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Os sentidos de ser homem com estoma intestinal por câncer colorretal: uma abordagem na antropologia das masculinidades.

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Academic year: 2017

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OS SENTI DOS DE SER HOMEM COM ESTOMA I NTESTI NAL POR CÂNCER COLORRETAL:

UMA ABORDAGEM NA ANTROPOLOGI A DAS MASCULI NI DADES

Eliza Maria Rezende Dázio¹ Helena Megum i Sonobe² Márcia Maria Font ão Zago³

O est udo t eve com o obj et ivo analisar os sent idos que hom ens com est om a int est inal at ribuem à experiência da doença e do t r at am ent o do câncer color r et al. For am ut ilizados os r efer encias t eór icos da ant r opologia m édica, das m asculinidades e do m étodo etnográfico. Participaram do estudo 16 hom ens na faixa etária de 40 a 79 anos, m oradores de Ribeirão Preto, SP, e região. A coleta dos dados foi realizada por m eio de observações part icipant es e ent revist as sem iest rut uradas. Pela análise indut iva dos dados, selecionou- se dois núcleos de sentidos: o reconhecim ento da gravidade da doença e o sofrim ento de ter câncer, subm eter- se à cirurgia e ao est om a. Esses sent idos revelam a t ensão que se desenvolve ent re os padrões t radicionais de m asculinidade e as nov as for m as de ident idades pr ov ocadas pela ex per iência. Conhecer esses sent idos, sob a per spect iv a cult ural, facilit a a com unicação enferm eiro- pacient e e perm it e o planej am ent o de cuidados adequados às suas n ecessidades.

DESCRI TORES: neoplasias colorret ais; enferm agem ; cult ura; ident idade de gênero

THE MEANI NG OF BEI NG A MAN W I TH I NTESTI NAL STOMA DUE TO COLORECTAL

CANCER: AN ANTHROPOLOGI CAL APPROACH TO MASCULI NI TI ES

This study analyzes the m eanings that m en with intestinal stom a attribute to their colorectal cancer experience and it s t reat m ent . The m edical ant hropology fram ework, gender ident it y and t he et hnographic m et hods were used. A total of 16 m en from 40 to 79 years of age, residents in Ribeirão Preto and neighboring cities, SP, Brazil part icipat ed in t he st udy. Dat a collect ion was carried out t hrough part icipant observat ion and sem i- st ruct ured interviews. Two groups of m eanings were selected through inductive data analysis: acknowledging the severity of t he disease and t he dist ress of having cancer, and being subm it t ed t o surgery and suffering from a st om a. These m eanings revealed t he t ension t hat develops bet ween t radit ional pat t erns of m asculinit y and t he new ident it ies r esult ing fr om t he ex per ience. The under st anding of t hese m eanings fr om a cult ur al per spect iv e favors nurse- pat ient com m unicat ion and enables planning of care appropriat e t o t hese pat ient s’ needs.

DESCRI PTORS: colorect al neoplasm s; nursing; cult ure; gender ident it y

EL SI GNI FI CADO DE SER UN HOMBRE COM ESTOMA I NTESTI NAL POR CÁNCER DE

COLORECTAL: UN ABORDAJE ANTROPOLÓGI CO DE LA MASCULI NI DAD

El est udio t uvo com o obj et ivo analizar el significado que los hom bres, con est om a int est inal, at ribuyen a la ex per iencia de la enfer m edad y al t r at am ient o de cáncer de color ect al. Fuer on ut ilizadas las r efer encias t eóricas de la ant ropología m édica, de la m asculinidad y del m ét odo et nográfico. Part iciparon del est udio 16 hom bres en el intervalo de edad de 40 a 79 años, residentes en Ribeirao Preto, SP, y región. La recolección de los dat os fue realizada por m edio de observaciones part icipant es y ent revist as sem iest ruct uradas. Por m edio del análisis induct iv o de los dat os, se seleccionó de los núcleos de significados: el r econocim ient o de la gravedad de la enferm edad y el sufrim iento de tener cáncer, som eterse a la cirugía y al estom a. Esos significados revelan la tensión que se desarrolla entre los estándares tradicionales de m asculinidad y las nuevas form as de ident idad pr ov ocadas por la ex per iencia. Conocer esos significados, baj o la per spect iv a cult ur al, facilit a la com unicación ent re enferm ero y pacient e y perm it e planificar los cuidados adecuados a sus necesidades.

DESCRI PTORES: neoplasias colorrect ales; enferm ería; cult ura; ident idad de género

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I NTRODUÇÃO

N

as últim as décadas, a literatura alerta para

a im portância da saúde do hom em , considerando que eles padecem m ais de doenças de saúde do que as m u lh er es e qu e h á r elação en t r e a con st r u ção da m asculinidade e o com prom et im ent o da sua saúde. D a d o a i m p o r t â n ci a q u e o t r a b a l h o o cu p a n a id en t id ad e d o h om em , com o ser p r ov ed or, v ár ios pr oblem as podem decor r er em r elação à pr om oção da saúde e à int ervenção na doença( 1).

Nesse panor am a, o Minist ér io da Saúde do p aís est ab eleceu , em ag ost o d e 2 0 0 8 , a “ Polít ica Nacional de At enção I nt egr al à Saúde do Hom em : Princípios e Diret rizes”, afirm ando que os agravos à saúde do sex o m asculino são pr oblem as de saúde pública, e sua proposição visa qualificar a integralidade da atenção à saúde da população m asculina brasileira. O docum ent o dest aca que ent r e os indicador es de m ort alidade para a população m asculina nacional, na faixa et ária de 25 a 59 anos, em 2005, os t um ores ocuparam o t er ceir o lugar, r esponsáveis por 43,2% dos óbitos( 2). Segundo o I nstituto Nacional de Câncer ( I NCA) , par a 2008, er am esper ados 231.860 casos nov os de câncer par a o sex o m asculino e 234.870 para o sexo fem inino( 3).

Com o enferm eiras, docentes e pesquisadoras n a ár ea da on cologia, a at en ção da au t or ia dest e t r abalh o v olt a- se à saú de do h om em com cân cer color r et al ( CCR) . Essa n eop lasia ocu p a a q u ar t a posição ent re aquelas que at ingem os hom ens, e a m o r t a l i d a d e t em a u m en t a d o . As est i m a t i v a s d e in cidên cia pu blicadas em 2 0 0 8 apon t ar am 1 2 . 4 9 0 casos novos de câncer colorret al ( CCR) em hom ens e 1 4 . 5 0 0 e m m u l h e r e s. Essa s e st i m a t i v a s correspondem ao risco est im ado de 13 casos novos a cada 100 m il hom ens e 15 a cada 100 m il m ulheres( 3). Apesar dos av an ços da colopr oct ologia n a pr ev enção e diagnóst ico pr ecoce do CCR, ainda há dificuldades devido ao desconhecim ento da população sobre os riscos, ao ret ardo ou à falt a de acesso ao si st e m a d e sa ú d e e a o s r e cu r so s d i a g n ó st i co s insuficient es, no nosso país. Em geral, o diagnóst ico d a d o e n ça é r e a l i za d o e m e st á d i o s a v a n ça d o s, dem andando int ernações prolongadas e a confecção de est om as int est inais( 4).

Enferm eiros brasileiros j á dem onstraram , por est udos int er pr et at iv os, que os dist úr bios físicos e psicossociais acarretados pelo CCR, cirurgia e estom a

com pr om et em a qualidade de v ida da pessoa e de sua fam ília( 5- 6).

Frente a esse panoram a, cham a a atenção o processo de reabilitação dos pacientes, com um olhar sob a per spect iv a da m asculinidade, aspect o ainda não est udado na enferm agem brasileira.

Buscando sanar essa lacuna, o obj etivo deste est udo foi analisar os sent idos dados à exper iência da doença e ao t r at am ent o do CCR ent r e hom ens com est om a int est inal.

ABORDAGEM TEÓRI CO-METODOLÓGI CA

Ne st e e st u d o , o s p e n sa m e n t o s t e ó r i co -m et odológicos e-m pregados fora-m os da ant ropologia m édica, antropologia das m asculinidades e do m étodo et nogr áfico.

A a n t r o p o l o g i a m é d i ca co n si d e r a q u e a cultura é um sistem a sim bólico de criação de sentidos que ex pr essam conhecim ent os, cr enças, nor m as e valores. Nessa ótica, a doença precisa ser interpretada não com o um processo biológico, estático e individual, m as com o um processo que dem anda int erpret ação e ação do m eio sociocultural. Assim , se faz necessário ent ender a doença com o um a experiência, com o um processo subj et ivo. Na experiência da doença, com o o CCR, o suj eito lhe atribui sentidos de acordo com o sen so com u m e ad q u ir e n ov os con h ecim en t os n o decorrer da experiência do t rat am ent o( 7).

Com plem ent ando, a divisão do m undo social em m asculino e fem inino, em t odas as sociedades, expressa um a socialização distinta. É desse m odo que a cultura colabora para diretrizes im plícitas e explícitas co n st r u íd a s n a v i d a e m g r u p o , q u e h o m e n s e m ulher es est ão subm et idos a difer ent es nor m as de em oção, cognição e de práticas. Entretanto, os papéis d e g ê n e r o n ã o sã o f i x o s, p o d e m m u d a r so b a in f lu ên cia de div er sos pr ocessos sociais, com o n a experiência da doença( 7).

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h o m e m i m p l i ca b u sca r a su a si n g u l a r i d a d e , n o cont ext o do seu grupo de referência.

Pa r a q u e o p r o ce sso d a e x p e r i ê n ci a d a d o e n ça p o ssa se r a p r e e n d i d a co m a s n u a n ce s i n d i v i d u a i s, é p r e ci so d e scr e v e r a e t i o l o g i a d o problem a, a sua fisiopat ologia, o curso da doença, o pr ognóst ico e o t r at am ent o r ealizado, por m eio de m ét od o q u e p ossib ilit e o con t at o p r óx im o com o doent e( 9).

Em co r r e sp o n d ê n ci a a o s p r e ssu p o st o s descr it os, selecionou- se o m ét odo et nogr áfico par a desenvolver o est udo. Esse m ét odo t em a finalidade d e p r od u zir u m a “ d escr ição d en sa” d os sen t id os a t r i b u íd o s a u m f e n ô m e n o , p e l o s i n f o r m a n t e s, expressos pela linguagem . A part ir desses sent idos, ca b e a o p e sq u i sa d o r si n t e t i za r o s a sp e ct o s relevant es( 10).

Os crit érios para a seleção dos inform ant es foram : ser m orador de Ribeirão Preto ou das cidades próxim as; m aior de 18 anos, com qualquer nível de escolar idade; t er est om a h á pelo m en os u m m ês, t em porário ou definit ivo; est ar em condições físicas e em ocionais para part icipar do est udo e concordar em par t icipar, assinando o t er m o de consent im ent o livre e esclarecido.

O est udo t eve a part icipação de 16 hom ens portadores de estom a intestinal por CCR, cadastrados no Am bulatório de Proctologia do Hospital das Clínicas d a Fa cu l d a d e d e Med i ci n a d e Ri b e i r ã o Pr e t o d a Universidade de São Paulo. A coleta de dados ocorreu no período de j unho a dezem bro de 2007, após a sua ap r ov ação p elo Com it ê d e Ét ica em Pesq u isa d o Hospit al.

Par a a colet a de dados, for am ut ilizadas a e n t r e v i st a se m i e st r u t u r a d a e a o b se r v a çã o p a r t i ci p a n t e , p r o ce d i m e n t o s q u e p o ssi b i l i t a m a obt enção da int er subj et iv idade ent r e pesquisador es e pesquisados( 10), orient adas pelas quest ões: fale- m e com o a sua doença com eçou e o que pensa sobr e ela; com o foi a sua busca pelo t rat am ent o; com o foi t er qu e f azer a cir u r gia; com o é ser h om em com est om a.

A colet a ocorreu no cont ext o hospit alar ( no am b u lat ór io e n a sala d e con su lt a m éd ica) e n o d o m i cíl i o d o s i n f o r m a n t e s. As e n t r e v i st a s e o b se r v a çõ e s r e a l i za d a s n o d o m i cíl i o f o r a m a g e n d a d a s. Em m é d i a , f o r a m r e a l i za d a s d u a s ent revist as com duração m édia de 60 m inut os com cada inform ant e, para que se pudesse com plem ent ar o s d a d o s. A o b ser v a çã o p a r t i ci p a n t e t ev e co m o

obj et ivo ident ificar os com port am ent os não- verbais, os r elacionam ent os e as pr át icas dos infor m ant es, nos seus dom icílios e nos ret ornos m édicos, quando os hom ens se relacionam com outros pacientes e com a e q u i p e . As i n f o r m a çõ e s so b r e a d o e n ça , o s t r at am ent os r ealizados e a ev olução dos pacient es foram obtidas pelo prontuário m édico. Os dados foram regist rados em um diário de cam po; após, t odas as inform ações obt idas foram t ranscrit as com o t ext os.

A an álise in du t iv a dos dados f oi r ealizada pelas seguintes etapas: ordenação de textos de dados de cada inform ant e, ident ificação de sent idos dados à ex p er iên cia em cad a t ex t o e n o seu con j u n t o, possibilit ando a ident ificação de cat egorias em píricas, consider ando- se seus aspect os com uns e dist int os. Co m b a se n e ssa s ca t e g o r i a s, co n st i t u i u - se a i n t er p r et ação d o s sen t i d o s d ad o s à ex p er i ên ci a, co n si d e r a n d o o co n t e x t o so ci o cu l t u r a l d o s inform ant es( 10).

D e n t r e o s 1 6 su j e i t o s d o e st u d o , t r ê s estavam na faixa etária de 40 a 50 anos e 13 na de 5 1 a 7 9 an os; 1 2 possu íam est om as defin it iv os e quat ro provisórios; o t em po de exist ência do est om a i n t est i n al v ar i o u d e u m m ês e set e an o s. Tr eze pacient es foram acom et idos pela neoplasia de ret o, dois foram acom et idos pela neoplasia do sigm óide e um pela neoplasia sincrônica de cólon sigm óide e reto. Essas características confirm am que o câncer de reto é m ais frequente que o de cólon e m ais incidente em hom ens, na m aioria das populações( 3).

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lim it ad o aos ser v iços p ú b licos, com o ed u cação e saúde( 11).

RESULTADOS E DI SCUSSÃO

O reconhecim ent o da gravidade da doença

En t r e os sin ais e sin t om as in d icat iv os d e p r ob lem as n o ap ar elh o in t est in al, os in f or m an t es descrevem diarreia, sangram ent o, afilam ent o das fezes e h em or r oida, qu e per du r ar am por m eses. For am co n si d e r a d o s co m o p r o b l e m a s d e p o u co agr av am en t o, e t en t ar am r esolv ê- los por m eio de seus conhecim entos leigos, com o rem édio caseiro, m uito chá de brot o, de goiaba e de salsa. À m edida que esses sinais se intensificaram , im pedindo o exercício da vida co t i d i an a, el es r eav al i ar am a su a i m p o r t ân ci a e buscaram soluções no sistem a m édico de saúde, com o ex em plificam os r elat os, a seguir. Eu ia ao banheir o, dem orava pra sair (as fezes), saía com aquela pelotinha de sangue.

I sso foi aum entando. Depois de um ano fui ao m édico. Fiquei

enrolando com m edo do diagnóstico. Eu sentia dor e obrava fino

que nem de gato, saía sangue. Pensei que não era nada.

Um est udo int er pr et at iv o( 6) descr ev e essas m esm as crenças e prát icas, não havendo diferenças en t r e h om en s e m u lh er es. Recon h ece- se q u e os hom ens dem or am par a pr ocur ar pelos ser v iços de a t e n çã o p r i m á r i a , p o i s o s e st e r e ó t i p o s d a m asculinidade hegem ônica negligenciam o cuidado com a saúde( 1- 2), com o apresent ado ant eriorm ent e.

A t raj et ória para a obt enção do diagnóst ico m édico foi um desafio para os hom ens; eles t iveram que passar por encam inham ent os ent r e m édicos e inst it uições de saúde diferent es, com agendam ent os longos, repet ição de exam es, necessidade de deixar o t r ab alh o, f alt a d e r ecu r sos f in an ceir os p ar a os deslocam ent os, ent re out ras dificuldades. Cert am ent e essas dificuldades são barreiras inst it ucionais para o acesso dos hom ens aos serviços de saúde( 12).

Ent r e t odos os infor m ant es, os ex am es de co l o n o sco p i a e d o t o q u e r et a l d ei x a r a m m a r ca s corporais e em ocionais. O exam e do dedo foi o prim eiro. Depois veio o out ro ( colonoscopia) . Est e foi puxado, num lugar

ruim , posição estranha... eu suava e trem ia; [ ...] foi constrangedor.

É um a coisa esquisita. O hom em foi criado para não tocar lá

( ânus) ; [ ...] sent i m uit a dor. Fere a gente!

O t o q u e r e t a l é r e a l i za d o p a r a d e t e ct a r m a ssa s e n d u r e ci d a s, a l t e r a çõ e s n o r e t o e

san g r a m e n t o . Pe l a co l o n o sco p i a o m é d i co p o d e v isu alizar a p ar ed e in t est in al e ob ser v ar alg u m a anor m alidade; t am bém possibilit a a biópsia. Par a o sist em a profissional, esses exam es são efet ivos e de b a i x o cu st o( 4 ). Pa r a o s i n f o r m a n t e s, e sse s procedim entos representaram invasão da privacidade, ferindo a dignidade de ser hom em , pelo desconfort o físico e psicológico de estar sendo tocado num a região que não é de acesso a outros( 13).

Ao l o n g o d a r e a l i za çã o d o s e x a m e s, o s infor m ant es r elat ar am que com eçar am a pensar na possibilidade de t er um a doença gr av e. Só falt a ele ( m édico) falar que estou com câncer.

A revelação do diagnóstico foi situação m arcante para os inform antes, provocando reações em ocionais de sofrim ento,

angústia e percepção de fragilidade. Ele ( m édico) só falou que eu tinha que fazer um a cirurgia urgente. Eu esperava que a bolsa

fosse só por dois ou três m eses. Agora ele falou que é pro resto da

vida. Foi difícil! Eu sou forte, não tom bo fácil com doença. Mas foi um abalo... um susto grande!

Com o diagnóstico, a doença passa a ter um nom e – câncer – e o pacient e sofre um a rupt ura na sua biogr afia de v ida, sua ident idade é alt er ada, é um port ador de câncer. No im aginário das pessoas, independent em ent e do gênero e da classe social, as r epr esent ações do câncer são de doença fat al, que causa sofr im ent o e lim it ações( 5- 6). Desse m odo, os hom ens se sent em vulneráveis, frágeis, reconhecem que não corresponderão ao padrão de m asculinidade socialm ent e est abelecido, sent em - se m arginalizados e su b or d in ad os aos con h ecim en t os e p r át icas d o m odelo m édico( 8,13).

O sofrim ent o de t er câncer, se subm et er à cirurgia e à est om ia

A r ev elação do diagnóst ico dá início a um pr ocesso de quest ionam ent os, ent r e eles o por quê da doença nessa et apa da vida. Ent re as diferent es e st r a t é g i a s e m p r e g a d a s, o s h o m e n s r e l e m b r a m situações fam iliares de câncer. Um a m ulher m ais nova do que eu pegou no intestino e não teve jeito, já foi em bora; perdi um

(5)

Par a alg u n s, as cr en ças r elig iosas f or am r e l a t a d a s co m o ca u sa s p a r a a d o e n ça, n u m a per spect iv a na dim ensão da v ida pr ofana. Eu nunca tive nada. Ele ( Deus) falou: deixa- m e eu dar um cast iguinho pra

você. Tem que sofrer um pouco.

A vida difícil de t rabalhador e a exposição a f en ôm en os da n at u r eza t am bém der am sen t ido à origem da doença. Eu fui um a pessoa sofrida desde a infância. Eu penso que foi a vida sofrida de cortar cana, andar de pau de

arara, catar algodão, pegar friagem , poeira.

Ap r een d eu - se q u e h á g en er al i zação, n os diferent es grupos sociais ocident ais, ao se em pregar associações en t r e os d iv er sos elem en t os d a v id a hum ana( 5- 6,11). Ent re os inform ant es há um dest aque para as condições precárias de t rabalho, condizent es com a condição da classe popular.

Com o reconhecim ento da gravidade do CCR, os hom ens subordinaram - se às t erapêut icas m édicas da cirurgia e confecção da colost om ia, pois, é a vida que est á em j ogo. Porém , necessit ar da colost om ia, tem porária ou definitiva, foi um m om ento de indecisão e sofr im ent o. Alguns a aceit ar am com r esignação.

[ ...] tem que encarar, fazer o quê!; Fiquei totalm ente pra baixo. Foi

br abo o negócio! Out ros inicialm ent e recusaram , m as acabaram concordando. Fiquei triste, depois m e conform ei. Aconteceu, então, tem que encarar e ir pra frente.

No processo de dar sentido à am eaça a vida e que precisa ter o corpo alterado, os conhecim entos, v a l o r e s e cr e n ça s f o r a m r e co n si d e r a d o s. Com pr eende- se que esse per íodo foi m ar cado pelo se n t i d o d e r o m p i m e n t o co m a i n v e n ci b i l i d a d e m asculina, provocando a ruptura com os dogm as entre m asculinidade e poder, m ar cados pelas im agens de ser f or t e e t er cor p o r esist en t e. Assim , o p od er m asculino t am bém repercut e na sua experiência com o CCR, levando a um processo de resignação com a sit uação, lógica cult ur al car act er íst ica de m em br os da classe popular brasileira( 5,11).

A prontidão para se subm eter ao tratam ento est á relacionada aos valores da vida e com o a vida se apresenta. Na condição de ter CCR, a prontidão é u m a p e r sp e ct i v a d e e sp e r a n ça n o s r e su l t a d o s t er apêut icos, não significando a obt enção da cur a, m as a int er r upção dos sint om as e da possibilidade de ret om ada do cont role do corpo e da vida( 14).

As reações iniciais à visualização do est om a e a const at ação da per da do cont r ole esfinct er iano foram dram áticas. Quando acordei vi aquela bolsinha de lado... Caram ba! Foi m eio um choque, horrível! Foi horripilante olhar

aquele pedaço de intestino. Um pedaço de m im que está pra

fora...

As l e m b r a n ça s d a v i su a l i za çã o d a t r a n sf o r m a çã o d o co r p o p e l a co l o st o m i a f o r a m e x p r e ssa s p o r e m o çõ e s d e ch o r o e t r i st e za , dem onstrando que o hom em tam bém chora, m as esse com port am ent o é privado, não público. A expressão dessas em oções inser e- se num a m asculinidade de cum plicidade com o pesquisador que, por sua v ez, t em que respeit á- la.

O corpo é a base exist encial do ser hum ano e da cult ur a. No senso com um , os v alor es sociais atribuídos ao corpo são frutos de discursos e interesses que ger am at r ibut os pessoais e colet iv os do que é ser hom em( 15). Considera- se que o sim bolism o dado à colost om ia m odela o corpo t ransform ado, gerando conflit os devido à perda do cont role da vida ant erior, r e p e r cu t i n d o n o s si g n i f i ca d o s h e g e m ô n i co s d e m asculinidade.

Com o passar do t em po, a v isualização do estom a j á não é tão assustadora, m as os inform antes r eco n h ecessem q u e o seu cu i d ad o d i ár i o r eq u er m u d a n ça s em v á r i o s a sp ect o s d a v i d a e l ev a a constrangim entos. [ ...] quando levantei a bolsa soltou. Tive que correr para o banheiro lavar. Outro dia fui num aniversário de

criança e daí a pouco com eçaram os gases. Todo m undo ficou m e

olhando; Mudou o hábito de alim entar, as frequências de ir ao

banheiro, da higiene. Pra sair de casa é m eio desconfortável, solta

gases, sai ruídos.

To d o s o s i n f o r m a n t e s a p r e n d e r a m o aut ocuidado com a colost om ia. Se no princípio havia a d ep en d ên ci a d e cu i d ad o r, co m o t em p o t o d o s adquiriram confiança e essa é um a etapa vencida. Eu m esm o recorto, lavo e recoloco.

Apr ender a conv iv er com as m udanças do sistem a intestinal e com a colostom ia foram processos que dem andar am r ecur sos int er nos e ex t er nos dos h om en s, q u e os ap r ox im ar am d as car act er íst icas r el a ci o n a d a s a o g ên er o f em i n i n o : sen si b i l i d a d e, cuidado, dependência e fragilidade( 12).

Após a superação dessa et apa, a busca pelo r et or n o do con t r ole da v ida é dif icu lt ada, pois h á apr eensão com a at iv idade sex ual. A gent e é m enos hom em . Fica m ais fraco... Fica sem desej o. Eu tenho desej o, m as

sem ereção.

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sej a, à at iv idade r eal e física do at o sex ual, v alor caract eríst ico da m asculinidade hegem ônica da classe popular, independent e da faixa et ária( 8).

Ou t r a d i f i cu l d a d e r e l a t a d a f o i a im possibilidade de retom ar o trabalho, principalm ente ent re os set e hom ens com licença saúde e aos dois

desem pregados. Eu m e sinto am arrado... depender dos outros.

A vida de antes acabou. Como homem, eu me percebo um fracasso.

É um a decepção. A m inha preocupação é sustentar m inha fam ília.

Ainda não consegui acertar o auxílio doença.

No cont ext o da classe popular, o t rabalho é

u m m a r co d e r e f e r ê n ci a p a r a a co n st r u çã o d a id en t id ad e m ascu lin a. É r econ h ecid o com o v alor m oral, que sustenta a honra do provedor da fam ília e fornece realização pessoal( 5,11). Não poder t rabalhar

d ev id o à d oen ça lev a a p r iv ações e d ep en d ên cia financeiras, considerando- se um fardo para a fam ília, per cebendo- se com o um hom em m ar ginalizado.

As crenças m ágico- religiosas, a fam ília e os am ig os f or m am a r ed e d e ap oio p ar a am p ar ar o d e sco n t r o l e d a v i d a , p o ssi b i l i t a n d o q u e h a j a cum plicidade entre todos, para lidar com os problem as e suas soluções, fazendo com que as percepções de

m ar g i n al i d ad e f i q u em r esg u ar d ad as ao co n t ex t o pr iv ado.

No contexto da experiência da doença grave, a t em poralidade da vida é um aspect o im port ant e e

possibilita o recom eço do seu controle. Hoj e eu j á estou

acostum ado. É tudo norm al, estou recuperando devagarzinho.

Com p r een d e- se q u e se acost u m ar com a colost om ia e sen t ir - se n or m al são im agen s qu e a

pessoa constrói sobre o corpo alterado, possibilitando o cr uzam ent o do passado com o pr esent e( 15). Pela im agem corporal transform ada, o indivíduo se proj eta no m eio social, na expressão das em oções e dos seus

papéis sociais. Assim , ret om ar a norm alidade é um obj et iv o desej ado par a se obt er senso de cont r ole sobre as norm as sociais.

O que cham ou a at enção nas narrat ivas dos

in f or m an t es, n a r et om ad a d a n or m alid ad e, f oi a co n ce p çã o si m b ó l i ca d e h o n r a q u e r e g e a s expectativas e atuações dos hom ens no lar e na vida social, norm a da m asculinidade hegem ônica. Ser hom em

é ser um a pessoa cum pridora das suas obrigações, na qualidade

de pai e de m arido. De ser um m arco dentro da casa e no trabalho.

Co m p r e e n d e - se q u e , p a r a o h o m e m d a classe popular, sobrevivent e do CCR com colost om ia, co l o ca r a m a su a v i d a e m j o g o, i m p o n d o n o v o s padrões de m asculinidade com o o de subordinação, cum plicidade e m ar ginalização( 8), com o passar do t em po, assum e a expect at iva de ret om ar o ideal da su a p o si ção d o m i n an t e, h eg em ô n i ca, p ar a t er o sent im ent o de reint egração no m undo social.

Com a análise desses sent idos, consider a-se q u e a e n f e r m a g e m t e m p a p e l cr u ci a l n o r econhecim ent o das subj et iv idades m asculinas dos h o m e n s a co m e t i d o s p e l o CCR, co m co l o st o m i a t em p or ár ia ou d ef in it iv a, con st r u íd as n o con v ív io sociocult ural. É preciso se est ar at ent o à reação dos clientes, quando veem de form a diferente um m esm o event o de doença e t rat am ent o, buscando preservar suas ident idades. Assim , as necessidades específicas de apoio ao cuidado dos hom ens im põem um a base r ef lex iv a p ar a os p r of ission ais pr ogr am ar em su as ações de int ervenção, no processo de reabilit ação ao port ador de câncer, em t odos os níveis de at enção à saú d e e, d essa f o r m a, p o d er - se- á i n co r p o r ar as diret rizes da Polít ica Nacional de At enção I nt egral à Sa ú d e d o Ho m e m ( MS) n o cu i d a d o d e h o m e n s por t ador es de CCR.

CONSI DERAÇÕES FI NAI S

Com o obj etivo de analisar os sentidos dados à ex per iência do CCR e da est om ia, ent r e hom ens da classe popular, por m eio da abordagem teórica da antropologia m édica, das m asculinidades e do m étodo et n ogr áf ico, apr een deu - se qu e n esse pr ocesso os padr ões de m ascu lin idade se alt er am , associan do n o r m a s d e su b o r d i n a çã o , cu m p l i ci d a d e e m arginalização. Ent ret ant o, com a t em poralidade da experiência, com a sobrevivência aos problem as, as n o r m a s d a m a scu l i n i d a d e h eg em ô n i ca v o l t a m a pr edom in ar, par a qu e o h om em possa v olt ar a se sent ir coeso ao seu grupo social.

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REFERÊNCI AS

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Referências

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