Grupo de Brauer e o teorema de Merkurjev-Suslin
Grupo de Brauer e o teorema de Merkurjev-Suslin
Gilberto Luiz Angelice de Camargo
Orientador: Prof. Dr. Eduardo Tengan
Dissertação apresentada ao Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação - ICMC-USP, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Ciências - Matemática. EXEMPLAR DE DEFESA.
USP – São Carlos
Março de 2013
SERVIÇO DE PÓS-GRADUAÇÃO DO ICMC-USP
Data de Depósito:
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Prof. Achille Bassi e Seção Técnica de Informática, ICMC/USP,
com os dados fornecidos pelo(a) autor(a)
A172g
Angelice de Camargo, Gilberto Luiz
Grupo de Brauer e o teorema de Merkurjev-Suslin / Gilberto Luiz Angelice de Camargo; orientador Eduardo Tengan. -- São Carlos, 2013.
27 p.
Dissertação (Mestrado - Programa de Pós-Graduação em Matemática) -- Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação, Universidade de São Paulo, 2013.
Agradecimentos
Primeiramente gostaria de agradecer aos meus orientadores, Daniel e Eduardo, por todo conhecimento adquirido, pela experiˆencia acadˆemica. De modo especial, agrade¸co ao Eduardo por todos os conselhos acadˆemicos, pessoais e profissionais, tamb´em por toda ajuda e empenho que me ofereceu durante toda essa caminhada, me deixando um grande exemplo de professor e amigo. Muito obrigado!
`
A toda minha fam´ılia, pela for¸ca e apoio que sempre me deram em cada momento, tenha sido ele f´acil ou dif´ıcil. Um agradecimento muito especial `a minha m˜ae Gislene, ao meu tio Luiz Carlos e minha irm˜a Lais, sem vocˆes jamais seria quem eu sou hoje e jamais chegaria at´e onde cheguei.
Agrade¸co tamb´em a todos os meus amigos pois sem vocˆes eu n˜ao seria ningu´em. Aos meus amigos de Barra Bonita e S˜ao Carlos pelos momentos felizes que me propor-cionaram. Em especial eu agrade¸co a Rafa, Martha, Andr´e, Rafael, Amanda, Mariana, Vitor, Yasmin, Tiago, Murilo, Sender, Igor, C´assio, Tiago, Neto por cada risada e mo-mentos felizes que me proporcionaram e em especial ao Allan que me acompanhou por grande parte desta jornada e se foi t˜ao cedo deixando uma imensa saudades. A vocˆes um imenso obrigado.
Resumo
Neste trabalho mostramos o importante teorema de Merkurjev-Suslin para o caso de 2-tor¸c˜ao, seguindo o artigo [Mer06], que afirma que, para qualquer corpo F de caracter´ıstica diferente de 2, a 2-tor¸c˜ao 2Br(F) do grupo de Brauer de F ´e gerada pelas
Abstract
In this work we show the important theorem of Merkurjev-Suslin for 2-torsion, following the paper [Mer06], which states that for any fieldF of characteristic not 2 the 2-torsion2Br(F) of the
Sum´
ario
Introdu¸c˜ao xi
1 Algebras Centrais Simples´ 1
1.1 Nota¸c˜oes . . . 1 1.2 Algebras Centrais Simples . . . .´ 2
2 Grupo de Brauer 7
2.1 Descenso de Galois . . . 7 2.2 Grupo de Brauer . . . 11
3 Teoria K de Milnor 13
3.1 Defini¸c˜oes e Propriedades B´asicas . . . 13 3.2 Morfismos Residual e de Especializa¸c˜ao . . . 14 3.3 Norma . . . 15
4 Geometria das Curvas Cˆonicas 17
4.1 Quat´ernios . . . 17 4.2 Norma e Tra¸co Reduzidos . . . 18 4.3 Cˆonicas e Quat´ernios . . . 19
5 O Teorema de Merkurjev-Suslin 21
5.1 S´ımbolo de Galois . . . 21 5.2 Demonstra¸c˜ao do Teorema de Merkurjev-Suslin . . . 22
Referˆencias Bibliogr´aficas 27
Introdu¸
c˜
ao
O teorema de Merkurjev-Suslin [MS82] afirma que, para todo corpoF comchar(F)6=
n, temos um isomorfismo
hF :
K2F
nK2F →
H2(GF, µn⊗µn)
. Em termos de ´algebras centrais simples, o isomorfismo acima pode ser interpretado da seguinte forma: se F cont´em todas as ra´ızes n-´esimas da unidade, ent˜ao a n-tor¸c˜ao do grupo de Brauer nBr(F) ´e gerada por ´algebras c´ıclicas.
Neste trabalho provaremos o caso particular em quen = 2. Para isto, seguiremos o artigo [Mer06] de A. Merkurjev, onde ele d´a uma prova que simplifica a prova original do artigo [MS82].
Nos cap´ıtulos de 1 a 4 apresentamos alguns dos pr´e-requisitos para a prova do teorema de Merkurjev-Suslin, que ´e dada no cap´ıtulo 5. No cap´ıtulo 1 discutimos algumas propriedades elementares de ´algebras centrais simples. No cap´ıtulo 2 definimos o grupo de Brauer e o caracterizamos como um grupo de cohomologia. No cap´ıtulo 3 listamos algumas propriedades dos grupos K de Milnor. No cap´ıtulo 4 discutimos ´algebras de quat´ernios e sua rela¸c˜ao com cˆonicas projetivas planas. E por fim no cap´ıtulo 5 provamos o teorema de Merkurjev-Suslin propriamente dito.
X
Cap´ıtulo
1
´
Algebras Centrais Simples
Neste cap´ıtulo estudaremos as ´algebras centrais simples, onde veremos o teorema de Wedderburn e tamb´em a classifica¸c˜ao de todas as ´algebras centrais simples com centro em um corpoK, temos como resultado principal o corol´ario 1.10.
1.1
Nota¸
c˜
oes
Assumiremos no texto a seguir algumas nota¸c˜oes e conven¸c˜oes:
• Todas as ´algebras ser˜ao associativas
• quando n˜ao definido assumiremos que K ´e um corpo.
• todos os m´odulos e ideais ser˜ao `a esquerda.
• Z(A) ser´a o centro do anel A.
• uma ´algebra de divis˜aoDsobre um corpoK´e uma ´algebra de divis˜ao de dimens˜ao finita sobre K e tal que Z(D) =K.
• Se V ´e um espa¸co vetorial ent˜ao V∗ denotar´a o espa¸co dual de V
2 Cap´ıtulo 1 — ´Algebras Centrais Simples
1.2
Algebras Centrais Simples
´
Defini¸c˜ao 1.1. Dizemos que uma K-´algebra associativa A de dimens˜ao finita ´e uma ´algebra central simples (usaremos a nota¸c˜ao CSA) se A ´e um anel simples com centro
K.
Exemplo 1.2. Se D ´e uma ´algebra de divis˜ao sobre K, ent˜ao o anel Mn(D) das matrizes n×n sobre D ´e simples para todo n≥1.
Demonstra¸c˜ao. Verificar isso ´e um simples exerc´ıcio de matrizes, para isso devemos provar que todo ideal bilateral hMi em Mn(D) gerado por uma matriz M n˜ao nula ´e
Mn(D). ConsidereEij a matriz que tem 1 naj-´esima entrada dai-´esima linha e zero nas demais coordenadas. Assim cada elemento de Mn(D) ´e uma combina¸c˜aoD-linear dos
Eij, assim basta provarmos que Eij ∈ hMi para todoi,j. Observe que EkiEijEjl=Ekl logo precisamos provar que Eij ∈ hMi para algumi,j. Agora escolha um i,j tal que a
j-´esima entrada da i-´esima columa da matriz M seja um m diferente de zero. Ent˜ao temos que m−1E
iiM Ejj =Eij, e temos o resultado.
Repare que ´e f´acil ver que o centro do anel das matrizes cont´em somente m´ultiplos escalares da unidade, assim temos que Mn(D) ´e uma ´algebra central simples.
Lema 1.3. (Schur) SejaM um m´odulo simples sobre umaK-´algebra A. Ent˜aoEndA(M) ´e uma ´algebra de divis˜ao.
Demonstra¸c˜ao. Seja φ ∈ EndA(M), φ 6= 0, logo Kerφ ´e um subm´odulo de M e como
φ 6= 0 temos que Kerφ 6= M, portanto Kerφ ={0}, e Imφ tamb´em ´e um subm´odulo de M onde Imφ 6={0}, com isso Imφ = M e assim φ ´e um isomorfismo.
Podemos agora definir emM uma estrutura de m´odulo sobreD= EndA(M), onde
φ ·m = φ(m). Assim vamos considerar agora o anel dos endomorfismos EndD(M). Definiremos o seguinte morfismo de an´eis
λM: A→EndD(M)
a7→(x7→ax)
Temos que λ(a) ´e realmente um D-endomorfismo, para isso seja φ ∈ D, temos que
φ·ax=φ(ax) =aφ(x) =aφ·x para todox∈M.
Lema 1.4 (Rieffel). Seja L um ideal `a esquerda n˜ao nulo de uma K-´algebra simples
1.2 ´Algebras Centrais Simples 3
Note que um ideal `a esquerda nada mais ´e do que um subm´odulo do A-m´odulo A.
Demonstra¸c˜ao. Como λL 6= 0, temos que o n´ucleo ´e um ideal bilateral pr´oprio de
A. Mas como A ´e simples segue que KerλL = {0}, com isso λL ´e injetiva. Para a sobrejetividade mostraremos primeiro que λL(L) ´e um ideal `a esquerda de EndD(L). Para cada x∈ L, Rx: L →L dada por Rx(l) = lx´e um A-endomorfismo de L, isto ´e um elemento de D. Seja φ∈ EndD(L) logo
φ·λL(l)(x) =φ(lx) =φ(Rx(l)) = Rx(φ(l)) = φ(l)x=λL(φ(l))(x)
para todo x ∈ L, assim φ ·λL(l) = λL(φ(l)) ∈ λL(L), portanto λL(L) ´e um ideal `a esquerda de EndD(L). Observe agora queLA´e um ideal bilateral deA n˜ao nulo, segue queLA=A, em particular temos que 1∈ LA e assim 1 =P
liai, com isso
φ=φ·1D =φλL(1) =φλL( X
liai)
=φ(XλL(li)λL(ai)) = X
φλL(li)λL(ai) (1.2.1)
Como λL(L) ´e um ideal `a esquerda temos que φλL(li) ∈λL(L). Seja ri =φ(li) ent˜ao
φλL(li) =λL(ri)∈λL(L) e segue de (1.2.1) que
φ =XφλL(li)λL(ai) = X
λL(ri)λL(ai) = X
λL(φ(li)·ai) =λL( X
φ(li)·ai)
o que implica que φ∈λL(A) e resulta queλL ´e sobrejetivo.
Teorema 1.5. (Wedderburn) Se A ´e uma ´algebra simples sobre K, existe um inteiro
n ≥ 1 e uma ´algebra de divis˜ao D ⊇ K tal que A ´e isomorfo ao anel Mn(D). Al´em disso a ´algebra de divis˜ao ´e unicamente determinada por A a menos de isomorfismo.
Demonstra¸c˜ao. Como A tem dimens˜ao finita, uma cadeia descendente de ideais `a es-querda se estabiliza ou seja A ´e artiniano. Logo seja L um ideal minimal n˜ao nulo `a esquerda, assim L ´e um A-m´odulo simples, pelo lema de Schur D = EndA(L) ´e uma ´algebra de divis˜ao.
Pelo lema de Rieffel temos um isomorfismo A ∼= EndD(L), como D ´e uma ´algebra de divis˜ao temos que EndD(L)∼=Mn(D) onde n ´e a dimens˜ao de L sobreD.
Para provar a unicidade, assuma que D e D′ sejam duas ´algebras de divis˜ao com
A ∼= Mn(D) ∼= Mm(D′). Logo temos que o ideal minimal `a esquerda satisfaz Dn ∼=
L∼=D′m de onde seguem os seguintes isomorfismos
4 Cap´ıtulo 1 — ´Algebras Centrais Simples
Lema 1.6. Seja K um corpo e sejam A e B duasK-´algebras de dimens˜ao finita.
1. Z(A⊗K B) = Z(A)⊗KZ(B).
2. Se A e B s˜ao an´eis simples com Z(A) = K ent˜ao A⊗K B tambem ´e simples e
Z(A⊗K B) =Z(B)
Demonstra¸c˜ao. 1. Z(A)⊗K Z(B) ⊂ Z(A⊗KB) segue trivialmente das defini¸c˜oes do produto tensorial.
Vamos ent˜ao provar Z(A)⊗Z(B) ⊃Z(A⊗B). Seja ω1, . . . , ωn uma base de B sobre K logo
A⊗KB =A⊗K(L1≤i≤nKωi) = L1≤i≤n(A⊗K Kωi)
comoK-espa¸co vetorial. Assim sez ∈A⊗KB, podemos escreverz =P1≤i≤nai⊗
ωi, se z ∈Z(A⊗KB) ent˜ao
(a⊗K1)·z =z·(a⊗K1)
⇔aa1⊗Kω1+· · ·+aan⊗Kωn =a1a⊗Kω1+· · ·+ana⊗Kωn logo pela unicidade da representa¸c˜ao aai = aia, para todo a ∈ A. Com isso
ai ∈ Z(A) e portanto Z(A)⊗B ⊃ Z(A⊗B). Por um argumento an´alogo vale
Z(A)⊗K Z(B)⊃Z(A⊗KB).
2. Seja I um ideal bilateral de A⊗K B. Suponha que exista um “termo simples” n˜ao nulo a⊗Kb ∈I. Como A´e simples o ideal bilateral gerado pora6= 0 ´e igual a A, logo existem ai ea′i tais que
n X
i=1
aiaa′i = 1.
Assim 1⊗K b=Pni=1(ai⊗K 1)·(a⊗K b)·(a′i⊗K 1) implicando que 1⊗K b∈I. Aplicando o mesmo processo paraBobtemos que 1⊗1∈I, que implicaI =A⊗B.
Agora seja x=a1⊗b1+· · ·+an⊗bn ∈I, um elemento com o menorn, podemos assumir que todos os b′
is ea′is s˜ao linearmente independentes sobre K, pois caso contr´ario poder´ıamos encurtar a sequˆencia.
Sem perda de generalidade vamos supor a1 = 1.
Podemos supor n > 1 pois o caso n = 1 segue acima, logo temos que a1 6= a2
1.2 ´Algebras Centrais Simples 5
Z(A) = K ent˜ao existe a ∈ A tal que aa2 6= a2a. Vamos considerar agora o
elemento
(a⊗1)x−x(a⊗1) = (aa2−a2a)⊗b2+· · ·+ (aan−ana)⊗bn.
Como os b′is s˜ao linearmente independentes e aa2 6= a2a temos que o elemento
acima ´e n˜ao nulo o que contradiz a minimalidade de n, o que implica n= 1.
Teorema 1.7. A ´e um anel simples com centro K se e somente se A ∼= Mn(D) onde
D´e uma ´algebra de divis˜ao com centro K.
Demonstra¸c˜ao. (⇒) Segue diretamente do Teorema de Wedderburn.
(⇐) Atrav´es de c´alculos simples com matrizes conseguimos mostrar que Mn(D) ´e um anel simples com centroK.
Vamos mostrar agora que n˜ao existe uma ´algebra de divis˜ao n˜ao trivial D sobre um corpo Ω algebricamente fechado. De fato temos que dimΩD < ∞, logo para todo
a ∈ D temos Ω(a) ´e um subcorpo com dimens˜ao finita sobre Ω e portanto Ω(a) = Ω =⇒ a∈Ω. O que prova que D= Ω.
Seja Ω um corpo algebricamente fechado, e AΩ =A⊗Ω.
Teorema 1.8. A ´e um anel simples com centro K se e somente se AΩ ´e isomorfo ao
anel das matrizes Md(Ω) para algum d.
Demonstra¸c˜ao. (⇒) ComoA´e um anel simples com centroK, temos pelo lema anterior que AΩ ´e um anel simples com centro Ω, assim pelo teorema de Wedderburn temos
que AΩ ´e isomorfo ao anel das matrizes Md(D) onde D ´e uma ´algebra de divis˜ao que cont´em Ω, por´em como visto na observa¸c˜ao acima temos que D= Ω.
(⇐)Observe primeiro que Ω ´e uma K-´algebra livre sobre K, assim Ω ´e fielmente plano sobre K, relembramos que isso quer dizer que − ⊗Ω ´e um funtor exato tal que
M ⊗Ω = 0 ⇐⇒ M = 0 para todo K-m´odulo M. Em particular − ⊗Ω preserva mapas injetivos.
Assim se existir um ideal bilateral n˜ao trivial I de A teremos que I ⊗Ω ser´a um ideal bilateral de A⊗Ω∼= Mn(Ω) o que contradiz o fato de Mn(Ω) ser simples. Logo
A´e simples. Por outro lado temos pelo lema anterior que Z(A)⊗K Ω =Z(A⊗Ω) =
Z(Mn(Ω)) = Ω, assim Z(A)⊗K Ω = K ⊗K Ω como Ω ´e fielmente plano temos que
6 Cap´ıtulo 1 — ´Algebras Centrais Simples
Teorema 1.9. A ´e um anel simples de centro K se e somente se o mapa canˆonico
φ :A⊗Aop→End
k−mod(A)´e um isomorfismo. O mapa canˆonico ´e dado pora⊗b 7→f onde f(x) =axb.
Demonstra¸c˜ao. (⇒) Observe primeiro que pelo lema anterior temos que A ⊗K Aop ´e um anel simples e observe que φ(1 ⊗ 1) = Id e que φ((a ⊗K b) ·(a′ ⊗K b′)) =
φ(a⊗Kb)◦φ(a′⊗Kb′). Logoφ ´e um morfismo deK-´algebras. Assim Kerφ ´e um ideal bilaterar de A⊗KAop logo Kerφ= 0 e portanto φ ´e injetora.
E note que dimA⊗K Aop = (dimA)2 e como EndK−mod(A) ´e isomorfo `a ´algebra das matrizes temos que dim EndK−mod(A) = (dimA)2 logo pelo teorema do n´ucleo e imagem temos que dim EndK−mod(A) = dimA⊗K Aop implica que φ ´e sobrejetiva. (⇐) Observe que pelo lemaZ(A)⊗KZ(Aop) = Z(A⊗KAop) =Z(EndK−mod(A)) =K, segue que Z(A) = K. Por outro lado temos que EndK−mod(A) ´e simples, logo A tamb´em ´e simples, pois para cada ideal bilateral I ⊂ A podemos conseguir um ideal bilateral I ⊗K Aop de A⊗K Aop (observe que Aop ´e livre logo fielmente plano sobre
K).
Corol´ario 1.10. Seja K um corpo e Ω uma extens˜ao algebricamente fechada de K. Ent˜ao s˜ao equivalentes:
1. A ´e um anel simples com centro K.
2. Existe um isomorfismo A∼=Mn(D)onde D´e uma ´algebra de divis˜ao com centro K.
3. AΩ ´e isomorfo a Md(Ω) para algum d.
4. O mapa canˆonico φ:A⊗KAop→EndK−mod(A)´e um isomorfismo.
Demonstra¸c˜ao. Segue diretamente dos teoremas anteriores.
Observe que para uma ´algebra central simplesA temos
dimKA = dimΩA⊗Ω = dimΩMn(Ω) =n2 de modo que dimKA ´e sempre um quadrado perfeito.
Cap´ıtulo
2
Grupo de Brauer
Como vimos no cap´ıtulo anterior todas as ´algebras centrais simples ficam isomorfas ao anel de matrizes quando tensorizados por um corpo algebricamente fechado. Ou seja, ´algebras centras simples s˜ao formas torcidas de matrizes. Neste cap´ıtulo veremos como classificar essas formas torcidas via um grupo de cohomologia. Em seguida definiremos o Grupo de Brauer e veremos como interpret´a-lo como um grupo de cohomologia.
2.1
Descenso de Galois
Defini¸c˜ao 2.1. Seja V um espa¸co vetorial. Um tensor Φ do tipo (p, q), p, q ≥ 0 inteiros, ´e um elemento do do produto tensorial V⊗p⊗(V∗)⊗q.
Seja V um espa¸co vetorial equipado com um tensor Φ do tipo (p, q) . Note que existe um isomorfismo natural.
V⊗p⊗(V∗)⊗q ∼= HomK(V⊗q, V⊗p)
que segue da f´ormula geral HomK(V, K)⊗K W ∼= HomK(V, W).
Exemplo 2.2. Seja A uma ´algebra central simples sobre K. Podemos interpretar A
como um espa¸co vetorial sobreK equipado com um tensor
Φ∈A⊗(A∗)⊗2 = HomK(A⊗A, A) correspondente ao produto A⊗A→A dado pora⊗b7→a·b.
8 Cap´ıtulo 2 — Grupo de Brauer
Considere o par (V,Φ) de K-espa¸co vetorial equipado com um tensor do tipo (p, q) fixado. Um K-isomorfismo entre dois objetos (V,Φ) e (W,Ψ) ´e dado por um K -isomorfismof :V →W deK-espa¸cos vetoriais tal quef⊗p⊗(f∗−1)⊗q :V⊗p⊗(V∗)⊗q→
W⊗p⊗(W∗)⊗q mapeia Φ em Ψ. Onde f∗ :W∗ →V∗ ´e o K-isomorfismo induzido por
f.
Agora fixe uma extens˜ao Galois finitaL|K com grupo de Galois G= Gal(L|K). Denote por VL o L-espa¸co vetorial V ⊗K L e por ΦL o tensor induzido em VL por Φ. Assim associamos com (V,Φ) o L-objeto (VL,ΦL). Dizemos que (V,Φ) e (W,Ψ) se tornam isomorfos sobreLse existe umL-isomorfismo entre (VL,ΦL) e (WL,ΨL). Nesta situa¸c˜ao (W,Ψ) ´e tamb´em chamado de L|K-forma torcida de (V,Φ).
A teoria de Galois nos permite classificar classesK-isomorfismos de formas torcidas da seguinte maneira. Dado um K-automorfismo σ :L→L, podemos considerar o K -automorfismo induzido Id⊗σ : VL → VL, que novamente denotaremos por σ. Cada mapa L-linear f :VL →WL induz um mapa σ(f) :VL→WL definido por
σ(f) = σ◦f ◦σ−1
Se f ´e um L-isomorfismo de (VL,ΦL) em (WL,ΨL), ent˜ao σ(f) tamb´em ´e. O mapa
f →σ(f) preserva a composi¸c˜ao de automorfismos, assim temos uma a¸c˜ao `a esquerda de G = Gal(L |K) no grupo dosL-automorfismos de (VL,ΨL) que denotaremos aqui por AutL(Ψ). Mais que isso dado dois K-objetos (V,Φ) e (W,Ψ) assim como um
L-isomorfismog : (VL,ΦL)→(WL,ΨL), obtemos uma mapaG→AutK(Φ) associando
aσ =g−1◦σ(g)
para σ ∈G. O mapaaσ satisfaz a seguinte rela¸c˜ao fundamental
aστ =aσσ(aτ), para todo σ, τ ∈G. (2.1.1)
De fato,
aστ =g−1◦σ(τ(g)) =g−1 ◦σ(g)◦σ(g−1)σ(τ(g)) =aσ◦σ(g−1)◦σ(τ(g)) =aσ◦σ(g−1◦τ(g)) =aσσ(aτ).
Agora seja h : (VL,ΦL) → (WL,ΨL) um outro L-isomorfismo, definimos bσ :=
h−1σ(h) para σ∈G. Assim a
σ e bσ se relacionam por
2.1 Descenso de Galois 9
Defini¸c˜ao 2.3. Seja G um grupo e A um outro grupo (n˜ao necessariamente comuta-tivo) tal que G age pela esquerda em A. Ent˜ao um 1-cociclo de G com valores em A
´e um mapa σ7→aσ de G em A satisfazendo a rela¸c˜ao 2.1.1 acima. Dois 1-cociclos aσ e bσ s˜ao chamados equivalentes ou cohom´ologos se existe um c∈ A tal que a rela¸c˜ao 2.1.2 ´e satisfeita.
Defini¸c˜ao 2.4. Definiremos o primeiro grupo de cohomologiaH1(G, A) deG com
val-ores emA como o conjunto quociente dos 1-cociclos pela rela¸c˜ao de equivalˆencia2.1.2. Este ´e um conjunto pontuado, isto ´e, um conjunto equipado com um ponto distinto vindo do cociclo trivial σ 7→ 1, onde 1 ´e o elemento identidade em A. Chamaremos este elemento de ponto base.
Em nossa situa¸c˜ao concreta, vimos acima que a classe [aσ] emH1(G,AutL(Φ)) do 1-cocicloaσ associado com o L-automorfismo g : (VL,ΦL)→(WL,ΨL) depende somente de (W,Ψ) mas n˜ao depende deg. Com isso enunciaremos o seguinte teorema.
Teorema 2.5. Para um K-objeto (V,Φ) considere o conjunto pontuado T FL(V,Ψ) das (L|K)-formas torcidas de(V,Φ), com ponto base dado por (V,Φ). Ent˜ao o mapa (W,Ψ) →[aσ] definido acima produz uma bije¸c˜ao preservando ponto base
θ: T FL(V,Ψ) ↔H1(G,AutL(Φ))
Antes de provar este teorema precisaremos de um lema (ver [Ser79],p.151,proposition 3).
Lema 2.6 (Teorema 90 de Hilbert). Temos
H1(G, GLn(L)) = {1} Demonstra¸c˜ao. Sejac∈Mn(L). Suponha que
b =X
σ∈G
aσσ(c) (2.1.3)
seja uma matriz invert´ıvel. Ent˜ao τ(b) = a−1
τ b. De fato, pela rela¸c˜ao 2.1.1 temos
a−1
τ aτ σ =τ(aσ), logo
τ(b) = τ X
σ∈G
aσσ(c) !
=X σ∈G
τ(aσ)τ(σ(c)) = a−τ1 X
σ∈G
aτ στ(σ(c)) =a−τ1b Vamos agora mostrar que ´e poss´ıvel escolher c como acima. Sejax∈Ln e defina
b(x) = X
σ∈G
10 Cap´ıtulo 2 — Grupo de Brauer
Afirmamos que os vetores b(x) geram Ln conforme x percorre Ln. De fato, suponha por absurdo que exista um funcional linear n˜ao nulo f tal que f(b(x)) = 0 ∀x. Se
λ ∈L, temos
0 = f(b(λx)) = X σ∈G
σ(λ)f(aσσ(x))
Pelo teorema de independˆencia de caracteres de Dedekind [Lan02], Theorem 4.1, p.283, temos que f(aσσ(x)) = 0 para todo σ ∈ G e x∈ Ln. Como aσ ´e invert´ıvel temos que
f ´e nulo. Absurdo.
Tome x1, . . . , xn ∈ Ln tais que yi = b(xi) s˜ao linearmente independentes. Seja c
a matriz de mudan¸ca de base da base canˆonica para a base xi. Temos que a matriz correspondente b em 2.1.3 ´e a matriz de mudan¸ca de base da base canˆonica para yi, logo b ´e invert´ıvel como quer´ıamos.
Prova do Teorema 2.5 ([Ser79], p.153, proposition 4). Vamos mostrar que θ´e injetor. Sejam (W1,Ψ1) e (W2,Ψ2) duas formas torcidas com a mesma imagem por θ, sejam
fi:V ⊗L→Wi⊗L
os isomorfismos correspondentes. Podemos supor sem perda de generalidade que f1 e
f2 geram o mesmo cociclo ou seja
f1−1σ(f1) =f2−1σ(f2) ⇐⇒ σ(f2f1−1) = f2f1−1
para todo σ ∈ G. Assim f = f2f1−1 ´e um K-isomorfismo entre (W1,Ψ1) e (W2,Ψ2)
logo θ ´e injetor.
Vamos agora provar que θ ´e sobrejetor. Sejaa: G→AutL(Φ) um 1-cociclo. Como AutL(Φ) ⊂GLn(L), pelo teorema 90 de Hilbert 2.6, temos que existe umf ∈GLn(L) tal que
aσ =f−1aσ(f)
. Defina Ψ = f(Φ). Este tensor est´a definido sobre K: para todo σ∈G temos
σ(Ψ) =σ(f(Φ)) =σ(f)σ(Φ) =σ(f)Φ =f aσ(Φ) =f(Φ) = Ψ
2.2 Grupo de Brauer 11
2.2
Grupo de Brauer
Agora come¸caremos a classificar as ´algebras centrais simples, primeiro relembraremos um fato bem conhecido do anel de matrizes.
Lema 2.7. Todo automorfismo sobre um corpo K do anel das matrizes Mn(K) ´e interno, isto ´e dado porM 7→CM C−1 para alguma matriz invert´ıvel C.
Demonstra¸c˜ao. Considere o ideal `a esquerda minimal I1 = [mij] tal que mij = 0 se
j 6= 1 e seja λ ∈Aut(Mn(K)). Se necess´ario conjugamos λ por uma matriz adequada e podemos assumir queλ(I1) = I1. Seja e1, . . . , en a base canˆonica de Kn. Mapeando a matriz M ∈I1 em M e1 induzimos um isomorfismo I1 ∼=Kn de K-espa¸cos vetoriais,
assim λ induz um automorfismo de Kn, esse automorfismo ´e dado por uma matriz invert´ıvel C. N´os temos que para toda matriz M ∈ Mn(K), o endomorfismo de Kn definido na base canˆonica porλ(M) ´e a matrizCM C−1, e o lema segue.
Corol´ario 2.8. O grupo de automorfismos deMn(K)´e o grupo projetivo linearP GLn(K). Demonstra¸c˜ao. Considere o morfismo
GLn(K)→Aut(Mn(K))
C 7→(M 7→CM C−1)
Pelo lema temos que o morfismo ´e sobrejetivo e seu n´ucleo ´e o centro do grupoGLn(K), isto ´e, o grupo das matrizes escalares.
Agora tome uma extens˜ao Galois finita L | K, e seja CSAL(n) denota o conjunto das classes de K-isomorfismos das K-´algebras centrais simples de grau n que cindem sobreL, que ´e um conjunto pontuado com ponto base a ´algebra das matrizes Mn(K).
Teorema 2.9. Existe uma bije¸c˜ao preservando ponto base
θ: CSAL(n)←→H1(G, P GLn(L))
Demonstra¸c˜ao. Vimos anteriormente que toda K-´algebra central simples de grau n ´e precisamente uma forma torcida da ´algebra de matrizesMn(K). Logo o resultado segue diretamente do teorema 2.5.
12 Cap´ıtulo 2 — Grupo de Brauer
Defini¸c˜ao 2.10. Seja K um corpo. Duas ´algebras centrais simples A e B s˜ao ditas Brauer equivalentes se possuem a mesma ´algebra de divis˜ao subjacente, equivalente-mente se
A⊗Mn(K)∼=B ⊗Mm(K)
para algum m, n. ´E f´acil ver que esta uma rela¸c˜ao de equivalˆencia no conjunto das classes de isomorfismo de ´algebras centrais simples sobre K.
O grupo de Brauer de K, denotado por Br(K), ´e o conjunto das classes de Brauer equivalˆencia de ´algebras centrais simples sobre K. Temos que Br(K) ´e um grupo abeliano com opera¸c˜ao
[A] + [B] = [A⊗B]
Pelo corol´ario 1.10, esta opera¸c˜ao tem elemento neutro [K] e inverso −[A] = [Aop].
Lema 2.11. Se A e B s˜ao K-´algebras centrais simples que cindem sobre L, ent˜ao
A⊗B tamb´em ´e uma K-´algebra central simples que cinde sobre L.
Demonstra¸c˜ao. Lembramos que (A⊗KL)⊗L(B⊗KL)= (∼ A⊗KB)⊗KL eMn(L)⊗L
Mm(L)∼=Mnm(L) e pelo corol´ario 1.10, temos o resultado
Defini¸c˜ao 2.12. SejaL|K uma extens˜ao de corpos. O conjunto das classes de ´algebras centrais simples sobre K que cindem em L formam um subgrupo de Br(K), denotado por Br(L|K).
SejaL|K uma extens˜ao Galois com grupo de Galois G. Da seguˆencia exata curta
1 ✲ L∗ ✲ GLn(L) ✲ P GLn(L) ✲ 1
temos uma sequˆencia exata de conjuntos pontuados ([Ser79], Proposition 2, p.125)
1 ✲ H0(G, L∗) ✲ H0(G, GLn(L)) ✲ H0(G, P GLn(L))
✲ H1(G, L∗) ✲ H1(G, GL
n(L)) ✲ H1(G, P GLn(L))
∆n✲
H2(G, L∗)
Pelo teorema 90 de Hilberto 2.6 temos que ∆n´e injetivo. Sejaδn= ∆n◦θ: CSAL(n)→
H2(G, L∗). Podemos verificar que dadosA ∈CSA
L(n) e B ∈CSAL(m) temos
δnm(A⊗B) = δn(A) +δm(B)
Al´em disso δn(A) = 0 ⇐⇒ A=Mn(K).
Assim os mapasδn definem um homomorfismo injetivo
δ: Br(L|K)→H2(G, L∗)
Cap´ıtulo
3
Teoria
K
de Milnor
Neste cap´ıtulo faremos uma pequena revis˜ao da teoriaK de Milnor. As referˆencias para resultados deste cap´ıtulo s˜ao [GS06], cap´ıtulo 7, p.183 e [FV02], cap´ıtulo 9, p.233.
3.1
Defini¸
c˜
oes e Propriedades B´
asicas
SejaF um corpo. O anel graduado de Milnor
K(F) =M
n≥0
KnF
deF ´e o quociente da ´algebra tensorial sobre Z do grupo multiplicativo F∗
T(F∗) = M
n≥0
(F∗)⊗n
pelo ideal gerado pelos tensores da forma a1 ⊗a2 ⊗. . .⊗an com ai +aj = 1, para
0 ≤ i < j ≤ n. A classe do tensor a1 ⊗a2 ⊗. . .⊗ an em Kn(F) ´e denotada por
{a1, a2, . . . , an} e ´e chamado de s´ımbolo.
Assim temos queK0(F) = Z, K1(F) =F∗ eK2(F) ´e gerado pelos s´ımbolos {a, b},
a, b∈F∗, com as seguintes rela¸c˜oes:
{aa′, b}={a, b}+{a′, b}
{a, bb′}={a, b}+{a, b′}
{a, b}= 0, sea+b = 1
14 Cap´ıtulo 3 — Teoria K de Milnor
Lema 3.1 (Propriedades B´asicas de K2(F)). Temos as seguintes identidades:
1. {1, a}={a,1}= 0 ∀a∈F∗.
2. {1a, b}=−{a, b}. 3. {a,−a}= 0 ∀a6= 0.
4. {a, b}=−{b, a}.
Demonstra¸c˜ao. 1. {1, a}={1·1, a}={1, a}+{1, a} ⇒ {1, a}= 0
2. 0 ={aa, b}={1a, b}+{a, b}.
3. O resultado ´e valido para a = 1 pelo primeiro item. Para a 6= 1 note que
{a,−a}+{a,−(1−a)a−1}={a,1−a}= 0 logo {a,−a}=−{a,−(1−a)a−1}=
{a−1,1−a−1}= 0.
4. 0 ={ab,−ba}={a,−a}+{a, b}+{b, a}+{b,−b}={a, b}+{b, a}.
Um homomorfismo de corpos π : F → E induz um homomorfismo de an´eis
Kn(F)→Kn(E) dado por
{a1, . . . , an} 7→ {π(a1), . . . , π(an)}
fazendo Kn um funtor da categoria de corpos para a categoria dos grupos abelianos graduados.
3.2
Morfismos Residual e de Especializa¸
c˜
ao
A proposi¸c˜ao a seguir define os chamados mapas de especializa¸c˜ao e residual; a demonstra¸c˜ao pode ser encontrada em [FV02], §2, cap´ıtulo 9, p.226.
Proposi¸c˜ao 3.2. Seja L um corpo com valoriza¸c˜ao discreta v, seja Av o anel de valoriza¸c˜ao e F o seu corpo residual. Seja π um parˆametro local (v(π) = 1).
1. Para cada n ≥1 existe um ´unico homomorfismo (homomorfismo residual)
∂ :Kn(L)→Kn−1(F)
satisfazendo
∂({π, u2, . . . , un}) = {u2, . . . , un}
3.3 Norma 15
2. Existe um ´unico homomorfismo de especializa¸c˜ao, dado da seguinte forma
sπ((πi1u1, . . . , πinun)) = {u1, . . . , un}
S´o utilizaremos a proposi¸c˜ao acima para o caso n = 2, para qual temos a seguinte descri¸c˜ao explicita:
Defini¸c˜ao 3.3. SejaLum corpo com valoriza¸c˜ao discretave corpo residualF. Chamare-mos de morfismo residual o seguinte morfismo
∂ :K2L→K1F
definido por
∂({a, b}) = (−1)v(a)·v(b)
av(b)
bv(a)
Exemplo 3.4. Seja F um corpo e seja L=K(t). Seja v a valoriza¸c˜ao de L definida pelo polinˆomio irredut´ıvel t. Diretamente das defini¸c˜oes acima temos que
st(uL) = u para todo u∈K2F
Em particular K2F →K2L ´e injetor.
3.3
Norma
Para esta se¸c˜ao referenciamos [GS06] se¸c˜ao 7.3, p.195.
Teorema 3.5. Seja E |F uma extens˜ao finita. Para todon 6= 0 existem mapas norma
NE|F :KnE →KnF com as seguintes propriedades:
1. O mapa NE|F :K0E →K0F ´e a multiplica¸c˜ao por [E :F].
2. O mapa NE|F :K1E →K1F ´e a norma do corpo NE|F :E∗ →F∗. 3. Dados a∈Kn(F) e b∈Km(E), temos
NE|F({a, b}) = {a, NE|F(b)}
4. Dada uma torre de corpos E′ |E |F ent˜ao
NE′|F =NE|F ◦NE′|E
Cap´ıtulo
4
Geometria das Curvas Cˆ
onicas
Estudaremos neste cap´ıtulo ´algebras de quat´ernios e sua rela¸c˜ao com cˆonicas pro-jetivas planas.
4.1
Quat´
ernios
Defini¸c˜ao 4.1. Seja F um corpo (de caracter´ıstica arbitr´aria). Uma F-´algebra de quat´ernios ´e uma F-´algebra central simples de grau 2 sobre F, ou seja, de dimens˜ao 4 sobre F.
Exemplo 4.2. SejaL/F uma extens˜ao de corpos galoisiana quadr´atica e sejab ∈F×.
Definimos a ´algebra de quat´ernios (L/F, b), como o espa¸co vetorial L⊕Lv onde v ´e um s´ımbolo, com a seguinte regra de multiplica¸c˜ao, v2 = b e xv =σ(x)v, onde σ ´e o
gerador do grupo de Galois Gal(L/F) e x∈L.
Proposi¸c˜ao 4.3 ([EKM08], Proposition 98.9, p.390). Toda F-´algebra de quat´ernios ´e isomorfa a (L/F, b) para alguma extens˜ao quadr´atica L/F e algum b ∈F×.
Sechar(F)6= 2, temos que L=F(√a), para alguma ∈F× e escreveremos (a, b)
F no lugar de (L/F, b).
Proposi¸c˜ao 4.4 ([GS06], proposition 1.1.7, p.3). Seja(a, b)uma ´algebra de quat´ernios sobre F. S˜ao equivalentes:
1. A ´algebra (a, b) cinde.
18 Cap´ıtulo 4 — Geometria das Curvas Cˆonicas
2. A ´algebra (a, b) n˜ao ´e uma ´algebra de divis˜ao.
3. O mapa norma N : (a, b)→F possui um zero n˜ao trivial.
4. O elemento b ´e uma norma da extens˜ao F(√a)|F.
4.2
Norma e Tra¸
co Reduzidos
Defini¸c˜ao 4.5. Seja Q = (L/F, b) uma ´algebra de quat´ernios, temos as seguintes aplica¸c˜oes
1. Involu¸c˜ao Canˆonica
−:Q−→Q
a−→a
(x+yv)−→σ(x)−yv, para o gerador σ ∈Gal(L/F)
2. Tra¸co Reduzido ´e um mapa linear dado por
T rd:Q−→F
a−→a+a
3. Norma Reduzida ´e definida por
N rd :Q−→F
a−→a·a
Proposi¸c˜ao 4.6. Todo elemento a∈Q= (L/F, b) satisfaz a equa¸c˜ao
a2−T rd(a)·a+N rd(a) = 0 Demonstra¸c˜ao. Seja a=x+yv, observe queaa =aa e assim
4.3 Cˆonicas e Quat´ernios 19
4.3
Cˆ
onicas e Quat´
ernios
Aqui estabeleceremos uma rela¸c˜ao entre cˆonicas projetivas e ´algebras de quat´ernios sobre um corpo F de caracter´ıstica diferente de 2.
SejaQ= (L|F, c) uma ´algebra de quat´ernios. Defina
V = ker(T rd) ={a ∈Q|a =−a}
ComoL=F(√b) podemos escrever qualquer elemento a∈Q da seguinte forma:
a= (x+yi) + (z+wi)v =x+yi+zv+wiv ondex, y, z, w ∈F ei2 =b
Assim temos quea =x−yi−zv−wiv e portantoa=−ase e somente se x= 0. Logo
V = [i, v, iv].
Considere a forma bilinear em Q dada por:
ha, bi 7→T rd(ab)
Esta forma bilinear ´e n˜ao degenerada: fixado a, se ha, bi = 0, para todo b ∈ Q, tomandob = 1, i, v, iv, obtemos um sistema linear homogˆeneo nas coordenadas de a, e resolvendo-o obtemosa = 0. Temos ainda que V⊥ = [1] com respeito `a forma bilinear
n˜ao degenerada.
Da proposi¸c˜ao anterior temos que a2 = −N rd(a) ∈ F para todo a ∈ V e, al´em
disso,ha, ai=a2+a2 =a2+ (−a)2 = 2a2. Assim, comochar(F)6= 2,q(x) =x2 ´e uma
forma quadr´atica em V e a equa¸c˜ao q(x) = 0 define uma cˆonica projetiva suave C no plano projetivo P(V).
Proposi¸c˜ao 4.7. As seguintes condi¸c˜oes s˜ao equivalentes
1. Q cinde
2. C ´e isomorfo a P1(F)
3. C tem ponto F-racional.
Demonstra¸c˜ao. 1. (1 ⇒ 2) : Como Q ´e isomorfa `a ´algebra de matrizes M2(F), V
´e o espa¸co das matizes de tra¸co nulo e C ´e dada pela equa¸c˜ao t2
0 +t1t2 = 0.
O morfismo C → P(V), dado por [t0 : t1 : t2] 7→ [t0 : t1] = [−t2 : t0] ´e um
isomorfismo.
20 Cap´ıtulo 4 — Geometria das Curvas Cˆonicas
3. (3⇒ 1) : Temos um elemento n˜ao nulo x∈ Q tal que x2 = 0 logo Q n˜ao ´e uma
´algebra de divis˜ao, assim Q´e isomorfo a uma ´algebra de matrizes.
Exemplo 4.8. Seja char F 6= 2 e seja 1, i, j, k uma base de Q com, ij = −ji = k
e a = i2, b = j2, a, b ∈ F×. Assim V = F i⊕F j ⊕F k e C ´e dada pela equa¸c˜ao
ax2 +by2−abz2 = 0.
Demonstra¸c˜ao. Seja h ∈ V temos que q(h) = 0 ⇒ ax2 +by2 −abz2+xyij +xyji+
zxki+xzik+yzjk+zykj = 0⇒ax2+by2−abz2 = 0.
O seguinte lema ser´a utilizado na demonstra¸c˜ao do teorema 5.4.
Lema 4.9. Sejam (a, b)F e (c, d)F duas ´algebras de quat´ernios sobre um corpo F de caracter´ıstica n˜ao 2 isomorfas. Ent˜ao existe um e∈F× satisfazendo
(a, b)F ∼= (a, e)F ∼= (c, e)F ∼= (c, d)F
Demonstra¸c˜ao. Note que se temos x, y ∈ V em uma ´algebra de quat´ernios Q, com x
e y ortogonais com respeito `a forma bilinear tra¸co reduzido, i.e, T rd(xy) = 0, ent˜ao
Q∼= (x2, y2). Basta tomar o morfismoi7→xev 7→y, observando que comoT rd(xy) = 0 ⇐⇒ xy=−yx as rela¸c˜oes da ´algebra s˜ao mantidas.
Seja Q = (a, b). Podemos assumir que existem x, y satisfazendo x2 = a e y2 = c.
Cap´ıtulo
5
O Teorema de Merkurjev-Suslin
Neste cap´ıtulo, provaremos o teorema de Merkurjev-Suslin: para todo corpoF com
char(F)6= 2, temos que o s´ımbolo de Galois
hF :
K2F
2K2F →
2 Br(F)
´e um isomorfismo. Seguiremos o artigo [Mer06] de A. Merkurjev, onde ele d´a uma prova que simplifica a prova original do artigo [MS82].
5.1
S´ımbolo de Galois
Seja F um corpo de caracter´ıstica diferente de 2. Para cada a, b∈ F× a classe da
´algebra de quat´ernios (a, b)F no Grupo de Brauer Br(F) tem ordem 2:
(a, b)⊗(a, b)∼= (a, b)⊗(a, b)op∼=M4(F)
Mais que isso, a ´algebra (a, b)F cinde se a +b = 1, pois neste caso b = 1− a =
NF(√a)|F(1 +√a) (ver proposi¸c˜ao 4.4). Note ainda que a classe de (a, b)F ´e bilinear com respeito aa e b. Assim temos um morfismo bem definido
hF :K2F/2K2F →2 Br(F)
levando{a, b}+ 2K2F para a classe da ´algebra de quat´ernios (a, b)F.
SejaLum corpo com valoriza¸c˜ao discretave corpo residualF. Lembre-se (defini¸c˜ao 3.3) que temos um morfismo residual
∂ :K2L→K1F
22 Cap´ıtulo 5 — O Teorema de Merkurjev-Suslin
definido por ∂({a, b}) = (−1)v(a)·v(b)(av(b)
bv(a)). Se C uma curva suave sobre um corpo F, para cada ponto fechado x∈C temos tamb´em um morfismo residual
∂x :K2F(C)→K1F(x) =F(x)×
induzido pela valoriza¸c˜ao discreta do anel local OC,x.
Utilizaremos os seguintes resultados t´ecnicos para os quais nos referiremos ao ar-tigo [Mer06].
Teorema 5.1 ([Mer06],Theorem 4.1, p.7). Seja C uma curva cˆonica sobre o corpo F. A seguinte sequˆencia ´e exata
K2F →K2F(C)
∂
→ ∐x∈CF(x)× N
→F×,
onde ∂ =∐∂x e N ´e dado pelo mapa norma NF(x)/F.
Teorema 5.2 ([Mer06],Theorem 5.4, p.21). Seja L/F uma extens˜ao quadr´atica Galois e seja σ o gerador de Gal(L/F). Ent˜ao a seguinte sequˆencia ´e exata
K2L1→−σ K2L
NL/F
→ K2F
.
Teorema 5.3 ([Mer06],Theorem 5.5, p.21). Sejau∈K2F um elemento tal que2u= 0.
Ent˜ao u={−1, a} para algum a∈F×.
5.2
Demonstra¸
c˜
ao do Teorema de Merkurjev-Suslin
Teorema 5.4. (Teorema de Merkurjev-Suslin) Para cada corpo F de caracter´ıstica n˜ao 2,
hF :K2F/2K2F →2 Br(F)
´e um isomorfismo.
Injetividade de hF. Suponha que hF(u+ 2K2F) = 1 para algum elemento u∈ K2F e
que u seja a soma den s´ımbolos. Provaremos por indu¸c˜ao sobren queu∈K2F.
Caso n = 1.
Temos que u = {a, b}, a, b ∈ F×. Como (a, b)
5.2 Demonstra¸c˜ao do Teorema de Merkurjev-Suslin 23
queu= 0. De fato, se x6= 0, note que
0 ={a(yx−1)2,1−a(yx−1)2} =
a,x
2−ay2
x2 + y x 2 ,x
2−ay2
x2
=
a, x2−ay2 + 2
y x,
x2−ay2
x2
− {a, x}
Sex= 0 temos que u={a,−ay2}={a,−a}+ 2{a, y}= 2{a, y}. Logo{a, x2−ay2} ∈
2K2F.
Caso n= 2.
Temos u={a, b}+{c, d}. Por hip´otese temos que (a, b)F ⊗(c, d)F cinde, portanto [(a, b)F] + [(c, d)F] = 0 ⇐⇒ [(a, b)F] = −[(c, d)F] = [(c, d)F] em Br(F), ou seja, (a, b)F ∼= (c, d)F. Logo pelo lema 4.9 podemos assumir a=ce assimu={a, bd}. Pelo caso n= 1 segue o resultado.
Caso geral.
Escreveremos u ={a, b}+v, com a, b∈ F× e v ∈K
2F sendo uma soma de n−1
s´ımbolos. SejaC a cˆonica sobre F correspondente `a ´algebra de quat´erniosQ= (a, b)F e fixe L=F(C). A cˆonica C ´e dada pela equa¸c˜ao
aX2+bY2−abZ2 = 0
em coordenadas projetivas; tomex= X
Z ey=
Y
Z. Seja p∈C o ponto de grau 2 dado
porZ = 0.
Inicialmente vamos mostrar que
{a, b}= 2r em K2L para r =
x,y
2
a
− {b, y}
De fato
x2
b +
y2
a = 1⇒
x2
b = 1−
y2 a ⇒ 0 = x2 b , y2 a = 2 x,y 2 a
− {b, y2}+{b, a}
= 2 x,y 2 a
−2{b, y} − {a, b}
⇒ {a, b}= 2
x,y
2
a
− {b, y}
24 Cap´ıtulo 5 — O Teorema de Merkurjev-Suslin
Lema 5.5.
∂q(r) = (
−1 se q=p
1 caso contr´ario
Provaremos este lema mais tarde. Como a ´algebra de quat´ernios (a, b)F cinde sobre
L, temos que hL(vL+ 2K2L) = 0. Por indu¸c˜ao
vL= 2w
para algum elemento w∈K2L.
Agora, a partir de w, vamos construir um elemento w′ ∈ K
2L tal que ∂q(w′) = 1 para todo q∈C. Defina
cq =∂q(w)
para cada ponto q∈C. Assim, como v ∈K2F, pelo teorema 5.1 temos que
c2q =∂q(w)2 =∂q(2w) = ∂q(vL)
5.1
= 1.
Assim temos que
cq= (−1)nq onde nq = 1 ou 0
Como o grau de todo ponto em C ´e par temos que
X
q∈C
nqdeg(q) = 2m
para algum m ∈ N. Como todo divisor de grau zero em C ´e principal (por exemplo,
pelo teorema de Riemann-Roch), existe uma fun¸c˜ao f ∈L× tal que
div(f) =Xnqq−mp
Defina
w′ =w+{−1, f}+kr∈K2L onde k =m+np
Seq∈C ´e um ponto diferente dep, n´os temos
∂q(w′) = ∂q(w)·∂q({−1, f})·∂q(r)k
5.5
= (−1)nq
·(−1)vq(−1)vq(f) (−1)
vq(f)
fvq(−1)
!
·1k
= (−1)2nq = 1.
Analogamente seq =p
5.2 Demonstra¸c˜ao do Teorema de Merkurjev-Suslin 25
Logo n´os temos que ∂q(w′) = 1 para todoq ∈C. Pelo teorema 5.1,
w′ =sL para algum s∈K2F
.
Assim, como 2{−1, f}= 0 e {a, b}= 2r, temos
vL= 2w= 2w′−2kr= 2sL− {ak, b}L
.
Defina v′ =v−2s+{ak, b} ∈K
2F, assim por constru¸c˜ao temos quev′L= 0. A cˆonica C cinde sobre a extens˜ao quadr´atica E = F(√a), ou seja, C possui um ponto E-racional, assim C ∼= P1
E e, desta forma, a extens˜ao E(C)/E ´e puramente transcendente, assimK2(E)→K2(E(C)) ´e injetor pelo exemplo 3.4.
K2F(C) ✲ K2E(C)
K2F
✻
✲ K
2E =K2F(√a)
∪
✻
Como v′
L = 0 temos vE′ (C) = 0, logo vE′ = 0 e assim 2v′ = NE/F(vE′ ) = 0. Pelo teorema 5.3, v′ = {−1, d} para algum d∈ F×. Assim o elemento v m´odulo 2K
2F ´e a
soma de dois s´ımbolos{ak, b} e {−1, d}. E isso se reduz ao cason = 2.
Para mostrar a sobrejetividade precisaremos da seguinte proposi¸c˜ao.
Proposi¸c˜ao 5.6. Seja L | F uma extens˜ao quadr´atica. Ent˜ao a seguinte sequˆencia ´e exata:
K2F
2K2F →
K2L
2K2L
NL|F
→ 2KK2F
2F
Demonstra¸c˜ao. Seja u ∈ K2L tal que NL|F(u) = 2v para algum v ∈ K2F. Ent˜ao
NL|F(u −vL) = 2v − 2v = 0 e pelo teorema 5.2, u− vL = (1− σ)w para algum
w∈K2L. Assim
26 Cap´ıtulo 5 — O Teorema de Merkurjev-Suslin
Sobrejetividade de hF. Vamos inicialmente provar um caso particular onde F n˜ao pos-sui extens˜ao de grau ´ımpar. Seja s∈2 BrF. A prova ´e por indu¸c˜ao no´ındicedes, ou
seja o grau da ´algebra de divis˜ao na classe de s.
Seja L | F uma extens˜ao quadr´atica tal que o ´ındice de sL ´e estritamente menor que o ´ındice de s. Temos o diagrama comutativo ([GS06] Proposition 7.5.5, p.211)
K2L
2K2L
⊂ hL✲
2Br(L)
K2F
2K2F
NL|F ❄
⊂ hF✲
2Br(F)
Cor
❄
Seja u ∈ K2L tal que hL(u) = sL, que existe por hip´otese de indu¸c˜ao. Pelo diagrama acima temos
hF(NL|F(u)) =Cor(hL(u)) =Cor(sL) = 2s = 0
Pela injetividade de hF temos que NL|F(u) = 0. Pela proposi¸c˜ao anterior temos que
u≡vL m´odulo 2K2F para algumv ∈K2F.
Note que Lcinde s−hF(v) pois
hL(u) = sL ⇐⇒ hL(u)−sL = 0 ⇐⇒ hL(vL)−sL = 0 ⇐⇒ (hF(v)−s)L= 0
Assims−hF(v) ´e uma ´algebra de quat´ernios (a, b) = hF({a, b}) logos=hF(v+{a, b}). Para o caso geral, tomeF′ o comp´osito de todas as extens˜oes de grau ´ımpar de F.
Pelo caso especial acima, sabemos que existe v ∈K2F′ tal que hF′(v) = sF′. Como v ´e uma soma finita de s´ımbolos existe uma subextens˜ao finita E de grau ´ımpar sobre F
tal que v ∈K2E:
F ´ımpar⊂ E ⊂F′ ⊂F
Assim, modulo 2K2F temos
s=Cor(sE) = Cor(hE(v))
diagrama
Referˆ
encias Bibliogr´
aficas
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