• Nenhum resultado encontrado

Um construtor do nosso tempo: depoimento ao CPDOC

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2017

Share "Um construtor do nosso tempo: depoimento ao CPDOC"

Copied!
174
0
0

Texto

(1)

EDMUNDO DE MACEDO SOARES E SILVA

Um Construtor do

(2)
(3)
(4)

Um Construtor do

(5)
(6)

Um Construtor do

DEPOIMENTO AO CPDOC

Lucia Hippolito

(7)
(8)

7 APRESENTAÇÃO

9 INTRODUÇÃO

15 UM ENGENHEIRO DE FARDA

33 REVOLUÇÃO E EXÍLIO

55 A PREPARAÇÃO PROFISSIONAL

73 A GESTAÇÃO DA GRANDE USINA

87 A AVENTURA DA GRANDE SIDERURGIA

111 MERGULHO NA VIDA POLÍTICA

129 UM GENERAL EMPRESÁRIO

147 RETORNO À VIDA POLiTICA

163

Í

NDICE ONOMÁSTICO

(9)

OrBanização

.. ..

Capa e Projeto Gr

I

co

DesiBner Assistente

Colorização da Foto da Capa

. , ...

Produção Gr

I

ca

Fotolitos e Manipulação de ImaBens

Impressão

S676

Silva, Edmundo de Macedo Soares e.

Um construtor do nosso tempo: depoimento ao CPDOC!

Edmundo de Macedo Soares e Silva; Lucia Hippolito e Ignez Cordeiro de

Farias (organizadoras). - Rio de Janeiro: larte Impressos de Arte, 1998.

172 p.: iI.

1. Depoimentos. 2. Edmundo de Macedo Soares e Silva.

3. Siderurgia - Brasil

4.

CSN. I. Hippolito, Lucia II. Farias, Ignez Cordeiro de. III. Título.

CDU 92 SILVA, E.M.S. COO 923.2

(10)

E

dmundo de Macedo Soares e Silva foi um visionário, da estirpe de Mauá e Delmiro Gouveia, capaz de vislumbrar um Brasil moderno e industrializado quando ainda nos mantínhamos presos à economia agrária e comercial herdada dos tempos coloniais.

E Macedo Soares não apenas teve um sonho. Empenhou mente, coração e braços na materialização desse sonho. Participou de todas as fases -planejamento, implantação e direção -da primeira usina siderúrgica integrada na América Latina, uma herança que temos hoje a responsabilidade de preservar e ampliar, como base indispensável do esforço de modernização do país e redução das desigualdades sociais.

o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getulio Vargas resgatou a memória de uma das mais importantes sagas dessa época transformadora de nossa história, com o depoimento de Macedo Soares, que foi um de seus mais ativos protagonista .

Clareza de propósito, irmeza de cal-áter e de vontade, dedicação patriótica e competência gerencial vão se tornando evidentes nas respostas e esclarecimentos que Macedo Soares vai oferecendo às perguntas das pesquisadoras da FGV e que, ao final, compõem um grandioso relato de sua vida e sua obra.

A Companhia Siderúrgica Nacional, diretamente ou através da Fundação CSN, apóia iniciativas em diversas áreas de interesse social, entre elas a de preservação da memória e do patrimônio cultural do país.

Estamos convencidos de que Um construtor do nosso tempo merece ampla divulgação entre os estudio os de nossa história empresarial e constitui exemplo perfeito de iniciativa merecedora do mais amplo suporte público ou privado.

A Companhia Siderúrgica Nacional sente, por isso, imenso orgulho por sua participação neste projeto editorial, revelador do passado que temos obrigação de não esquecer e de honrar.

É um documento

que propicia ao leitor maior conhecimento sobre Edmundo de Macedo Soares e Silva, um hom m que muito ajudou a construir o Brasil em que hoje vivemos e um símbolo maior dos milhares de brasileiros que criaram a nossa siderurgia.

BENJAMIN STEINBRUCH Presidente do Conselho de Administração

CSN

(11)
(12)

r

f'rr r. o D I

;\

o

E

Silva ao Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, ste livro baseia-se no depoimento concedido pelo general Edmundo de Macedo Soares e CPDOC, da Fundação Getulio Vargas entre novembro de 1 986 e agosto de 1 987. As 33 horas gravadas fazem parte do acervo da instituição e estavam à disposição de pesquisadores interessados na história recente do país.

O CPDOC iniciou em 1 975 seu Programa de História Oral, cujo acervo conta com depoimentos de personalidades que se destacaram na vida pública nacional a partir do início da década de 20. Daí seu empenho em realizar esta longa entrevista com Edmundo de Macedo Soares e Silva, que está agora sendo colocada ao alcance do público graças ao apoio da Fundação CSN e da

Companhia Siderúrgica Nacional . Sua história de vida enriquece o acervo do CPDOC e permite recuperar, tanto a história política do país, quanto a da siderurgia brasileira.

Oicial do Exército, Edmundo de Macedo Soares e Silva engajou-se desde muito jovem nos movimentos revolucionários que marcaram a década de 20. Viveu a experiência da prisão junto com vários de seus contemporâneos. O exílio na França, onde permaneceu por quase seis anos, permitiu que se dedicasse aos estudos de engenharia metalúrgica, o que marcou toda sua atuação posterior. Em 1 930, de volta ao Brasil, retornou ao Exército, passando a servir em fábricas e arsenais. Integrou diversas e importantes comissões do governo federal, relacionadas com o projeto siderúrgico brasileiro, e que resultaram no planejamento e construção da Usina de Volta Redonda. Foi, pois, um dos principais artífices da criação da Companhia Siderúrgica Nacional, a CSN. Ao lado dessas missões, dedicou-se ao ensino desde jovem tenente, como instrutor de engenharia da Escola Militar. Engenheiro metalúrgico formado na França, lecionou em diversas escolas tanto militares quanto civis. Ao longo de seu depoimento, Macedo Soares insiste em afirmar que não foi político; entretanto sua participação no movimento tenentista, sua atuação como ministro -nos governos Outra e Costa e Silva -e como governador do estado do Rio de Janeiro de 1 947 a 1 95 1 enfatizam sua inserção na vida pública nacional . Mas é fato que ele estava muito mais à vontade -e isto é facilmente perceptível na leitura do livro -quando discorria sobre assuntos técnicos e sobre a aventura de criar, em plena guerra mundial, uma empresa do porte da siderúrgica de Volta Redonda. Seu relato adquiria tonalidades mais vibrantes quando relembrava sua atuação como militar e metalúrgico lutando pela indústria siderúrgica no Brasil.

Temos plena consciência de que todo depoimento é uma versão, e que toda versão é um

ensinamento parcial e personalíssimo sobre situações e acontecimentos, as pessoas e o mundo. Ao narrar sua trajetória, o general deu não só a sua versão como participante de determinados episódios mas ainda, como testemunha de uma época, permitiu esclarecer a história de uma geração de brasileiros que viveu as grandes transformações do século XX.

(13)

proissional, dando especial ênfase à sua atuação como técnico e administrador. Homem extremamente inteligente e preparado, Macedo Soares esteve sempre alegre, gentil e pronto a esclarecer todas as dúvidas e problemas levantados.

Sem medo de errar, podemos afirmar que o grande sucesso de sua vida profissional foi fruto de uma importante fase da vida política e econômica do país, quando as Forças Armadas e o presidente Getúbo Vargas não mediam esforços para desenvolver a indústria pesada, especialmente a siderúrgica. Os problemas econômicos mundiais advindos com o desencadeamento da Segunda Guerra Mundial aumentaram as preocupações brasileiras promovendo o esforço para deslanchar esta indústria. Edmundo de Macedo Soares e Silva, um dos poucos brasileiros com formação de alto nível em metalurgia naquele momento, foi convocado pelo governo federal e suas idéias aproveitadas da melhor maneira.

Macedo Soares, tendo sempre o apoio de Getúlio Vargas, dedicou-se com afinco e entusiasmo à siderurgia, chegando ao posto de general de brigada sem jamais ter comandado uma tropa. Engenheiro metalúrgico formado na França, seus créditos acadêmicos e profissionais o levaram ao generalato sem que precisasse cumprir as exigências tradicionais das Forças Armadas; não cursou a Esao, a Escola de Aperfeiçoamento de Oiciais, indispensável para o acesso à patente de coronel; tampouco a Eceme, Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, fundamental para o acesso à patente de general.

O desafio de transformar em livro as 33 horas de entrevista foi estimulante. Tentamos transmitir ao leitor a trajetória de Edmundo de Macedo Soares e Silva, seu empenho profissional, o sentido de missão envolvido na aventura da grande siderurgia, guardando, ainda, a espontaneidade e o sabor do depoimento oral, realizando uma reconstrução de sua vida, sem que ele próprio pudesse participar do trabalho final. Falecido em 1 9 de agosto de 1 989, o general não pôde nos socorrer nesta tarefa. Esperamos não estar traindo sua memória . . .

É grande o número de pessoas cuja colaboração agradecemos, para que pudéssemos levar a empreitada a bom termo e em tempo bastante curto. Certamente, a nenhuma delas podem ser atribuídas eventuais incorreções e insuficiências, pelas quais assumimos total responsabilidade.

D. A lcina Fonseca de Macedo Soares e Silva foi colaboradora incansável e insubstituível; completou informações, cedeu fotos de seu arquivo particular e nos transmitiu os sentimentos profundos que acompanharam os 50 anos de convivência, companheirismo e cumplicidade entre os dois.

Maria Ana Quaglino, à epoca pesquisadora do CPDOC, participou da entrevista; Clodomir Oliveira Gomes, técnico de som, foi responsável pela gravação do depoimento. Sérgio Lamarão, pesquisador do CPDOC, fez a garimpagem preliminar na transcrição das entrevistas, agrupando temas que vieram a constituir os primeiros capítulos deste livro. Lucia Lippi Oliveira e Adelina Novaes e Cruz realizaram criteriosa leitura crítica dos originais deste livro, apontando

insuiciências, sugerindo aperfeiçoamentos, prestando, enfim, inestimável e fraternal

colaboração; Adelina encarregou-se ainda da identificação dos personagens e das legendas das fotos. Osvaldo Barcellos Cordeiro de Farias esquadrinhou todo o livro, fornecendo preciosa

(14)

ajuda, sobretudo no esclarecimento de detalhes mais técnicos. Cláudia Peçanha da Trindade e Luís Fernando Mello da Silveira participaram da pesqujsa de fontes para a elaboração das notas e do ínruce onomástico. Regina da Luz Moreira e Maria Helena França reviram os originais à procura de inevitáveis erros de digitação. Vera Lúcia Lopes Rego deu tratamento digital aos documentos e fotos.

Na Fundação CSN, Vera Lúcia de Oliveira Garcia e Alexandre Geraldine Clemente deram suporte aos pedidos da equipe para a rápida conclusão do trabalho.

Por fim, este livro não teria existido sem o empenho e o apoio da Fundação CSN e da própria CS que, nas pessoas de Matheus Cotta de Carvalho Francisco Padilha, apostaram na idéia e no desafio d colocar a vida de Edmundo de Macedo Soares e Silva ao alcance do púbLco.

LUCIA HIPPOLlTO IGNEZ CORDEIRO DE FARIAS

(15)
(16)
(17)

·LI1Vl

D

Vamos começar falando um pouco sobre sua família.

Nasci aqui mesmo no Rio de Janeiro, no dia 9 de junho de 1 90 1 . Meu pai era médico e se chamava Sebastião Edmundo Mariano da Silva. Tinha uma fisionomia de estrangeiro, pois era descendente distante de irlandeses; minha mãe se chamava Elisa de Macedo Soares e Silva. Éramos cinco filhos ao todo: dois rapazes e três moças. A mais velha era a Maria Elisa, a q.uem chamávamos de Maísa; depois vinha eu, logo em seguida a Lígia, o Hélio -cinco anos mais novo que eu -e finalmente a caçula, Icléia. A Maísa, que teve grande influência na minha educação, viria a se casar com um almirante, o Carvalho Rego, muito amigo do Ernâni do Amaral Peixoto.

Meus avós paternos moravam em São Paulo, e por isso tive menos contato com eles. Meu avô tinha uma grande fazenda de café em Sertãozinho e outra no estado do Rio -num distrito de Barra Mansa que, coincidentemente, abrigaria mais tarde a usina de Volta Redonda -, onde nasceu meu pai. Depois da morte do meu avô, passei a ter mais contato com minha avó Zazinha.

Se

u

s

avós tinham outros ilhos, além do seu pai?

Mais cinco, todos homens. O mais chegado a nós era o tio Rosalvo, três anos mais moço que papai; fez carreira no Exército, na arma de engenharia, chegando ao generalato. Devo muito a ele. Além de irmão do meu pai, era casado com uma irmã da minha mãe; eram dois irmãos casados com duas irmãs. Naturalmente, a ligação acabou icando maior.

Outro irmão de papai estudou engenharia nos Estados Unidos, o que não era nada comum na época. Depois que voltou para o Brasil foi convidado a participar da construção de um túnel da Rede Mineira de Viação, entre Cruzeiro e Passa Quatro. Durante a obra, houve uma explosão que causou a morte de operários e engenheiros; com isso, meu tio desistiu da engenharia. Como a família possuía a tal fazenda de café, que era muito grande, icou por lá. Um terceiro tio tomava conta da fazenda, juntamente com a minha avó, depois que o meu avô morreu.

Com quase 1 ano, em 1 de março de 1 902. ICo/eção particular Alcina Fonseca de Macedo Soares e Silva)

Na página ao lado: no colo da mãe, Elisa, tendo ao lado a irmã Maisa, em

14 de dezembro de 1902. ICo/eção particular Alcina Fonseca de Macedo Soares e Silva)

(18)

�batiao Edmundo MarnlO da SIlva. ld. (Co/�Jo particular Alcino ons� d� Maclo as e Slo)

U M C_...> R D _' _R

E

a família de sua mãe, de onde era?

Daqui do Rio. Meu avô, Antônio Joaquim de Macedo Soares, e minha avó Teodora, que era Azevedo de solteira, moravam numa chácara na rua Santa Alexandrina, no Rio Comprido. Meu avô tinha uma cultura muito grande; foi lexicólogo,

magistrado e jurisconsulto, ministro do Supremo Tribunal Federal, autor do primeiro dicionário brasileiro da língua portuguesa. O casal teve oito filhas e três ilhos. Como havia estudado em seminário, deu às ilhas nomes bíblicos, como Débora, Judite, Elisa, Abigail . . . Já os meninos foram batizados com nomes dos antepassados: Paulo Bueno de Macedo Soares, Julião Rangel de Macedo Soares, Henrique Duque Estrada de Macedo Soares.

Meu avô falava línguas européias -francês, inglês, alemão -e também línguas africanas; olhava para um preto e dizia: "Este é de tal nação." Isso porque sua família possuiu muitos escravos. Embora fosse antiescravagista e republicano, conviveu desde menino com escravos. Foi amigo de d . Pedro II, mas era republicano. D. Pedro II, que era um homem superior, sabia disso, mas gostava muito dele. Minha tia Cecília, prima-irmã de minha avó, chegou a ter 900 escravos no Rio. Eu mesmo, quando era bem pequeno, fui tratado por uma ex-escrava, uma preta gorda chamada Alda, que tratou de mim como se fosse minha mãe, minha mãe preta. Só cuidava de mim, não fazia outra coisa.

Esse meu avô materno foi grão-mestre da Maçonaria; muito moço ainda, com uns 3 5 anos, atingiu o grau 3 3 , o grau máximo. Dizem que era muito bom orador. Foi por seu intermédio que meu pai entrou e galgou degraus na Maçonaria; também foi por seu intermédio que meu pai veio a conhecer minha mãe. Quando eles se casaram, meu pai tinha um curso preparatório de medicina e já ganhava dinheiro suiciente para sustentar a família.

uais são suas lembranças mais remotas?

Minhas primeiras recordações datam, creio, de quando morava na rua Haddock Lobo, nO 2 5 , na Tijuca. A casa tinha um grande quintal , com vários cachorros . . . Uma vez -eu tinha mais ou menos cinco anos -fui mordido por um cão e Rquei, durante muito tempo, com um medo enorme de cachorro. No jardim da frente, meu pai me ensinou a montar a cavalo.

E

ssa casa da rua Haddock Lobo era quase uma chácara?

(19)

U M E N

o senhor passeava muito com seu pai?

IR O DF FARDA

Ia freqüentemente com ele a um clube de tiro no Leme, junto ao que é hoje o forte, para vê-lo atirar. Meu pai era um grande atirador; ele e os companheiros acertavam com um tiro um prato lançado no ar. Fundaram este clube não apenas como um local de diversão, mas já pensando em preparar pessoas para o serviço militar, engrossando aquela campanha bonita promovida pelo poeta Olavo Bilac em prol do serviço mjutar obrigatório.

Dos amigos de seu pai, de quem o senhor se lembra?

Lembro bem do marechal Hermes da Fonseca, que meu pai conheceu na época do Floriano Peixoto. Nessa ocasião, aliás, ele conheceu mlita gente do Exército, sobretudo oficiais de cavalaria, porque papai gostava muito de montar. Ele não tinha milita simpatia pela turma da Marinha; uma das poucas exceções era o almirante Pecido, homem de elite, bem diferente dos outros amigos dele. Mas meu pai também tinha amigos civis, é claro. Lembro-me perfeitamente do Miguel Per ira e do Fernandes Figueira, também mémcos, que iam mlito lá em casa.

Qual era a situação financeira de seu pai?

Milito boa. Ganhava milito dinheiro, mas não economizou. Depois de sua morte, mamãe encontrou um livro com uma lista de pessoas que deviam a ele. Era milita gente, mas ninguém pagou, porque ela não tinha como provar que as dívidas realmente existiam.

Meu pai morreu milito moço, com 39 anos; teve uma mielite transversa, uma doença da medula. Os mémcos que o examinaram disseram que iriam fazer o diagnóstico e o prognóstico. Papai comentou, amargo: "O diagnóstico já fiz: mielite transversa; e o prognó tico, a cova." Eu, menino de sete anos, estava presente à conversa. Pode imaginar uma coisa dessas?

o senhor deve ter ficado muito marcado pela morte de seu

pai, não é?

Muito! E minha avó Zazinha foi bastante responsável por isso. Como eu era o ilho homem mais velho, ela me lembrava, a toda hora, que eu tinha uma grande responsabilidade pela frente, pois deveria tomar conta da minha mãe . . . Suas palavras repercutiam

intensamente dentro de mim e me incutiam um enorme senso de responsabilidade. Procurava sempre segujr os passos de meu pai , tê-lo como gilia, como exemplo.

E além da perda de papai, também fiquei longe da minha mãe e dos meus irmãos. Fui levado por dois

Unlfof'nlz dn pm '909 ILolt, o pOt r:ulOr AI na F ns ca d� Mated ioare< i/lval

(20)

U M C O N S T R U T O R D O N o ss o T E M P O

amigos do meu pai, o Junqueira e o Denésio de Lima, para uma fazenda em São Gonçalo do Sapucaí, no sul de Minas. Meu pai ia para lá nas férias com seu material cirúrgico para operar aqueles papudos. Operava toda aquela gente doente, de graça, naturalmente; isto lhe deu grande notoriedade naquela parte de Minas. Por conta disso, eu já estava habituado com a fazenda e fiquei por lá cerca de um ano. Eu, que mal havia começado a aprender a ler no Rio, fui ser

alfabetizado mesmo na escola da paróquia local . O professor usava uma palmatória enorme, de maneira que progredi muito depressa. Aprendia-se aritmética

cantando, a tabuada cantada: "Duas vezes três, seis; duas vezes quatro, oito." As mais difíceis eram as tabuadas de sete e de nove.

Com a morte de seu pai, caiu o padrão de vida de sua família?

Sem dúvida. Mamãe ficou com muito pouco dinheiro. Ela recebia uma pequena pensão, referente ao período em que papai , ainda estudante, foi profes or de história natural e física na Escola Normal de Niterói , e de pedagogia, aqui no Rio. Minha mãe foi obrigada a vender a égua Mascarina, objetos, muitas armas fmas. A quantia apurada lhe permitiu comprar dua casas: uma em Botafogo, na rua Dezenove de Fevereiro, e a outra, pequena, em São Cristóvão. Eu, ainda menino, é que cobrava o aluguel de cem mil-réis. Tomava o bonde a burro, ia até lá

carregando a malinha de instrumentos de meu pai, recebia o dinheiro, dava o recibo, punha os cem mil-réis na malinha, tomava o bonde de volta e entregava os cem mil-réis à minha mãe. Fui educado com grande senso de responsabilidade. Recebemos ajuda do tio João Macedo, homem muito rico que morava em

Lausanne, na Suíça. Uma ilha dele, Carm m, que era freira, icou responsável pela educação de Maísa e Lígia, no Colégio Regina Coeli. Tio Rosalvo também

contribuiu; durante un dois ano , pagou meus estudo , mas logo em seguida ingressei no Colégio Militar, despesa com que mha mãe pôde arcar.

E

como sua mãe administrava a casa? Vocês tinham empreBados?

Tínhamos apenas uma, o que era raro na época. Mamãe precisava de pelo menos uma. Quando eu era bem pequeno, na rua Haddock Lobo, eram dez, 1 2 criados, sei lá quantos. Eram muitos.

Sua

·mãe icou viúva muito moça, com 37 anos. Ela nunca pensou em casar-se

novamente?

ão. Morreu idosa, em janeiro de 57, em decorrência de uma queda na qual quebrou uma perna; ela morava com a Lígia aqui no Rio. Eu estava presidindo Volta Redonda, nessa época; telefonaram-me para o escritório na usina e me avisaram que mamãe estava muito mal . Terminei o que estava fazendo e vim correndo para o Rio, mas quando cheguei ela já tinha morrido.

A

pós a morte de seu pai, o senhor tomou conta de seu irmão Hélio?

(21)

U M E N G E N H R O D E F A R D A

bilharzinho, de uma cerveja. Ia para o botequim com os amigos, e eu ia atrás buscá-lo. Mas sempre foi muito estudioso. Mais tarde fez concurso para a Escola Mi[jtar e passou muito bem , embora não tivesse estudado no Colégio Militar.

Foi por ifluência de seu tio Rosalvo que o senhor e seu irmão escolheram a arma de

engenharia no Exército?

Realmente, ele teve muita influência; muita gente da família seguiu a carreira de engenheiro. Tive um tio, irmão do meu avô, que foi engenheiro e chefe do Observatório Astronômico do Rio; outros parentes também se tornaram engenheiros, de sorte que isto certamente nos influenciou.

Sua família era religiosa?

Meu avô materno estudou em seminário durante alguns anos, mas não chegou a completar o curso; desistiu de ser padre porque encontrou minha avó. Por causa russo, tinha amigos religiosos e até bispos. Minha mãe era a bra ileira típica: católica sem grandes conhecimentos e que também se dizia espírita. Lembro de ter visto uma sessão de espiritismo lá em casa e, como eu era um menino muito esperto, fiquei observando a mesa se mexer e descobri que era uma tia de minha mãe, chamada Conceição Bueno de Azevedo Macedo, que movia o pé da mesa.

o senhor recebeu formação religiosa em casa?

ão. Aprendi o catecismo no Colégio Rouanet, um colégio suíço na rua Haddock Lobo; fiz minha primeira comunhão na igreja de São Francisco Xavier.

Quando sua família se mudou para Copacabana?

Em 1 9 1 0; eu tinha nove anos. Naquela época, ainda não era comum morar em Copacabana. Lá não havia nada; a avenida Atlântica ainda não tinha sido construída. Só havia a avenida Nossa Senhora de Copacabana, onde morávamos, que dava fundos para a praia. Nosso quintal era imenso; eu comia pitanga e caju na praia. Em Copacabana era muito mais fresco que na Tijuca, e já tinha bond elétrico. Gostei da mudança: perto da praia, com aquele quintal imenso. Só havia o forte de Copacabana, ainda em construção. Como sempre gostei muito de caminhar, pude assistir ao início das obras das primeiras casas na praia.

esse ano de 1 91 0, ocorreu a célebre Revolta da Chibata na Marinha, contra a

aplicação de castigos corporais aos marinheiros. O

senhor tomou conhecimento da

rebelião?

Fiquei muito impressionado com a Revolta da Chibata. a época, a Marinha era muito rígida e adotava a pena de chibatadas, porque na Marinha inglesa era assim, e nós fomos formados pelos ingleses. O João Cândido resolveu, com os outros marinheiros, acabar com isso; e começaram matando o capitão Neves, um capitão­ de-mar-e-guerra que comandava a esquadra. Por morar em Copacabana, pude �er, da praia, o encouraçado Minas Gerais manobrando para atirar, ameaçando a cidade,

Aluno d . Coleglo Militar, em 26 de deze lbro de 1 9 1 5. (Co/eção por'lrular AlCIno Fonseca de Macedo Soares e Silva)

(22)

U M C O N � T R U T O R D O N o � � o T E M P O

porque o forte de Copacabana ainda não dispunJla de artilharia para bombardear o

Minas Gerais.

o senhor se interessava pelo que acontecia no mundo?

Eu tiMa um interesse particular por guerras. A primeira guerra que me

impressionou foi a dos bôeres, na África do Sul, pela crueldade. Os bôeres eram colonos de origem holandesa que lutaram contra os ingleses -Winston Churchill participou deste conflito, como tenente. Depois aconteceu a guerra da Turquia contra a Itália, e em seguida vieram as guerras dos Bálcãs. RapaziMo, eu acompaMava tudo aquilo, entusiasmado, lendo avidamente jornais e revistas. Sempre fui um leitor infatigável, e os jornais brasileiros publicavam tudo.

Foi sua mãe quem decidiu que o senhor deveria estudar no Colégio Militar?

Era o preferido dela, e meu também. No Colégio Militar, alguns alunos tiMam bolsa total; outros, como eu, eram semicontribuintes, e os filhos de civis pagavam tudo. Como meu pai tinha uma patente de oicial da reserva, fui semkontribuinte, pagando a metade.

Para entrar no Colégio Militar era preciso passar no concurso; por isso, eu me preparei para as provas no Colégio Pitanga, da d. Maria Luísa Pitanga, uma grande professora. Na verdade, quando entrei nesse preparatorio nem sabia ainda que ia tentar entrar no Colégio Militar. O Colégio Pitanga ficava mais ou menos a dois quilômetros da miMa casa, na rua Nossa SeMora de Copacabana; eu ia a pé, para economizar os 400 ré is do bonde.

Um dia, em fevereiro de 1 9 1 2 , miMa mãe me levou ao Colégio Militar e deixou­ me lá. Eu, menino de dez anos, vestido com aquelas roupinhas qu se usavam naquela época . . . TiMa tomado café cedo e, por volta de uma hora da tarde, já com fome, fui chamado ao quadro negro. Quem me examinou em português foi um professor chamado Ferreira da Rosa, um paulista; em matemática foi o capitão Herácuto Pais Ribeiro, amigo do tio Rosalvo. Ambos foram muito rigorosos comigo, mas eu era estudioso; já estava convencido de que so seria alguma coisa na vida se estudasse. Fui examinado também em rudimentos de historia natural . Felizmente, saí-me bem em todas as matérias. No entanto, tive um problema para entrar no Colégio Militar. Meu nome constava da lista nos jornais na relação dos aprovados, mas não na dos matriculados, o que, na época, era automático. MiMa mãe voltou comigo ao Colégio, e o argumento do secretário para não me matricular foi o de que, como eu era muito novo, podia esperar um ano. MiMa mãe retrucou que miMa prova tiMa sido muito boa. Então, ele mandou ver a prova; viu, gostou e levou o ca o ao comandante, o coronel e professor Alexandre Barreto. Quando voltou, disse: "Meus parabéns! O coronel resolveu matricular o menino, mas ele vai ter de dormir na enfermaria, porque não há mais lugar."

aquela mesma noite, eu e mais 1 2 meninos fomos todos dormir na enfermaria. Foi assim que entrei para o Colégio Militar, e como aluno interno. Fiquei lá de

(23)

U M E N G E N H EI R O O E F A R O A

Como era sua rotina de estudante?

o regime era muito duro. Acordávamos às seis horas e íamos para o banho frio, mas eu gostava. Às vezes, freqüentávamos a piscina, onde aprendemos a nadar. Também tínhamos equitação; fazíamos volteio, quer dizer, montávamos no cavalo, virávamos, ficávamos de costas, de frente, apeávamos, montávamos de novo, tudo isso com o cavalo galopando. Tínhamos ainda aulas de esgrima, não só de florete, mas também de baioneta. De vez em quando nos machucávamo nessas aulas de baioneta.

o ensino no Colégio Militar era rigoroso?

Muito! Era muito puxado. Eu estudava as matérias durante quatro horas por dia; à noite lia literatura ou história. Costumava estudar sozinho; só me reunia com os colegas para ensinar a eles. Os exames eram feitos em grupos de nove aluno Primeiro eram corrigidas as provas escritas. Muitos tiravam zero e eram

reprovados; os demais prestavam exame. FeLzmente, sempre pude fazer o exame, de forma que fui galgando os anos e terminei o curso. Os alunos podiam repetir ano uma única vez; se não passassem na segunda tentativa, eram eliminados.

o aspecto acadêmico, propriamente, posso dizer que o ensino no Colégio era tão bom, que saí de lá falando razoavelmente bem o francês e o inglAs. Naquela época, a língua universal era o francês; eu estudava em livros franceses, inclusive

matemática. Mas também havia livros em português, como o do meu professor de álgebra, o coronel Liberato Bittencourt. Além do mais, o Colégio oferecia uma disciplina que o Pedro II não ensinava: topograia; saíamos do colégio mais ou menos agrimen ores, o qu viria a ser muito útil para mim, porque me permitiu ganhar dinheiro antes de ser engenheiro.

o senhor se lembra de seus colegas?

Luís Carlos Prestes é um deles. Até hoje é meu amigo. I Ele foi meu

contemporâneo, embora três turmas na minha frente. Foi ótimo aluno e continua um grande estudioso. Rapaz muito inteligente, embora um pouco ingênuo, coisa que eu também sou, por isso eu nunca quis ser deputado nem senador.

Foi pena o Prestes ter aderido ao comunismo. Isso aconteceu depois da Coluna Miguel Costa-Prestes, quando ele saiu da Bolívia e foi para a Argentina. Trabalhou nas doca em Buenos Aires, quando estava exilado, e foi aí que aprendeu o

comunismo. Siqueira Campos e João Alberto, mais realistas, não quiseram saber do comunismo, mas o Prestes icou comunista para sempre.2 Até hoje ele me diz que o mundo vai ser marxista. Eu retruco: "Prestes, nem os russos são mais marxistas." E ele: "Mas eu briguei com eles."Também fui contemporâneo do Osvaldo

Cordeiro de Farias, do Delso Mendes da Fonseca e do Nélson de Melo, que tinham

mais ou menos a mesma idade que eu . 3

Lus Carlos Prestes dava aulas particulares, sobretudo de matemática, para ajudar a mãe.

Eu também fazia isso. Para ter o Lvros que não podia comprar, ensinava aos outros

1 Entrevista reali zada em 19 de novembro de 1 986.

2 Antônio de Siqueira Campos ( 1 898-1 930) foi um dos mais importantes tenentes revolucionários; um dos Dezoito do Forte (05.07.1 922), coma ndante de destacamento na Coluna Prestes, faleceu em desastre aéreo na baia do Prata, às vésperas da Revolução de 30. João Alberto Uns de Barros ( 1 897- 1 955) foi coma ndante de destacamento na Coluna Prestes e revol ucionário de 30. Interventor em São Paulo (1 930-31 ), chefe de Policia do Distrito Federal ( 1 932-33), deputado em 1 934, presidente da Coordenação de Mobilização Econômica (1 942-45). Voltou à Chefia de Policia do Distrito Federal em 1 945.

3 Osvaldo Cordeiro de Farias ( 1 901-1 98901-1901-1. coma ndou destacamento na Coluna Prestes e participou da Revolução de 30. Chefe de Policia de São Paulo ( 1 93 1 -32), combateu a Revolução de 32. Interventor no Rio Grande do Sul (1 938-43), coma ndante da Artilharia Divisionária da F EB que lutou na Itália; de volta ao Brasil participou da deposição de Getúlio Vargas em 1 945. Fundador da Escola Superior de Guerra (1 949-52), governador de Pernambuco (1 955-58) e chefe do EMFA ( 1 961). Conspirador ativo do movimento revolucionário de 64, foi mi nistro extraordinário para a Coordenação dos Organismos Regionais no governo Castelo Branco. Delso Mendes da Fonseca ( 1 899-1 984), te nente, revolucio nário de 1 922 e

1 930, secretário de Obras do Distrito Federal ( 1 931 -35). chefe da missão militar brasileira na França (1 936-45), signatário do man ifesto dos generais pela deposição de Getúlio em 1 945. Nélson de Melo (1 899-1 989), revolucionário de 1 924 e 1 930, secretário de Segurança Pública em Pernambuco ( 1 931 -33), interventor no Amazonas (1 933-35). che fe de Policia do Distrito Federal (1 934-44), membro da FE B, chefe da Casa Militar de Juscelino Kubi lschek (1 956-61 ) e da delegação brasi leira à Comissão Mista

(24)

Edmundo (8') um dos oficiais-alunos

do Co c� glo Militar, 1 9 1 3/1 9 1 4.

(CPDOC/Arquivo Edmundo de Macedo Soares)

22

I

U M C O N S T R U T O R 00 N o s s o T E M P O

alunos, e eles, então, me emprestavam os livros; alguns até me davam ,

Além dos colega de colégio, sempre procurei as pessoas mais velhas para ouvir­ lhes as lições. Por exemplo, um amigo do meu pai , o Lima Coutinho, que foi professor de música e diretor do Instituto de Música do Rio, me deu muitos conselhos. Referia-se a muitos escritores e me convidava a lê-los. Isto não apenas me proporcionou uma bagagem literária, mas também um certo conhecimento de filosofia; ]j os livros de Alexandre Herculano, os clássicos portugueses.

Minha geração foi marcada por

Os sertões,

de Euclides da Cunha. Hoje acusam o livro de ser inexato em geologia, mas é bom lembrar que naquela época não se conhecia nada da geologia do Brasil . Independentemente do fator tempo, os capítulos sobre a terra e o homem são formidáveis, mesmo naquela linguagem rebuscada do Euclides. Li também outros livros dele, como

A

margem da história.

Nessa época, eu tinha uns 1 6, 17 anos.

H

avia discriminação racial no Colégio Militar?

De maneira alguma; o Exército recebia qualquer um . Eurico Outra, por exemplo, era filho de uma lavadeira de Mato Grosso. Ele se alistou como soldado e, como tal , estudou; foi bom aluno e conseguiu matricular-se na Escola Militar da praia Vermelha. Foi assim que ele se formou. o Colégio Militar tive colegas judeu , como o Emílio Maurel Júnior e seu primo-irmão, aliás excelentes alunos. Já a Marinha não aceitava gente de cor, porque abrigava o pes oal nobre. O acesso era bloqueado pelo alto preço do enxoval; eu mesmo desisti, em grande medida por causa disso. Não que preferisse a Marinha, minha mãe é que preferia, mas quando chegou na hora de entrar, não havia dinheiro para comprar o enxoval . Os oficiais

do Exército consideravam um absurdo a djscriminação que existia na Marinha.

o

senhor foi primeiro aluno da turma

no ColégiO Militar .. .

(25)

U M EN G E N HE I R O O E F A R O A

direção à praça Saens Pena, quando um civil -um paisano, como chamávamos

-cruzou a companhia. O Alves Basto , muito empertigado, veio com a espadinha na mão e me cobrou uma atitude: "Você ' o capitão. Como permite que um paisano atravesse a companhia? Você tem uma tropa sob seu comando!" A "tropa" eram meninos de dez a 1 4 anos!

T

odos os alunos do Colégio Militar seguiam carreira?

Nem todos; uma parte ia para o mundo civil, estudar medicina, engenharia, direito, como foi o caso do Osvaldo Aranha. Embora tenha guardado muita ligação com os militares, ele não seguiu carreira e foi fazer advocacia; sua família tinha muito dinheiro. Quando entrei no Colégio, o Osvaldo estava no último ano; ficamos próximos, porque nós dois éramos excelentes alunos.

Algum

acontecimento político o marcou particularmente no ColégiO Militar?

A Revolta dos Sargentos, que aconteceu aquj no Rio em 1 9 1 5 . O motivo foi a questão dos vencimentos, que continuam baixos, mas naquela época eram muito piores. Foi o Maurício de Lacerda, pai do Carlos Lacerda, que concitou os sargentos a fazerem a revolta. Seu interesse era o de todo político: ganhar votos. Embora naquela época os sargentos não tivessem direito de voto, suas famí lias votavam .4 O Maurício falava bem; ra um orador admirável e um demagogo terrível! O filho era parecidís imo com o pai , mas muito mais inteligente, mais preparado.

Como os alunos do ColégiO Militar reagiram ao movimento?

Nossa reação foi de indignação. A mentalidade militar era muito rígida; não admitíamo que sargentos se levantassem contra os oficiais e contra a nação em geral .

Quando o marechal Hermes da Fonseca foi eleito presidente da República, em 1 9 l 0, sua

família manteve contata com ele, embora seu pai já tivesse morrido?

Sem dúvida. Pouco depois de ter entrado no Colégio Militar, fui visitar o marechal no palácio Guanabara. Apresentei-me ao sentinela como filho de um amjgo do presidente. O sentinela chamou o chefe da guarda, um sargento, a quem repeti que era filho de um amigo do marechal Hermes e que queria falar com ele. O sarg nto foi lá dentro e depois me autorizou a entrar. Encontrei o presidente numa varanda, cercado por seus oficiais. Recebeu-me muito bem , com muita

simplicidade; perguntou-me sobre o que eu estava fazendo, sobre os meus estudos etc. P dj sua opinião sobre o Colégio Militar, e ele riu , botou a mão na minlla cabeça e respondeu : "Faz muito bem , menjno, seja militar. Seu pai não foi, porque estudou medicina, mas você será militar." Fiquei com ele algum tempo. Ofereceu­ me refr sco, me deu uma porção de coisas. Depois, fui embora.

4 Segundo a Co nstituição de 1 89 1 , não

tinham direito a voto os mendigos, os analfabetos, os membros de ordens religiosas e as praças de pré, isto é, militares que não tinham patente de oficial, como era o caso dos sargentos .

(26)

5 Nair de Tefê, primeira caricaturista brasileira, teve seus trabalhos publicados na Europa. Filha do barão de Tefê, usava o pseudônimo de Rian.

U M C O N S T R U T O R D O N o s s o T E M P O

Embora menino, o senhor chegou a acompanhar a Campanha Civilista de 1 909, que opôs

Rui Barbosa ao marechal Hermes na disputa pela presidência da República?

Eu era muito pequeno, mas acompanhei essa campanha. Ficava chocado com os ataques dos partidários de Rui Barbosa aos militares; chamavam o Hermes de burro, o que ele não era mesmo! O Hermes era um homem muito bom e tinha pr paro. Teve a infelicidade de perder a mulher, a d. Orsina, e ca ou-se com a Nair d Tefé. 5 Esse casamento foi muito comentado, muito ridicularizado! Eu era rapazinho, mas lembro-me bem disso. Afinal, ele era viúvo e tinha direito a se casar de novo.

S

eu primo José Eduardo de Macedo Soares participou ativamente da Campanha

Civilista, sobretudo pelas páginas do jornal O Imparcial.

O

Imparcial foi fundado pelo José Eduardo, com o dinheiro do irmão José Carlos,

para fazer a campanha do Rui Barbosa. Foi uma campanha muito violenta, com ataques pessoais muito fortes, aliás como todas as campanhas políticas no Brasil. Mas isso não me admira, porque nos Estados Uilldos é a me ma coisa. Muitos anos depois, assisti a algumas campanhas lá, e todas continham ataques pessoais muito pesados aos concorrentes.

Eu torcia pelo marechal Hermes, embora, naquela época, ainda não votasse. Mas também admirava muito o Rui Barbosa; quando estava na Escola Militar, descia de Realengo só para assistir aos seus comícios. Lembro-me de um no largo da Carioca, no qual ele falou sobre o Jeca Tatu, colocando o Monteiro Lobato nas alturas. Ele começou o discurso assim : "Conheceis, porventura, Jeca Tatu,

personagem de Monteiro Lobato, o admirável escritor paulista?" Depois, concluiu: "O Brasil não era o que os políticos de hoje dizem. Era isto." E apontou para a platéia.

R

ui Barbosa participou de debates extremamente interessantes com o Pinheiro Machado

no Senado.

O Pinheiro Machado era uma raposa velha! Do Rio Grande. ão era tão preparado quanto o Rui, mas tinha uma inteligência brilhante. Nos debates entre os dois, juntava gente para assistir. Eu mesmo não assisti pessoalmente a nenhum deles, mas lia os discursos nos jornais. Eu ra um rapazinho de 14 anos, quando o Pinheiro foi assassinado no Hotel dos Estrangeiros e acusaram meu primo José Eduardo, mas ele me garantiu que não tinha nada a ver com aquilo. Apesar de ser muito temperamental, não acr dito que tenha chegado ao ponto de insuflar o Manso de Paiva a matar o Pinheiro a facadas.

A

Primeira Guerra Mundial teve alguma repercussão di reta em sua vida?

(27)

U M E N G E N HE I R O D E F A R D A

Primeira Guerra, e as duas ficaram isoladas na Suíça. O cônsul brasileiro sugeriu que embarcassem em Bordeaux, no navio italiano

Principessa Mcfalda, que vinha

para o Brasil. No golfo de Biscaia, uma tempestade de quatro dias e quatro noites quase afundou o navio; mamãe chegou aqui aterrorizada.

A guerra, propriamente, também me mobilizou muito. Num certo momento, criou-se a expectativa de que o Brasil iria tomar parte no conflito, e assim que terminei o curso do Colégio, fui com toda a minha turma até a Escola Militar, pensando que teríamos oportunidade de combater. Mas a guerra acabou logo depois.

U

ma vez diplomado no ColégiO, era automático o ingresso na Escola Militar?

Exatamente, o ingresso era automático, não só para os egressos do Colégio Militar,

Ingressando na Escola Militar, em 7 de fevereiro de 1 918. (Co/eção particular Alcino Fonseca de Macedo Soares e Silva)

(28)

6 Eduardo Gomes ( 1 896-1 981),

sobrevivente dos Dezoito do Forte (05.07. 1 922), participou da Revolução de 30. Duas vezes candidato à presidência da República (1 945 e 1 950), apoiou o golpe militar de 1 964 e foi ministro da Aeronáutica do governo Castelo Branco (1 965-67).

U M C O N S T R U T O R 0 0 N o s s o T E M P O

mas também para alunos que vinham de todas as escolas politécnicas que funcionavam no Brasil . As vagas restantes, se existissem, eram completadas por meio de um exame de admissão.

No inicio de 1 9 1 8 , como a Escola Militar estava fechada por causa das férias, sentei praça entre janeiro e março, como soldado na 4a Companhia de Estabelecimentos, no Realengo, sobretudo por causa do soldo e para não icar à toa enquanto

esperava o início das aulas na Escola. Lá, recebi peças do uniforme, sapatos e roupa branca; guardei tudo isso e levei para a Escola, no mês de abril, quando ganhei mais peças. Mas o importante foi que me tornei o mais antigo da minha turma, porque pude aproveitar esse tempo de serviço como soldado.

Quando a Escola Militar foi traniferida da praia Vermelha para Realenao,foi extinto o

curso de enaenharia militar?

Sim, mas o general Alberto Cardoso de Aguiar, ministro da Guerra do presidente Delfim Moreira, fez um decreto ordenando que fosse orgaruzada uma escola de engenharia do Exército. Entretanto esta escola não foi formada, porque não havia um corpo de professores.

Como eram os trotes daquela época?

Brutos. Os veteranos batiam nos "bichos", como eram chamados os calouros -na minha turma éramos cento e tantos calouros. E eles tinham como alvos principais aqueles gue tinham sido oficiais-alunos no Colégio Militar. Mas fui protegido dos trotes violentos pelo Eduardo Gomes, que conhecia meu primo José Eduardo, de Petrópolis.6 Um dos trotes gue levei foi medir o pátio da Escola com um palito, para ter noção de unidade. Passei o dia inteiro agachado, com o veterano ali , do meu lado: "Bicho sem-vergonha, você já sabe o gue é unidade?" Outro que os veteranos aplicavam era obrigar os ''bichos'' a pas ar uma noite no cemitério do Murundu, que ficava perto da Escola, para saber gue iam morrer um dia. Livrei­ me d sse trote, mai uma vez graças ao Eduardo. Tínhamos também que engraxar as botas dos companheiros; desse não escapei . De gualguer maneira, os trotes no Exército eram menos violentos do gue na Marinha. Numa ocasião, a Escola Naval chegou a fechar.

o senhor já estava decidido a escolher a arma de enaenharia?

Bom , eu já tinha o exemplo do tio Rosalvo, mas só escolhi no segundo ano. Para optar por engenharia ou artilharia, as armas nobres, o aluno precisava ter, no mínimo, média seis; como eu era o primeiro da turma, isso não foi problema. A arma mais procurada era a artilharia e depois a infantaria. A média exigida para entrar na infantaria não era tão alta, e as promoções eram mais rápidas. Na engenharia, o ensino era bem mais puxado; tínhamos cinco ou seis cadeiras a mais do gue na infantaria e ainda estudávamos balística, como na artilharia.

(29)

U M E N G E N H E I R O D E F A R D A

militares e três disciplinas de direito: direito público internacional, direito constitucional e direito admjnistrativo. A matéria mais interessante era higiene, fundamental, tendo em vista os acampamentos e acantonamentos de tropa. Era, sem dúvida, um curso eclético.

o

senhor chegou a C/rsar engenharia na universidade?

Saí da Escola como oicial de engenharia, mas na prática era um engenheiro militar. Agora, a primeira vez que estudei numa universidade foi durante o exílio na França; lá obtive meu primeiro diploma uruversitário.

C

om o soldo que recebia, o senhor ajudava financeiramente sua família?

Dos 450 mil-réis que ganhava, metade entregava na mão da minha mãe. Mais tarde, na Escola, passei a receber mais 300 mil-réis de gratificação; então, a parte dela aumentou.

Todo fim de semana eu ia para casa ver minha família. Lembro que no final de 1 9 1 8 , acho que em outubro, não pude sair da Escola por causa da epidemia de gripe espanhola, mas felizmente não fui contagiado. Quando consegui ir para casa, na rua Dezenove de Fevereiro, encontrei todo mundo de cama e sem comida. Fui ao vizinho, que tinha um grande galinheiro, para comprar uma galinha, mas ele não quis me vender. Como tinha lido nos jornais que estavam vendendo collda no Corpo de Bombeiros, vesti a farda da Escola e fui até lá, no Campo de Santana. Comprei três galinhas, arroz, batata e levei tudo para casa. Minha mãe e a

empregada, embora ainda estivessem doentes, prepararam comida para toda aquela gente. Dois dias depois, tive que voltar para Realengo, mas nos fins de semana estava de novo em casa; eu me sentia chefe da família.

A gripe espanhola foi violentíssima, não? Houve muitas mortes.

Foi uma verdadeira tragédia; vi caminhões passarem cheios de mortos! Dizem que a epidemia foi trazida por soldados da Marinha brasileira, na volta da guerra. Por isso, a primeira cidade atingida foi o Rio, e depois a gripe foi se espalhando pelo Brasil afora. Por causa da doença, estudantes das escolas e cursos superiores do país inteiro passaram de ano por decreto. Essa medida teve um lado positivo; afinal, não era justo as pessoas perderem o ano, mas acho que muita gente se aproveitou.

Como era sua vida social? A farda fazia sucesso junto às moças?

(30)

U M C O N S T R U T O R 0 0 No s s o TE M P O

porque a entrada era baratíssima: dez mil-réis. O jantar também era muito barato. Eu nunca joguei, até hoje não pego numa carta. Mas os cassinos apresentavam espetáculos maravilhosos. Uma vez, vi o Grande Otelo fantasiado de Mistinguett! Já imaginou isso? Mostrando as pernas!

E

os alunos de fora do Rio,

o

que faziam durante as folgas?

O pessoal do Norte e os gaúchos, que não tinham para onde ir, ficavam na Escola; podiam sair durante o dia e voltar à noite. Os que tinham mais recursos vinham até a cidade, e os outros passeavam por Realengo. as férias, os alunos do Sul

visitavam suas famílias graças ao armador Henrique Laje, que lhes dava passagens de navio. O Laje era assim; era considerado cadete honorário, pois tinha muitas relações com os oficiais. Eu próprio, quando ia a Minas Gerais visitar minha família em Lambari, ia ao gabinete do ministro da Guerra, pedia passagem de trem e ganhava um passe. Só pelo fato de ser cadete, de estudar na Escola Militar.

C

omo era a disciplina na Escola Militar?

Severa. De certo modo, mais dura que no Colégio. Em compensação, a

alimentação era bastante boa: arroz, feijão e carne de todas as maneiras. Os rapazes que se sobressaíam no esporte tinham uma alimentação especial, uma dieta

diferente. Como eu era mais intelectual, o que comia bastava.

o

senhor teve bons prfessores na Escola?

Na média, sim . Tive um professor de história militar, o Mário Clementino, que escrevia em

O Imparcial, o jornal do meu primo José Eduardo. Mas também tive

um péssimo prot ssor de história geral , por exemplo.

N

aquela época, já se discutia no Brasil o nacionalismo. Na Escola Militar o tema

também era debatido?

Apaixonadamente. Desejávamos o progresso do Brasil; achávamos que na

República Velha o desenvolvimento industrial era muito pequeno. De indústria, só havia a têxtil, não é? Os cafeicultore , com exceção do Roberto Simonsen, só investiam em tecidos, não aplicavam em outras indústrias. Aliás, sobre isso, tive uma história engraçada com o Eugênio Gudin. Sempre que me encontrava, ele me acusava de ter prestado um desserviço ao Brasil : a construção de Volta Redonda. Para ele, o Brasil não devia ser um país industrial . Curioso, não é? Um homem com aquela cabeça dizer esse tipo de coisa. Mas até dá para entender; ainal , ele nunca trabalhou para uma empresa brasileira.

H

av

i

a

uma campanha contra os grupos estrangeiros que atuavam no Brasil?

(31)

U M E N G E N H E I R O D E F A R G A

assunto. Alguns pensadores nacionalistas tiveram muita influência sobre a minha geração. O Alberto Torres, por exemplo; tenho todos os seus livros aqui em casa. Outro foi o Oliveira Viana; líamos todos os seus livros. Ambos iluenciaram muito aquela geração, principalmente os militares. O Edgar Teixeira Leite, que veio a ser meu secretário de Agricultura no governo do estado do Rio, era muito ligado aos dois.7 Homem de muito valor. Ele foi um dos fundadores da Sociedade dos Amigos de Alberto Torres, criada em 1 9 3 2 , aqui no Rio. Depois o Oliveira Viana foi muito combatido, porque aprovou a Constituição de 37, do Estado ovo. Em 1 950, quando terminava meu mandato como governador, mandei cunhar uma medalha de ouro em sua homenagem e levei-a, pessoalmente, em sua casa. Era um homem muito interessante, mas nessa ocasião já e tava doente e faleceu poucos meses depois.

C

om a eclosão da Revolução Russa, em 1 91 7, o comunismo passou a ser tema de

discussão na Escola?

Sem dúvida; havia gente que falava muito nisso. Embora não fosse permitido, havia muitas discussões políticas, além de brigas: bofetão para lá e para cá. A coisa chegava a esse ponto; formavam-se grupinhos. Nessa ocasião, o Prestes ainda não era comunista, mas já se interessava pelo assunto. E ainda tinha o Cunha, um maranhense, louco pelo movimento comunista, e mais uns três ou quatro colegas.

De que outros companheiros o senhor se lembra?

Do juarez Távora.8 Conheci muito o juarez: um pouco ingênuo, muito religioso, mas muito inteligente. Conheci também o irmão mais velho, o joaguim, que praticamente educou os irmãos. Como era muÜo bom topógrafo, mediu muitas fazendas no Mato Grosso e pôde ganhar dinheiro. Morreu em São Paulo, na Revolução de 24.

S

iqueira Campos também foi seu contemporâneo?

Foi, além de muito meu amjgo. E lhe digo uma coisa: se o Siqueira não tivesse

Sobre a administração de Edmundo de Macedo Soares e Silva no estado do Rio, ver adiante o capitulo "Mergulho na vida politica".

Juarez Távora ( 1 898-1 975) participou dos levantes de 1 922 e 24 e da Revolução de 30: membro do Estado­ Maior da Coluna Prestes, ministro da Agricultura (1 932-34), comandante da Escola Superior de Guerra (1 952-54). chefe da Casa Militar no governo Café Filho (1 954-55), candidato à presidência da República (1 955), deputado federal pelo PDC-GB (1 962-64), ministro de Viação e Obras Públicas do governo Castelo Branco (1 964-67).

Costa e Silva (1 J, Edm undo de Mactdo Soares e Silva (3 ) e Castelo Branco (4 J (em pé, da direita para a esquerda), em

' 920. (CPODC/ArQUlvo Edmundo de Macedo Soare<)

(32)

9 Diz-se que um oficial leva "carona" quando está bem colocado da l ista de promoções. mas é ultrapassado por outro. mais jovem. colocado em pior situação.

U M C O N S T R U T O R D O N o ; s o T E M P O

morrido, teria sido milita coisa neste país. Era um homem de enorme energia; boa cabeça, bom aluno, bom companheiro, bom brasileiro.

Outros colegas de turma que se destacaram mais tarde na vida do país foram o Costa e Silva e o Castelo Branco, que chegaram à presidência da República. O Costa e Silva tinha sido comandante-aluno no Colégio Militar de Porto Alegre; foi milito melhor aluno qu o Castelo Branco. O Costa e Silva era mais dedicado, estudava as matérias do curso, mas lia muito pouco. Já o Castelo Ua tudo! Por isso, ele se dava comigo; costumávamos trocar livros. O Castelo não era muÜo

simpático com quem não tinha intimidade, mas quando era amigo, era amigo de verdade.

O general Machado Lopes, que chegou a comandar o III Exército, no Sul, também foi meu contemporâneo, uma turma atrás da minha; ele também era da arma de engenharia. Aliás, foi dele a única "carona" que recebi na carreira militar.9 Como tinha estado na guerra, comandando o Batalhão de Engenharia da FEB, quando chegou o momento da promoção ele passou na minha frente.

Um colega de quem eu gostava muito, mas que morreu jovem , foi o Melo e Sousa, mais adiantado que eu . Era um desenhista admirável, cronista, escrevia nos jornais e foi quem batizou o picadinho que a cozinha da Escola preparava, aproveitando todos os restos de comida, de "picadinho Lavoisier", porque na natureza nada se perde, tudo se transforma. Foi para a aviação e morreu num desastre. Também conheci na Escola o Ângelo Mendes de Morais, bem mais velho; eu ainda era cadete, e ele já era aspirante. O Mendes de Morais foi sempre milito bizarro; saía por Realengo com uma vara na mão, e quando via uma galinha dava uma varada na cabeça do bicho, matava, botava debaixo do braço e levava para assar.

A

exemplo do Coléaio Militar, a Escola também aceitava bem judeus e nearos?

Claro. Tive dois colegas pretos na Escola Militar, e um deles chegou a marechal. Homem excelente! Tive ainda dois colegas judeus, os irmãos Levi Cardoso, Armando e Valdemar, ricos e milito inteligentes. O Armando gostava milito de literatura e tinha uma biblioteca linda; freqüentei muito a casa deles em busca de livros. A Marinha é que, como já disse, era racista e impedia o ingresso de pretos e judeus. Nos primeiros tempos da Aeronáutica, talvez por influência da turma que veio da Marinha, era mais ou menos a mesma coisa: criavam caso na hora da prova, no exame de aúde; inventavam sempre alguma coisa.

o

final de seu curso na Escola, no início de 1 92 1 , coincide com a cheaada ao Brasil da

Mjssão Mjlitar Francesa, chfiada pelo aeneral Maurice Camelino Além disso, temos no

mesmo período a atuação dos 'Jovens turcos" e a Missão Indíaena.

(33)

U M E N ü E N H I I R ' D E F A R A

1 9 1 1 . A M issão Indígena foi , de certo modo, um desdobramento dos "jovens turco " e recebeu csse nomc dos cadetes porque era formada por brasileiros, jovens i nstrutores -como o Odílio Denis, lO o Colônia e mais tarde eu mcsmo­ que foram mandados para a Escola Mil itar. Por influência dos "jovens turcos" e da

Missão Indígena , houve grandes mudanças no ensino da E cola , até ntão muito teórico.

Q

uand

o

o senhor se tornou instrutor da Escola Militar?

Saí aspirante em janeiro de 1 92 1 e fui servir na 1 a Companhia Ferroviária, cm

Deodoro. Como scmpre tive notas ll1uito altas, pude escolher onde servir e escolhi Deodoro para continuar no Rio e ficar pcrto da m i nha família. Em maio eu tinh a acabado dc ser promovido a segUldo-tenente e Fi designado pelo comandante da Escol a instrutor do curso de engenharia da Escola Mil itar do Rcalengo.

Q

ual era o papel do instrutor?

Era responsável pela parte prática, pelos exercícios. Fui i nstrutor dc topograFia, na parte de construção de estradas; ensinava djr itinho, porque fui muito bom topógrafo. O fato dc ter sido lotado na Escola M i l itar foi determinante para o meu envolvimcnto na Revolução de 2 2 .

1 Odilio Denis (1 892-1985) participou dos levantes de 1 922 e 24, da Revolução de 30 e da instauração do Estado Novo ( 1 937). Foi ministro da Guerra (1 960-61) e participou ativamente do golpe militar de 1 964.

(34)

,.

..-

tI F�, ., .&"

. � -> I n�

f*l�

-. KU�<, 1t .., �

"'l

J-4 o

f�

e"

'-7--

�L.�--

-

�- � 7

r� � � r

(35)

FZE V O l U C-\

J

o E

E

m 1 92 1 tem início a campanha eleitoral para a sucessão do presidente Epitácio Pessoa.

É verdade. O Artur Bernardes era presidente de Minas -assim se chamavam os governadores na República Velha -e vinha apoiado também por São Paulo.

Contra ele, Nilo Peçanha, ex-govenador do estado do Rio e ministro do

Exterior do governo Venceslau Brás; era candidato da Reação Republicana, formada pelos situacionistas do estado do Rio, Rio Grande do Sul, Bahia e Pernambuco. Eu já me referi à tradição de violência das campanhas no Brasil, mas aquela foi particularmente tensa. Meu primo José Eduardo foi o principal

articulador da candidatura do ilo Peçanha aqui no Rio.

S

eus primos José Eduardo e José Carlos eram bem mais velhos que o senhor, não?

Quase 20 anos. O José Eduardo nasceu em 1 88 2 , e o José Carlos no ano

eguinte. O José Eduardo era um homem de enorme coragem; tinha sido oficial

de Marinha -foi ajudante-de-ordens do almirante Saldanha da Gama -mas

abandonou a carreira militar para ser jornalista. Depois enb"ou para a política e foi deputado federal pelo Partido Republicano Fluminense de 1 9 1 5 a 2 3 . O José Carlos se casou com uma moça de São Paulo, Matilde Melchert da Fonseca, de familia muito rica, gente ligada ao café e à indústria. Mas o José Carlos também não era pobre; o pai deles, também chamado José Eduardo, irmão do meu avô materno, era professor em São Paulo, formou um ginásio e comprou uma grande propriedade em Vila Mariana. Mais tarde vendeu este terreno, ganhando muito dinheiro. De sorte que, quando o José Carlos se casou , não era um homem pobre.

les tinham outros irmãos?

Mais três: o Jo é Cássio era médico e foi deputado federal pelo Partido

Constitucionalista de São Paulo entre 1 935 e 37; o José Roberto era diplomata e foi embaixador em Montevidéu entre 1 945 e 5 1 , e o José Fernando, que se formou em odontologia e nunca se meteu em política. Além disso, havia três irmãs: Eunice, Eudóxia e Eponina, todas começando por E.

N a pagina ao lado' passaporte dlplomallco do Peru rorcedid" d Edmundo de Maced0 Soares e Silva, em 30 de abr I de 1 925. (CPDOC/Arq,.,vo Edmundo de Macedo Soarrs/dp)

(36)

1 Elísio de Carvalho, Brasil, potência

mundial: inquérito sobre a indústria siderúrgica no Brasil. Rio de Janeiro, Monitor Mercantil, 1 91 9.

U M C O N S T R U T O R D O N o s s o T E M P O

E

m que circunstâncias o senhor se aproximou do José Carlos e do Jo�é Eduardo?

Quando saí aspirante, fui a São Paulo visitar meus avós maternos e estive também com o tio José Eduardo, pai deles; datam daí minhas relações mais estreitas com os dois, sobretudo com o José Carlos. Ele influenciou muito a minha vida e eu, de certo modo, a dele. Todos os Bvros que escreveu foram corrigidos por mim; ele me dava os originais para ler, e eu chamava a sua atenção para certas coisas. Isso fez de mim um revisor, proissão com que ganhei algum dinheiro no exílio na França.

S

e

u

s

primos eram Iiaados a Nilo Peçonha?

O Nilo sempre foi amigo do meu pai, da minha família. Sua mulher, Anita, era prima-irmã da minha mãe. Muitos anos depois, quando fui governador, a prima Anita estava muito mal-o Nilo não lhe deixara bens -, e consegui uma pensão para ela. Recordo bem que o Nilo, certa feita, me disse: "Raramente conheci um homem como seu pai. Até hoje ouço referências a ele no estado do Rio." Papai tinha tratado de muita gente no estado e era muito lembrado por isso. O Nilo Peçanha, depois de derrotado pelo Bernardes, foi o chefe civil da Revolução de 2 2 .

o

Exército se envolveu na campanha presidencial por causa das "cartas falsas'?

Começou antes. Havia um grupo de oficiais que só pensava na industrialização do Brasil e, a meu ver, este foi o motivo principal da campanha: tirar o país do marasmo em que se encontrava. ÓS nos articulamos visando a esse objetivo; nosso ideal era que o Brasil se desenvolvesse de acordo com o que dizia aquele livrinho do Elísio de Carvalho,

Brasil, potência mundial. I

H

avia possibilidade de a Reação Republicana vencer a eleição?

Acreditávamos que sim, mas estou plenamente convencido de que o Bernardes venceu o pleito licitamente. Creio mesmo que as tais cartas eram realmente falsas. O que aconteceu foi o seguinte: em outubro de 2 1 , o

Correio da Manhã

publicou umas cartas atribuídas ao Artur Bernardes, contendo ofensas pesadas ao Exército e ao Hermes da Fonseca, que naquela época era presidente do Clube Militar. O Bernardes contestou a autenticidade da cartas, e depois descobriu-se que o falsário, Oldemar Lacerda, redigiu-as com o objetivo de vendê-las. Mas a repercussão das cartas foi muito grande. Numa reunião do Clube Militar, falou-se sobre o assunto, e todos acreditavam que eram verdadeiras. Eu

(37)

R E V O l U Ç Ã O E E X l l l O

presidente Epitácio Pessoa mandou prender por algumas horas o marechal Hermes e fechar o Clube por seis meses.

Vocês discutiram a possibilidade de um levante armado?

O Eduardo Gomes, o Juarez Távora, eu, o José Eduardo e mais quem ele convidasse conspirávamos no automóvel dele, circulando pelas ruas do Rio; depois, nos reuníamos no Clube Militar. A maioria da platéia era formada por oiciais jovens, mas havia gente dos escalões mais altos. Um dia, fui avisado de que a revolta acontec ria em 5 d julho. Nessa ocasião, eu era instrutor de engenharia na Escola Militar, dando aula de topografia e estradas; o Juarez também servia na Escola, como instrutor de engenharia.

Os cadetes estavam muito inquietos. Vou dizer uma coisa: se os oficiais não tomassem a iniciativa, os cadetes fariam a revolução sozinhos. Resolvemos, então, entrar em cena para enquadrá-los.

orno foi o dia da sublevação?

O levante estourou na noite de 4 para 5 de julho de 2 2 . A guarnição da Escola Militar, comandada pelo coronel Xavier de Brito, saiu em direção à Vila Militar, levando o armamento usado na instrução dos cadetes. Havia de tudo: metralhadoras, fuzis, canhões. O Henrique Ricardo Holl -nós o chamávamos de Henrich Richard Holl -levou dois obuseiros 1 05 . Para nossa surpresa, fomos recebidos a tiros pelo 1 0 Batalhão de Engenharia da Vila Militar. Decidimos nos recolher ao morro da Árvore Seca. Para chegar lá, tínhamos que atravessar um riozinho; para avaliar sua profundidade, o juarez, que era alto, entrou, e a água lhe bateu pelo peito. Então, os pequeninos tiveram que ser carregados no colo.

Ficamos entrincheirados no Árvore Seca e de lá atiramos sobre a Vila Militar, e a Vila sobre nós. essa troca de tiros, nosso companheiro Ângelo Eliseu Xavier Leal acabou morrendo. O Holl deu uns dez tiros no regimento de artilharia da Vila, cujo subcomandante era o pai da Alcina, que viria a ser minha segunda mulher; ela assistiu a tudo isso. Quando o coronel Xavier de Brito viu que não havia mais nada a fazer, nos reuniu e declarou que a única solução era a retirada e que não queria sacrificar tantos jovens. No total, eram mais ou menos

seiscentos e poucos rapazes, fora os comandantes. A resist'ncia tinha durado umas quatro horas, sem comida, sem coisa nenhuma.

uem se sublevou no Rio?

A Escola Militar em peso -os cadetes contrários foram

colocados numa sala à parte -, uma parcela da Vila Militar

-Edmundo d� Ma�o oa; � Silva �m mnt� ao monum�nto aos Duoito do Fort�, �m Copaabana, Rio d� Jan�iro, �m 5 d� julho d� 190.

(PDO/Aquio dmundo de Maedo oaes)

(38)

U M C O N S T R U T O R 00 N o � s o T E M P O

que, na prática, acabou não aderindo, porque o governo já tinha controlado a situação -, o forte de Copacabana, onde estavam o Siqueira Campos, o Eduardo Gomes, o Delso Mendes da Fonseca, o Mário Carpenter; era um grupo grande. A Escola de Aviação tentou aderir, mas também não conseguiu.

o

que aconteceu depois da rendição?

Voltamos à Escola. Descarregamos as armas, desarmamos os cadetes, que relutavam em se render, e aguardamos a chegada de um esquadrão comandado pelo Euclides de Figueiredo -pai do João Batista, que viria a ser presidente da República -, que veio nos prender. Ele nos disse que era incügno um militar revoltar-se, e no entanto, dez anos depois, em 1 9 32, ele se levantaria contra o governo Vargas, na Revolução Constitucionalista de São Paulo. Naquele dia, o próprio Euclides nos trouxe a notícia do fracasso do levante do forte de Copacabana; cüsse que tinha morrido muita gente, foi muito cruel conosco.

Q

ual foi a participação do seu primo José Eduardo na revolta?

Junto com alguns companheiros, ele ocupou a Companhia Telefônica de iterói na véspera do levante, impecündo as comunicações com o Rio. Depois do fracasso do movimento, ele se refugiou na legação argentina. Mais tarde saiu de lá e foi para Maricá, onde acabou sendo preso, mas conseguiu fugir; alcançou a ilha Rasa, para onde os amigos mandaram um barco levado por pescadores. Ele pegou o barco, lançou-se na água e remou até o Leme. Mais tarde, voltou a ser preso.

M

es

m

o

sendo deputado? Não existia imunidade parlamentar?

Naquela época, os deputados podiam ser presos, e ele ficou detido no Regimento de Cavalaria, aqui no Rio. O José Roberto foi visitá-lo e trocou de roupa com ele; o José Eduardo saiu com as roupas do irmão, e o José Roberto ficou na cela.

Q

ue destino tiveram os cadetes sublevados?

Voltaram para a tropa para esperar o julgamento. Quando este começou, foram chamados para cüzer se estavam conscientes ou inconscientes do levante. A maioria declarou-se consciente, mas uns 30 ou 40 se proclamaram inconscientes e ficaram conhecidos por "inconscientes" pelo resto da vida. Essa minoria pôde continuar a carreira militar; os demais foram expulsos.

Os cadetes afastados que foram anistiados puderam voltar para a Escola cinco, seis anos depois. Dos que podiam retomar a carreira militar, a maioria voltou; alguns icaram no Banco do Brasil, outros ingressaram no Judiciário e chegaram até a desembargadores. Já os oiciais foram detidos quase imediatamente.

Minha primeira prisão foi na 1 a Companhia de Metralhadoras, aqui no Rio; fiquei detido 1 5 cüas, junto com mais uns 40 oiciais. ão podíamos falar com ninguém, mas havia um oficial da reserva que me conhecia e se ofereceu para me trazer tudo que eu precisasse. Mandei buscar roupa, objetos pessoais; ele telefonava para minha família, fazia contato com o advogado . . . Recebi um tratamento

(39)

Mas como a tropa tinha que continuar a receber instrução e nós atrapalhávamos, fomos transferidos para o navio

CUiabá,

que inicialmente ficou ancorado na bala da Guanabara e depois zarpou para Angra dos Reis, onde permaneceu fundeado

RE V O L U ç A O E

durante uns meses. Ficar detido num navio signiicava estar sob a alçada da Marinha; os oficiais eram muüo bons, muito educados, mas irmes.

E x i L I O

Foi uma temporada divertida. Embora fosse proibido, nós nadávamos no mar, pulávamos na água, e os oficiais mandavam nos buscar. Pulávamos de novo, até que eles puseram uma piscina a bordo. Trepávamos nos mastros e quando eles viam , já estávamos lá em cima; queríamos fazer exercício.

E

ram quantos prisioneiros?

Éramos 1 56 presos, incluindo alguns generais, como o Sotero de Meneses, que já estava na reserva, e o Clodoaldo da Fonseca, que havia comandado as tropas rebeldes de Mato Grosso. No próprio navio recebíamos intimação para prestar depoimento. Eu disse tudo, disse que havia participado porque julgara que devia, que levara fulano, sicrano e beltrano para a Revolução, que eles não queriam, mas eu havia insistido etc. O depoimento aconteceu uns dois meses depois do levante, em setembro, portanto. Mesmo assim, naquele mês fui promovido a primeiro­ tenente. A promoção era automática, por antiguidade. Eles não podiam evitar; afinal, eu estava no quadro suplementar e, inclusive, recebia o soldo.

Qu

e

desdobramentos teve o processo?

Só quatro assumiram a responsabilidade. Os outros procuraram salvar-se, mas ninguém conseguiu. O promotor nos denunciou e, passado um tempo, o juiz aceitou a denúncia. Nesse período, fomos postos em liberdade, e fiquei livre por uns quatro meses, mas tinha que me apresentar ao Exército toda semana.

Durante esse tempo, trabalhei como agrimensor para o engenheiro Alencar Lima, amigo do José Carlos, que estava chefiando uma comissão de recuperação da Baixada Fluminense, área inteiramente pantanosa. E le me convidou para fazer topograia ali, traçar eixos . . . Levei o Eduardo Gomes comigo. Eu ia atrás com o

teodobto, que era do tio Rosalvo,

o Eduardo ia na frente, com a baliza e a

cadeia de 20 metros. Ele media, e eu dava o alinhamento; marcamos tudo

aquilo ali.

E

duard

o

Gomes era de famlia pobre.

Era, e teve que lutar muito. Homem de caráter sem jaça, ilibado. Também tinha a sua parte de ingenuidade. Não era de muita conversa não, mas comigo ele

Referências

Documentos relacionados

Desta forma, é de grande importância a realização de testes verificando a segurança de extratos vegetais de plantas como Manjerona (Origanum majorana) e Romã

4XDGUR,,,²5HVXOWDGRVGRWHVWHGHLGHQWLILFDomRGHFRPSHWrQFLDVOLQJXtVWLFDV² &DVR 4XDGUR,,,²5HVXOWDGRVGRWHVWHGHLGHQWLILFDomRGHFRPSHWrQFLDVOLQJXtVWLFDV² &DVR Ì1',&'*5É,&26

Neste estágio, assisti a diversas consultas de cariz mais subespecializado, como as que elenquei anteriormente, bem como Imunoalergologia e Pneumologia; frequentei o berçário

Estudos sobre privação de sono sugerem que neurônios da área pré-óptica lateral e do núcleo pré-óptico lateral se- jam também responsáveis pelos mecanismos que regulam o

Como parte de uma composição musi- cal integral, o recorte pode ser feito de modo a ser reconheci- do como parte da composição (por exemplo, quando a trilha apresenta um intérprete

Finally,  we  can  conclude  several  findings  from  our  research.  First,  productivity  is  the  most  important  determinant  for  internationalization  that 

Considerando a amplitude da rede mundial de computadores (internet) e a dificuldade em controlar as informações prestadas e transmitidas pelos usuários, surge o grande desafio da

Como já foi dito neste trabalho, a Lei de Improbidade Administrativa passa por uma releitura doutrinária e jurisprudencial, visando delimitar de forma precisa os tipos ímprobos,