• Nenhum resultado encontrado

ONGs e o Estado: um estudo sobre participação e autonomia

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2017

Share "ONGs e o Estado: um estudo sobre participação e autonomia"

Copied!
160
0
0

Texto

(1)

FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS

ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DE EMPRESAS CENTRO DE FORMAÇÃO ACADÊMICA E PESQUISA

CURSO DE MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

LUCIANA ABRANCHES SUCUPIRA

ONGS E O ESTADO: UM ESTUDO SOBRE PARTICIPAÇÃO E AUTONOMIA

(2)
(3)

FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS

ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DE EMPRESAS CENTRO DE FORMAÇÃO ACADÊMICA E PESQUISA

CURSO DE MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

ONGS E O ESTADO: UM ESTUDO SOBRE PARTICIPAÇÃO E AUTONOMIA

DISSERTAÇÃO APRESENTADA À ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

LUCIANA ABRANCHES SUCUPIRA

(4)

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Mario Henrique Simonsen/FGV

Sucupira, Luciana Abranches

ONGS e o Estado : um estudo sobre participação e autonomia / Luciana Abranches Sucupira. – 2007.

151 f.

Dissertação (mestrado) – Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, Centro de Formação Acadêmica e Pesquisa.

Orientadora: Sonia Fleury. Inclui bibliografia.

! " # $ % & ' (

) * ## + "

, ) - " . ### $/

(5)

FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS

ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA CENTRO DE FORMAÇÃO ACADÊMICA E PESQUISA CURSO DE MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

ONGS E O ESTADO: UM ESTUDO SOBRE PARTICIPAÇÃO E AUTONOMIA

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO APRESENTADA POR LUCIANA ABRANCHES SUCUPIRA

E

APROVADA EM (DATA)

PELA COMISSÃO EXAMINADORA

Prof ª Dra. Sonia Fleury – (orientadora)

Profº Dr. Enrique Saravia

(6)
(7)

AGRADECIMENTOS

À Fundação Getulio Vargas e à Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas pela formação e apoio nesses dois anos de mestrado.

À professora Sonia Fleury, quem tanto admiro, pela orientação dedicada, paciente e afetiva que foi fundamental para o meu aprendizado e crescimento na realização deste trabalho.

À professora Leilah Landim e ao professor Enrique Saravia por terem prontamente aceitado participar da banca examinadora.

Aos meus pais João e Elaine pelo estímulo e compreensão dados com muito amor e carinho. Ao meu pai também pela revisão cuidadosa de cada capítulo. Aos meus irmãos, João Paulo e Guiga, pela compreensão das variações de humor durante esses meses. À Edna pelo apoio e amizade.

À Felipe, pessoa maravilhosa, por todo o amor.

Aos colegas de mestrado pelos dois anos de convívio e por toda a cumplicidade, principalmente, nas horas de desespero com os prazos. Um agradecimento especial à Alê e Gabi, pela amizade e pelos momentos de elucubrações teóricas e desesperos em conjunto.

(8)

Às bonitas Nanda, Fabi, Pri, Marcela, Marina, Brandt, Flá, Mari, Luiza, Cinthia e Laura por todos esses anos de amizade e pelo encorajamento nessa etapa da minha vida. À Marquinhos, Marina, Pedro e Luciana, pelo carinho e amizade. À Nanda e Faissal pela amizade fraterna. Aos meus tios Eliane e Rogério e minhas primas Ju e Flavinha pelo carinho e suporte em Brasília.

Às minhas primas Luana, Mary, Nanda e Caru que sempre souberam entender que eu estava no “meio” da dissertação.

Ao meu avô Aluízio e minha avó Odette pelo exemplo de ternura.

À Vaninha pelo apoio e carinho e pelos conselhos sempre valiosos. Ao Joarez pela cooperação e por estar sempre pronto a ajudar. À Anne e Thais pelo carinho.

À todos os dirigentes de ONGs que gentilmente me receberam para a realização das entrevistas.

(9)

RESUMO

A esfera pública se constitui no espaço de encontro entre representantes do Estado e representantes da sociedade civil. Desta maneira, representa uma nova dinâmica da sociedade e, portanto, em uma ampliação do domínio público. É em função de sua composição, qualidade e, em conseqüência, sua relevância, que há a possibilidade de efetivação de uma democracia participativa. Assim, participação e a autonomia são variáveis alicerces para a construção de uma esfera pública ampliada. A autonomia é elemento crucial para a sociedade, visto que, sem ela, a participação na esfera pública é incapaz de gerar transformação. Este trabalho, portanto, tem como objetivo compreender a relação entre Estado e organizações não governamentais (ONGs) a partir da percepção de dirigentes das organizações tendo em vista a tensão entre participação e autonomia dado que buscam estar cada vez mais inseridos na tomada de decisão governamental. A escolha pelas ONGs se deve pela sua importância enquanto atores políticos na história brasileira, principalmente a partir dos anos de 1980, e, também, por serem instituições em que a questão da autonomia vem sendo debatida e questionada. Desta forma, foram feitas entrevistas com dirigentes de seis organizações não governamentais das cidades do Rio de Janeiro, Brasília e São Paulo. Observou-se na pesquisa de campo que a questão da autonomia permeou todas as falas. Por mais que exemplos de limites à participação, frustrações e constrangimentos à atuação das organizações não governamentais fossem bastante destacados, há uma coerência nos discursos no que tange a concepção de autonomia e nos critérios que dão significado a ela. Assim, como a autonomia é um dos elementos chaves para a atuação das ONGs, percebe-se que a tendência é de radicalização da democracia fruto do aprofundamento da esfera pública.

(10)

ABSTRACT

The public sphere is a space of intersection between the government representation and the society. In consequence, it represents a new dynamic in the society and an increase of the public domain. Because of it’s function, composition, quality and in result it’s relevance, there is a possibility of a participant democracy action. As so, participation and autonomy are bases to construct an increased public sphere. The autonomy is a crucial element to the society, because without it, the participation in the public sphere is incapable of causing transformation. The aim of this work is to understand the relation between the State and Noun Governmental Organizations (NGO), focusing on the organizations leaders, and considering the tension between participation and autonomy. Provided that the NGOs are trying to become more participant in governmental decision. The choice to focus NOGs was based on their importance as politics actors though out Brazilian history, mainly after the 80’s. Also, because though in these institutions the issue of autonomy has been questioned and debated frequently. In order to do so, NGO leaders from Rio de Janeiro, Brasília and São Paulo where interview. It was visible that the autonomy theme is present in all the speeches. Even though examples of limits in the participation, frustrations and embarrassment related with the NGOs actions were part of every interview, there is a coherency in their discourses, related to the conception and at the criterions which give meaning to “autonomy”. As autonomy is a key element to the NGOs action, is able to realized that it trend is towards the radicalization of democracy, as a result of the deepening of the public sphere.

(11)

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO...11

1.1 Metodologia...14

1.2 Delimitação do estudo...18

2. REFERENCIAL TEÓRICO...19

2.1 Estado e Sociedade Civil...19

2.1.1Visões da Democracia...23

2.1.2 Esfera Pública e Participação ...32

2.1.3 Autonomia e Inserção Política...41

2.1.3.1 O sentido da Autonomia para as ONGs...43

2.2 Relação Sociedade Civil e Estado no Brasil...49

2.2.1 De 1930 a 1964: controle pela mobilização e cooptação...51

2.2.2 De 1964 a 1984: controle pela repressão e exclusão...72

2.2.3 De 1984 a 1990: a inserção pela reivindicação...76

2.2.4 De 1990 a 2006: a inserção pela participação...78

3. TENSÕES NA ESFERA PÚBLICA: PARTICIPAÇÃO E AUTONOMIA...89

3.1Construção da Esfera Pública e a Inserção das ONGs: possibilidades e conflitos...89

3.1.1 Entraves à Participação...102

3.1.2 Relação com o Governo Lula...107

3.2 A Composição da Autonomia...111

3.2.1 Processo de Autonomização das ONGs...111

3.2.2 Construção da Identidade e Missão Institucional...116

3.2.3 Reconhecimento e Legitimidade...121

3.2.4 Financiamento e Fundos Públicos...124

(12)

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS...132 6. BIBLIOGRAFIA...139 ANEXO...149

1. INTRODUÇÃO

Em um regime de democracia participativa um papel vital é atribuído à sociedade civil. Esta concepção ampliada de democracia vai além de uma idéia de sistema de direitos e pressupõe a existência de espaços públicos em que haja a participação ativa da população na tomada de decisão. Assim, o encontro entre Estado e sociedade civil acontece na esfera pública, espaço de interação e de redefinição de papéis que esculpe uma nova dinâmica social. A democracia é entendida aqui como a busca de liberdade, justiça e igualdade, sendo uma experiência contínua e necessariamente inconclusa. Sendo assim, é evidente a importância da participação da sociedade civil organizada na esfera pública.

(13)

depende de uma sociedade civil fortalecida, consolidada e mobilizada, que possa atuar autonomamente.

A cidadania, que se constitui no elo de ligação entre os indivíduos e o Estado e dá a este a legitimidade de exercício do poder, reflete e é reflexo desse processo de interação e ideal de democracia vigente. A idéia de cidadania ativa surge exatamente da imagem do Estado agir pressionado pela sociedade e, não ao contrário, onde o Estado define os limites da cidadania. Assim, a cidadania ativa é capaz de determinar o papel do Estado e as políticas públicas, interferindo diretamente na qualidade da esfera pública. Nessa perspectiva, a concepção de participação inclusiva e autonomia são as bases para a construção dessa esfera pública. A participação é um exercício da cidadania ativa, no entanto, a garantia da participação não é suficiente sem autonomia.

A participação sem autonomia destitui a esfera pública e resulta na demobilização da sociedade civil. Qualificar a participação pressupõe, entre outras coisas, autonomia, pois a abertura de espaços de participação não é suficiente para que haja um impacto no sistema político e na sociedade. A construção de uma nova hegemonia política no país depende de uma esfera pública que seja capaz de incluir a participação de múltiplos atores e garantir a autonomia de sua atuação. Assim, a qualidade da democracia depende fundamentalmente da natureza e efetividade da esfera pública.

(14)

As ONGs se fortaleceram durante a década de 1980 e participaram ativamente do processo de redemocratização e construção da nova Carta Constitucional brasileira onde os preceitos de uma democracia participativa foram garantidos por lei. Entretanto, o contexto de atuação das atuais ONGs mudou radicalmente a partir da década de 1990. A onda neoliberal ganhou força na última década do século XX e uma nova concepção de Estado, contrária ao Estado de Bem Estar Social, marcou a realidade mundial. A participação passou a ser projeto político tanto de uma vertente societal como também daqueles que seguiam uma vertente gerencial da dinâmica da sociedade. Assim, apesar da existência de espaços consolidados e institucionalizados de participação, a complexidade das relações atuais exigem uma maior reflexão sobre o significado e os riscos dessa participação.

E é este o grande desafio em que se encontram as ONGs, isto é, como participar sem perder a identidade e a autonomia. Neste sentido este estudo tem como objetivo investigar como os dirigentes de organizações não governamentais percebem, ao longo dos últimos

anos, a relação entre as ONGs e o Estado, tendo em vista a tensão existente entre

participação e autonomia dessas instituições em um processo de construção de uma

democracia participativa no Brasil. Procura-se compreender a concepção de autonomia na percepção dos dirigentes de ONGs e de como eles constroem esse conceito em suas relações sociais, para que se possa refletir sobre as condições de participação na esfera pública.

(15)

a questão da autonomia e inserção política nesses espaços. O capítulo também apresenta uma perspectiva histórica em que se discorre sobre diferentes períodos, canais e tipos de participação tendo em vista os padrões de relação entre o Estado e a sociedade civil, ao longo dos últimos anos, no Brasil. A finalidade é compreender como essa relação vem se construindo ao longo dos últimos anos para que no terceiro capítulo se desenvolva uma reflexão sobre as possibilidades e conflitos da participação das ONGs na esfera pública. Ainda neste capítulo se faz uma análise a respeito da percepção dos dirigentes das organizações não governamentais sobre autonomia no que tange sua concepção, especificidades e critérios que dão significado a ela.

Uma democracia participativa é de fato uma novidade para o Brasil, país que tem na sua história do século XX, muitos anos de regime autoritário. As mudanças são, de certa forma, recentes. A possibilidade de organizações não governamentais atuarem conjuntamente com o Estado configura uma nova relação que claramente vem sendo ajustada ao longo desses últimos anos. Entretanto, esse processo não caminha sem dificuldades e conflitos. Portanto investigar a problemática da qualidade da participação é buscar entender no que consiste a autonomia das organizações não governamentais brasileiras e, também, avaliar a própria democracia participativa brasileira. Este trabalho, portanto, pretende contribuir no projeto de radicalização da esfera pública e democratização do Estado.

1.1 Metodologia

(16)

Durante a pesquisa evidenciaram-se diversas críticas as formas de atuação dessas instituições estabelecendo diferentes padrões de interface com o Estado. Identificou-se a complexificação dessa relação combinando posturas reinvidicativas, de parceria e cooptadoras, evidenciando a necessidade de aprofundar este estudo no sentido de verificar a qualidade da participação das organizações não governamentais do ponto de vista da sua autonomia.

Na pesquisa, realizada em 2006, por ocasião da disciplina foram feitas nove entrevistas com dirigentes das seguintes organizações não governamentais do Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), Criola, Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção a Infância e a Adolescência (Abrapia), Fundação Bento Rubião, Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (Ceap), Centro de Articulação e Promoção da Saúde (Cedaps), Rede de Informações para o Terceiro Setor (Rits), Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais (Ceris). Estas entrevistas contribuíram para a análise da inserção das ONGs e os riscos da participação no contexto dos anos de 1980 até os dias atuais do embasamento teórico deste trabalho.

(17)

Brasil a partir dos anos de 1960 e que se consolidaram como atores sociais e políticos nos anos de 1980 e que atuam no sentido da defesa de direitos e de radicalização da democracia.

As ONGs, após despertarem intenso interesse no final da década de 1980 e na década de 1990, passaram a ser alvo de muitas críticas que vão desde o fracasso de seu projeto político até a sua proliferação desenfreada. A escolha pelas ONGs, portanto, se deve pela sua importância enquanto atores políticos na história brasileira, principalmente a partir dos anos de 1980, e, também, por serem instituições em que a questão da autonomia vem sendo debatida e questionada. Combinando, portanto, um grande número de organizações não governamentais com a existência de espaços constitucionais conquistados, entende-se que é de suma relevância investigar como os dirigentes dessas instituições percebem a questão de autonomia ao mesmo tempo em que pretendem influenciar nas decisões do Estado.

(18)

A investigação empírica foi realizada por meio de entrevistas semi-estruturadas. A escolha da entrevista como técnica de investigação é pelo fato de ser um método flexível que permite analisar de forma mais profunda a percepção dos entrevistados. Além disso, trata-se de um método que deixa o entrevistado confortável. Como não há a intenção de se chegar nesta pesquisa a uma resposta única, a utilização de um método mais flexível como o da entrevista pode trazer benefícios para o estudo ao dar liberdade para que o entrevistado se aprofunde nos aspectos que ache relevante, possibilitando o aparecimento de novos conceitos. As entrevistas foram realizadas nos meses de junho e julho e tiveram duração em média de 1:30 h. Com exceção da Fase, onde se fez entrevistas com dois dirigentes, foram feitas entrevistas com apenas um dirigente de cada instituição. Participaram, portanto, da pesquisa as seguintes organizações:

•Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase).

•São Paulo: Instituto Polis e Geledés Instituto da Mulher Negra.

•Brasília: Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea) e Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).

(19)

legitimidade e formas de financiamento. O objetivo é que a partir da percepção dos entrevistados sobre cada aspecto, se possa refletir sobre a concepção de autonomia para eles e nos critérios que dão significado a ela. Sendo assim, busca-se analisar as tensões inerentes a relação entre Estado e sociedade civil, vislumbrando o conceito de autonomia e, assim, refletir sobre as condições de participação na esfera pública.

Como dito anteriormente, o objetivo da pesquisa, feita em 2006, para a disciplina de Sistema Político Brasileiro foi verificar a percepção dos dirigentes de organizações não governamentais sobre a relação entre o Estado e as próprias organizações não governamentais. Neste sentido, utilizaram-se alguns trechos dessas entrevistas no primeiro item da análise, em que se faz uma reflexão sobre a construção da esfera pública e inserção das ONGs. Duas ONGs, Ibase e Fase, foram entrevistadas nas duas pesquisas de campo, a primeira feita por ocasião da disciplina e a segunda por conta dessa dissertação.

Para diferenciar as falas de cada entrevistado identificou-se da seguinte forma: Ibase1 - trecho selecionado da pesquisa feita para a disciplina; e, Ibase2 – trecho selecionado da pesquisa feita para a dissertação. Como no caso da Fase, na segunda pesquisa, foram entrevistadas duas pessoas, optou-se por identificar da seguinte forma: Fase1- trecho selecionado da primeira pesquisa; e Fase2, entrevistado1- trecho selecionado do primeiro entrevistado da segunda pesquisa e Fase2, entrevistado2 – trecho selecionado do segundo entrevistado da segunda pesquisa.No caso do Ibase, o mesmo dirigente foi entrevistado nas duas pesquisas e, no caso da Fase, foram feitas entrevistas com três dirigentes diferentes.

(20)

para o conjunto das organizações não governamentais. Além disso, a possibilidade de um entrevistado apresentar falta de motivação com o estudo, pode prejudicar na coleta dos dados e, consequentemente, na fase de tratamento. Mesmo com essas limitações, neste estudo considera-se a entrevista a técnica mais adequada para a obtenção dos dados.

(21)

2. REFERENCIAL TEÓRICO

Este capítulo tem como objetivo discutir a relação entre Estado e sociedade civil, tendo em vista a necessidade de autonomia entre eles para a construção de uma sociedade democrática. Segundo Bobbio (2001), a investigação na filosofia política pode ser dividida em três tipos: na melhor forma de governo ou ótima república; no fundamento e na justificação para a existência do Estado; e, na essência da categoria do político, na distinção entre ética e política. Este capítulo, em sua primeira parte, discute essencialmente o desenho do que se acredita ser a melhor forma de governo, uma democracia com efetiva participação da sociedade civil, que pressupõe uma estreita relação entre representantes do Estado e da sociedade civil.

A garantia da participação por si só não garante a redefinição de papéis e a alteração da estrutura de poder se ela não for acompanhada de autonomia. Sendo assim, também são abordadas neste capítulo a concepção de esfera pública e questões relativas à participação e autonomia. Além disso, realiza-se uma revisão da história brasileira com o foco no padrão vigente da relação entre Estado e sociedade. E, por último, é feita uma análise histórica na forma de inserção das ONGs na realidade brasileira e suas relações nos últimos anos.

2.1 Estado e Sociedade Civil

(22)

pertencem ao indivíduo singular. Estes direitos precedem à formação de qualquer sociedade política e, portanto, de toda a estrutura de poder que a caracteriza” (BOBBIO, 2001:64). Neste sentido, há uma inversão na forma de olhar a organização social, e o Estado deixa de ser assumido como um órgão capaz de sobreviver aparte da sociedade civil.

A respeito da centralidade da sociedade civil, Bobbio (1982) afirma que sua importância como meio e causa em que se forma o Estado aparece em Marx e Gramsci1. Na concepção de Bobbio, “o Estado não se apresenta mais como superação da sociedade civil, mas como simples reflexo dela: se a sociedade é assim, assim é o Estado” e, neste sentido, “a sociedade civil, historicamente determinada, não desaparece no Estado, mas reaparece nele com todas as suas determinações concretas” (BOBBIO, 1982:22)2. A teoria gramsciana “rejeita qualquer distinção orgânica entre sociedade civil e Estado, hegemonia e ditadura” e inclui a sociedade civil ao momento da superestrutura e não, como em Marx, ao momento da estrutura (BUCI-GLUCKSMANN, 1980:129).

De acordo com Evans, “Estado e sociedade não estão apenas ligados; cada um ajuda a constituir o outro. E, às vezes, se reforçam” (EVANS,1995:228). Estão originalmente ligados, no entanto, não se pode perder de vista a necessidade e a importância da autonomia entre um e outro. Uma relação autônoma é imprescindível, pois “só há como admitir um Estado soberano (isto é, livre e responsável perante seus cidadãos e diante dos demais Estados) a partir da concomitante admissão de um povo soberano (isto é, capaz de se auto-determinar)”

1 O autor assinala que a sociedade civil tanto para Marx quanto para Gramsci representa o “momento

ativo e positivo de desenvolvimento histórico” e complementa afirmando que “ambos colocam o acento não mais sobre o Estado, como o fazia Hegel, pondo fim à tradição jusnaturalista, mas sobre a sociedade civil: ou seja, em certo sentido eles invertem Hegel” (BOBBIO, 1982:33).

2 Bobbio (2001) demonstra que o conceito de sociedade civil evolui ao longo do tempo, tendo três

(23)

(NOGUEIRA, 2001:91). Ou seja, a autonomia da sociedade civil frente ao Estado é tão importante quanto a autonomia relativa do Estado frente à sociedade civil.

Os marxistas afirmam que o Estado não é um ator independente, no entanto, existem duas visões para explicar o mesmo fenômeno. Uma, mais instrumental, argumenta que o Estado é apenas um dos meios que a classe exploradora tem para manter a sociedade sob seu domínio e atender aos seus interesses. A outra, mais sofisticada, diz que o Estado não é um mero instrumento da classe dominante. Afirma que o Estado é quem atende aos interesses de uma sociedade capitalista na medida que é o responsável pela construção de um ambiente propício para perpetuação das relações de produção e da acumulação econômica capitalistas (OFFE e RONGE, 1984). De acordo com Skocpol (1999), a autonomia do Estado está relacionada ao fato deste ter liberdade de formular e implementar políticas que não são simplesmente reflexos das demandas de grupos de interesse. A capacidade do Estado de agir com autonomia se revela no poder de tomada de decisões e elaboração de políticas mesmo que estas não estejam de acordo com interesses de grupos específicos. Para a autora, ao agir desta forma o Estado se impõe como um ator independente, um sujeito autônomo, que atua por iniciativa própria, se distanciando de conflitos e interesses específicos e particulares, tomando decisões para a sociedade como um todo. Assim, a autonomia do Estado é expressa na sua capacidade de por em prática políticas que venham a contrariar os interesses das demais elites.

(24)

transcende os interesses individuais, devendo descentralizar suas atividades para obter eficiência, sem perder a sua autonomia no processo administrativo como um todo3. Desta forma, o Estado possui uma autonomia relativa, pois ele se legitima na sociedade e depende da interação entre os grupos sociais. Nas palavras de Evans (1995:59):

É a autonomia relativa concretamente estabelecida nos laços sociais que amarra o Estado à sociedade e provê canais institucionalizados para a negociação e renegociação contínua de objetivos e políticas. (...) A expressão “relativa”, como usada aqui, implica em um aparelho estabelecido de canais que ligam o Estado profunda e agressivamente à grupos sociais particulares com os quem compartilha um projeto conjunto de transformação.

Ou seja, existe uma correlação de fatores que influenciam na tomada de decisão do Estado o que demonstra que este depende, de certa forma, da interação com diversos atores da sociedade. Assim, ainda que se questione a possibilidade de predomínio de interesses de grupos específicos em uma tomada de decisão, deve-se levar em conta que, em uma sociedade plural, é necessário o diálogo com os diversos atores presentes na sociedade para que se trace uma estratégia política.

De acordo com O´Donnell (1976), negar a autonomia relativa do Estado frente às classes dominantes conduz a uma visão instrumentalista do Estado. É neste sentido que o autor critica a visão “societalista” tanto do marxismo quanto do pluralismo que concebem o Estado como função mecânica dos interesses da classe social burguesa. Essa visão “nega a temática do Estado, ou a obscurece, ao considerá-lo como plano dependente ou instrumental da sociedade civil, na qual crêem encontrar explicação suficiente da situação e dinamismo do

3 A capacidade de autodeterminação é condição necessária para caracterizar o Estado como um ator

(25)

conjunto” (O´DONNELL, 1976:7). Para o autor, no estudo do Estado e de suas vinculações com a sociedade não se pode deixar de atentar para componentes de dominação e autonomia relativa, que “ainda que analiticamente distinguíveis, se pressupõem mutuamente” (O´DONNELL, 1976:8). Segundo o autor:

A negação da relativa e variável autonomia do Estado frente às classes dominantes impede entender o conteúdo ideológico com que o Estado se apresenta ante o conjunto da sociedade e a capacidade de iniciativa que pode adquirir frente a aliados e adversários. (O´DONNEL, 1980:8).

A origem dos direitos de cidadania remete à constituição do próprio Estado moderno, à medida que o processo de rompimento das relações tradicionais na sociedade medieval dá origem a um novo padrão de sociedade, baseado na idéia de igualdade para todos os cidadãos (BENDIX, 1996). Assim, a cidadania pode ser compreendida como a relação que se estabelece entre os indivíduos e o Estado. Como afirma Fleury (1989:33), cidadania constitui-se na “mediação que dá organicidade a esta relação, na medida em que, (...) articula o conjunto de indivíduos de uma nação ao Estado representativo, assegurando-lhe legitimidade necessária ao exercício do poder”.

Desta maneira, “o indivíduo vem antes do Estado. O indivíduo não é pelo Estado, mas o Estado pelo indivíduo” (BOBBIO, 2001:117). A cidadania, portanto, estabelece a forma como se dá a relação entre os indivíduos da sociedade civil e o Estado, assegurando um conjunto de direitos e deveres nos âmbitos civil, político e social. O reconhecimento da igualdade entre os homens, princípio da concepção de cidadania, é o pressuposto ético da representação como forma de Estado.

(26)

dos diversos modos com que pode ser exercido o poder político” (2001:135). Para Fleury, “além de um conjunto de regras formais de exercício do poder político, a democracia é o lócus de articulação das mediações entre Estado moderno e sociedade” (FLEURY, 1989:33). Diferentes fundamentações teóricas refletem em modelos de democracia variados e, conseqüentemente, em distintas práticas e instituições políticas.

2.1.1 Visões da Democracia

Os defensores do modelo liberal de democracia argumentam que o papel central que a teoria clássica, por meio da concepção de democracia direta, atribuía à participação e à tomada de decisão baseava-se em fundamentos irrealistas. O ideal clássico de democracia, enquanto governo popular, pressupunha que todos os indivíduos componentes do povo4 participassem de todas as decisões legislativas e administrativas a exemplo da polis grega. Na abordagem liberal, dessa forma, a participação da sociedade civil é restrita à escolha de representantes por meio do voto e da regra da maioria, sendo a disputa entre lideranças em eleições periódicas sua forma de legitimação.

Tanto para Schumpeter (1994) como para Dahl (1993), o ideal de democracia direta está comprometido dada a complexidade das sociedades modernas. Ambos, portanto, asseguram que a melhor forma de legitimar o poder político é a democracia representativa e seu instrumento clássico, o voto. Sendo assim, este instrumento acaba por se constituir em uma forma de consolidação do poder das elites amplamente trabalhada por Schumpeter (1994). Assim sendo, este autor propõe a substituição do “governo do povo” por um governo “aprovado pelo povo” e considera a delegação de poderes resultado de uma evolução natural.

4 Dahl ressalta que os escravos, neste período, não eram autorizados a participar dos debates; somente

(27)

A representação, portanto, passa a ser a única forma possível de organização do poder compatível com as novas dimensões da sociedade. Ou seja, grande parte da população passa a ser representada por uma minoria, por uma elite que compete pelo poder, no interior de partidos políticos, em eleições regulares. A forma de governo estabelecida pela representação restringe a participação da sociedade civil na escolha daqueles que tomam as decisões administrativas do Estado. O voto se traduz, portanto, como uma maneira de legitimação do modelo de democracia liberal.

Neste sentido, os indivíduos transferem a seus representantes a função de protegerem suas liberdades negativas, aquelas que os defendem de abuso do poder e decisões arbitrárias. A igualdade democrática no modelo liberal é aquela perante as leis. Os direitos individuais privados são estabelecidos por leis e a cidadania é garantida pelo Estado. O caráter democrático do modelo liberal representativo se consolida na disputa de alguns indivíduos que formam partidos a partir de interesses comuns.

Schumpeter substitui a idéia de democracia enquanto soberania popular pela idéia de democracia enquanto método, ou seja, “a democracia parece implicar um método reconhecido, através do qual se desenrola a luta competitiva, e que o método eleitoral é praticamente o único exeqüível, qualquer que seja o tamanho da comunidade” (1994:329). Desta forma, o processo democrático passa a ser visto como um método político baseado na livre concorrência entre partidos que buscam a liderança a partir do voto do eleitorado.

(28)

eficiência. Segundo Dahl, “o lócus da democracia foi transferido para um Estado nacional”, exigindo um governo representativo.

Sendo assim, democracia e autoridade não seriam mutuamente excludentes, ao contrário, a existência de autoridades representativas seria plenamente compatível com o ideal democrático. Nas palavras de Dahl (1993:266):

A maior magnitude [das sociedades modernas] estimula que as pessoas se preocupem em contar com esses direitos [de voto] como alternativa em relação à participação nas decisões coletivas. À medida que aumenta a escala social, cada pessoa conhece e é conhecida, forçosamente, por um número cada vez menor das restantes. Cada cidadão é um estranho para uma proporção crescente dos cidadãos restantes. Os laços sociais e tratos pessoais entre eles dão lugar à distância social e ao anonimato. Em tais circunstancias, os direitos próprios da cidadania – ou simplesmente da pessoa humana – garantem uma esfera de liberdade pessoal que não oferece participação nas decisões coletivas.

Isto não quer dizer que Dahl (1993) não reconheça as falhas do sistema representativo a qual ele chama de “lado sombrio” dessa forma de governo. Ele considera que os cidadãos ao escolherem seus representantes também estão delegando funções a todo arcabouço democrático como, por exemplo, os “administradores democráticos”, funcionários públicos, juízes, entre outros. No entanto, o autor considera a negociação entre as elites políticas e burocráticas, processo ligado às instituições da democracia poliárquica, uma forma, ainda que limitada, de controle sobre a tomada de decisão governamental. Destaca, ainda, as eleições periódicas como uma forma de fazer com que a opinião pública seja respeitada.

(29)

cidadania relativamente homogênea e unida por interesses comuns em relação à cidade, língua, história e religião. Como conseqüência dessa diversidade, Dahl (1993) afirma ser inevitável as divisões e o conflito na vida política e, conseqüentemente, estabelece um modelo pluralista de competição. Para ele, essa diversidade traz também conflito de interesses, sendo, portanto, importante a definição e a proteção pelo Estado nacional de direitos individuais.

Portanto, considera que o funcionamento democrático depende de um conjunto de instituições indispensáveis para a democracia em grande escala, desenvolvendo a noção de poliarquia. A palavra poliarquia deriva do grego e significa “governo de muitos” e foi utilizada pelo autor para designar democracias representativas modernas. Ou seja, as instituições da poliarquia são um conjunto de medidas que realizam parcialmente o ideal democrático. São elas: funcionários eleitos; eleições livres e imparciais; sufrágio inclusivo; direito a ocupar cargo público; liberdade de expressão; variedade de fontes de informação; e autonomia associativa. Estes elementos que constituem a poliarquia, na concepção de Dahl, permitem a construção de um nível mais alto de democracia em um país5. No entanto, ele argumenta, que “nenhum país foi capaz de transcender a poliarquia e passar para uma etapa ‘superior’ de democracia” (DAHL, 1989:269). Como ressalta Avritzer (1996:116), Dahl reserva “o termo democracia a uma forma de organização política ideal com a qual as sociedades modernas não podem ser comparadas”.

Para Dahl (1993), a participação política dos indivíduos é exercida à medida que possuem variedade de informações e podem exprimir suas preferências em eleições. Segundo Avritzer, Dahl coloca no interior da teoria democrática, com a definição de uma instituição poliarquica, a questão da participação na medida em que ressalta a necessidade de fontes de

5 Dahl ressalta que “as instituições da democracia poliárquica são necessárias para a democratização do

(30)

informação alternativas e independentes, e associações independentes6. No entanto, Avritzer assegura que Dahl não avança no sentido de perceber a democracia como forma de organização da sociedade, e não considera arenas discursivas e participativas. Nas palavras de Avritzer (1996:118-199):

(...) um terceiro limite que perpassa a teoria dahalsiana como um todo, qual seja, o da sua incapacidade de tematizar a dimensão coletiva ou intersubjetiva da democracia, limitando a reintrodução da normatividade na teoria democrática à idéia da auto-realização moral dos indivíduos. Escapa ao autor [...] a dimensão normativa da democracia enquanto valor coletivo compartilhado por uma associação de indivíduos capazes de estabelecer formas comuns de ação (...)

O que se observa, entretanto, é que a forma representativa de organização, na prática, não tem sido capaz de assegurar satisfatoriamente uma efetiva interlocução entre Estado e sociedade. Como afirma Hirst (1994), a democracia representativa é uma forma de legitimação do governo moderno, mas tem agido praticamente livre de controle. Apesar de reconhecer as vantagens do modelo de democracia liberal, Hirst (1994) aponta críticas a seus mecanismos institucionais. O autor sublinha que essa forma de governo tem se distanciado cada vez mais da vontade popular podendo se converter em “despotismo eletivo”, em que políticos utilizam a máquina governamental para alcançar, ao invés de interesses coletivos, objetivos próprios. Neste sentido, o Estado passa a ser o reflexo de uma sociedade que exclui grande parte da sua população.

A representação se constitui no processo de instituição do poder político, sendo o elemento organizador da sociedade e princípio da unidade social. Os limites do modelo de democracia representativa, contudo, fortaleceram movimentos da sociedade civil que

6 “Pense ainda sobre a participação efetiva e a influência no planejamento público. Como poderiam os

(31)

reivindicavam participação dentro da esfera governamental. Estes passaram a exigir a integração da democracia representativa com a democracia participativa (BENEVIDES, 1991). De acordo com Bobbio (2001:156), se hoje se deve falar de um “desenvolvimento da democracia, ele consiste não tanto, como erroneamente muitas vezes se diz, na substituição da democracia representativa pela democracia direta, mas na passagem da democracia na esfera política, isto é, na esfera em que o indivíduo é considerado na multiplicidade de seus status”.

Assim, espaços de participação da sociedade civil no interior do Estado se tornaram fundamentais para a radicalização da democracia. A concepção ampliada de democracia vai além de uma idéia de sistema de direitos. Algumas instituições políticas, jurídicas e administrativas que promovem e, ao mesmo tempo, protegem direitos democráticos são fundamentais para a consolidação e existência da democracia, a exemplo das instituições poliárquicas de Dahl; no entanto, o que diversos autores propõem é a ampliação deste conceito e que se insira a participação ativa da população na tomada de decisão. Como afirma Bobbio (2001:145), “na medida em que um número sempre maior de indivíduos conquista o direito de participar da vida política, a autocracia retrocede e a democracia avança”. Assim, o desenvolvimento da teoria democrática, de um Estado representativo para um Estado rodeado por esferas de participação, acompanha o alargamento da concepção de cidadania.

(32)

individual. Existe, assim, uma conexão entre a defesa da comunidade livre e a capacidade dos cidadãos, individualmente, assegurarem e maximizarem suas próprias liberdades.

A partir das contribuições dos republicanistas clássicos, autores como Mouffe (1992) e Touraine (1996) vão agregar novas concepções a esta, buscando alternativas ao modelo liberal de democracia. Em severa oposição à visão democrática liberal, em que os indivíduos fazem parte de uma comunidade onde perseguem seus próprios interesses, estabelecendo uma “comunidade instrumental”; a concepção republicana de Mouffe e Touraine sobre a democracia descreve uma “comunidade constitutiva” capaz de expressar a identidade dos indivíduos.

Ao contrário de Dahl (1993), que ressalta os procedimentos da democracia descrevendo as poliaquias, Touraine (1996) afirma que a democracia não pode ser reduzida a procedimentos nem a instituições públicas. Para ele, a democracia é a força social e política capaz de transformar o Estado de direito. Ou seja, a sociedade civil autônoma em relação ao Estado tem a função de inserir os interesses da classe dominada nas decisões políticas.

(33)

Apesar da crítica que Mouffe (1996) faz da concepção liberal de cidadania ela não nega a contribuição dessa visão no avanço da democracia moderna, como por exemplo: a idéia da liberdade individual; a separação da Igreja e do Estado; e o desenvolvimento da própria sociedade civil. Ela sugere uma junção de ambas as noções de cidadania, liberal e republicana, que se adeque a um projeto de democracia radical e plural. Estabelecendo, portanto, uma nova concepção de cidadania, que associe a noção de atividade cívica e participação, inseridas em uma comunidade política.

Mouffe (1996) propõe uma nova concepção de cidadania que seja uma forma de identificação, um tipo de identidade política construída e não determinada. Uma democracia que associe reconhecimento individual e de comunidade onde haja não só uma busca pelo consenso, mas também por um processo de conscientização política. A finalidade de uma cidadania radical, para Mouffe, não está só na extensão dos direitos daqueles que estão excluídos, mas também na aceitação das diferenças. Para isso, ela defende uma identidade política comum que tenha como pressuposto o reconhecimento das “diferentes relações sociais e posições de sujeito em que são relevantes: gênero, classe, raça, etnia, orientação sexual, etc” (MOUFFE, 1996:97). Ou seja, pensar a comunidade por meio de interesse público dado que, segundo ela, a democracia moderna se caracteriza pela ausência de um bem comum substantivo.

(34)

que seu processo democrático depende das virtudes dos cidadãos dedicados ao bem público e não leva em consideração a complexidade e a pluralidade da realidade (HABERMAS, 1998).

Habermas (1998), como Schumpeter e Dahl, reconhece a pluralidade social, mas, diferentemente destes que propõem a competição entre partidos como solução desta diversidade, o autor apresenta uma nova institucionalização de procedimentos democráticos. Desenvolve, portanto, uma concepção procedimental da democracia a partir da relação entre Estado e sociedade em que dá ênfase ao fortalecimento da sociedade, desenvolvendo a concepção de democracia deliberativa7. A democracia deliberativa caracteriza-se por um processo prático de argumentação, ou seja, é uma teoria cuja interação se dá entorno da arena social na qual a ação comunicativa vigora. A racionalidade comunicativa desenvolvida por Habermas consiste na prática do diálogo apoiado na razão, na capacidade de fundamentação e argumentação. É baseado nestes princípios que ele desenvolve sua concepção deliberativa de democracia.

De acordo com Avritzer (1996:46), “a obra habermasiana supõe uma dimensão comunicativa e interativa na qual os atores sociais, através da utilização da linguagem, participam de um debate crítico racional acerca da organização normativa e política da sociedade em que eles vivem”. Neste sentido, diferentemente da visão liberal que tinha o voto como forma de legitimação, a teoria habermasiana tem como princípio de legitimação o “pertencimento a uma comunidade capaz de tornar os indivíduos co-autores das normas que pautam suas próprias ações” (AVRITZER, 1996:47). A sociedade civil é apontada por Habermas (1998) como base social da esfera pública na medida em que está ancorada no

7 Vários autores desenvolveram o conceito de democracia deliberativa como Joshua Cohen, Benjamin

(35)

mundo da vida8. Os movimentos sociais se constituem em atores que reagem à reificação de uma realidade onde predomina a lógica instrumental por meio de subsistemas organizados pelo dinheiro e pelo poder9.

A democracia deliberativa, em oposição a este movimento de dominação da razão instrumental, constitui-se, portanto, na institucionalização, enquanto processo decisório, do poder político pautado no debate público entre cidadãos livres e em condições iguais de participação. A idéia da perspectiva deliberativa é a incorporação da sociedade no debate político. A legitimidade existe no próprio processo de discussão e argumentação, orientado pelos princípios da inclusão, do pluralismo, da igualdade participativa, da autonomia e do bem estar. (LUCHMANN, 2002).

2.1.2 Esfera Pública e Participação

O conceito de esfera pública torna-se central na teoria habermasiana, pois se constitui no espaço de encontro e de disputa de interesses entre representantes do Estado e diferentes atores da sociedade civil. Neste espaço, os indivíduos interagem uns com os outros com a finalidade de debaterem questões de interesse da sociedade e participarem, junto com as autoridades políticas, na proposição de políticas. Constitui-se em uma nova dinâmica da sociedade e, portanto, em uma ampliação do domínio público. Para Luchmann (2002:6), a “característica central da esfera pública é a participação igualitária e pública de um sujeito

8 Consiste, para o autor, em uma “esfera de reflexivização da cultura, das normas e das práticas

institucionais”. (AVRITZER, 1996:45).

9

(36)

plural que discute os problemas a partir de um processo comunicativo ou dialógico onde prevalece a autoridade do melhor argumento”.

Assim, se consagram arenas de interação entre atores da sociedade civil e do governo, que por meio da expressão de interesses, mediação de conflitos e debate constroem possíveis arranjos institucionais. Na perspectiva de Calhoun (2005), a esfera pública foi criada a partir das demandas da sociedade e se constitui em sua principal retórica, pois transcende o particular como “arena de comunicação aberta entre diferentes onde é necessário liberdade de discurso, transparência governamental, acesso à informação e à mídia” (CALHOUN, 2005: 1). É a possibilidade de que a diferença e a divergência se encontrem de maneira a interferir positivamente na construção da política pública. A esfera pública e a participação da diversidade presente na sociedade é uma das formas de moderar as assimetrias naturais nas relações sociais. Como ressalta Fleury (2002:5):

A esfera pública democrática, como ordem simbólica relacional, é o espaço em que os sujeitos assim constituídos afirmam sua identidade e trocam significados que dão sentido e direção à suas ações. A igualdade requerida na esfera pública é politicamente construída, já que na natureza humana o que encontramos é a diferença.

(37)

constitui na “operacionalização da capacidade da sociedade civil se organizar”. Seguindo o mesmo raciocínio, Calhoun (2005: 4) afirma que “a sociedade civil sem uma esfera pública forte perde oportunidades de participação nas decisões governamentais, tanto no que diz respeito especificamente às políticas públicas, como em relação às instituições de base democrática”.

A importância e, conseqüentemente, a efetividade da esfera pública depende tanto da autonomia do Estado quanto da sociedade civil. Ou seja, depende tanto da capacidade do Estado em garantir e aceitar canais de participação institucionalizados, o que exige uma autonomia relativa deste frente a grupos sociais dominantes; como também de uma sociedade civil fortalecida, consolidada e mobilizada, que possa atuar autonomamente. Dessa forma, ao mesmo tempo em que o Estado é fundamental para garantia da esfera pública; a estrutura de poder, permeada por espaços de interlocução, desenham a forma de atuação do Estado. Como afirma Evans (1995:11), os “Estados não são genéricos. Eles variam em suas estruturas internas e em suas relações com a sociedade civil. Estruturas que definem os papéis que o Estado vai atuar” (EVANS, 1995:11). No entanto, não só a garantia institucional dos espaços de participação faz do Estado um importante ator para a qualidade da esfera pública, mas também a aceitação de novos atores sociais no debate na tomada de decisão sobre políticas públicas.

(38)

qualidade da esfera pública e, conseqüentemente, da democracia. Quando o Estado perde a força, as entidades da sociedade civil que compõem a esfera pública declinam. A esfera pública, portanto, requer um Estado forte e autônomo. Neste sentido, Reis (1988) sublinha que “construir a democracia envolve crucialmente construir um Estado democrático” (REIS, 1988:29).

Ao mesmo tempo em que o Estado coordena e supervisiona os espaços destinados ao encontro com a sociedade civil é, também, controlado por esse espaço. Daí a importância não só de um Estado com autonomia como também, de uma sociedade forte e autônoma frente ao Estado. Nogueira (2004), por exemplo, afirma que a democracia com esferas participativas depende “do reconhecimento de que a dinâmica institucional, normativa e procedimental própria dos sistemas políticos, é tão importante quanto a dinâmica mais autônoma e ‘espontânea’ do social” (NOGUEIRA, 2004:61). O autor enfatiza tanto a importância da institucionalização de espaços de participação, como também uma sociedade civil forte e organizada por diversas entidades autônomas.

(39)

determinada pela qualidade do encontro entre a sociedade civil e o Estado, aproxima este de se tornar

um instrumento real de todos, ou seja, um instrumento passível de ser utilizado para neutralizar as relações de dominação onde quer que surjam e de ser posto a serviço de objetivos comuns, minimizando ao mesmo tempo os riscos de que venha ele próprio, no processo de equiparar-se para tais fins, a transformar-se no sujeito ou foco por excelência de relações de dominação. (REIS, 1988:16)

Segundo Oxhorn, a esfera pública “pode ser caracterizada pela inclusão de múltiplos atores que podem participar ativamente nela e pela capacidade desses atores de alterar padrões de interação ou do exercício de poder por meio da participação” (2001:2). Sua preocupação versa não só sobre quem são os atores que estão incluídos como também a importância relativa dessa inclusão, ou seja, está atento para a efetividade da esfera pública e sua relevância política. Assim, quanto mais forte a sociedade civil se constitui mais próxima fica de conseguir instituir um regime de fato democrático.

(40)

Numa esfera pública pressupõe-se mais do que a igualdade, exige-se a equidade onde a diversidade e as diferenças são consideradas e enriquecem e legitimam as decisões tomadas. Impede que se estabeleça o que O´Donnell denominou de “democracia delegativa” em que “quem ganha uma eleição presidencial é autorizado a governar o país como lhe parecer conveniente e, na medida que as relações de poder existentes permitam, até o final do seu mandato” (O´DONNELL, 1991:30). Na democracia delegativa, como descreve o autor, a forma de governo é caracterizada pelo “decretismo”, ou seja, pelos decretos, sem necessidade de passar pela discussão e aprovação de outras instâncias e sujeitos políticos.

A busca por uma maior interferência em assuntos que antes eram restritos das autoridades estatais é um processo histórico que foi sendo amadurecido e conquistado pela sociedade civil. A importância da participação como outra forma de encarar o poder acompanhou o processo de uma nova concepção de cidadania diferente da cidadania liberal. Como afirma Dagnino, o conceito de cidadania faz parte de uma construção histórica “cujos conteúdos não estão definidos e delimitados previamente por uma ‘essência’ universal, mas correspondem à dinâmica dos conflitos reais” (DAGNINO, 1996:13). O exercício de uma cidadania ativa, que vai além do voto em eleições periódicas, trouxe à tona a perspectiva da sociedade civil se inserir nas decisões governamentais e controlar as ações do Estado. De acordo com Bobbio (2001:156):

Uma vez conquistado o direito à participação política, o cidadão das democracias mais avançadas percebeu que a esfera política está por sua vez incluída numa esfera muito mais ampla, a esfera da sociedade em seu conjunto, e que não existe decisão política que não esteja condicionada ou inclusive determinada por aquilo que acontece na sociedade civil.

(41)

participantes possibilita a multiplicação de organizações e associações da sociedade civil no que se refere às formas de influenciar o processo decisório.

A expressão participação social agrega diferentes dimensões. Pode ser traduzida como a participação de organizações da sociedade civil na definição de critérios e parâmetros para orientar a elaboração de políticas públicas. Pode ser entendida também como exercício de controle social, com a finalidade de garantir a utilização justa dos recursos públicos e adoção de políticas governamentais “afinadas com o processo decisório democrático e transparente”10. E, ainda, como a inserção da sociedade civil organizada em instâncias de co-gestão ou na execução compartilhada de alguns serviços públicos. Portanto, participar significa tomar parte na construção da ordem social em que se vive e se revela como uma prática capaz de promover a alteração do padrão da estrutura do poder, sendo um novo regime de ação pública descentralizada e compartilhada (TEIXEIRA, 2002). A participação permite o potencial de incorporação de grupos sociais e de valores socioculturais diferentes dos que prevalecem nos órgãos públicos. Segundo Bobbio (2001:146), “os melhores intérpretes do interesse coletivo são os que fazem parte da coletividade”.

O desafio dos canais de participação é instituir uma democracia participativa que consolide uma efetiva partilha do poder com a sociedade. Estudar formas participativas que insiram a sociedade na esfera estatal é estudar as relações de poder vigentes. A força da participação na política está na sua capacidade de gerar implicações significativas na alteração na distribuição de poder. Ou seja, alta participação da sociedade civil e ampla inclusão são processos diretamente vinculados à efetividade da dinâmica democrática. Uma democracia radical não pode ser concebida sem participação de qualidade. Nas palavras de Nogueira:

a política democrática dispõe-se a criar condições – institucionais, política e associativas – para que os cidadãos organizados controlem seus governos e

(42)

participem deles, cobrem responsabilidades dos diferentes atores do jogo social e ponham em curso processos ampliados de deliberação, de modo a que se viabilizem lutas e discussões públicas em torno do como viver, do como governar e do como conviver (NOGUEIRA, 2004:91).

A democracia participativa não deve ser interpretada como um novo tipo de democracia, mas sim entendida como a ocupação de espaços por parte da sociedade civil, ou seja, pela nova forma de organização social e, conseqüentemente, pela mudança na forma de gestão. A participação se revela como uma nova forma de relação entre Estado e sociedade civil. Como resume Nogueira (2004:121):

a tendência atual não mais pensa a participação como o reverso da representação ou como veículo privilegiado da pressão popular, mas sim como expressão de práticas sociais democráticas interessadas em superar os gargalos da burocracia pública e em alcançar soluções positivas para os diferentes problemas comunitários.

A figura a seguir representa a complexa dinâmica social para a consolidação de um novo regime de ação estatal onde na esfera pública representa a reconfiguração dos mecanismos e processos de tomada de decisão em que há uma mudança no papel exercido pelo poder público e na atuação de atores da sociedade civil:

SOCIEDADE CIVIL CIDADANIA

ESTADO

(43)

Representantes do Estado e da sociedade civil se encontram na esfera pública, nexo entre as duas esferas e possibilidade de uma responsabilização e compartilhamento do poder. O Estado promove a esfera pública através de espaços institucionalizados de participação e na garantia dos direitos de cidadania. Quanto mais organizada e consolidada a sociedade civil, maior a sua capacidade de ocupar espaços na esfera pública e de se inserir no debate a respeito das decisões governamentais. Além da inclusão de novas temáticas e da definição da agenda pública, alterando substancialmente o modo de fazer política.

(44)

O Estado pode contribuir para o fortalecimento da sociedade civil não só ao garantir os direitos de cidadania como também ao institucionalizar espaços de participação, criando oportunidades e incentivos para grupos de diferentes identidades se organizarem e influenciarem as políticas públicas. Ao mesmo tempo o Estado também pode ter uma atuação contrária ao reprimir, controlar e enfraquecer a sociedade civil. A conseqüência direta de uma sociedade civil fragmentada reflete em uma esfera pública dotada de pouca relevância política, sendo sua efetividade na mudança dos padrões de tomada de decisão comprometida.

A falta de impacto e de efetividade de muitos espaços de participação alimenta a frustração e pode afundar a esfera pública. Sua natureza, relevância e efetividade, dependem do tipo de relação que o Estado estabelece com atores da sociedade civil. Em alguns casos a esfera pública é caracterizada como um resultado da repressão física exercida pelo Estado sob os atores da sociedade civil. Ou seja, nesses casos o canal de interlocução é vazio de sentido. O grau de abertura do Estado para a entrada da sociedade civil organizada nas decisões governamentais depende da concepção de democracia que se vislumbra. Sobre a atuação do Estado, Nogueira afirma que:

O Estado é um construtor de cidadania e seu principal fiador. É também um fator que regula, direciona e pode limitar os espaços de cidadania. Ele precisa ser ativo e ao mesmo tempo ‘passivo’, isto é, estar socialmente fundamentado e controlado. Uma reforma democrática do Estado está obrigada a abrir caminhos para a democracia participativa sem reduzir as condições de realização da democracia representativa, quer dizer, deve descobrir o modo de articular representação e participação (NOGUEIRA, 2004:71).

(45)

efetiva. Atualmente, há uma série de debates no interior das organizações não governamentais sobre a qualidade da participação da sociedade civil. Um dos aspectos importantes que tem sido pauta das discussões é a questão da autonomia visto que cada vez mais as relações entre Estado e sociedade civil se estreitam, participando juntos; na elaboração de políticas públicas, na gestão de projetos, na execução de projetos e no exercício de controle social. A redefinição dos papéis do Estado e da sociedade civil na esfera pública, entretanto, se constitui em um processo complexo e com diversas nuances.

2.1.3 Autonomia e Inserção Política

Como foi discutido, para a construção da esfera pública é fundamental uma autonomia relativa tanto do Estado em relação à sociedade civil como autonomia desta em relação ao Estado. Assim, autonomia e a participação inclusiva são conceitos que constituem a base para uma esfera pública de fato relevante e com capacidade de impactar as estruturas que de poder vigentes na sociedade.

(46)

participativa não é uma prática historicamente presente nesses países. Nas palavras de Oxhorn

(2001:3):

Enquanto a autonomia da sociedade civil em relação ao Estado precisa ser enfatizada, essa autonomia não pode implicar em isolamento. Ao contrário, essa autonomia se refere a habilidade e liberdade das entidades que compõem a sociedade civil para definir seus interesses e metas e agir em prol desses superando conflitos inerentes a uma esfera pública democrática.

Sendo assim, para uma mudança na forma de tomada de decisão, uma divisão do poder e, conseqüentemente, a consolidação de uma sociedade mais justa, a interação entre sociedade civil e Estado é imprescindível.

A capacidade de organização da sociedade civil interfere diretamente na correlação de forças e reduz a tendência de privilegiar os interesses das camadas dominantes. Desta maneira, a relação entre Estado e organizações da sociedade civil é fundamental ainda que, como indaga Evans: “a pergunta sobre quanto de autonomia e inclusão deve ser efetivamente combinado é complicado pelo fato de que o Estado e a sociedade se determinam” (EVANS, 1995:41). Nesse sentido, a dinâmica da sociedade civil se reproduz no aparelho estatal e essa dinâmica “se volta sobre si mesma”. Sendo assim,

é na instância da esfera pública que a dupla dinâmica da sociedade civil, resistência à subordinação ao Estado e demanda por inclusão, se expressa. A interação da sociedade civil e do Estado por meio da esfera pública tem sido historicamente responsável por definir os direitos de cidadania (OXHORN, 2001:3).

(47)

participam. Isto porque esses espaços podem ser utilizados politicamente como forma de legitimação do poder e não ter de fato efetividade na luta pela mudança nos padrões sociais vigentes. Nogueira (2004) resume o conflito entre a inserção nos espaços de participação e autonomia:

A abertura de espaços de participação pode, efetivamente, facilitar a obtenção de respostas para as demandas comunitárias, ampliar a comunicação entre governantes e governados, fornecer melhores parâmetros para a tomada de decisões e, nessa medida, fortalecer a gestão pública e promover a expansão da cidadania ativa (...) mas não há como ignorar que esses mesmo espaços podem ser aproveitados para que se ‘administre’ a participação, impedindo-a, por exemplo, de se radicalizar ou de produzir efeitos incômodos (NOGUEIRA, 2004:142).

Assim, a inserção das organizações da sociedade civil em canais institucionais de participação se revelou como importante conceito no horizonte da experiência democrática. Nesse ângulo é que se destaca a importância dos movimentos organizados da sociedade civil.

2.1.3.1 O Sentido da Autonomia para as ONGs

No Brasil, a institucionalização de meios de participação se materializou, sobretudo, durante o período de redemocratização na forma dos conselhos municipais, do orçamento participativo, dos fóruns, das conferências, entre outros. As organizações não governamentais emergiram como importantes sujeitos políticos, durante os anos de 1980, e passaram a ocupar esses espaços consolidados e lutar pela abertura de novos espaços.

(48)

desafio dos canais de participação, em que estão inseridas, hoje, as organizações não governamentais, é instituir uma democracia participativa que consolide uma efetiva partilha do poder de gestão com a sociedade sem que percam de vista sua autonomia.

O conceito de autonomia chega a ser tão importante que passa ele próprio a ser um dos elementos que define as organizações não governamentais, ou seja, esse conceito é utilizado também como critério de delimitação do universo das ONGs. No caso dos movimentos sociais a associação também acontece, sendo esses classificados recorrentemente na literatura como “espontâneos e autônomos”. Landim (1988) afirma, por exemplo, que “o zelo pela autonomia é marca registrada dessas entidades [ONGs], havendo tradicionalmente dificuldades e cautela quanto às articulações, à formação de redes, à colaboração mútua” (LANDIM, 1988:25). Como também assinala a autora:

autonomia é uma das palavras-chave no discurso das ONGs (...) sendo questão tensa a necessária construção e reprodução de sua independência, enquanto organizações com institucionalidade própria. (LANDIM, 1998:49).

A semântica da palavra autonomia vem do grego, formada pela junção de autos, que significa a si próprio, a si mesmo; e nomos, que significa compartilhar, instituir. Nesse sentido, autonomia significa a faculdade de se definir regras para si mesmo, de governar a si mesmo, de criar as leis que determinam a sua conduta. O termo foi desenvolvido por Kant “para designar a independência da vontade em relação a qualquer desejo ou objeto de desejo e a sua capacidade de determinar-se em conformidade com uma lei própria, que é a da razão” (ABBAGNAMO, 1998:99). Desta maneira, a autonomia exprime a liberdade.

(49)

define suas normas internas, seus objetivos e, acima de tudo, sua forma de atuação. A cooptação é o anverso da autonomia, é uma ação que influencia e quebra a faculdade de seguir as próprias regras. A liberdade de atuação do sujeito político, embora se constitua em uma premissa do conceito de autonomia, não é suficiente se ele não tiver definido claramente sua identidade. É a unidade de idéia e de valores que vai fazer com que a instituição trace rumos, planeje sua ação estratégica.

Assim, identidade é uma característica inerente ao sujeito político. A construção de identidade das organizações perpassa pela clara definição de uma ideologia, pela adoção de uma estratégia e um perfil de atuação planejado sendo perceptível para a maior parte das pessoas. Segundo Evers (1984), o conceito de identidade “é, provavelmente, uma das noções mais multifacetadas e intrigantes das ciências humanas (...). O termo ‘identidade’ refere-se a tantos aspectos quanto o termo ‘alienação’, ao qual se contrapõe. Qualquer dominação é uma usurpação da identidade” (EVERS,1984:18). Desta maneira, a autonomia de uma organização não governamental, por exemplo, pode ser traduzida do ponto de vista do enraizamento de sua identidade.

(50)

a torna uma entidade mais próxima do interesse público. Dessa forma, as entidades que visam participar dos espaços de participação de forma autônoma procuram “projetar-se como sujeitos que portam valores, interesses, aspirações e direitos: constroem assim uma identidade, formulam uma ‘teoria’ para si e traçam um plano de ação” (NOGUEIRA, 2004:130).

Assim, as ONGs que visam influenciar as políticas públicas ao ocupar os canais institucionais de participação na esfera pública e produzir mudanças na ordem social, não podem fazê-lo sem autonomia frente ao aparelho estatal. A descrença, a sensação de incapacidade institucional e de impotência no propósito de alteração dos padrões vigentes da sociedade também podem se constituir em fatores que interferem na concepção de autonomia das entidades à medida que são elementos importantes para a formação ideológica das organizações não governamentais.

Dagnino (2002) ressalta que quanto maior a convergência dos projetos políticos de interesse da sociedade civil e do Estado, menor o conflito. Ao contrário, quanto menor a convergência há maiores chances de conflito e, portanto, aumentam-se as chances de resolução pela cooptação. Assim, a importância de uma identidade sólida resvala na defesa de um projeto político e a menor probabilidade do espaço público ser invadido por práticas cooptadoras de engessamento.

Referências

Documentos relacionados

ambiente e na repressão de atitudes conturbadas e turbulentas (normalmente classificadas pela escola de indisciplina). No entanto, as atitudes impositivas da escola

Sou aluno do curso de Mestrado Profissional do Programa de Pós-graduação Profissional em Gestão e Avaliação da Educação Pública PPGP - CAED - UFJF e desenvolvo

Ressalta-se que mesmo que haja uma padronização (determinada por lei) e unidades com estrutura física ideal (física, material e humana), com base nos resultados da

Neste capítulo foram descritas: a composição e a abrangência da Rede Estadual de Ensino do Estado do Rio de Janeiro; o Programa Estadual de Educação e em especial as

de professores, contudo, os resultados encontrados dão conta de que este aspecto constitui-se em preocupação para gestores de escola e da sede da SEduc/AM, em

Pensar a formação continuada como uma das possibilidades de desenvolvimento profissional e pessoal é refletir também sobre a diversidade encontrada diante

Estudos sobre privação de sono sugerem que neurônios da área pré-óptica lateral e do núcleo pré-óptico lateral se- jam também responsáveis pelos mecanismos que regulam o

Crisóstomo (2001) apresenta elementos que devem ser considerados em relação a esta decisão. Ao adquirir soluções externas, usualmente, a equipe da empresa ainda tem um árduo