutura deste trabalho ficou, portanto, assim organizada:

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No segundo capítulo, discuto as práticas e ofertas de formação inicial e continuada na Campanha De Pé no Chão. Apresento os diversos espaços de formação docente e seus contextos de elaboração. Por se tratar de uma pesquisa com o cotidiano e estar fundamentada na noção de complexidade de Morin (2000, 2012) teço a discussão buscando visibilizar as contradições e multidimensionalidades inerentes ao cotidiano dessa formação. Nesse sentido, procurei ressaltar as relações de poder que definem determinados espaços formativos como mais valorizados que outros. Segundo Foucault (2007), poder não é um objeto natural, uma coisa intrínseca às instituições superiores da censura, mas um feixe de relações que permeia todas as relações humanas, ou seja, nada está isento do poder, o que há são diferentes formas de exercício do poder.

No terceiro capítulo, pondero sobre as formas de fazer de docentes que revelam como, no cotidiano da prática formativa da Campanha, professores/as assumem diferentes teorias pedagógicas, algumas vezes até antagônicas, visando ao desenvolvimento do seu projeto educativo. Para tanto, me reporto aos estudos de Sampaio (2008) no sentido de estar atenta ao emaranhado de concepções, teoriaspráticas em que docentes estão mergulhados em sua prática educativa cotidiana e ao pensamento complexo (MORIN, 2000), visibilizando a diferença e a oposição, e também o caráter complementar de que fazem uso (CERTEAU, 2012) os docentes da Campanha de elementos da pedagogia tradicional, da pedagogia nova, da pedagogia tecnicista, e da pedagogia progressista visando formar professores/as capazes de alfabetizar crianças e adultos nas classes da Campanha De Pé no Chão. Essa discussão me leva, na última parte do capítulo, a escrever sobre a Campanha De Pé no Chão enquanto movimento de educação popular.

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acampamentos. Nesse sentido, estabeleço um diálogo entre o que falam os professores/as da Campanha com Foucault (2005, 2007) e Sampaio (2008), no tocante aos mecanismos de disciplina e controle, e com Certeau (2012) que nos ensina a atentar para as práticas não previstas e não prescritas dos praticantes do cotidiano. Nesse caso, de docentes da Campanha De Pé no Chão. Assim sendo, discuto, ainda, sobre autonomia e valorização docente na Campanha e a ressignificação do ser professor/a num contexto de educação popular, entendendo que a formação/acompanhamento docente realizado na Campanha De Pé no Chão, que está atravessada por relações de poder hierárquicas e por controle, é, ao mesmo tempo, possibilidade de valorização, aprendizagem e qualificação dos professores/as.

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As escolhas teórico-metodológicas da pesquisa: adentrando no cotidiano da formação docente da Campanha De Pé no Chão

Neste capítulo apresento ao leitor as minhas escolhas teórico-metodológicas e procedimentos realizados que fundamentaram a pesquisa com o cotidiano da formação de professores/as da Campanha De Pé no Chão. O trabalho com essa experiência educativa iniciou-se, em 2010, com a minha inserção no NUHMEJA-RN, sendo a experiência nesse Núcleo propulsora para a presente investigação, conforme já explicitado na introdução. O que retomo do trabalho que desenvolvi no NUHMEJA-RN, e que foi fundamental para compreensão sobre a maneira como levei a efeito esta pesquisa são os procedimentos metodológicos, visto que, para a investigação com o cotidiano da formação docente da Campanha De Pé no Chão, dei continuidade e recriei o que já vinha desenvolvendo no Núcleo. Para tanto, fundamento-me epistemologicamente, nos Estudos do Cotidiano e utilizo narrativas de professores/as da Campanha De Pé no Chão como opção metodológica, recorrendo aos estudos da memória e da complexidade para ter acesso ao cotidiano pesquisado e compreendê-lo.

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considerando na pesquisa a subjetividade e a interpretação pessoal de cada um dos professores/as que cooperou com a pesquisa, entendendo que os resultados da investigação correspondem a uma versão, dentre outras possíveis, sobre o cotidiano da formação docente na referida Campanha.

É importante explicitar que entendo o cotidiano para além de uma realidade social estática com suas regras e rotinas. O cotidiano, conforme Alves (2008), é espaçotempo de prazer, inteligência, criação, memória e solidariedade. Nesta pesquisa, em que estou trabalhando com memória, o cotidiano da formação de professores/as da Campanha torna-se “acessível” no momento em que converso com os docentes que participaram dessa experiência educativa, sabendo que esse cotidiano, por todas as suas características e complexidades mencionadas acima, é tecido no momento da produção das narrativas pelos docentes da Campanha e ressignificado por mim enquanto dialogo, penso e escrevo sobre ele. Portanto,

[...] é preciso deixar claro que, do ponto de vista metodológico, quando falamos em cotidiano, não estamos nos referindo a uma instância específica da realidade social (Pais, 2003), mas de uma arma da qual nos servimos para compreender essa mesma realidade, mesmo consciente de que as realidades não se dão a conhecer e que a multiplicidade de redes de conhecimentos e valores dos sujeitos sociais torna cada realidade um conjunto de possibilidades tão amplo quanto as leituras que delas possam ser feitas. (OLIVEIRA; SGARBI, 2008, p. 84).

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docente da Campanha. Por ora, detenho-me na compreensão de cotidiano como espaçotempo de produção de conhecimentos sobre formação docente na Campanha, conforme iniciado na página anterior.

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Pesquisar o cotidiano escolar é, assim, um trabalho de busca de compreensão das táticas e usos que os professores desenvolvem no seu fazer pedagógico, penetrando astuciosamente e de modo peculiar, a cada momento, no espaço do poder. Abdicando da

busca de “ver” a totalidade [...] esta metodologia de pesquisa

pretende assumir a complexidade das práticas com suas trajetórias, ações, corpo e alma, redes de fazeres em permanente movimento. (OLIVEIRA, 2008, p. 59).

Esse processo de aproximação e imersão no cotidiano da formação docente da Campanha De Pé no Chão demanda o exercício de outras lógicas para apreendermos e compreendermos os conhecimentos e as formas como são tecidos no cotidiano. Nilda Alves, no texto Decifrando o pergaminho – os cotidianos das escolas nas lógicas das redes cotidianas (2008) discute quatro aspectos para começarmos a compreender como acontece a pesquisa com o cotidiano. Essa autora propõe que é preciso executar um mergulho com todos os sentidos no que se deseja estudar; que as teorias, categorias, conceitos e noções que herdamos das ciências modernas precisam ser entendidas como limite e não como apoio e verdade absoluta; se faz necessário ampliar a compreensão de fonte, sendo indispensável beber em diversas fontes de pesquisa; que se desenvolva uma nova maneira de escrever, no sentido de literaturizar a ciência. Embora essas quatro premissas nos ajudem a pensar a pesquisa com o cotidiano, irei me deter nas noções de mergulho no cotidiano e abrangência de diferentes fontes de pesquisa para discutir a necessidade de imersão no cotidiano da formação de professores/as da Campanha e, posteriormente, a minha imersão nesse cotidiano por meio da memória.

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buscar saber sempre os meus tantos limites.” (ALVES, 2008, p. 18). De tal modo, refletindo sobre os meus limites, reporto-me aos meus preconceitos e valores, a minha tendência às generalizações, classificações, um a priori que precisa ser refeito, moldado em contato com o cotidiano pesquisado, como um vaso de barro (“pronto”) que é quebrado e remodelado nas mãos do oleiro.

Nesse processo de imersão no cotidiano da formação de professores/as da Campanha De Pé no Chão, foi preciso atentar/considerar a diversidade de fontes presentes no cotidiano e que nos ajudaram na tessitura de novos conhecimentos. Por conseguinte, “[...] vai interessar aquilo que é ‘contado’ (pela voz que diz) pela memória: o caso acontecido que parece único (e que por isto o é) a quem o ‘conta’; o documento (caderno de planejamento, caderno de alunos etc), a fotografia que emociona etc.” (ALVES, 2008, p. 28). Embora as narrativas dos professores/as se reportem, muitas vezes, a um mesmo espaço físico, a uma determinada gama de material didático ou determinadas pessoas estejam presentes em suas falas, são os usos feitos dos espaços e materiais, bem como o relacionamento que estabelecem com essas pessoas que nos ajudam a compreender o cotidiano da formação docente da referida Campanha.

Considerando o que foi apontado, até agora, acerca das características da Campanha De Pé no Chão (complexa, diversa) e a maneira como fui desenvolvendo e compreendendo a pesquisa entendo que os princípios que fundam o pensamento moderno não são suficientes para a compreensão desse acontecimento que é a Campanha. Santos (2008) elenca uma série de princípios que fundamentam o pensamento moderno, quais sejam: a racionalidade científica, que nega o caráter racional às demais formas de conhecimento que não se encaixam nos princípios epistemológicos e metodológicos do paradigma moderno, estabelecendo a crença num único conhecimento verdadeiro; a dicotomização do conhecimento, que nos leva a pensar e produzir conhecimento em torno das dicotomias homem X natureza, conhecimento científico X senso comum; a quantificação matemática, em que o rigor científico se avalia pelas medições; e a neutralidade do pesquisador em relação ao objeto de estudo.

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e econômico. Contudo, os princípios que fundamentam a ciência moderna não conseguem abranger a multidimensionalidade da nossa sociedade, onde os acontecimentos não estão dispostos de maneira compartimentalizada, hierarquizada e isolada, onde nem tudo se dá a conhecer por meios quantificáveis, haja vista a realidade se constituir um todo entrelaçado e emaranhado, visto que, segundo Morin (2013), o homem não é 50% natureza e 50% cultura, mas 100% natureza e 100% cultura. Dada a crise e os limites do paradigma moderno, vem se delineando o que alguns autores chamam de pós-modernidade. A maneira de pensar o mundo e produzir ciência, nessa perspectiva, busca romper com a visão dicotômica e compreender o homem e os fenômenos em sua multidimensionalidade. A subjetividade e a imprevisibilidade são princípios que fundamentam a produção de conhecimento na pós-modernidade, passando-se a considerar, como verdade, as versões acerca de determinado fenômeno ou acontecimento.

Fundamento-me epistemologicamente, nos Estudos com Cotidiano por entender que não se trata de escolher entre modernidade e pós-modernidade (dicotomização) ou acreditar em uma ou outra corrente (dogmatizacão), conforme me alertam Oliveira e Sgarbi (2008), mas misturar modernidade e pós-modernidade compreendendo que uma não significa a negação da outra, mas a transformação de uma em outra quando ocorrem rupturas que emergem de um processo com inúmeras mudanças. Além disso, o cotidiano é o espaçotempo de tessitura de conhecimentos presente tanto na modernidade quanto na pós-modernidade. “Se o cotidiano faz tanto parte da modernidade – e de tudo antes dela – quanto da pós-modernidade – e de tudo após ela –, ele é a própria rede em que os conhecimentos todos se misturam na invenção da vida social.” (OLIVEIRA; SGARBI, 2008, p. 65). É nesse sentido que busco compreender o cotidiano da formação de professores/as da Campanha De Pé no Chão, entendendo que ele é a rede dos conhecimentos que se entrelaçam na reconstituição dessa memória do cotidiano da formação docente da Campanha.

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mergulharmos no cotidiano da Campanha sem conhecermos esses professores/as que me contaram sobre suas práticas cotidianas de formação docente. Assim sendo, passarei a apresentar cada um deles, enfatizando a importância de ouvi-los para compreendermos o cotidiano da formação docente da Campanha De Pé no Chão.

1.1. Os professores/as da Campanha De Pé no Chão

Quando tudo no mundo é mocidade, verde a árvore, moça a natureza; e cada ganso te parece um cisne, e cada donzela uma princesa;

venham minhas esporas, meu cavalo! vou correr mundo em busca da alegria! O sangue moço quer correr, ardente, E cada criatura quer seu dia...

Nas frias tardes da velhice, quando é parda toda árvore que vive; em que todo desporto é já cansaço, e toda roda corre no declive;

oh! volta à casa, busca o teu caminho, vai, mesmo assim, cansado e sem beleza: lá acharás o rosto que adoravas quando era jovem toda natureza.

(C. Kingsley)

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faculdade de intercambiar experiências. Quando os sujeitos narram, eles estão intercambiando/trocando/relacionando experiências e essas imprimem marcas em suas narrativas, bem como se movem com naturalidade no tempo, realizando processos de idas e vindas entre passado e presente.

Os professores/as/narradores/as da Campanha De Pé no Chão narram suas experiências com naturalidade, sem apego a nomes e datas específicas. Suas preocupações consistem em relatar o fato acontecido partindo de sua visão pessoal ou experiência própria. Sendo assim, é comum, nas narrativas, aparecerem falas como “[...] pelo menos comigo foi assim. Eu estou lhe contando como aconteceu comigo.” Assim sendo, é que se trata de narração e não descrição. A subjetividade é o elemento característico da narrativa. Logo, dou destaque à relação existente entre subjetividade e o processo de reconstituição narrativa de um acontecimento do qual participou o sujeito. Segundo Cunha (1997), quando uma pessoa narra um acontecimento do qual participou, percebe-se que reconstitui a trajetória percorrida, atribuindo-lhe novos significados. Por conseguinte, o caráter subjetivo dos indivíduos, imbuído de uma longa trajetória de suas vivências, mobiliza suas memórias agregando novos sentidos e interpretações aos fatos vivenciados outrora. Assim, a narrativa dos professores/as da Campanha não é a verdade literal dos fatos, mas é a representação que dele fazem os participantes da pesquisa que vivenciaram suas experiências de formação docente nos diferentes espaços de ensino-aprendizagem da Campanha e, por terem trajetórias de vida singulares, atribuem sentidos e interpretações também singulares.

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pesquisa a partir de suas falas foi determinante para desenvolver duas atitudes: 1. buscar conhecer sobre memória, cotidiano, entrevistas, complexidade e tantas outras teorias e procedimentos que me ajudaram a dialogar com os professores/as da Campanha, bem como compreender seus cotidianos e suas práticas docentes reconstituídas nos momentos em que dialogávamos; 2. entrevistar professores/as que trabalharam na Campanha De Pé no Chão. É importante destacar que isso não ocorreu de forma linear; primeiro busquei conhecer a teoria e, depois, realizei as entrevistas, não. Os estudos teóricos ou diálogo com os autores e a realização das entrevistas se deram praticamente de forma simultânea, a começar a partir do trabalho que desenvolvi enquanto bolsista de iniciação científica do NUHMEJA-RN.

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Diana Rodrigues aos quinze anos fez um curso, em 1961, de três meses no Ginásio Municipal que veio a ser o Centro de Formação de Professores da Campanha De Pé no Chão. Após o curso, passou a ministrar aulas para crianças, em 1961, numa escolinha localizada na Vila de Ponta Negra. A professora Diana também lecionou para adultos no período noturno nessa mesma Vila.

João Raimundo sempre estudou no Senai e Rotary Club, onde fez o exame de admissão para o ginásio. A fim de trabalhar na Campanha, em decorrência da sua admiração pelo prefeito Djalma Maranhão e suas propostas, o professor João realizou um teste e, aprovado, fez um curso de formação no Centro de Formação de professores. Posteriormente, o referido professor ministrou aulas para crianças no período diurno e, em seguida, para adultos no Acampamento Escolar das Quintas no período noturno, pois preferira o trabalho com os adultos. A turma de adultos do professor citado chegou a ter uma média de 30 alunos que, em sua maioria, eram pais de crianças que estudavam no mesmo acampamento, porém no período matutino ou vespertino.

Jozemá Azevedo era estudante do curso de Engenharia Civil da UFRN no período da Campanha De Pé no Chão. Nessa época também fora envolvido com Juventude Universitária Católica (JUC), sendo atuante nos movimentos sociais e de cultura popular à época da Campanha. O seu trabalho como docente na Campanha De Pé no Chão está associado ao uso das formulações freireanas para alfabetização em Natal, sendo ele coordenador de círculos de cultura e alfabetizador. Ele atuou como alfabetizador no Círculo de Cultura de Nova Descoberta no período noturno e foi, também, responsável pelo processo de interiorização da Campanha. Para esse trabalho, fundamentado nas teorizações freireanas, o professor Josemá participou do curso ministrado por Paulo Freire em Natal.

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de Formação de Professores, além de formadora nos cursos de emergência oferecidos pelo Centro.

Maria Diva Lucena fez o Curso Normal no Colégio de Freiras Alemãs na Paraíba e, posteriormente, a faculdade de História. Dois anos da faculdade foram cursados na Paraíba e dois anos em Natal, onde conheceu a professora Margarida Cortez, que, mais tarde, a convidou para trabalhar na Campanha De Pé no Chão. Na Campanha, a professora Diva fez parte da equipe pedagógica do CFP, onde lecionou a disciplina de História, trabalhou na formulação de unidades de trabalhos para as professoras dos acampamentos escolares e foi responsável pela elaboração do livro de leitura para adultos, baseado no livro de leitura para adultos do MCP. A referida professora já tinha experiência em movimentos estudantis da época JEC e JUC e confessa ter levado essa experiência para Campanha, pois, segundo ela, foi, na Campanha De Pé no Chão, onde evoluiu seu processo de conscientização, uma vez que a filosofia da Campanha era orientada para libertação.

A professora Marlene Araújo realizou o curso pedagógico na Escola Normal de Natal. Ela decidiu lecionar somente após o término desse curso Assim, após concluir o curso pedagógico, a referida professora passou a lecionar numa turma de 5° ano primário, no período noturno, da Escola de Demonstração do Centro de Formação de Professores da Campanha De Pé no Chão. Sua turma era formada de 43 alunos, entre eles jovens e adultos. Além do trabalho em sala de aula, a professora Marlene também atuou, simultaneamente, no setor de pesquisa da Campanha.

Nair de Oliveira fez o curso pedagógico na Escola Nossa Senhora de Fátima e foi professora, na Campanha, em escolinhas e no Acampamento das Rocas. Anteriormente à Campanha, a professora Nair trabalhou na Escola São José, desde 1948. Ela afirma ter aprendido a dar aulas durante a prática nessa escola, posteriormente, participou de simpósios e treinamentos na Campanha De Pé no Chão.

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Campanha De Pé no Chão. A professora Neide Varela atuou na Campanha no Centro de Formação de Professores como formadora dos professores/as que iriam trabalhar nos Acampamentos, com a disciplina de matemática.

Salete de Souza estudou no Atheneu Norte-Riograndense3. Ela foi professora numa escolinha organizada numa sede de um clube de futebol no bairro das Quintas. Simultaneamente a professora Salete participou de várias reuniões de planejamento, se engajando ativamente nas questões educacionais referentes à Campanha De Pé no Chão. Posteriormente, a referida professora foi diretora do Acampamento da Granja e vice-diretora do Acampamento das Quintas.

Salonilde Ferreira fez o Curso pedagógico na Escola Normal de Natal. Na época de estudante, foi militante da Juventude Estudantil Católica (JEC). Na Campanha De Pé no Chão, ela foi formadora nos cursos de formação voltados para professoras leigas no Centro de Formação de Professores e professora do ensino primário da Escola de Demonstração da Campanha De Pé no Chão. Ademais, participou de viagens que incluíam a produção de relatórios, para efetivação de convênios com as prefeituras do interior, no processo de interiorização da Campanha.

Esses professores/as, em sua maioria, demonstraram muita satisfação quando entrevistados, sobretudo, por terem suas vozes e experiências valorizadas. Segundo Bosi (1994), ser velho na sociedade capitalista é sobreviver. É sobreviver sem projeto, impedido de lembrar e de ensinar, sofrendo com um corpo que se fragiliza à medida que a memória se torna cada vez mais viva. Assim, acredito que, além da oportunidade de rememoração – muitas vezes, prazerosa, salvo os momentos que emergem as memórias acerca do final da Campanha –, a satisfação dos professores/as em serem entrevistados decorre de eles se sentirem valorizados, importantes numa sociedade que não valoriza o passado, nem o velho; que tem seus olhos voltados apenas para o novo e o “progresso.” As experiências narrativas acerca do passado não são totalmente valorizadas na nossa sociedade capitalista, uma vez que vivemos certo “presente

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contínuo” sem estabelecer relações mais sólidas com o que foi vivenciado no passado (BENJAMIN, 2012; HOBSBAWM, 1995).

Outra peculiaridade referente ao trabalho com a memória dos professores/as da Campanha consiste na maneira como eles evocam suas memórias. O modo como as pessoas idosas evocam suas lembranças é diferente dos mais jovens. Segundo Bosi (1994), nas lembranças das pessoas idosas, é possível conferir uma história social bem desenvolvida, com características bem marcadas, visto que o idoso já viveu quadros de referência familiar e cultural igualmente reconhecíveis. A memória atual da pessoa idosa pode ser desenhada sobre um pano de fundo mais definido do que a memória de uma pessoa jovem que, de certa forma, ainda está submersa nas lutas e contradições de um presente que a solicita muito mais fortemente do que uma pessoa de idade. Outra característica que diferencia o ato de lembrar da pessoa mais jovem da pessoa idosa é que, para o primeiro, imerso em sua vida cotidiana cheia de atividades, memória é fuga, lazer. Em contrapartida, para o segundo rememorar consiste numa função social; ele é a memória da família, do grupo, da sociedade (BOSI, 1994). Portanto, estou entendendo a memória dos professores/as da Campanha De Pé no Chão dentro desse prisma com essa função social, entendendo que a memória de cada professor/a/idoso/idosa é essencial, do ponto de vista social, para compreensão acerca do cotidiano da formação docente na referida Campanha.

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da Campanha requereu pensar a narrativa também como metodologia de pesquisa.

Pensar a narrativa enquanto metodologia de investigação nos possibilita o processo de construção dos dados narrativos que são a base desta pesquisa (BOLIVAR; DOMINGO; FERNANDEZ, 2001). Para tanto, a entrevista narrativa foi o procedimento metodológico que melhor se adequou à pesquisa com a memória dos professores/as da Campanha De Pé no Chão. Segundo Jovchelovitch; Bauer (2000), a entrevista narrativa requer um ambiente que encoraja e estimula um entrevistado ou entrevistada a contar uma história sobre algum evento significativo da sua vida e contexto social. Ela é classificada como um método de pesquisa qualitativa e é considerada uma forma de entrevista não estruturada com características específicas. Contudo, é importante destacar que não utilizei a técnica tal qual proposta por Jovchelovitch; Bauer (2000), mas adaptei às necessidades e possibilidades da pesquisa desenvolvida com o cotidiano da formação docente da Campanha. A entrevista narrativa,

É a tentativa mais notável de ir além do tipo pergunta-resposta da entrevista. Ele usa um tipo específico de comunicação cotidiana, ou seja, contar histórias e ouvir [...]. O esquema de narração substitui o esquema de perguntas e respostas que define a maioria das situações de entrevista. O pressuposto subjacente é que o ponto de vista do entrevistado é melhor revelado em histórias onde o informante está usando sua própria linguagem espontânea na narração dos acontecimentos. (JOVCHELOVITCH; BAUER, 2000, p. 4).

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Salonilde Ferreira, Maria Diva e os professores Josemá Azevedo e João Raimundo foram utilizadas para esta pesquisa, servindo de base para reelaboração de novos roteiros que seriam utilizados com os professores/as da Campanha.

Após ouvir as entrevistas cedidas pelo NUHMEJA-RN, reelaborei roteiros que me ajudaram na investigação acerca da formação docente desenvolvida na Campanha De Pé no Chão. Os roteiros contemplaram aspectos da formação de professores/as que não foram explorados em detalhes nas entrevistas anteriores, visto que não era o objetivo do Núcleo a especificidade nessa temática. Além disso, a elaboração dos roteiros variou de acordo com os professores/as que seriam entrevistados, visto que eles atuaram em espaços e tempos diferentes na Campanha. Segundo Jovchelovitch e Bauer (2000), a entrevista narrativa é conduzida ao longo de quatro fases, quais sejam: iniciação, narração, fase de interrogatório e conversa conclusiva. Para cada uma das fases é sugerida uma série de regras. A função, porém, dessas regras não é incentivar a adesão rígida, mas orientar o entrevistador a fim de obter uma narração rica sobre o tema de interesse e evitar cair nas armadilhas do esquema de perguntas e respostas (JOVCHELOVITCH; BAUER, 2000). A fase de leituras sobre a Campanha, contato com os entrevistados e reelaboração dos roteiros foi identificada como o momento de iniciação da pesquisa, considerando essa perspectiva de entrevista narrativa discutida por Jovchelovitch e Bauer.

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Durante a narração, o entrevistador se abstém de qualquer comentário que não sinais não-verbais de escuta atenta e incentivo explícito para continuar a narração. O entrevistador pode, no entanto, tomar notas ocasionais para depois questionar, se tal não interfere com a narração. Restringir-se a escuta ativa, o apoio não-verbal ou paralingüística e interesse mostrando ('Hmm, - 'sim' ‘vejo - '). (JOVCHELOVITCH; BAUER, 2000, p. 7).

No momento em que os entrevistados narravam suas experiências formativas, atentei para o que estava sendo relatado e anotei alguns questionamentos que foram surgindo para perguntar depois ou questionei assim que percebi que haviam encerrado sua fala. “À medida que a narrativa chega a um fim ‘natural’, o entrevistador abre a fase de interrogatório. Esse é o momento em que a escuta atenta pelo entrevistador traz seus frutos.” (JOVCHELOVITCH; BAUER, 2000, p. 10). Nesse momento, questionei pontos do meu interesse que constavam no roteiro, mas não haviam sido contemplados na fala dos professores/as ou os questionamentos que surgiram durante a narrativa dos docentes, tentando fazê-los numa linguagem aproximada daquela utilizada por eles. É o que Jovchelovitch; Bauer (2000) chamam de transformar perguntas “exmanent” em questões “imanentes”. Após ouvir as falas dos professores/as referentes a essas questões, a entrevista era encaminhada para a parte final de agradecimentos e assinatura do termo de autorização. Já com o gravador desligado, alguns professores e/ou professoras se sentiram muito à vontade para continuar dialogando ou comentando sobre algo. É o que na técnica da entrevista narrada, Jovchelovitch e Bauer (2000) denominam de “Concluindo a conversa”. É importante ressaltar que o que fora comentado nesses momentos ajudou na interpretação dos dados que foram narrados, algumas vezes, de maneira mais comedida.

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Nesta seção, procuro elucidar o/a leitor(a) como se deu o meu mergulho no cotidiano da formação de professores/as da Campanha De Pé no Chão. Para tanto, se faz necessário discutir a relação entre memória e cotidiano, visto que a memória foi o caminho trilhado para o acesso ao cotidiano da formação docente da Campanha. Quando passei a dialogar com os professores/as da Campanha, observei que foi possível ouvir as memórias narradas dos participantes da Campanha e ir tecendo, juntamente com eles, um mosaico da formação docente da Campanha De Pé no Chão, entendendo que cada narrativa, com suas singularidades e subjetividades, forneceram-me indícios ou pistas (GUINZBURG, 1989) que ajudam a apreender e compreender o cotidiano pesquisado. Se a memória foi o meio pelo qual captei esses indícios e me inseri no cotidiano da formação docente da Campanha, nesta seção, irei aprofundar a discussão acerca da memória, entendendo-a como conjunto de funções psíquicas, que permite ao ser humano guardar e atualizar informações passadas; e enquanto instrumento político e de valorização da pessoa comum – no caso, valorização das vozes, saberes e fazeres desses professores/as.

Essa memória foi reavivada, conforme já explicitado anteriormente, a partir dos trabalhos desenvolvidos no NUHMEJA-RN. Para mim, tornou-se mais viva a cada leitura e entrevista específica sobre a Campanha De Pé no Chão. Passei a visitar os docentes da Campanha que colaboraram para este estudo em suas residências ou ambiente de trabalho, no caso do professor Josemá Azevedo, para contatos e/ou realização das entrevistas, que tiveram duração de, no mínimo, trinta e três minutos e, no máximo, cento e dezesseis minutos com auxílio dos roteiros antes referidos. Em cada entrevista, os professores/as foram revelando suas memórias acerca do que viveram em relação à sua formação na Campanha e eu fui mergulhando no cotidiano dessa formação.

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pois, para o estudo do cotidiano da formação docente na Campanha De Pé no Chão, mais importante que a memória enquanto faculdade humana é discutir as formas como ela se manifesta, variável de acordo com os indivíduos, grupos, espaçotempos etc. Entretanto, algumas considerações sobre a memória, enquanto função psíquica articulada à linguagem, fazem-se pertinentes para a presente investigação, visto que a memória articulada à linguagem cria situações de diálogo que favorecem a sua reconstituição e produção de sentidos.

Considerando, conforme já assinalado, que a memória refere-se à capacidade humana de guardar e reconstituir informações acontecidas, ela está relacionada às ações intelectuais do ser humano, isto é, ao pensamento. Por conseguinte, discutir a memória associada à linguagem remete-nos à discussão sobre a relação entre pensamento, entendendo a memória como um dos elementos do pensamento, e linguagem, compreendendo a palavra verbalizada ou a fala como espaço e tempo de produção de diálogo e, portanto, de produção de sentido e de reconstituição de memórias. Para Vygotsky (1993), a fala e o pensamento têm origens diferentes e seguem cursos distintos no seu desenvolvimento, não havendo qualquer relação clara e constante entre eles. No entanto, num determinado momento da vida do ser humano, mais ou menos aos dois anos de idade, “[...] as curvas de evolução do pensamento e da fala, até então separadas, encontram-se e unem-se para iniciar uma nova forma de comportamento.” (VYGOTSKY, 1993, p. 37). É nesse período quando a fala começa a servir ao intelecto, adquirindo uma natureza multifuncional devido a uma intensificação de sua função social, e os pensamentos começam a ser verbalizados.

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criança se desenvolve e estabelece relações em seu contexto social. Essa característica do ser humano de atribuir significados ou compartilhar dos mesmos significados no grupo ou comunidade a que pertence, atribuindo-lhe sentidos diferentes, ou seja, ressignificando os significados, nos leva a compreender que há diferença entre significado e sentido (OLIVEIRA; GERALDI, 2010). O sentido é algo da esfera estritamente pessoal, é o que cada falante atribui e cria individualmente com relação a termos, expressões ou discursos. Assim,

[...] mesmo quando estamos num terreno de significações compartilhadas, os diferentes interlocutores de um processo de comunicação por meio de linguagem produzem suas próprias compreensões, sempre singulares, a partir de um discurso ou uma situação qualquer. Mesmo que fosse possível descrever com precisão uma situação ou um conhecimento, isso jamais produziria uma compreensão precisa e idêntica para todos do que foi descrito, visto que os interlocutores envolvidos não são desprovidos de palavras e de história. (OLIVEIRA; GERALDI, 2010, p. 18).

Portanto, as memórias narradas dos professores/as da Campanha De Pé no Chão são dotadas de significados e sentidos que me permitem experienciar o cotidiano da formação docente da referida Campanha, ora reconstituído nos momentos de diálogo e produção das narrativas por parte dos professores/as. Cada professor/a reconstitui suas memórias atribuindo-lhes sentidos, tornando-as únicas porquanto cada um deles tem sua cotidianidade. Assim, concordo com Oliveira e Sgarbi (2008, p. 17) quando afirmam que “[...] nenhuma pessoa tenha um cotidiano igual ao de outra nem um dia seu igual a outro.” No entanto, é importante destacar que esse cotidiano reconstituído pelos professores/as é ressignificado por mim no momento em que dialogo com eles e enquanto escrevo esta dissertação, pois sou também, pessoa com uma cotidianidade, história/percursos e compreensões singulares. Assim, o cotidiano não se restringe a uma realidade social estática com suas regras e rotinas, mas ele é dinâmico, espaço de criação e de possibilidades de compreensão de como se deu a formação de professores/as na Campanha De Pé no Chão.

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(1993) assinala a fala interior como um componente intrínseco para a compreensão da relação entre pensamento e palavra. Os estudos desse autor concluem que a predicação pura é a forma sintática fundamental da fala interior. Semelhantemente, a fala exterior ou verbalizada apresenta, em algumas situações, essa mesma predicação, que ocorre na fala verbalizada quando se trata de uma resposta e quando o sujeito da frase é conhecido por todos os interlocutores de uma conversa. Esses princípios que permitem a predicação na fala verbalizada transbordam nos momentos de conversa com os professores/as da Campanha De no Chão. Assim, é que, por exemplo, durante entrevista com a professora Marlene Araújo quando questionada “A senhora teve acesso a todos os acampamentos?” Sua resposta é: “todos, todos, todos”. Ela não responde “Sim, eu tive acesso a todos os acampamentos”. A resposta da professora Marlene é compreensível por mim por tratarmos de um assunto comum e por haver perguntas ou curiosidades suscitadas por mim no momento em que escuto sua narrativa. Assim sendo,

O diálogo sempre pressupõe que os interlocutores tenham um conhecimento suficiente do assunto, para tornar possíveis a fala abreviada e, em certas condições, as frases exclusivamente predicativas. Também pressupõe que cada pessoa possa ver seus interlocutores, suas expressões faciais e seus gestos, e ouvir o tom de suas vozes. (VYGOTSKY, 1993, p. 123).

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Entendo que as memórias dos professores/as da Campanha têm origem e são influenciadas pelo grupo que corresponde a todos quanto fazem parte do universo da Campanha De Pé no Chão. Halbwachs (2003) explica que, no processo de rememoração ou reconstituição de um acontecimento passado, a memória individual existe sempre a partir da memória coletiva, visto que todas as lembranças são constituídas no interior de um grupo. Assim, destaco o papel do “outro” no processo de rememoração ou reconstituição das memórias narradas da Campanha De Pé no Chão. Este “outro” não precisa ser uma pessoa, tampouco estar presente. Segundo Halbwachs (2003, p. 31), “Para confirmar ou recordar uma lembrança, não são necessários testemunhos no sentido literal da palavra, ou seja, indivíduos presentes sob uma forma material e sensível.” Cada um de nós leva consigo vozes, orientações, experiências, leituras que partem de um ou de outro grupo e nos ajudam nos processos de evocação da memória. Nesse caso, o “outro” pode ser o roteiro usado nos momentos de entrevista com os professores/as, as próprias lembranças de conversas com colegas que partilharam da mesma experiência, vídeos sobre a Campanha veiculados na internet, redes sociais, livros, discursos oficiais, solenidades de comemoração e rememoração as quais tenham participado esses professores/as, entre “outros”.

Talvez seja possível admitir que um número enorme de lembranças reapareça porque os outros nos fazem recordá-las; também se há de convir que, mesmo não estando esses outros presentes, se pode falar de memória coletiva quando evocamos um fato que tivesse um lugar na vida de nosso grupo e que víamos, que vemos ainda agora no momento em que recordamos, do ponto de vista desse grupo. (HALBWACHS, 2003, p. 41).

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bom grado, diríamos que cada memória individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva, que este ponto de vista muda segundo o lugar que ali ocupo e que esse mesmo lugar muda segundo as relações que mantenho com outros ambientes.” (HALBWACHS, 2003, p. 69). Desse modo, trabalho com as memórias dos professores/as da Campanha De Pé no Chão entendendo que cada um deles narra sua memória individual acerca da formação docente experienciada na Campanha, ainda que, de certo modo, também, integrem a memória coletiva da mesma.

Considerando que a memória individual é caracterizada pela marca de pessoalidade que os professores/as da Campanha De Pé no Chão imprimem aos acontecimentos referentes à sua formação docente vivenciada na Campanha, a questão afetiva repercute, preponderantemente, no ato de lembrar. Isso ocorre sob dois aspectos: um é a influência da afetividade em relação ao que lembrar, enquanto outro é como se manifesta essa lembrança. A palavra “afeto” vem do latim afficere que significa “tocar, comover o espírito”. As experiências que, de certo modo, tocam ou comovem o espírito dos sujeitos, apresentando maior significado para estes, são mais facilmente lembradas ou recordadas por eles. Segundo Halbwachs (2003), não basta que tenhamos participado ou assistido a uma cena, com outros expectadores ou atores, para que, mais tarde, quando estes evocarem a nossa frente detalhes do que fora vivenciado, esses detalhes se tornem lembrança. Aquelas experiências ou acontecimentos que foram vivenciados de maneira intensa pelos professores/as da Campanha, que, de certo, modo tocaram ou comoveram seu espírito mais profundamente é que são mais facilmente lembradas nos momentos de entrevistas com eles. Assim sendo, são oportunos alguns trechos das entrevistas:

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Era cantando com um ramalhete de flores no braço ‘vou levar

comigo um buquê de flores para a professora que é um estouro,

powwwwwwwwwwww’. Certas coisas que eu não esqueço de jeito nenhum. [Nesse momento risos e euforia da profa. Marlene Araújo ao relembrar a festa surpresa feita pelos alunos para ela]. (MARLENE ARAÚJO, 2011).

Margarida foi convidada para realizar esse trabalho. E ela recebeu carta branca pra formar sua equipe. Ela convidou as pessoas. Eu fui convidada por Margarida, era minha professora de Didática, minha professora no curso de licenciatura [...]. Pessoas que ela confiava, que ela sabia que iam dar uma grande contribuição. A emoção bateu. [Fala da profa. Maria Diva Lucena com lágrimas nos olhos]. (DIVA LUCENA, 2012).

Portanto, a influência da questão afetiva, nos momentos de reconstituição das memórias dos professores/as da Campanha De Pé no Chão, afeta, também, a maneira como esses docentes manifestam suas lembranças nas ocasiões em que tecem suas narrativas. Muitas vezes, essas memórias são acompanhadas de emoções que se manifestam por meio de lágrimas ou risos, euforia ou uma forma mais retraída no falar, gestos, indignação. Em relação a esse assunto, refiro-me, ainda, aos momentos em que os professores/as rememoram, durante as entrevistas, aspectos relacionados ao fim da Campanha com o golpe de Estado de 1964, ao valor da Campanha para sua formação profissional e pessoal etc. Assim, entendo essas memórias como verdadeiras, considerando o sentido discutido por Pierre Nora (1993), abrigada na transmissão de saberes, social, coletiva e globalizante, envolvendo os gestos, costumes, silêncio e o saber do corpo.

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algumas vezes, entrevistar a professora Mailde Pinto4. No entanto, essa professora, em decorrência do que sofreu com a ditadura, desenvolveu um quadro de depressão que se agravava todas as vezes que tocava no assunto. Com isso, protelamos a entrevista até que ela se sentisse preparada para falar ou rememorar sua experiência na Campanha, o que não foi possível, pois ela faleceu antes que pudéssemos entrevistá-la. Outro caso se refere ao momento em que entrevistávamos o professor Josemá Azevedo. Questionado sobre o processo de matrícula dos alunos, ele declara que, por haver sido preso político na ditadura em decorrência do trabalho desenvolvido na Campanha e ser considerado subversivo, desenvolveu mecanismos para esquecer o que fora vivenciado, o que acabou prejudicando o processo de rememoração de algumas vivências.

Muito já se falou sobre ditadura, o quanto ela foi perversa, o quanto ela acabou com sonhos, perspectivas e esperanças, mas parar para ouvir esses professores/as, do ponto de vista de quem viveu o fim da Campanha e, consequentemente, teve suas práticas docentes e seus desejos e esperanças interrompidas, em decorrência da ditadura militar, é atentar para o quanto eles foram ou ainda estão, na medida em que rememoram, afetados com o Golpe de Estado de 1964. Logo, valorizar as vozes dessas pessoas é importante porque são elas próprias contando essa história vivida e que ninguém, além deles, poderia contar com tamanha propriedade.

Assim, avançando na discussão sobre memória proponho, agora, discuti-la como instrumento político e de valorização das vozes, saberesfazeres dos professores/as da Campanha De Pé no Chão. Le Goff (2013), ao escrever sobre o aparecimento da memória nas ciências humanas leva-nos a inferir sobre o controle exercido pelos reis em relação à memória coletiva, visibilizando a relação entre memória e poder no período que compreende da Pré-História à Antiguidade. Segundo ele, os reis criavam instituições-memória, tais como: arquivos, museus, bibliotecas. Assim, podemos perceber que aqueles que, no período antigo, detinham o poder foram, também, aqueles que detinham o domínio ou controle da memória coletiva. Não somente no período referido acima, mas, ao longo da

4 Mailde Pinto foi responsável pela parte cultural da Campanha De Pé no Chão e é autora do livro

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história da humanidade, pois segundo Le Goff (2013, p. 390) “[...] tornarem-se senhores da memória e do esquecimento é uma das grandes preocupações das classes, dos grupos, dos indivíduos que dominaram e dominam as sociedades históricas.” Em contrapartida a essa lógica, a investigação com a formação docente da Campanha se insere na perspectiva dos trabalhos que buscam valorizar as memórias subterrâneas que, muitas vezes ou algumas vezes, se opõem à “memória oficial”. Portanto, passo a discutir sobre a importância de conferir visibilidade à memória dos professores/as da Campanha De Pé no Chão.

Esses professores/as da Campanha são pessoas comuns que, durante a Campanha De Pé no Chão, eram jovens estudantes universitários, outros recém-formados da Escola Normal de Natal e/ou pessoas que precisavam de um emprego e encontraram na Campanha a oportunidade de trabalhar e concretizar seus ideais de uma sociedade diferente, mais igualitária. A minha proposta, com esta dissertação, é privilegiar as falas desses professores/as, ressaltando a importância de suas memórias subterrâneas, dando centralidade à periferia e à marginalidade e destacar a importância do diálogo com essas memórias para as nossas reflexões atuais sobre formação docente. Segundo Pollak (1989), as memórias subterrâneas prosseguem seu trabalho de subversão no silêncio. Essa subversão existe tanto à época da Campanha, quando as práticas docentes foram desenvolvidas dentro de um contexto de educação popular voltado para transformação e conscientização das classes menos favorecidas, quanto nos momentos em que essas experiências são rememoradas, visto que as memórias são, também, reveladoras de táticas que podem nos ajudar a pensar a formação de professores/as para além do que é imposto pelos atuais sistemas oficiais de educação.

Ali ela cria ao menos um jogo por manobras entre forças desiguais e por referências utópicas. Aí se manifestaria a opacidade da

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Quanto à memória da Campanha, enfatizo a fala da professora Salete Souza ao relatar que, para começar a trabalhar na Campanha De Pé no Chão, lhe foi exigido que formasse uma turma de, no mínimo, vinte alunos e conseguisse um lugar para dar aulas: “[...] acho que não consegui os vinte alunos. Que fiz eu? Coloquei nomes que eu nem sabia que existia pra completar a lista.” (SALETE SOUZA, 2013). A fala da professora Salete de Souza me remete a Certeau (2012, p. 142) quando diz que “Algo na narração escapa à ordem daquilo que é suficiente ou necessário saber e, por seus traços, está subordinado ao estilo das táticas.” Nesse sentido, percebo os saberesfazeres e saberespoderes tecidos pelos docentes no cotidiano da Campanha que cooperaram para realização de práticas emancipatórias (OLIVEIRA; SGARBI, 2008). Práticas emancipatórias, que nesse caso, se constituem na efetivação das aulas, proporcionando o ensino-aprendizagem de crianças e adultos da periferia de Natal/RN. Por conseguinte, atribuo visibilidade à memória dos professores/as da Campanha De Pé no Chão por entender que elas me ajudam a compreender o cotidiano pesquisado, bem como conferem valor a esses professores/professoras/idosos/idosas e nos permitem dialogar com a formação docente dessa Campanha com vista à reflexão sobre formação docente nos dias atuais.

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Referências

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