Artigo Original
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Correspondência: Marli Terezinha Stein Backes
Universidade Federal de Santa Catarina. Centro de Ciências da Saúde Departamento de Enfermagem
Rua Roberto Sampaio Gonzaga, s/n Bairro: Trindade
CEP: 88040-900, Florianópolis, SC, Brasil E-mail: marli.backes@ufsc.br
1 Artigo extraído da tese de doutorado “A sustentação da vida no ambiente complexo de cuidados em Unidade de Terapia Intensiva”, apresentada à Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil.
2 PhD, Professor Adjunto, Departamento de Enfermagem, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil. 3 PhD, Professor Titular, Departamento de Enfermagem, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil.
4 PhD, Professor Doutor, Hochschule Osnabrück, Fakultät Wirtschafts und Sozialwissenschaften, Osnabrück, Nothwesfallen, Alemanha.
O ambiente vivo, dinâmico e complexo de cuidados em Unidade de
Terapia Intensiva
1Marli Terezinha Stein Backes
2Alacoque Lorenzini Erdmann
3Andreas Büscher
4Objetivos: compreender o significado do ambiente de cuidados em Unidade de Terapia Intensiva
Adulto, vivenciado pelos profissionais que atuam nessa unidade, gestores, pacientes, familiares
e profissionais dos serviços de apoio, bem como construir um modelo teórico sobre o ambiente
de cuidados em Unidade de Terapia Intensiva. Método: Grounded Theory, tanto para a coleta
como para a análise dos dados. Com base na amostragem teórica, realizaram-se 39 entrevistas
em profundidade, em três Unidades de Terapia Intensiva Adulto. Resultados: construiu-se a
teoria substantiva denominada “sustentando a vida no ambiente complexo de cuidados em
Unidade de Terapia Intensiva” que compreende oito categorias: “cuidando e monitorando o
paciente continuamente” e “utilizando tecnologia adequada e diferenciada” (condições causais);
“proporcionando um ambiente adequado” e “tendo familiares com preocupação” (contexto);
“mediando facilidades e dificuldades” (condições intervenientes); “organizando o ambiente e
gerenciando a dinâmica da unidade” (estratégia) e “encontrando dificuldades para aceitar e lidar
com a morte” (consequências). Conclusão: confirmou-se a tese de que “o ambiente de cuidados
em Unidade de Terapia Intensiva é um ambiente vivo, dinâmico e complexo que sustenta a vida
dos pacientes nela internados”.
Descritores: Administração Sistêmica; Ambiente de Instituições de Saúde; Unidades de Terapia
Intensiva.
Rev. Latino-Am. Enfermagem
maio-jun. 2015;23(3):411-8
DOI: 10.1590/0104-1169.0568.2570
Introdução
Um ambiente de cuidado envolve múltiplas dimensões
de cuidado e abrange um conjunto de elementos que o
integram, e precisa levar em conta o todo que envolve as
partes, assim como as partes que envolvem o todo, como
bem argumenta o idealizador do pensamento complexo(1).
Esses aspectos, contudo, nem sempre são considerados
no modelo biomédico de atenção à saúde, cujo foco está
centrado na doença, na fragmentação do saber, fazer e ser proissional, em que, algumas vezes, nem mesmo o ser que é cuidado é visto como um todo integrado, um ser
de múltiplas relações sociais, potencializadas pelo meio
ambiente natural e social.
Nesse sentido, um ambiente de cuidado requer
que sejam criadas condições favoráveis à saúde,
promovendo ambiente saudável e construtivo e com
relações interpessoais harmônicas, vitalizadoras e
potencializadoras de energias positivas para um viver
melhor(2).
Nessa perspectiva, o ambiente do cuidado em
saúde/enfermagem precisa ser mais bem conhecido e
compreendido para que atinja a dimensão sistêmica.
Deve ser apreendido como um processo circular
que leve em conta tanto o indivíduo que necessita
de cuidados como também as condições em que o
mesmo é realizado, os recursos humanos e materiais
disponíveis, as relações interpessoais, as interações entre os proissionais de saúde, pacientes e familiares, bem como as interações com o meio ambiente.
O ambiente de cuidados em Unidade de Terapia
Intensiva (UTI), foco do presente estudo, é um ambiente
destinado a assistir pacientes graves e instáveis que, geralmente, ica no meio hospitalar, e é considerado de alta complexidade, por contar com aparato tecnológico e
informatizado de ponta, que apresenta ritmo acelerado,
no qual são realizados procedimentos agressivos e
invasivos, e onde o duelo entre a vida e a morte está
bem presente, sendo que a morte, muitas vezes, é
iminente(3-5).
Dessa maneira, a UTI, com frequência, é
estigmatizada, podendo gerar concepções errôneas em
relação à assistência e atitudes da equipe(3). Da mesma
forma, a UTI também é vista como um ambiente que
gera mitos, sensações e sentimentos contraditórios,
tais como angústia, medo, tristeza, dor e sofrimento,
segurança e insegurança, tanto nos pacientes e familiares como nos proissionais.
Nessa direção, destacam-se os conceitos de ordem
e desordem da Teoria da Complexidade de Edgar Morin.
Enquanto o conceito de ordem remete às ideias de
“estabilidade, rigidez, repetição e regularidade,
unindo-se à ideia de interação, e imprescinde, recursivamente,
da desordem, que comporta dois polos: um objetivo
e outro subjetivo. O objetivo é o polo das agitações,
dispersões, colisões, irregularidades e instabilidades, em
suma, os ruídos e os erros”(6). Já o polo subjetivo é o da
imprevisibilidade que faz com que a desordem coloque
em evidência a incerteza que traz consigo o acaso, que
é indispensável no surgimento da desordem(1).
A complexidade também envolve a diversidade,
o entrelaçamento e a interdependência e deve
ser entendida como um sistema de pensamento aberto, abrangente e lexível, ou seja, o pensamento complexo. Pensamento esse que leva a uma nova
compreensão do mundo, e conduz ao entendimento e
aceitação das mudanças contínuas da realidade, sem
negar a multiplicidade, a aleatoriedade e a incerteza,
mas buscando conviver com elas(7). O pensamento
complexo, ao mesmo tempo, também “é antagônico
e complementar; é contraditório e ambivalente, mas
constantemente está em transmutação”(8).
O presente estudo é uma síntese da tese de doutorado
intitulada “A sustentação da vida no ambiente complexo de
cuidados em Unidade de Terapia Intensiva”(9-10) e
encontra-se fundamentado na encontra-seguintequestão de pesquisa:qual o signiicado do ambiente de cuidados em Unidade de Terapia Intensiva Adulto, vivenciado pelos proissionais que atuam nessa unidade, gestores, pacientes, familiares e proissionais dos serviços de apoio?
A referida tese teve como objetivos: compreender o signiicado do ambiente de cuidados em Unidade de Terapia Intensiva Adulto, vivenciado pelos proissionais que atuam nessa unidade, gestores, pacientes, familiares e proissionais dos serviços de apoio, bem comoconstruir um modelo teórico sobre o ambiente de
cuidados em Unidade de Terapia Intensiva Adulto.
Método
O método utilizado foi a Grounded Theory e o estudo
foi conduzido baseado nos princípios da amostragem
teórica, sendo que a coleta e a análise de dados foram
realizadas entre junho de 2009 e setembro de 2010,
em sequências alternativas, e compreenderam quatro
etapas consecutivas. No total, a amostra teórica foi
composta por 39 entrevistas, realizadas com 47 sujeitos
diferenciados.
Assim, na primeira etapa foram realizadas 10
formado por proissionais da saúde, gestores e proissionais dos serviços de apoio que atuavam na UTI Adulto do Hospital Universitário Professor Polydoro
Ernani de São Thiago, da Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC), localizado em Florianópolis, SC
(UTI 1).
Na segunda etapa, foram realizadas 17 entrevistas
com dois grupos diferenciados, sendo que o primeiro
grupo era composto por oito entrevistas individuais
e/ou coletivas, realizadas com 16 participantes, dos
quais quatro eram pacientes e 12 familiares, ambos
estavam vivenciando a experiência de UTI no momento
da entrevista e/ou haviam vivenciado essa experiência
em momentos anteriores. Essas entrevistas foram
realizadas na mesma UTI Adulto, de Florianópolis, SC
(UTI 1), mencionada acima, e também no domicílio
de uma paciente que esteve internada numa UTI
Adulto na cidade de Santa Rosa, RS, 16 meses após
a sua alta. Ainda, nessa segunda etapa, buscou-se,
concomitantemente com as entrevistas realizadas com
pacientes e familiares, realizar mais nove entrevistas com proissionais da saúde e dos serviços de apoio da referida UTI Adulto, de Florianópolis, SC (UTI 1).
Já na terceira etapa, foram realizadas cinco entrevistas individuais com proissionais da saúde e gestores da UTI Adulto de um hospital privado, ou seja,
do Hospital São Francisco de Assis da cidade de Santa
Maria, RS (UTI 2).
Na quarta e última etapa, foram realizadas sete entrevistas individuais com proissionais da saúde, gestor, paciente, familiar e proissional do serviço de apoio de uma UTI Adulto de um hospital ilantrópico, ou seja, do Hospital Sociedade Portuguesa de Beneicência da cidade de Pelotas, RS (UTI 3).
As entrevistas, portanto, foram realizadas em três
UTIs Adulto, localizadas em Florianópolis, SC (UTI 1),
Santa Maria, RS (UTI 2), e Pelotas, RS (UTI 3), bem
como no domicílio de uma das pacientes após a sua alta da UTI, com a inalidade de maximizar a variação entre os conceitos. A UTI 1 pertencia a um hospital público
universitário, de grande porte. A UTI 2 pertencia a um
hospital privado de pequeno porte. Já a UTI 3 pertencia a um hospital ilantrópico de grande porte.
Realizaram-se, também, 50 horas de observação
participante na UTI 1 e observações gerais na UTI 2 e
3, antes e após as entrevistas, bem como 55 horas e 30
minutos de observação participante em duas UTIs e em
uma Unidade de Tratamento Semi-Intensivo do Hospital
Klinikum Bielefeld, na Alemanha, durante o doutorado
sanduíche da pesquisadora principal.
O processo de codiicação foi realizado através da codiicação aberta, axial e seletiva, fases distintas, mas complementares e integradas. Na análise dos
dados, utilizou-se o mecanismo analítico denominado
paradigma, preconizado por Strauss(11), como instrumento
facilitador, que envolve um esquema organizacional que
ajuda a reunir e a ordenar sistematicamente os dados e a classiicar as conexões emergentes.
Para atender os critérios éticos da pesquisa, foram
consideradas as recomendações da Resolução nº196/96
(vigente na época da pesquisa), do Conselho Nacional de
Saúde, sobre pesquisas envolvendo seres humanos(12), a
aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com seres
humanos da Pró-Reitoria de Pesquisa e Extensão da
Universidade Federal de Santa Catarina, sob Processo
nº130/09, a aprovação da Comissão de Ética em Pesquisa da Sociedade Portuguesa de Beneicência de Pelotas, RS, sob Parecer s/n, de 8 de setembro de
2010, e, ainda, a autorização das respectivas Direções e Cheias de Enfermagem dos Hospitais e das Cheias de Enfermagem das referidas UTIs, a im de validar a proposta de trabalho e poder divulgar as informações.
Resultados
Foi possível construir a teoria substantiva
denominada “sustentando a vida no ambiente complexo
de cuidados em Unidade de Terapia Intensiva” que
compreende oito categorias intimamente
inter-relacionadas e integradas entre si. Duas categorias
como condição causal, assim deinidas: “cuidando e
monitorando o paciente continuamente” e “utilizando
tecnologia adequada e diferenciada”, as quais justiicam a existência da UTI. Apresenta como contexto, também, duas categorias: “proporcionando
um ambiente adequado” e “tendo familiares com
preocupação”. As condições intervenientes referem-se à categoria “mediando facilidades e diiculdades”. Por sua vez, “organizando o ambiente e gerenciando a dinâmica da unidade” é a categoria que foi deinida como estratégia e as consequências dizem respeito à categoria “encontrando diiculdades para aceitar e lidar com a morte”, que relete a diiculdade que os próprios proissionais que atuam em UTI apresentam.
Sustentando a vida no ambiente complexo de cuidados em Unidade de Terapia Intensiva
“Sustentando a vida no ambiente complexo
considerada a categoria central, ou o fenômeno
central, porque apresenta o tema central da pesquisa,
se relaciona com as demais categorias e integra umas
às outras. Essa categoria compreende as seguintes
subcategorias: “valorizando a vida dos pacientes”,
“recuperando a saúde dos pacientes”, “caracterizando o ambiente da UTI” e “deinindo a funcionalidade do ambiente de UTI”.
Lutar pela vida é a meta da UTI. Dessa forma,
são priorizados os tratamentos que mantêm a vida
e promovem a melhor recuperação possível dos pacientes. Os proissionais da UTI procuram ter o maior cuidado e atenção redobrada para recuperar a saúde dos pacientes e icam atentos aos detalhes que interferem diretamente com a vida, sendo ágeis,
fazendo o máximo possível e evitando atrasos no
cuidado para não perder a vida dos pacientes, porque
querem que os pacientes melhorem para saírem bem
da UTI e, muitas vezes, aumentam os recursos para
manter a vida por mais tempo. A equipe da UTI sente
satisfação com a recuperação da saúde dos pacientes e
isso os deixa animados.
Cuidando e monitorando o paciente continuamente
“Cuidando e monitorando o paciente continuamente”
foi determinada como uma das condições causais,
porque diz respeito às ações relacionadas ao suporte que
é dado ao paciente grave, que necessita de assistência qualiicada, com o auxílio de tecnologia diferenciada e de proissionais preparados. Essa categoria possui como subcategorias: “considerando as condições de
internação dos pacientes”, “descrevendo as condições
dos pacientes na UTI”, “associando o ambiente
de cuidados à assistência de enfermagem/saúde”,
“necessitando considerar o paciente como um ser vivo e
humano”, “interagindo com os pacientes” e “observando os proissionais”.
A assistência aos pacientes na UTI está relacionada
ao cuidado direto, intensivo e ao monitoramento permanente por parte dos proissionais. No entanto, o cuidado na UTI requer não só um cuidado técnico,
voltado apenas para a dimensão biológica, mas um
cuidado integral com os pacientes, tratando-os como
seres humanos, com respeito, afetividade e dedicação,
conversando com os mesmos, consolando-os quando
necessário e vendo sempre o que é melhor para eles,
fazendo com que os pacientes se sintam bem cuidados
em todos os sentidos, mesmo estando em coma,
sedados ou inconscientes.
Utilizando tecnologia adequada e diferenciada
A categoria “utilizando tecnologia adequada e
diferenciada”, também considerada condição causal, faz
parte da estrutura da UTI. É uma condição determinante
da existência da UTI e que a diferencia dos demais
ambientes. Apresenta como subcategorias: “recursos
tecnológicos” e “recursos materiais”.
Quanto aos recursos tecnológicos, numa UTI,
torna-se indispensável o uso da tecnologia, a qual difere
daquela que é utilizada em outros ambientes de cuidado.
Um ambiente de UTI adequado envolve tecnologia
adequada, isto é, aparelhos tecnológicos, como bombas
de infusão, respiradores, monitores cardíacos, oxímetros
e outros. Em relação aos recursos materiais, na UTI
existe a necessidade e a utilização de muitos materiais
e equipamentos e os mesmos precisam ser adequados, suicientes e de qualidade, a im de se evitar expor os pacientes a riscos. Há o controle rigoroso de materiais e
onde, geralmente, não pode faltar material.
Proporcionando um ambiente adequado
“Proporcionando um ambiente adequado”
refere-se ao contexto da UTI, pois diz respeito ao ambiente especíico da UTI, que deve ser bem apresentável como um todo, harmonioso, agradável, organizado e limpo,
proporcionando conforto e bem-estar aos pacientes, familiares e proissionais. Deve ser adequado, sobretudo, para a assistência aos pacientes.
A categoria “proporcionando um ambiente
adequado” é composta pelas seguintes subcategorias:
“levantando os elementos que compõem o espaço físico
da UTI”, “comparando duas UTIs a partir da construção
de uma UTI nova” e “precisando de um ambiente para
os familiares”.
Os proissionais da UTI apresentam muita preocupação em relação ao ambiente, principalmente
com o tamanho do espaço onde os pacientes se
encontram, a presença da luz natural, a presença de
janela em cada boxe para situar os pacientes no tempo e
para poderem perceber se é dia ou noite, preocupam-se
em individualizar o paciente, evitando que um paciente
veja o outro, atentam à privacidade dos pacientes,
utilizando cortinas em cada boxe.
Tendo familiares com preocupação
A categoria “tendo familiares com preocupação”
de UTI enquanto familiar”. Os familiares também
pertencem ao contexto da UTI, pois fazem parte da
história dos pacientes ali internados e são responsáveis
por eles, motivo pelo qual se apresentam preocupados e
na expectativa de vê-los melhorar.
A presença dos familiares na UTI, entretanto, é
muito restrita e os mesmos, geralmente, vêm para a
UTI apenas nos horários de visita aos pacientes, que
são fracionados e ocorrem, geralmente, três vezes ao
dia, ou seja, pela manhã, à tarde e à noite, totalizando
em torno de uma hora e meia a duas horas de visita
diária. Uma das UTIs estudadas apresenta horário de
visita apenas à tarde e à noite, com apenas 30 minutos
em cada horário.
Mediando facilidades e diiculdades
Facilidades e diiculdades são consideradas condições intervenientes no ambiente da UTI e são
inerentes à existência da mesma, ou seja, também
fazem parte das condições estruturais da unidade
e precisam ser mediadas e relevadas para o seu
bom funcionamento. Na UTI, assim como em outros ambientes, os proissionais encontram fatores que facilitam o cuidado e, também, fatores que o diicultam.
A categoria “mediando facilidades e diiculdades”é constituída pelas seguintessubcategorias: “competência proissional”, “condições de trabalho”, “demonstrando preocupação com a formação proissional e incentivando a capacitação”, “necessitando integrar a teoria e a
prática”, “a presença de estresse” e “lidando com conlitos”.
Organizando o ambiente e gerenciando a dinâmica da unidade
“Organizando o ambiente e gerenciando a dinâmica da unidade” foi deinida como estratégia da teoria substantiva “sustentando a vida no ambiente
complexo de cuidados em Unidade de Terapia
Intensiva”, porque faz parte do processo, ou seja, das
ações envolvidas na sustentação da vida dos pacientes
internados na UTI, buscando recuperar a saúde dos mesmos, através de cuidado qualiicado, humanizado e seguro, ante a atuação dos diversos proissionais da saúde, no trabalho que é realizado em equipe,
de forma continuada e com o auxílio dos serviços de
apoio. Também diz respeito ao cuidado e às melhorias
do próprio ambiente da UTI, à tentativa de humanizar
o ambiente, ao reconhecimento da presença e
importância da família no processo de cuidado e à
transmissão de informações para os familiares sobre o
paciente, uma vez que a família precisa ser mantida a
par da evolução do paciente.
A categoria “organizando o ambiente e gerenciando
a dinâmica da unidade” é composta pelas seguintes
subcategorias: “organizando o ambiente e otimizando o cuidado”, “atribuições proissionais”, “contando com os serviços de apoio”, “trabalhando em equipe”, “mantendo o luxo de trabalho”, “agregando novos proissionais”, “transmitindo informações sobre o paciente para
a família”, “tentando humanizar o ambiente” e
“reconhecendo a presença e a importância da família no
processo de cuidado”.
Encontrando diiculdades para aceitar e lidar com a
morte
A diiculdade dos proissionais para aceitar e lidar com a morte dos pacientes é considerada consequência
da teoria substantiva “sustentando a vida no ambiente
complexo de cuidados em Unidade de Terapia Intensiva”. E essa diiculdade gera sofrimento e angústia nos proissionais diante do não alcance do objetivo almejado, além do medo da reação da família, motivo pelo qual,
muitas vezes, evitam interagir efetivamente com os
familiares.
A categoria “encontrando diiculdades para aceitar e lidar com a morte” compreende as seguintes subcategorias: “icando angustiado com o sofrimento e a morte dos pacientes”, “icando frustrado e sensibilizado com a internação prolongada dos pacientes e com a
presença de pacientes terminais”, “encarando a morte de
diferentes maneiras”, “evitando interagir efetivamente
com os familiares”, “precisando da ajuda de psicólogo para os proissionais” e “precisando abordar e trabalhar a morte com os proissionais”.
Discussão
Acredita-se que a Grounded Theory foi o método
mais adequado para este estudo, devido à relevância
para os indicadores subjetivos e porque possibilitou compreender o signiicado coletivo do ambiente de cuidados em UTI Adulto, resultante do processo
de pesquisa em questão que envolveu observação
participante e a realização de entrevistas em
internados na UTI ou que já haviam recebido alta da
UTI.
Além disso, o presente estudo, aliado ao referencial
teórico da complexidade de Edgar Morin, a partir de uma
visão sistêmica, proporcionou visão de conjunto e novos
entendimentos em relação ao ambiente de cuidados
em UTI, bem como a construção da teoria substantiva
“sustentando a vida no ambiente complexo de cuidados
em Unidade de Terapia Intensiva”, que é uma teoria útil
e fundamentada em dados de pesquisa, e que culminou
com o desenvolvimento e a integração de oito categorias.
De modo geral, a UTI é considerada uma área especíica, crítica, especializada, diferenciada dos outros ambientes, muito técnica e de tratamentos invasivos.
Ambiente complexo, fechado, organizado, extremamente dinâmico e também barulhento. Possui luxo de pessoas controlado. É um local limpo, de procedimentos estéreis
e assépticos. Concentra pacientes graves e críticos, que
apresentam alto risco de morrer e requerem assistência
especial e um cuidado a mais.
Segundo o Ministério da Saúde do Brasil, a UTI
envolve um conjunto de elementos agrupados de
modo funcional e destinados a atender pacientes
graves ou de risco, ou seja, pacientes que apresentam
alguma condição potencialmente determinante de sua
instabilidade e que, por esse motivo, necessitam de
assistência médica e de enfermagem ininterruptas, além
de equipamentos e recursos humanos especializados(13).
Recentemente a literatura médica internacional
tem noticiado os efeitos do design da UTI em relação
à funcionalidade, segurança e bem-estar dos pacientes
e seus familiares. Aponta que as características do
projeto de UTI, ligadas às necessidades dos pacientes e
seus familiares, são a privacidade, quartos individuais,
ambiente tranquilo, a exposição à luz do dia, vista para
a natureza, a prevenção da infecção, uma área para a
família e horário de visita livres(14).
A realidade das UTIs brasileiras, de modo geral,
ainda não contempla todos esses aspectos, tais como
quartos individuais para os pacientes, vista para
a natureza, uma área para a família e horários de
visita livres. No entanto, cada vez mais o país vem
investindo em melhorias nos ambientes de cuidado
em UTI, tornando esses ambientes mais acolhedores e
humanizados e ampliando os horários de visita.
Estudo realizado na Alemanha, para conhecer
melhor a situação dos familiares de pacientes internados
na UTI, mostra que os mesmos convivem com a
incerteza, emoções esmagadoras, além de terem que
assumir responsabilidades adicionais(15). De acordo
com os autores, os familiares colocam sempre em
primeiro plano o paciente internado na UTI e querem
sempre estar perto dele, com ou sem a participação
nos cuidados, bem como buscam informações honestas,
apoio social e tentam sempre manter a esperança na
melhora do paciente.
Outro estudo realizado procurou revisar o
contexto do ambiente de cuidado de UTI em relação
à segurança dos pacientes e a qualidade do cuidado,
especiicamente no que diz respeito à associação com a
saúde e infecção e problemas e soluções que envolvem
a equipe interdisciplinar. Os temas abrangem o projeto
arquitetônico atual e futuro e as tendências de layout,
tendências que afetam a construção de unidades de
terapia intensiva e prevenção de construção associada
a infecções relacionadas à assistência, que envolvem
riscos no ar e pela água e soluções de design(16).
Ainda, de acordo com os mesmos autores,
elementos especíicos incluem a ocupação individual,
salas de unidade de terapia intensiva com acuidade
escalável; aspectos ambientais relacionados à higiene
das mãos, tais como os riscos da água, presença e
localização da pia, gestão de recursos humanos e de
resíduos, seleção de superfície (revestimento do piso,
bancadas, mobiliário e equipamentos) e de limpeza,
tratamento dos antimicrobianos e materiais similares,
irradiação germicida ultravioleta, salas especializadas de
isolamento para pacientes com infecções transmitidas
pelo ar e ambientes de protecção, projeto de sistemas
de água e estratégias para o uso seguro de água potável.
Outro estudo realizado comparou o design
de UTI na China e Holanda com base nos padrões
estabelecidos. Os autores consideraram que, devido ao
alto risco e instabilidade dos pacientes de UTI, o design
de UTI é muito difícil. No entanto, um projeto de UTI
com design de iluminação, controle de ruído e outros
aspectos também pode melhorar a sua gestão. Levaram
em conta, também, o ambiente interno na perspectiva
do planejamento, analisaram pacientes e suas famílias,
a equipe médica e a necessidade de espaço para realizar
pesquisas em design de UTI(17).
Considerando o desenvolvimento da ciência e o
progresso social, esses últimos autores cada vez mais
defendem o human-center design, ou seja o design
centrado no ser humano, a partir do ponto de vista dos
usuários, com o objetivo de fornecer um ambiente de
UTI confortável e eicaz para os pacientes, suas famílias e proissionais, satisfazendo as demandas de diferentes
necessidades, com o desenvolvimento de alta tecnologia
emocional, e, ao mesmo tempo, satisfazer as exigências
econômicas, de qualidade e eiciência.
O pensamento sistêmico/complexo representa,
nessa direção, alternativa capaz de contribuir com o
pensamento racional do paradigma cartesiano, ainda
predominante nas UTIs, diante do resgate do humano,
pela compreensão do todo, fazendo a conexão entre as
partes e o todo, a razão e a emoção, a objetividade e a
subjetividade, o ambiente da UTI e as demais unidades
e serviços de saúde intra e extra-hospitalares, a UTI e o
universo social e a UTI e o meio ambiente.
Em suma, o objetivo da UTI é investir para
recuperar a saúde dos pacientes, com o auxílio de tecnologias diferenciadas e proissionais qualiicados. Dessa maneira, o ambiente de UTI é um local destinado
a cuidados intensivos a pacientes graves, instáveis e
recuperáveis, que apresentam risco de morrer, mas que
não internam na UTI para morrer.
Entretanto, devido à gravidade em que os pacientes
se encontram, o limite entre a vida e a morte
torna-se uma pretorna-sença constante nestorna-se ambiente e, como consequência, os proissionais sentem satisfação com a recuperação da saúde dos pacientes, mas também se sentem frustrados e apresentam diiculdades para aceitar e lidar com a morte deles.
Essa frustração e diiculdade para aceitar e lidar com a morte dos pacientes na UTI, muitas vezes, traduz-se em sofrimento para os proissionais. Em estudo, no qual se investigaram os sentimentos de sofrimento no
trabalho de enfermeiros na UTI, foi apontado que as
vivências do sofrimento estão relacionadas com o cuidar
do paciente crítico jovem, com a família do paciente,
o trabalho em equipe, a falta de reconhecimento do
trabalho realizado e a tecnologia no trabalho(18).
Conclusão
O presente estudo possibilitou compreender o signiicado coletivo do ambiente de cuidados em UTI Adulto a partir das vivências e experiências de proissionais da saúde, gestores, proissionais dos serviços de apoio intra-hospitalar, familiares e pacientes
internados na UTI ou que já haviam recebido alta da UTI,
e que, aliado ao referencial teórico da complexidade de
Edgar Morin, e visto a partir do ponto de vista sistêmico,
proporcionou uma visão do conjunto de circunstâncias
e novos entendimentos em relação ao ambiente de
cuidados em UTI, bem como a construção da teoria
substantiva“sustentando a vida no ambiente complexo
de cuidados em Unidade de Terapia Intensiva”, que é
uma teoria útil e fundamentada em dados de pesquisa,
e que culminou com o desenvolvimento e a integração
de oito categorias.
“Sustentando a vida no ambiente complexo de
cuidados em Unidade de Terapia Intensiva” foi designada
como a teoria substantiva, o fenômeno central,
que, baseado no mecanismo analítico, denominado
paradigma, preconizado pelo método utilizado,
possibilitou a reunião e o ordenamento dos dados
sistematicamente, proporcionando a integração das
condições estruturais que dizem respeito às condições
causais, contextuais e intervenientes, com o processo,
que se refere às estratégias de ação e interação dos proissionais envolvidos no cuidado em UTI, a im de se compreender melhor a dinamicidade, a complexidade e
a natureza dos fatos nesse ambiente.
Evidenciou-se que a UTI é um ambiente de
cuidados vivo e dinâmico, no qual ocorre a sustentação
da vida e onde se almeja a melhor recuperação possível
dos pacientes ali internados. E, como consequência, os proissionais de saúde da UTI icam frustrados e angustiados quando não conseguem recuperar a
saúde dos pacientes e esses vêm a falecer. Nesse sentido, conirma-se a tese: “o ambiente de cuidados em Unidade de Terapia Intensiva é um ambiente vivo,
dinâmico e complexo que sustenta a vida dos pacientes
nela internados”.
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