CATHERINE ROJAS MERCHÁN
NOVOS ARRANJOS NA DISTRIBUIÇÃO DOS ROYALTIES DO PETRÓLEO:
uma análise do debate no Brasil e sua convergência com outras reformas da América Latina
SÃO PAULO
NOVOS ARRANJOS NA DISTRIBUIÇÃO DOS ROYALTIES DO PETRÓLEO:
uma análise do debate no Brasil e sua convergência com outras reformas da América Latina
Dissertação
apresentada
à
Escola
de
Administração de Empresas de São Paulo, da
Fundação Getúlio Vargas, como requisito
para obtenção do título de Mestre em
Administração Pública e Governo
Linha de pesquisa: Governo e sociedade civil
em contexto SubnacionalOrientador: Prof. Dr. Francisco César Pinto
da Fonseca
Merchán, Catherine Rojas.
Novos arranjos na distribuição dos royalties do petróleo: uma análise do debate no
Brasil e sua convergência com outras reformas da América Latina / Catherine Rojas
Merchán. - 2015.
155 f.
Orientador: Francisco César Pinto da Fonseca.
Dissertação (CMAPG) - Escola de Administração de Empresas de São Paulo.
1. Petróleo e gás
–
Contrato de arrendamento. 2. Petróleo
–
Brasil - Legislação. 3.
Administração pública - Brasil. 4. Política governamental. I. Fonseca, Francisco
César Pinto da. II. Dissertação (CMAPG) - Escola de Administração de Empresas de
São Paulo. III. Título.
NOVOS ARRANJOS NA DISTRIBUIÇÃO DOS ROYALTIES DO PETRÓLEO:
uma análise do debate no Brasil e sua convergência com outras reformas da América Latina
Dissertação apresentada à Escola de Administração
de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio
Vargas, como requisito para obtenção do título de
Mestre em Administração Pública e Governo.
Linha de pesquisa:
Governo e sociedade civil emcontexto Subnacional
Data de aprovação:
__
/__
/____
Banca examinadora:
__________________________________________
Prof. Dr. Francisco César Pinto da Fonseca
(orientador) FGV- EAESP
__________________________________________
Prof. Dra. Marta Ferreira Santos Farah FGV-EAESP
Primeiramente a Deus e aos meus pais e irmãs por terem me acompanhado e acreditado em
mim, e pelo amor e carinho que, apesar da distância, me transmitem sempre.
À Fundação Getúlio Vargas e à CAPES pelo apoio acadêmico e financeiro.
Ao meu orientador, Francisco Fonseca, pela confiança e liberdade concedidas para pesquisar
e pela sua boa disposição constante.
À Marta Farah por ter aceitado ser parte da banca, pelas valiosas contribuições e por sua
preocupação com minha experiência na FGV e no Brasil. Ao Ladislau Dowbor pela sua
disposição e aportes para a elaboração desta pesquisa.
Às pessoas que sempre me acompanharam desde a Colômbia: Alejandro, Claudia, Laura,
Camilo, Majo, Sergio, Adriana, que estiveram sempre dispostos a dar uma palavra de apoio.
entrou em vigor por conta de uma decisão do Supremo Tribunal Federal de suspender os
dispositivos que estabelecem uma nova distribuição das receitas do petróleo entre os Estados
brasileiros. A análise da discussão apresentada no Senado do Projeto de Lei que precedeu à
Lei 12.374 revelou que não apenas a normativa aprovada não gerou ganhadores nem
perdedores absolutos, uma vez que há questões do pacto federativo que são ambíguas e, em
consequência, suscetíveis de conflitos, como também que a distribuição das rendas
provenientes do petróleo entre todas as Unidades da Federação não foi uma disputa interna e
isolada no Senado brasileiro entre argumentos sobre concentrar ou universalizar os recursos
do petróleo, pelo contrário, foi demostrado que existe na região latino-americana uma
tendência de aumentar os royalties e os impostos para serem destinados a políticas sociais que
beneficiem a todo o país, e não apenas os Estados produtores de petróleo.
force due to a Supreme Court´s decision to suspend the articles related to the new distribution
of oil revenues between Brazilian States. The analysis of the Senate´s discussion of the draft
that preceded the Act reveals that not only does it leave no absolute winners or losers, given
the Federal Pact´s ambiguous nuances, and, consequently, potential conflicts, but also that the
distribution of oil revenues among Federation Units was not an internal and isolated dispute in
the Brazilian Senate between arguments about concentrating or universalizing revenue. On
the contrary, it has been demonstrated by this study that it is a wider regional tendency in the
Latin America region to increase oil royalties and taxes in order to allocate them in social
policies that will benefit the entire country, as opposed to the oil-producing Federation Units
alone.
Quadro 1- Síntese dos aspectos fundamentais das reformas analisadas 53
Quadro 2- Royalties com alíquota de 5% 58
Quadro 3- Royalties com alíquota acima de 5% 58
Tabela 1- Distribuição de royalties na plataforma continental no regime de concessão nos
termos da nova Lei 12.734 de 2012 60
Quadro 4- Distribuição dos royalties com alíquota de 15% no regime de partilha 62
Quadro 5- Projetos de Lei do Senado que propuseram modificar a distribuição dos royalties
ADIN
Ação Direta de Inconstitucionalidade
ANH
Agencia Nacional de Hidrocarburos de Colombia
ANP
Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis
BID
Banco Interamericano de Desenvolvimento
BM
Banco Mundial
BNDES
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
BP
British Petroleum
CEPAL
Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe
CNOOC
China National Offshore Oil Corporation
CNPC
China National Petroleum Corporation
FEIP
Fondo de Estabilización de los Ingresos Petroleros do México
FMI
Fundo Monetário Internacional
FONDEN
Fondo de Desarrollo Nacional
FONDESPA Fondo para el Desarrollo Económico y Social del País
FPE
Fundo de Participação dos Estados
FPM
Fundo de Participação dos Municípios
IBGE
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICMS
Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de transporte
interestadual e intermunicipal e de comunicação
IDH
Imposto Direito aos Hidrocarbonetos
IEHD
Imposto Especial aos Hidrocarbonetos e seus Derivados
IPT
Instituto de Pesquisas Tecnológicas
OCAD
Órgão Colegiado de Administração e Decisão
OCDE
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
PEMEX
Empresa Estatal de Petróleos Mexicanos
PDVSA
Petróleos de Venezuela S.A.
PLC
Projeto de Lei da Câmara
PLS
Projeto de Lei do Senado
SGR
Sistema Geral dos Royalties
SHCP
Secretaria de Hacienda y Crédito Público de México
STF
Supremo Tribunal Federal
SUMARIO ... 10
1.
INTRODUÇÃO
... 122. DECISÃO TEÓRICA-METODOLÓGICA ... 16
3. O PETRÓLEO NO MUNDO ... 24
3.1. A queda dos preços do petróleo e seus impactos ... 24
3.2. Destinação de rendas do petróleo: o caso dos fundos ... 25
3.3. O petróleo como negocio: atores e interesses... 29
4. REFORMAS ÀS LEIS DE HIDROCARBONETOS E/OU DE REDISTRIBUIÇÃO DOS ROYALTIES DO PETRÓLEO NA AMÉRICA LATINA ... 35
4.1. Reformas à Lei de Hidrocarbonetos na Argentina ... 35
4.2. Reforma à Lei de hidrocarbonetos na Bolívia ... 37
4.3. Reforma à distribuição dos royalties na Colômbia... 41
4.4. Reforma à Lei de Hidrocarbonetos no Equador ... 45
4.5. Reforma à Lei de hidrocarbonetos no México ... 47
4.6. Reforma à lei de hidrocarbonetos na Venezuela ... 49
5. LEGISLAÇÃO SOBRE HIDROCARBONETOS E ROYALTIES DO PETRÓLEO NO BRASIL ... 57
5.1. Contexto e antecedentes ... 57
5.2 Lei nº 12.734 de 30 de Novembro de 2012 ... 59
5.3. O problema da distribuição de royalties do petróleo no Brasil ... 63
6. O DEBATE NO SENADO BRASILEIRO DO PROJETO DE LEI NO448 DE 2011 (Lei Ordinária 12.734 de 2012) ... 71
6.1 Tentativas prévias de mudança à distribuição dos royalties ... 71
6.2. O debate: um jogo sem ganhadores absolutos ... 78
7. CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS DO DEBATE APRESENTADO NO BRASIL COM AS REFORMAS INSTAURADAS NOS PAÍSES DA AMÉRICA LATINA QUE FORAM ESTUDADOS ... 91
8. DISCUSSÃO DE RESULTADOS E CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 98
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
... 101DOCUMENTOS JURÍDICOS ...
116Anexo I. LEI Nº 12.734 DE 2012 ... 126
1.
INTRODUÇÃO
Os royalties do petróleo representam uma fonte relevante de receitas para os estados e
municípios que atualmente os recebem
1. No Brasil, existe uma forte concentração dos
recursos em poucos municípios (PIQUET; SERRA, 2007) que são pagos sob o pressuposto de
uma compensação financeira por conta dos danos ambientais causados aos territórios onde
são explorados. No entanto, a literatura aponta
que ―os recursos recebidos não têm gerado
retornos às localidades beneficiadas, nem promovido o crescimento e a justiça intergeracional,
no sentido de compensar as gerações futuras, sob a forma de poupança ou de investimentos,
pela exploração presente de
uma fonte de energia esgotável‖ (POSTALI, 2007; GOBETTI,
2008), inclusive, alguns estudos empíricos enfatizam que ―nos municípios produtores
2a
pobreza é marca indelével‖ (R
OMÃO, 2012).
As razões expostas acima constituem por si só uma justificativa para o estudo dos royalties no
Brasil, porém há um número importante de pesquisas sobre a destinação dos royalties e seria
de maior relevância, pela atual conjuntura, analisar os impactos do anúncio feito pela Agência
Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) sobre as reservas da camada do
Pré-sal no ano de 2007, que aumentaram de maneira significativa os recursos e trouxeram a
possibilidade de reformar a legislação atual com implicações diretas na redistribuição dos
royalties. Tal reforma, especificamente no tocante à redistribuição dos royalties do petróleo,
foi estabelecida na Lei 12.734 de 2012 e não tem sido implementada por conta de uma
primeira decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que suspendeu seus efeitos baseados na
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), requerida pelo Governador do Estado do Rio de
Janeiro.
A relevância de estudar os novos arranjos na distribuição dos royalties do petróleo reside no
impacto que terá a modificação tanto nos orçamentos municipais e estaduais (a possibilidade
de estudar mais profundamente o Congresso como alocador de recursos), quanto na
1 Segundo a Agência Nacional de Hidrocarbonetos do Brasil, em dezembro de 2014 os royalties pagos aos estados e municípios diretamente beneficiados pelos royalties foi de R$ 957.300.712, enquanto os estados e municípios brasileiros, em conjunto, receberam no mesmo mês apenas R$122.234.835 (BRASIL, 2014).
qualidade de vida das pessoas que serão beneficiadas indiretamente por políticas públicas a
serem implementadas ou fundos criados com tais recursos. A aprovação da Lei nº 12.858, de
9 de setembro de 2013, é um exemplo das incidências que terá a nova distribuição. Essa lei
dispõe sobre a destinação para as áreas de educação e saúde de parcela da participação no
resultado ou da compensação financeira pela exploração de petróleo e gás natural.
Além de serem aprovadas leis que determinam a destinação dos recursos sem ter sido definida
claramente a distribuição dos royalties do petróleo, também os estados e municípios
atualmente produtores e beneficiários estão comprometendo significativamente parte desses
recursos porque estão à mercê de uma decisão judicial provavelmente contrária a eles.
Da mesma forma, é significativo o estudo da atual conjuntura pelo impacto sem precedentes
no arranjo federativo; de fato, grande parte dos argumentos a favor e contra no legislativo
basearam-se nessa consideração. No entanto, a situação não deve ser analisada de maneira
isolada, posto que o Brasil não é o único país da região a reformar sua política energética e/ou
propor uma redistribuição dos royalties do petróleo.
Nos últimos dez anos, a América Latina tem sido marcada por processos de nacionalização
dos recursos naturais e cenários como o descobrimento de novas reservas petrolíferas, ou a
necessidade de auto-abastecimento, em contextos de escassez. Para enfrentar essas diversas
realidades foram reformadas as leis de hidrocarbonetos de alguns países da região, mudando
os regimes legais e normativos, tanto em relação à forma de contratar empresas privadas
(nacionais ou estrangeiras), que contam com tecnologias sofisticadas e fornecem novos
investimentos, quanto às participações (tributos e royalties) a serem pagos por elas.
Consequentemente, a oportunidade de novas e maiores rendas tem levado à discussão interna
sobre sua distribuição, em alguns casos.
hidrocarbonetos no ano de 2006 criando mais tributos e destinando tudo ao Executivo
Nacional que por meio de fundos transfere para todos os estados; o Equador reformou sua lei
em 2010, estabelecendo que os trabalhadores e os governos locais onde são desenvolvidas as
explorações recebam 15% das utilidades da companhia, criando maiores impostos para
distribuí-los entre todas as unidades do país e determinando que os novos contratos não
estarão sujeitos ao pagamento de royalties; e, por fim, a Argentina reformou também no ano
de 2006 a sua lei de hidrocarbonetos, reforçando as faculdades das províncias produtoras e
dando mais autonomia para elas controlarem e fiscalizarem os recursos e as suas
contrapartidas.
Diante do exposto, o presente estudo busca responder às seguintes questões: Como foi o
debate no legislativo do Brasil, especificamente no Senado, dos projetos de lei que
propunham uma distribuição mais universalista dos royalties desde 2007, ano em que foi
apresentado o primeiro projeto que tentou mudar a distribuição nos últimos dez anos, até o
projeto de lei nº 448 de 2011, que foi transformado na Lei Ordinária 12.734 de 2012 e que
finalmente reformou a distribuição? O debate dialogou com outras reformas de políticas
energéticas e/ou de redistribuição de rendas do petróleo da América Latina? O que aconteceu
para que na América Latina ocorressem tais reformas? Qual a influência desses outros
arranjos implementados no debate apresentado no Brasil?
Para tanto, o objetivo geral é identificar os atores e argumentos expostos a favor e contra o
novo arranjo. Da mesma forma, o estudo pretende desdobrar os pressupostos conceituais que
estão por trás da nova distribuição, através da análise
da trajetória que tiveram os diversos
projetos de lei no tocante
à distribuição dos royalties no Senado Federal desde 2007 até 2011,
para finalmente determinar se aparecem referências aos modelos dos outros países, e se o
modelo Brasileiro se aproxima ou foi influenciado pelos outros modelos da região.
É importante destacar que a principal preocupação do trabalho é com a distribuição das rendas
provenientes do petróleo, ainda que, de maneira geral, tenham sido caracterizadas as reformas
ocorridas na América Latina e apontadas questões em relação ao petróleo no mundo. A
descrição das reformas e a apresentação das circunstâncias conjunturais ajudaram a qualificar
e contextualizar o problema da distribuição dos royalties do petróleo no Brasil, concretizada
na disputa no legislativo.
2.
DECISÃO TEÓRICA-METODOLÓGICA
Uma vez que no Brasil o STF ainda não chegou a uma decisão final em relação à nova
distribuição dos royalties, pode-se afirmar a possibilidade de que a Lei 12.734 de 2012 não
entre em vigor, contudo a análise do tema é significativamente relevante pelos impactos nos
estados e municípios não produtores que começariam a participar das rendas, e pelos
pressupostos conceituais expostos a serem incididos no pacto federativo. Neste trabalho foi
estudado o debate apresentado no legislativo, especificamente no Senado, e foram apontadas
as principais reformas apresentadas na América Latina, determinando as influências desses
modelos reformados nos últimos dez anos na região em relação ao novo modelo brasileiro.
Em suma, o estudo foi mais aprofundado no caso brasileiro, posto que se identificaram as
menções de forma implícita ou explícita às reformas já aprovadas na Colômbia, na Bolívia, no
México, no Equador, na Venezuela e na Argentina pelos Senadores e demais atores
envolvidos no debate. Em consequência, não se tratou de um estudo comparado devido à
assimetria de informação entre o estudo do caso brasileiro e os outros casos onde foram
descritas apenas as reformas já aprovadas, e não o debate que levou a promulgação da lei,
como no caso brasileiro.
Em termos metodológicos, a pesquisa é qualitativa porque se pretendeu identificar e analisar
atores e argumentos. A pertinência de adotar essa abordagem se fundamenta no fato que, por
um lado, não estão se procurando resultados exatos e, pelo outro, a pesquisa adquire
contornos de natureza qualitativa que, segundo Vieira e Zouain (2004, p.18):
[....]geralmente oferece descrições ricas e bem fundamentadas, além de processos em contextos locais identificáveis.[....] Mesmo tendo uma natureza mais subjetiva, a pesquisa qualitativa oferece um maior grau de flexibilidade ao pesquisador para a adequação da estrutura teórica ao estudo do fenômeno administrativo e organizacional que deseja.
Tomou-se a decisão de optar pela estratégia de pesquisa documental porque se utilizaram
documentos, combinados com entrevistas como fontes de dados (MARTINS; THEÓPHILO,
2007, p. 55). Assim sendo, no presente estudo se realizou uma análise documental das normas
que reformam as políticas energéticas e de distribuição de royalties na Colômbia, no México,
na Bolívia, na Argentina, no Equador, na Venezuela e, no caso do Brasil, também dos
projetos de lei de iniciativa dos Senadores apresentados desde o ano 2007 até 2011, que
procuravam reformar a distribuição dos royalties.
Posteriormente, foi realizada uma análise das notas taquigráficas que relatavam os discursos
dos principais Senadores envolvidos dentro da discussão no legislativo do projeto de lei nº
448 de 2011 transformado depois na Lei Ordinária 12.734 de 2012. A importância da análise
do discurso, segundo Martin e Théophilo (2007, p.100):
[....]permite conhecer o significado tanto do que está explícito na mensagem quanto do que está implícito – não só o que se fala, mas como se fala. Permite também identificar como se dá a interação entre os membros de uma organização: as manifestações de poder, a participação e o processo de negociação.
A análise das notas taquigráficas, dos projetos de lei que pretendiam reformar a distribuição
dos royalties, permitiu não só identificar os argumentos a favor e contra do novo arranjo, mas
também facilitou a compreensão do processo desenrolado no legislativo. Ou seja, foram
identificadas reuniões, audiências, comissões e protestos, realizados no transcorrer do debate,
e atores que permitiram qualificar a discussão. Igualmente, foram observadas semelhanças
com as reformas implementadas nos outros países, objeto deste estudo, ainda que não
mencionados nos discursos, implicitamente existiram várias convergências; por fim, também
foram apontadas as principais divergências com a reforma brasileira.
O estudo foi complementado com algumas entrevistas que ajudaram a compreender melhor o
debate. Como apontado por McNamara (1999) as entrevistas são valiosas, especialmente para
obter a história por trás das experiências dos participantes e para o entrevistador encontrar
informações detalhadas sobre o assunto. Assim sendo, foram realizadas entrevistas
semiestruturadas com um Senador, dois Assessores Legislativos, uma Analista da ANP, um
representante da sociedade civil e um Profissional Social Junior de uma companhia petroleira
(Anexo VI).
mesma forma, a pesquisa não somente esclareceu várias das questões confusas difundidas
pela mídia brasileira, senão também evidenciou que, as decisões de políticas públicas não
estão isoladas das reformas realizadas na América Latina, as quais não foram mencionadas
pelos meios de comunicação no País.
Para o desenvolvimento da hipótese aqui apresentada, foi necessário utilizar teorias que
permitissem qualificar o debate no Brasil por meio da identificação de semelhanças entre as
reformas realizadas na Colômbia, na Bolívia, no México, no Equador, na Argentina e na
Venezuela. Conforme exposto anteriormente, nos últimos dez anos, esses seis países
reformaram suas políticas de hidrocarbonetos e/ou os royalties devidos pela exploração de
petróleo. Levando em conta tanto a metodologia quanto a hipótese abordadas no estudo,
tomou-se a decisão de optar como proposta teórica nesta análise, por um lado, pelos conceitos
teóricos do novo institucionalismo, especialmente do isomorfismo, e, por outro, pela
abordagem sobre a disseminação de políticas públicas, que permitiu indagar sobre a
possibilidade de um ator externo, como uma agência multilateral a influenciar a convergência.
No que tange ao novo institucionalismo, este não está constituído por uma única escola de
pensamento. De fato, três abordagens analíticas se autodenominam novo institucionalismo: de
escolha racional, histórico e sociológico. Os três surgiram como reação à perspectiva
comportamental e procuram elucidar o papel que jogam as instituições na determinação de
resultados sociais e políticos (HALL; TAYLOR, 1996).
Por seu lado, o institucionalismo sociológico ajudou a compreender as semelhanças entre os
países analisados. Essa escola de pensamento explica por que as organizações adotam certas
formas institucionais, procedimentos e símbolos e enfatiza como as práticas são difundidas
através de campos organizacionais ou entre as nações (HALL; TAYLOR, 1996, p.14).
Igualmente, aqueles que estudam essa abordagem argumentam que as organizações adotam
novas práticas porque elas melhoram a legitimidade social da organização ou de seus
participantes (HALL; TAYLOR, 1996, p.16). Portanto, as organizações se adaptam não
apenas às pressões técnicas, mas também ao que elas acreditam que a sociedade espera delas,
o que leva ao isomorfismo institucional (BOXENBAUM; JONSSON, 2008). Na medida em
que o ambiente institucional influencia as estratégias ou escolhas dos atores, as organizações
se tornam mais semelhantes entre elas.
Na nossa análise, aprofundou-se o estudo do isomorfismo, já que como argumentado por
DiMaggio e Powell, é o ―conceito que melhor captura o processo de homogeneização‖
(DIMAGGIO; POWELL, 1983, p.149). O isomorfismo também é definido por Hawley
3(HAWLEY, 1968 apud DIMAGGIO; POWELL, 1983, p. 149) como o processo restritivo que
leva uma unidade de uma população a se assemelhar a outras unidades que enfrentam as
mesmas condições de ambiente.
Dentro do isomorfismo, os autores DiMaggio e Powell (1983) assinalaram três pressões que
conduzem as organizações a se tornarem mais similares: pressões coercitivas, miméticas e
normativas. As pressões coercitivas resultam de poderosos relacionamentos ou políticas; as
pressões miméticas dizem respeito à modelagem das organizações, refletindo outras
organizações de forma não intencional pois, sob condições de incerteza, as organizações com
frequência imitam pares que são percebidos como bem sucedidos ou influentes; e as pressões
normativas, que respondem à legitimação de uma base cognitiva que atravessa as
organizações, e em torno da qual novos modelos se difundem com rapidez (BOXENBAUM;
JONSSON, 2008; DIMAGGIO; POWELL, 1983).
O isomorfismo coercitivo explica o processo de proposição das reformas por parte dos
executivos. Já para analisar as convergências entre as reformas e o caso brasileiro, é de maior
utilidade optar pelos isomorfismos mimético e normativo. Por um lado, o isomorfismo
mimético tem argumentos no que diz respeito às incertezas e ao ambiente ambíguo que
enfrentam as organizações, forçando-as a buscar soluções em outras organizações do mesmo
campo. Assim, tomar outras organizações como modelo é uma resposta à incerteza.
E do lado
do isomorfismo normativo, porque as soluções podem ter sido influenciadas pelo poder
financeiro e técnico das agências multilaterais, que através da facilitação de espaços de
discussão e relatórios e publicações conseguem afetar o ambiente que as organizações
enfrentam (materializado pelos policymakers) para tomar as decisões. Especificamente, neste
estudo foram examinados diversos relatórios publicados e disseminados pelas principais
agências multilaterais atuantes na região, que falavam tanto em alocação de recursos em
políticas sociais, principalmente saúde e educação, quanto da pertinência da criação de fundos
para destinar as rendas do petróleo.
Dessa forma, para complementar a análise, os conceitos da disseminação de políticas,
especificamente daqueles que argumentam que as Agências Multilaterais induzem à adoção
de certas políticas, foram de utilidade em nossa análise.
Diversos casos empíricos evidenciam a influência das agências multilaterais na adoção de
políticas por parte dos países da América Latina. O mais relevante foi a privatização do
sistema de previdência, assim como constatado por Madrid (2005), ―o Banco Mundial utilizou
a sua influência substancial para persuadir muitos policymakers com a ideia de que privatizar
seus sistemas de aposentadorias poderia trazer benefícios substanciais‖ (MADRID, 2005, p.
30). Uma vez que a atuação das agências multilaterais se concretiza por meio de cursos,
workshops, conferências e disseminação de publicações (MAFFRA, 2011; MADRID, 2005),
é importante destacar que, neste caso, além das publicações
4e reuniões com os policymakers,
o Banco Mundial outorgou créditos para reduzir os obstáculos financeiros para a
implementação da privatização da previdência.
Nesse sentido, DiMaggio e Powel (1983) argumentam que a convergência de políticas é
resultado frequente das pressões pela dependência de recursos, porque os atores poderosos,
como as instituições financeiras internacionais, geralmente tendem a prover incentivos
materiais significantes aos governos que adotam certas políticas.
4
A reforma no sistema de previdência do Chile foi o modelo difundido entre os países da
Região. Tal disseminação se deu também graças às redes de políticas regionais, ao contato de
instituições como o Banco Interamericano de Desenvolvimento, a Comissão Econômica para
América Latina e o Caribe, e a Conferencia Interamericana de Seguridad Social (CISS), com
os policymakers da região, ou seja, graças aos foros onde o modelo chileno foi discutido
(MADRID, 2005, p. 32).
Ainda que fatores de proximidade sirvam como fatores explicativos para a adoção de políticas
na região, é importante apontar que os espaços onde foi discutido o modelo chileno foram
propiciados por agências multilaterais, revelando assim seu papel de condutoras de ideias ao
invés de serem simples distribuidoras de recursos (WORLD BANK, 1999). De fato, o estudo
realizado por Madrid (2005) concluiu que a influência do Banco Mundial foi mais intelectual
que material, e evidenciou que por meio das Pension reform missions realizadas em diferentes
países que contaram com a participação de especialistas do Banco, este teve acesso amplo aos
policymakers, e os países foram mais propícios a privatizar seus sistemas (MADRID, 2005 p.
39).
O argumento a favor da participação intelectual de uma agência multilateral também foi
comprovado por Mafra (2011), que no estudo intitulado ―
O papel do Banco Mundial na
formação da agenda de reformas em C&T e ensino superior: a experiência da Argentina e
Brasil com comunidades epistêmicas
‖ apontou que o papel do Banco como ator intelectual se
concretiza ―na produção de ideias
e na criação de mecanismos para disseminá-las. Ou seja, a
influência não ocorre somente pelos recursos financeiros, mas também pelo respeito a sua
experiência e produção de ideias‖ (MAFFRA, 2011, p. 14).
Da mesma forma, a autora identifica quatro formas do Banco ―agir intelectualmente‖:
Ideias podem ser criadas, estimuladas, disseminadas ou promovidas, e aplicadas. O Banco pode participar da criação de ideias definindo agendas, produzindo pesquisas sobre determinado trabalho, fornecendo, montando e avaliando dados e outras pesquisas materiais, e tirando lições de suas próprias práticas‖ (MAFFRA, 2011, p. 46).
mutuamente formas para promover a difusão. Tais redes, como mencionado anteriormente,
podem ser induzidas pelas próprias agências multilaterais que permitem a comunicação entre
formuladores de políticas públicas.
A discussão sobre a participação das agências multilaterais na disseminação de políticas ou
programas pode ser apreciada a partir de duas perspectivas. Por um lado, encontram-se
argumentos que afirmam que a disseminação não pode ser intermediada, ou seja, que não
existe disseminação se houver a participação de um ator que induz o programa ou política,
como argumentado por Finnemore (1993) no estudo sobre a participação da Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) na promoção ativa das
inovações sobre a criação de burocracia para a coordenação de pesquisas científicas:
Esta operação de fornecimento sistêmico (fazendo referência à disseminação da política analisada) se diferencia de uma simples imitação ou de explicações miméticas – a mais comum explicação para a difusão de padrões na literatura de teoria das organizações - em dois pontos: Primeiro, mimese é um processo no mediado, que localiza o ímpeto de ações imitativas no imitador. Neste caso, mimese poderia significar que cada estado, olhando para os outros países, decidiu que queria uma burocracia científica como aquelas criadas pelos poucos estados que eram tendência. Como a análise deixou claro, isso não aconteceu neste caso, posto que o conhecimento sobre as inovações e afirmações sobre o valor dessas inovações foram fornecidas para os estados por meio de uma terceira parte, UNESCO. Segundo, a mimese é um processo, não uma causa. Não diz nada em relação a por que os países escolheriam imitar uma inovação em particular e não outras. A força motriz que está por trás da adoção desta inovação é normativa. (FINNEMORE, 1993, p. 592, tradução nossa).
Por outro lado, existem apontamentos sobre a possibilidade de participação das agências
multilaterais na difusão ou disseminação de políticas, como enunciado por Farah (2008)
quando expõe que a intensificação da difusão ou disseminação de políticas públicas se deu
sob a influência de agências multilaterais e de instituições nacionais ou transnacionais
hegemônicas
5. A autora também dá uma ênfase importante ao papel das agências externas,
sobretudo as agências de financiamento que influenciam a agenda local por meio de
mecanismos indutivos, tais como condicionalidades no acesso a recursos e de estratégias de
difusão em fóruns internacionais (FARAH, 2008, p. 117). Inclusive a autora assinala que seria
importante refletir criticamente sobre o papel dos diversos agentes engajados no esforço de
disseminação, ou seja, se a ação de algumas instituições e de rede de atores estaria impondo
um projeto hegemônico de administração pública (FARAH, 2008, p. 110).
Portanto, um conceito amplo de disseminação como o adotado por FARAH (2008)
6, que trata
o conceito de disseminação como um processo com sujeito e intencionalidade, reflete
claramente que o local receptor tem um papel ativo e não só de imitador, mas também abre
espaço para a inclusão de atores não-governamentais no processo.
Neste estudo será empregada a definição de disseminação nesse sentido amplo, que leva em
consideração fatores do ambiente, ou seja, uma definição que reconhece que os policymakers
estão mais propensos a estar cientes das inovações que se desenvolvem na região, e mais
propensos a enxergar essas inovações como relevantes para sua própria situação
(isomorfismo), graças à intermediação, ou não, de agências multilaterais, que podem
influenciar tanto de maneira financeira quanto ideacional.
3.
O PETRÓLEO NO MUNDO
3.1.
A queda dos preços do petróleo e seus impactos
O petróleo constitui a maior fonte de energia no mundo. De fato, a maioria dos países baseiam
suas economias neste recurso e seus derivados. Da mesma forma, além dos países que
precisam dos hidrocarbonetos para desenvolver suas economias
7, há países produtores cujas
economias dependem diretamente das exportações e, consequentemente, do preço do petróleo,
já que tanto seus orçamentos quanto seus Produtos Internos Brutos (PIB) estão sujeitos às
variações nos preços do hidrocarboneto.
No final de 2014 e início de 2015, a conjuntura em relação ao petróleo era preocupante para
os países da região que dependem da variação dos preços do hidrocarboneto: o preço caiu
abaixo dos US$50 pela primeira vez desde maio de 2009. Diversos fatores explicam as
oscilações no preço, de maneira geral podem ser enunciados fatores como: a estrutura da
demanda e da oferta, a especulação, a capacidade de produção, refinação e armazenamento,
fatores geopolíticos, os custos de produção e as políticas da Organização dos Países
Exportadores de Petróleo (OPEP). A responsabilidade pela queda do preço, desta vez, é dada
justamente devido a uma decisão da OPEP, que decidiu manter a produção para concorrer
com os produtores americanos de gás convencional
8. Dessa forma, países como a Rússia, a
Arábia Saudita e o Iraque estão produzindo a mesma quantidade que produzem
habitualmente, e simultaneamente, os estados Unidos estão importando atualmente muito
menos do que antes.
As consequências da queda do preço do barril são muito diversas e incidirão em diversos
aspectos, contudo, neste estudo interessam as rendas do petróleo e mais especificamente, os
royalties, os quais serão afetados diretamente, posto que ainda que sejam calculados de
maneiras diferentes em todos os países que os recebem, na região o cálculo é baseado no
preço do petróleo; se os preços caírem, o mesmo ocorrerá com os royalties (MANZANO;
MONALDI, 2008). Diante dessa situação, as empresas não só vão querer investir menos,
7 O petróleo é a principal fonte de energia no mundo e seus derivados também são utilizados para diversas aplicações. Da mesma forma, o petróleo é hoje responsável pelo funcionamento de praticamente todo o sistema de transporte, seja em terra, no mar ou no ar, necessário para o andamento das economias.
8
como também vão desejar renegociar os contratos que já estão em vigor, posto que as
condições mudaram para eles.
Com a queda do preço do barril, estão se beneficiando os países importadores do
hidrocarboneto, principalmente os países da Europa, a China, a Índia (IEA, 2014) e, na região,
está sendo favorecido de maneira relevante o Chile. Por sua vez, os mais afetados são os
principais exportadores líquidos do petróleo, ou seja, os países membros da OPEP, a saber:
Argélia, Angola, Equador, Iran, Iraque, Kuwait, Líbia, Nigéria, Qatar, Arábia Saudita,
Emirados Árabes Unidos e Venezuela, os quais produzem 40% do óleo cru do mundo. Países
não membros da OPEP, como a Rússia, que produz mais de 10 milhões de barris por dia, e o
Canadá, um exportador menor, estão sendo afetados com a queda do preço também.
No caso específico do Brasil, a queda do preço do petróleo afeta a arrecadação nos estados e
municípios, como determinado numa pesquisa da Tendências Consultoria que estimou que ao
preço de US$80 os royalties e as participações especiais recebidos pelos governos locais
seriam reduzidos em 5,9% (SCHUFFNER; SERODIO; WATANABE, 2014), e como foi
mencionado anteriormente, os preços caíram abaixo dos US$50 por barril na primeira semana
do ano. Igualmente, a Venezuela, o Equador
9e a Colômbia
10são os países mais prejudicados
da região, posto que o petróleo responde por uma porcentagem significativa dos seus
orçamentos; no caso do México, os efeitos seriam neutros, pois apesar de sua alta exportação
também importa em quantidades relevantes; por fim, a Argentina é favorecida no curto prazo
com a queda, posto que importa muito mais do que exporta.
3.2.
Destinação de rendas do petróleo: o caso dos fundos
Frente aos questionamentos que surgem no que tange à destinação dos royalties, e para
enfrentar a queda do preço do petróleo, diversas experiências mundiais evidenciam a criação
de fundos que são administrados e controlados pelos governos centrais ou federais, outros
fundos surgiram com o objetivo de poupar para gerar justiça intergeracional. A origem dos
9 Ironicamente, o Equador importa petróleo em quantidades significativas a preços internacionais, porque apesar de exportar petróleo cru, não exporta derivados, necessários para o funcionamento da economia.
fundos responde tanto às teorias sobre a maldição dos recursos naturais
11- que alertam sobre a
doença holandesa
12- quanto à comprovação empírica dos investimentos sem impacto na
qualidade de vida dos cidadãos dos territórios onde se encontram os recursos. Em nota de
2009, o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (
IPT) estabeleceu que ―na medida em que os
fundos soberanos concentram os recursos da participação governamental na renda de petróleo
e gás natural e os direcionam para projetos específicos, geralmente estratégicos, é possível
utilizá-los como um mecanismo de política pública para promoção de desenvolvimento
econômico‖.
Contudo, os fundos soberanos nem sempre estão destinados a políticas públicas que apontam
ao maior desenvolvimento econômico, podendo ser destinados também para a ―estabilidade
da balança de pagamentos, evitar excessos de liquidez e diversi
ficar a economia.‖ (ROMÃO,
2012, p. 21) As experiências mais relevantes de fundos soberanos criados com receitas
provenientes da comercialização dos recursos naturais estão na Noruega, no Alasca nos
estados Unidos e em Botsuana (CRUZ; RIBEIRO, 2009). Não obstante, existem outros
fundos soberanos na Ásia, no Oriente Médio e em países como Canadá, México, Rússia,
Venezuela, Colômbia, entre outros.
Em suma, existem vários tipos de fundos soberanos, como os fundos de estabilização, fundos
para as gerações futuras, fundos de reserva para as aposentadorias, fundos de reserva para
investimentos, e fundos estratégicos para o desenvolvimento. Tais fundos têm como objetivo
proteger e estabilizar o orçamento e a economia do excesso de volatilidade nas
receitas/exportações, ganhar retornos maiores do que em reservas cambiais, aumentar a
poupança para as gerações futuras, financiar o desenvolvimento econômico e social,
diversificar as exportações de produtos não renováveis, dentre outras. Inclusive, de 2005 a
2012, mais de 32 fundos soberanos foram criados (SOVEREIGN WEALTH FUND
INSTITUTE, 2014).
O caso da Noruega merece ser destacado porque não só é um dos principais exportadores de
petróleo, como tem também o melhor índice de desenvolvimento humano (UNITED
11
―Literatura que procura explicar e corroborar a existência de uma correlação negativa entre a abundância de recursos naturais e o crescimento econômico. Auty (1990) e Sachs e Warner (1995), em trabalhos muito influentes na literatura econômica, argumentam em favor daquela relação‖ (CRUZ e RIBEIRO, 2009: 7).
12―Na década de 60
NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 2014), desafiando a teoria da maldição dos
recursos naturais. Os governantes da Noruega identificaram um de seus principais problemas,
que poderia ter um alívio com as rendas do petróleo: o rápido envelhecimento da sua
população e, em consequência, a necessidade imperante de financiar as pensões. Assim,
nasceu o Government Permanent Fund, posteriormente nomeado em 2006 Government
Pension Fund, com o objetivo explícito de financiar pensões e aposentadorias (CRUZ;
RIBEIRO, 2009). A renda do petróleo que sustenta o fundo é determinada anualmente, após o
déficit ser coberto. Assim, não há uma determinação legal, pré-estabelecida, do percentual da
renda petrolífera a ser depositada no fundo, o que o torna extremamente flexível
(INSTITUTO DE PESQUISAS TECNOLOGICAS, 2009).
As receitas provenientes do petróleo são alocadas de forma a manter os gastos estáveis
(garantir estabilidade macroeconômica e constituir poupança), e são administradas pelo
Governo Central. O fundo de estabilização possui elevada transparência e credibilidade na
administração dos recursos (CRUZ; RIBEIRO, 2009). A estratégia para a gestão do Fundo é
projetada com base nas expectativas em longo prazo esperadas das diferentes opções de
investimento. Segundo o Ministério das Finanças da Noruega, o retorno do Fundo vai
depender do desenvolvimento sustentável em termos econômicos, ambientais e sociais e do
bom funcionamento dos mercados financeiros. Ademais, anualmente é apresentado um
relatório que permite uma maior transparência do fundo.
Os recursos do fundo são distribuídos entre aplicações em ativos de empresas reconhecidas
internacionalmente e bônus de países, com o objetivo de retirar os recursos da economia do
país e garantir um bom retorno aos recursos aplicados (INSTITUTO DE PESQUISAS
TECNOLOGICAS, 2009). Os resultados são dignos de nota, dado que, segundo o ranking de
fundos soberanos no mundo, o fundo da Noruega é o maior, com ativos avaliados em $893
bilhões de dólares (SOVEREIGN WEALTH FUND INSTITUTE, 2014).
recursos do fundo é o que diz respeito a que o país apresente uma das maiores taxas de gastos
com educação em proporção do PIB no mundo. De fato, segundo o relatório de
desenvolvimento humano do Pnud, esse país gastaria em educação 10,7% (CRUZ; RIBEIRO,
2009)
13.
Um dos casos mais significativos e amplamente citados na bibliografia sobre fundos
soberanos é o do Alasca, ainda que não seja como nos outros casos um fundo administrado
pelo governo federal, nem destinado a toda a união de estados federados, é um exemplo de
destinação exitosa de rendas minerais e petrolíferas
14. Assim, os direitos de propriedade sobre
o solo estão em favor do governo subnacional. Esse também é o caso de Alberta, no Canadá.
O Alaska Permanent Fund foi criado em 1976, via emenda constitucional, após um plebiscito.
O fundo é mantido com um mínimo de 25% da totalidade das receitas sobre o petróleo do
Estado e os rendimentos só podem ser alocados a partir de uma lei orçamentária. A legislação
do fundo do Alasca exige que seus recursos sejam alocados em ativos diversificados,
investimentos produtivos e administrado de acordo com regras ―prudentes‖ de inves
timentos.
Ademais, a meta principal dos investimentos do Fundo é ter um retorno de pelo menos 5% ao
ano acima da inflação. Para alcançar esse objetivo, a administração do fundo utiliza uma
alocação estratégica, anunciada em uma resolução atualizada todos os anos (INSTITUTO DE
PESQUISAS TECNOLOGICAS, 2009).
A partir das regras de distribuição das receitas dos investimentos do fundo, foi criado um
programa de distribuição de dividendos para a população; neste, cada cidadão ou residente
por mais de um ano tem direito a receber dividendos. No ano de 2013, por exemplo, cada
cidadão recebeu 900 dólares (ALASKA PERMANENT FUND CORPORATION, 2013) que
podem ser destinados como quiserem e não possuem condicionantes. Igualmente, os
administradores devem apresentar relatórios mensais que favoreçam a reputação do fundo e,
como enunciado por CRUZ; RIBEIRO (2009):
O fato de ser uma emenda constitucional e ter passado por um plebiscito fez com que o fundo adquirisse uma reputação de gestão qualificada e transparente dos recursos do petróleo. A distribuição dos dividendos para a população também se
13 São os últimos dados disponibilizados no índice de Public spending on education, total (% of GDP) do Banco Mundial.
constitui numa forma de controle sobre o desempenho dos administradores do fundo (CRUZ; RIBEIRO, 2009, p. 21).
Na América Latina também foram criados fundos para administrar as rendas do petróleo,
esses casos serão estudados posteriormente na análise das reformas aos hidrocarbonetos e
aos
royalties realizadas na América Latina, contempladas neste estudo.
3.3.
O petróleo como negocio: atores e interesses
As empresas são os atores mais visíveis e representativos no negócio do petróleo. No ranking
elaborado pela consultoria especializada Platts, que classifica as 250 maiores companhias no
setor, encontram-se entre os dez primeiros lugares empresas que têm presença na América
Latina: a primeira no ranking é a americana Exxon Mobil, seguida pela British Petroleum
(BP), Chevron, Shell e Total. As empresas estatais latino-americanas também são
significativas em nível mundial; no ranking encontram-se: a colombiana Ecopetrol S.A
(posição 14), a brasileira Petrobras (posição 27) e a argentina YPF SA (posição 92).
No ranking da revista Forbes, além das empresas mencionadas anteriormente (que também
estão nesse ranking, mas não na mesma ordem), está em primeiro lugar a Saudi Aramco,
seguida pela russa Gazprom, e pela National Iranian Oil Company. No ranking também estão
as seguintes companhias da América Latina: a PEMEX (posição 8), a Petrobras (posição 13) e
a PDVSA (posição 19).
Especificamente no Brasil, com a descoberta do pré-sal, onde há 38 bacias sedimentares
15, 44
companhias nacionais e 45 estrangeiras estão presentes. Na licitação do pré-sal Libra (Bacia
de Santos) realizada em 2013
16, por exemplo, o vencedor foi um consórcio formado pela
Petrobras, Shell, Total, a China National Petroleum Corporation (CNPC) e a China National
Offshore Oil Corporation (CNOOC), que ofertou um bônus de assinatura de R$ 15 bilhões,
deixando um excedente em óleo para a União de 41,65% (BRASIL, 2014)
17.
Algumas dessas empresas faturam muitas vezes mais que vários países do mundo, ou seja,
suas receitas são maiores do que o PIB de vários países. Tais rendimentos dão poder às
15
29 com interesse para petróleo e gás natural e 429 campos de petróleo e/ou gás natural.
16 Na Bacia de Santos existem volumes in situ estimados entre 25 e 40 bilhões de barris de petróleo. 17
empresas, que conseguem influenciar organismos, foros, convenções internacionais e até
governos. Igualmente, o poder que outorga o hidrocarboneto é evidenciado na geopolítica
mundial: a Rússia, por exemplo, utiliza a Gazprom como ferramenta política; no caso da
América Latina, a Venezuela criou um programa para vender gasolina mais barata aos países
da América Central e do Caribe, para em troca receber apoio diplomático na arena
internacional (MINAYA, 2014)
18.
Como mencionado acima, as rendas provenientes das empresas estatais dão poder aos
governos para implementar políticas e influenciar decisões dentro e fora do seu próprio país.
Igualmente, é importante apontar que a indústria petroleira faz doações políticas e financia
campanhas para persuadir decisões em relação à construção de oleodutos, gasodutos,
mudanças climáticas e de condições tributárias que pudessem afetá-las. De fato, a supremacia
dos interesses das empresas perante vários governos é indiscutível: enquanto as rendas das
petroleiras são abundantes
19, em muitos países onde estão sendo extraídos os recursos existe
uma elisão e evasão de impostos que impedem os países de desfrutarem sua parte justa dos
lucros do petróleo, o gás e a mineração (ANNAN, 2013)
20.
Contudo, a dificuldade para extrair e produzir petróleo atualmente está fazendo com que
alguns países relaxem suas condições tributárias e de negociação de contratos para atrair as
petroleiras
21; por exemplo, na exposição de motivos do projeto de lei que reforma a lei de
hidrocarbonetos no México, foi descrita a necessidade de modificar a constituição para
permitir que firmas estrangeiras explorem petróleo posto que a estatal PEMEX não contava
com a tecnologia para fazê-lo. Tal motivação também foi válida no caso brasileiro onde a
reforma permitiu que o país adotasse o regime de partilha a partir do descobrimento do
pré-sal. Do mesmo modo, a Argélia, a Líbia, o Irã e o Iraque agora têm regras mais flexíveis nos
18 Vários exemplos podem ser citados, como a guerra do Golfo, guerras no Iraque, na Angola, na Argélia, na República do Congo, na Nigéria, no Sudão, na Afeganistão (dentre outras), onde as petroleiras não são aproveitaram o caos para extrair o recurso, mas também financiaram grupos insurgentes ou governos, causando mais guerra (ALBRIGHT, 2002).
19
A receita da Exxon Mobil Corporation em 2013 foi de $438.3 B USD, e da BP de $379,1 B USD (Bloomberg).
20 O autor argumenta que nos países africanos são subvalorizadas as exportações para subestimar as obrigações tributárias das empresas. Além disso, nesses países não existem barreiras para impor a transparência das empresas, dentre outras estratégias para evadir os pagamentos que merecem os países.
contratos e incentivos para despertar o interesse das companhias em campos mais arriscados
(FAUCON, 2014).
As empresas petroleiras tomam a decisão de investir levando em consideração as condições
que são fornecidas pelo país. Assim, a decisão de investir no local dependerá tanto do sistema
tributário, como impostos, royalties, bônus de assinatura, participações especiais sobre lucros
extraordinários e outras contribuições, tanto do tipo de regime jurídico-regulatório que exista
no país. Se for um contrato de concessão, no qual a companhia tem o direito exclusivo de
explorar e produzir hidrocarbonetos e é proprietária exclusiva do óleo ou gás produzido
22ou
um contrato de partilha, o qual garante para além de todas as obrigações tributárias uma
participação mínima da empresa estatal do país no qual se quer investir e partilha as receitas
entre o Estado e o consórcio vencedor, sendo que o valor varia de acordo com o campo
explorado. Existe outro tipo de regimes menos comuns, como o Contrato de Serviços, onde a
empresa estatal tem o direito exclusivo de explorar e produzir hidrocarbonetos e os
prestadores do serviço recebem um pagamento independente do risco da exploração; e Joint
Venture, no qual são constituídas sociedades com um propósito específico para a realização
de atividades (BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E
SOCIAL, 2009)
23.
No tocante aos royalties que devem ser pagos pelas companhias, e mais exatamente aos
efeitos que teria a mudança na distribuição dos royalties, as empresas petroleiras, em
princípio, não seriam afetadas com tal mudança, contudo, na Colômbia foi corroborado que
apesar de não ter tido presença nas discussões no congresso, as empresas estão sendo afetadas
com a nova distribuição dos royalties - com a reforma, todos os departamentos (nível
intermediário do governo) começaram a receber royalties do petróleo e não somente os
departamentos produtores - devido ao fato que, na prática, as negociações se levam a cabo
com as comunidades diretamente afetadas; uma vez que estas estejam recebendo menos
recursos, a negociação e a permanência da empresa no local têm se dificultado.
22
Na contratação via concessão na indústria do petróleo e gás, o titular dos direitos sobre os hidrocarbonetos, concede a uma ou mais companhias de petróleo nacionais ou estrangeiras o direito exclusivo de explorar e produzir hidrocarbonetos, por sua conta e risco, tornando-se proprietárias do óleo e gás produzidos e podendo deles dispor livremente, observando, contudo, as regras do contrato e os mecanismos de taxação aplicáveis (BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL, 2009).
Por outro lado, falando em companhias petroleiras, deve ser mencionado que várias empresas
já foram punidas por danos ambientais. Assim, diversas sentenças têm sido proferidas por
conta dos danos ambientais causados, a maioria por conta da utilização de máquinas que não
contam com a tecnologia adequada e que não só contaminam o território, mas também têm
ocasionado problemas de saúde às comunidades. Alguns dos casos mais significativos são: a
Chevron-Texaco no Equador, que teve que pagar US$9,5 Bilhões para a Frente de Defensa de
la Amazonía pela contaminação da água, do lençol freático e córregos, assim como pelos
danos à saúde da população. De acordo com a sentença, a companhia não tomou as devidas
precauções e optou por não utilizar a tecnologia adequada, mesmo estando disponível no
mercado, com o intuito de economizar custos (MARTINEZ, 2011, p. 3); A Shell, na Nigéria,
sofreu sanções por conta da poluição por derramamento de petróleo no delta do Níger, e pela
violação de direitos a um padrão de vida adequado das comunidades, tendo que pagar US$
83,4 milhões para estas comunidades. Igualmente, o Tribunal de Justiça da Comunidade
Econômica dos estados da África Ocidental (CEDEAO) rejeitou o comportamento do governo
nigeriano e determinou que este fracassou na prevenção da poluição e não puniu as empresas
como devia (AMNESTY INTERNATIONAL, 2012); Outro caso emblemático, e que cria
importantes precedentes na legislação ambiental e no comportamento das petroleiras, é o caso
da BP, recentemente punida pela explosão na plataforma Deepwater Horizon que ocasionou
num derramamento de petróleo no Golfo do México em 2010, gerando significativa
contaminação hídrica, afetando o local e seus moradores, provocando a morte de 11
funcionários. A BP declarou-se culpada e teve de pagar US$4,25 bilhões em compensação
(BRITISH PETROLEUM, 2013).
países, dentre eles Alemanha, França, e o Brasil, o proibiram. Contudo, na Colômbia, apesar
da oposição da sociedade civil organizada, essa prática passou a ser permitida em 2014.
Dessa forma, a sociedade civil
24tem desempenhado um papel importante na defesa do meio
ambiente e contra as companhias petrolíferas, em alguns casos evitando que os países utilizem
a perfuração hidráulica, como apontado por Martinez (2011):
Quanto mais escasso o petróleo, maior a probabilidade de os acidentes e derrames aumentarem. Estamos no declínio da curva de Hubbert (o pico da curva do petróleo)25. A indústria vai se esforçar realmente para extrair petróleo de qualidade inferior e em locais cada vez mais remotos e difíceis. Os custos de extração vão aumentar e as companhias tenderão a economizar em segurança (MARTINEZ, 2011,p. 6).
Diante dessa situação, surge um debate em torno da propriedade e administração dos bens
naturais, dado que, tradicionalmente, e baseados no conceito de Garret Hardin (1968) sobre a
―tragédia dos comuns‖
- que determina que os regimes de propriedade comum não são
sustentáveis devido aos interesses antagônicos de seus usuários, ou seja, a ideia de que os
bens apropriados em comum estão sujeitos à degradação massiva - a administração dos bens
naturais e, neste caso específico, do petróleo tem sido definida e regulada no acesso e
utilização, por meio de privatizações ou como propriedade do Estado.
Por outro lado, existem críticas a essa teoria, como a feita pela ganhadora do Nobel de
Economia, Elinor Ostrom, que argumenta que nem sempre acontece a tragédia dos comuns,
uma vez que as sociedades podem cooperar. Apoiando-se em uma pesquisa teórica e
empírica, demonstrou que as pessoas podem resolver os conflitos dos bens naturais e que em
muitos casos o conseguem de uma melhor maneira do que os governos e os órgãos privados.
O estudo de Ostrom intitulado ―
Governing the commons
‖ (1990) evidencia a alta capacidade
dos próprios moradores, cujas vidas dependem da conservação dos recursos para gerar regras
de decisão e gestão; a autora reconhece que podem se apresentar conflitos e não existe um
padrão único para chegar a uma solução, porém, as pessoas podem conquistar a confiança das
outras e fazer com que sejam estabelecidas instituições duradouras para a gestão de recursos
de propriedade comum se: fizerem uma delimitação clara dos limites, tiverem coerência entre
24 Entendida como o conjunto de movimentos, associações civis, organizações sociais, associações culturais, opiniões públicas, iniciativas cidadãs, etc. que por meio de ações coletivas na esfera pública levam adiante suas demandas e reivindicações e conquistam espaços de ação sociopolítica e cultural (GOHN, 1997, p. 57).
25