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Uma perspectiva da globalização na universidade brasileira.

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Academic year: 2017

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UMA PERSPECTIVA DA GLOBALIZAÇÃO NA UNIVERSIDADE BRASILEIRA JOSÉ VAIDERGORN*

RESUMO: As políticas públicas relacionadas ao ensino superior brasileiro atual vêm estabelecendo seus parâmetros nos moldes da “globalização” econômica, visando sua inserção no mundo moderno, a partir de um modelo econômico “neoliberal” assumido como inevitável. As novas formas de organização do trabalho deles decorrentes impuseram um novo tipo de formação, onde o domínio do conhecimento e o tempo de escolarização passaram a ser estratégicos. Porém, a aplicação das reco-mendações dos órgãos internacionais no Brasil “neoliberal” privilegia a formação de nível superior fora do sistema universitário público, apon-tado como “atrasado” devido aos seus custos, preferindo-se uma outra, onde os critérios de “qualidade” são os empresariais. As conseqüências são evidentes, acentuando-se o atraso econômico e tecnológico, distan-ciando-se cada vez mais o país da modernidade.

Palavras-chave: Brasil – Universidade; Educação e desenvolvimento econômico; Política pública e educação superior; Educação superior e globalização; Ensino superior e trabalho; Ensino superior público e privado.

Examinar a Universidade brasileira e, por extensão, o ensino supe-rior, através de uma perspectiva da globalização, traz a lembrança da metáfora da caverna de Platão na República. A sombra prismática por ela projetada permite vislumbrar parcelas dos objetos sem que se consiga observar a sua totalidade. Assim, a imaginação atua procurando desvelar o que são as obscuras formas apreendidas. Justificadas por uma compre-ensão peculiar dos processos identificados com a globalização, a educação superior no Brasil vem sendo questionada e pressionada a se adequar a certas demandas, oriundas dos desejos de inserção no mundo moderno, o que tem sido disseminado como inevitável.

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ARTIGOS

Em um livro clássico de investigação sociológica, Horkheimer & Adorno (1973) tecem diversas considerações sobre determinadas formas de comportamento social irrefletido. Dentre as suas instigantes e atuais observações, está a análise sobre o surgimento do preconceito, elemento fundamental dos movimentos totalitários, e sua propaganda. O argu-mento aliciador psicológico, conforme a análise da documentação coligida pelos autores, utiliza-se de um truque retórico que leva em consideração a uniformidade de um texto único, onde há constante correspondência de pensamento e repetições. O pensamento preconceituoso (no caso anali-sado, o nazista) mostra-se pois como um instrumento de propa-ganda de rígidos estereótipos e repetições cons-tantes, tornando-se uma

auto-evidência axiomática que mina as consciências críticas.

O movimento argumentativo inicia-se com a emissão de um juízo – que se torna um clichê – por parte de um orador que, embora apresentado como um homem comum, é também um gênio, portanto portador de uma “verdade”. A simplificação do argumento, para efeito de convencimento, é acompanhada pela satisfação do ouvinte em enten-der a mensagem e poenten-der repeti-la e confirmá-la. Para facilitar a compre-ensão, o mundo é dividido maniqueística e rigidamente, anulando-se qualquer relativismo. A auto-evidência axiomática termina portanto sendo reforçada pela repetição constante, por parte de terceiros, do argumento preconceituoso, podendo inclusive ser utilizado posteriormente pelo autor primário do raciocínio como confirmação de suas teses. Assim, mentiras passam a ter foro de verdade, criando-se a disposição para que as grandes massas acreditem e adiram a tais pontos de vista. Esta adesão é acentuada pelo ritual que cerca o exercício do poder, trans-parente e ao mesmo tempo misterioso, portador de uma razão superior à capacidade de compreensão das massas (Canetti, 1983).

Sem querer generalizar o sentido tomado pelo totalitarismo nazista, dado o exagero que sua prática tomou, e sem, é claro, dispor do paroxismo destruidor hitlerista, há algumas concepções que vêm se constituindo em auto-evidências axiomáticas do mundo contemporâneo, e que toma-ram grande importância para o Brasil. São palavras-chave cuja repetição pouco criteriosa pretende obnubilar o predomínio econômico capitalista e as decorrências do imperialismo a ele associado (Hobsbawm, 1988 e 1995). A referência, no caso, é para a Globalização, o Neoliberalismo e, em menor escala, para a Modernidade e Modernização.

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ensaio de 1915, teria apontado o paradoxo das vantagens do atraso dos países que sairiam das últimas filas na corrida entre as nações pelo desen-volvimento. Para ele, a modernização – aí entendida como europeização ou ocidentalização – dos países atrasados poderia ser feita às custas da assimilação e incorporação da tecnologia dos países tidos como paradigma-ticamente adiantados, sem as crises sociais e econômicas por que estes passaram. Porém, ao contrário da assertiva desse autor, a modernização, assim entendida, termina adicionando às misérias herdadas do atraso as do seu próprio processo. E, lembrando Marx no Prefácio d’O Capital, uma nação pode aprender com as outras, após a descoberta de sua pista da lei natural do desenvolvimento, mas não pode saltar etapas, embora possa minorar e abreviar a fase mais dolorida.

Seguindo a pro-posição de Faoro, a dupla pauta – modernização e modernidade – contém a distinção, onde a modernidade envolve toda a sociedade, enquanto a modernização vem por um grupo co-ator, que conduz e privilegia os setores dominantes por meio de uma política eco-nomicamente orientada (ou, alternativamente, uma economia politica-mente orientada). A modernidade possui uma elite estamental, que coor-dena e organiza o movimento, enquanto que a modernização, tal como no molde prussiano, vem do alto, separando e privilegiando a ideologia à sociedade.

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ARTIGOS

O resultado tem sido o aprofundamento das desigualdades entre os extremos, convivendo o mundo moderno com as condições mais atrasadas. O progresso técnico e científico, potencialmente estendido a todos, não trouxe o bem-estar esperado. A modernização brasileira, da forma como é pretendida, não tem conseguido alcançar a modernidade. A imposição das medidas recomendadas pelos organismos internacionais na política econômica não trouxe a modernidade – e nem a trará, visto que o “neoliberalismo” anunciado no Brasil é também uma evidência auto-axiomática que não se sustenta nem nos seus rincões propugnadores. A rigor, não há nada de novo no avanço do capital e no recuo das forças que a ele resistem. A política liberal é de garantir o funcionamento do sistema econômico capitalista em todo o mundo, e o papel de instituições como o FMI, o BID e o Banco Mundial é a de resguardar a sua conti-nuidade sem sobressaltos. Os Estados modernos, arautos do molde “neoli-beral”, que nas décadas de 1970 e 1980 retoricamente apontavam o futuro no chamado “Estado mínimo” e na não intervenção do Estado na economia, contraditoriamente aumentaram no mesmo período a sua participação na economia. De acordo com um estudo da OCDE, confir-mado pelo FMI, os gastos públicos do Japão e dos EUA passaram entre 1978 e 1981 de 31% para, entre 1992 e 1995, 34% do PIB. Nos mesmos períodos, a Alemanha passou de 48% para 49% e os demais países do G-7 (Canadá, França, Itália e Reino Unido) da média ponderada de 36% para 40%. A carga tributária e o endividamento do setor público desses países, igualmente, também aumentaram, contrariando os cânones “neoliberais”. Já as barreiras comerciais, enquanto vêm decrescendo (pelas pressões nos foros internacionais) nos países pobres, vêm aumentando nos ricos (Batista Jr., 1996). E, quando se anuncia a desaceleração na economia norte-americana, acompanhada das medidas controladoras (aumento dos juros bancários, diminuição do déficit comercial e das ati-vidades industriais com a conseqüente queda no número de empregos etc.) por parte do seu governo, imediatamente entram em turbulência os mercados internacionais dela dependentes.

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estatísticos, Batista Jr (1998a, 1998b) afirma que os Estados Nacionais não estão sendo absorvidos pelos mercados mundiais, e a disseminação do contrário se presta a propósitos variados, para “vender jornais, revistas e livros superficiais (e) apanhar países ingênuos e despreparados na malha dos interesses internacionais dominantes” (1998a, p. 125).

O mercado nacional mantém-se fortalecido, notadamente nos países ricos e desenvolvidos. O conceito “globalização”, no caso, é utilizado como uma justificação responsável por crises econômicas geradoras de desemprego e concessões ao mercado externo. As economias internacio-nalizam-se, mas a riqueza e a produção continuam locais e distribuídas de modo iníquo (Hirst & Thompson, 1998).

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ARTIGOS

a imposição dos interesses empresariais sobre os nacionais têm conduzido os debates sobre a globalização. Nesse sentido, muitas vezes o termo é utilizado como um artifício semântico para representar uma nova forma de imperialismo, que substitui a presença física da metrópole pelo domínio econômico internacional, garantido pelo rapidíssimo fluxo de informações que a tecnologia atual coloca à disposição. O imperialismo, ou antes, “o ápice do processo de internacionalização do mundo capita-lista”, hoje, por ser dominação técnica e política, impondo-se no plano econômico e cultural, não mais necessita de um país-sede, apresentando-se em todo o planeta (Santos, 2000).

Desde que as provocativas exposições de Hayek (1997) passaram a merecer a atenção, a idéia de uma globalização da economia passou a tomar corpo, apoiada nos avanços tecnológicos e científicos, estendendo-se não só para o capital, o comércio e a produção industrial como também para a cultura, as artes, os serviços, a educação etc. A pretendida superação dos Estados Nacionais por um mercado mundial, com a completa liberação das relações mercantis, seria a forma para superar a ordem arcaica e conservadora e trazer a modernidade, onde a extensão da cidadania não mais se relaciona com os direitos sociais. Nesta concepção, a trans-formação qualitativa e quantitativa do capitalismo, representado pela globalização, privilegia os que mantêm os bens e as riquezas, excluindo os que não as possuem. As bases nacionais do capital, embora mantidas, não mais detêm as decisões, submetidas às condições do mercado mundial, generalizando um novo modo de produção, teoricamente idêntico em todo o planeta, prevalecendo a flexibilização e a terceirização associadas à automação, ao uso da microeletrônica e da informática etc. Os padrões de comportamento e os valores socioculturais, da mesma forma, são aqueles que predominam nos Estados Unidos e na Europa ocidental, e sua adesão é incentivada pela ONU e por seus organismos filiados, como a Unesco no campo educacional (Ianni, 1996).

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indus-trial, por sua vez, permitiram substituir com vantagens a mão-de-obra, aumentando a produtividade e diminuindo os custos.

Uma das conseqüências é a mudança do perfil do trabalhador empregado. A título de ilustração, pode-se examinar as informações contidas em uma ampla pesquisa brasileira realizada pela Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados) e pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) referente à área metropolitana de São Paulo. Nela, por exemplo, percebe-se uma rápida queda da participação da indústria na composição do nível de emprego na região. Em 1989, 33% da população economicamente ativa (PEA) estava empregada na indústria; em 1996, diminuiu para 23%. No mesmo período, o setor de serviços cresceu de 41,3% para 48,8% – no comércio, passou de 14,8% para 17%.1 Tais informações, por seu turno, devem

ser contextualizadas no percentual de ocupados no município de São Paulo:

Situação ocupacional Anos

1985 1988(fev a

dez) 1989 1990 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 População

em idade ativa PEA Ocupados Desempregados Aberto Oculto Inativos

100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

61,3 62,1 61,9 60,8 61,9 61,8 61,3 61,5 62,4 62,3 62,4 62,9 54,3 7,0 4,4 2,6 38,7 37,9 5,5 4,0 1,5 56,7 56,8 5,1 3,8 1,3 38,1 54,9 5,9 4,3 1,6 39,2 53,1 8,8 5,4 3,4 38,1 53,5 8,3 4,9 3,4 38,2 53,3 8,1 5,1 2,9 38,7 53,9 7,6 5,2 2,5 38,5 53,7 8,7 5,8 3,0 37,6 53,1 9,2 5,9 3,3 37,7 51,7 10,6 6,9 3,7 37,6 51,7 11,2 7,0 4,2 37,1

Fonte: SEP. Convênio Seade-Dieese. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.

Tabela 1

Associando os valores acima reproduzidos, a variação percentual da população ocupada indica, além da evidente diminuição dos postos de trabalho, que a expressiva migração para o setor terciário acentuou-se a partir de 1992 – coincidindo com a submissa assunção à “economia global”, cristalizada desde os “planos econômicos” de 1990 e realçada com o Plano Real.

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indica-ARTIGOS

ção do rumo acertado é o da competitividade, e, dentre os seus dogmas, está o domínio da tecnologia e a habilitação do maior número de traba-lhadores em maiores quantidades de conhecimentos. Como decorrência, educação passou a ser considerada como um dos pilares que possibilitam uma inserção mais vantajosa do país no mercado globalizado.

A educação superior, distintamente da básica (fornecedora da mão-de-obra treinável), é estratégica, dentro dessa concepção de modernidade globalizada. Um dos fundamentos da inserção no mundo competitivo atual é o domínio e a produção do conhecimento, que passam a ser um bem – identificando-se aí um dos papéis a que se destinam as universi-dades. Considerando extensão da educação universitária como um indi-cador de competitividade, a importância que toma para os governos pode ser um índice de comparação entre países desenvolvidos, “emergentes” e em desenvolvimento, e pode mostrar também um dos motivos que a modernidade estaria mais próxima de alguns e mais distante de outros. Dados da Unesco (1994/1995) indicam que os EUA possuem 8.519.457 alunos de graduação, sendo 72,4% deles estudando em universidades públicas. A França conta com 2.150.000 alunos, 92,2% freqüentando escolas públicas; a Inglaterra possui 822.000 alunos, 99,9% em escolas custeadas pelo Estado. A Argentina, com 677.000 alunos, tem 90% deles em escolas públicas. Já o Brasil, com 1.661.034 alunos, oferece apenas 41,6% das vagas em escolas públicas (21,9% Federais, 14% Estaduais e 5,7% municipais).

O quantitativo mesmo de alunos no Brasil não é tão impressionante, dada a sua população. Comparando com alguns países da América do Sul e Caribe, temos os seguintes índices: Brasil: 11,3% da população tem título universitário; Argentina: 40%; Bolívia: 21%; Peru: 33%; Uruguai: 30,1%; Venezuela: 26,6%; Cuba: 20,8%; Chile: 20,6%; Colômbia: 14,3 %. Dos 43,6 milhões de estudantes brasileiros em todos os níveis de ensino, somente 3,8% (os 1.661.034 acima citados) fazem faculdade (MEC – Ministério da Educação e do Desporto, Brasil; e Brunner, 1994).

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64% – na rede particular); 1990: 1.540.080 (961.455 – 63% – na rede particular); e 1994: 1.661.034 (970.584 – 58% – na rede parti-cular). O crescimento da oferta de vagas na rede particular de ensino, indo no contra-fluxo dos países acima citados (dentre eles os mais desenvolvidos do planeta), é explicado por diversos motivos. Desde a Reforma Universitária de 1968 (Lei n° 5.540/1968), o Governo federal facilitou muito a criação de cursos superiores isolados particulares, como uma forma de suprir a demanda de vagas que as escolas públicas não davam conta. A desobrigação do Estado em incrementar o ensino superior na época permitiu a constituição de um forte setor de faculdades particu-lares, verdadeiras e poderosas empresas que, ao se constituírem em univer-sidades, passaram a disputar as verbas públicas com as instituições do Estado, mesmo apresentando uma qualidade muito aquém. Por outro lado, sempre houve o interesse dos grupos religiosos, principalmente católicos, em aumentar sua influência na sociedade civil. Em termos qualitativos, as universidades públicas brasileiras possuem, de acordo com os mais recentes dados do MEC (1995), uma formação nitidamente melhor de seu quadro docente que as particulares:

*Curso de Pós-Graduação lato senso, de no mínimo 360 horas de atividades. ** Inclui as universidades de todos os estados brasileiros.

Mesmo considerando o baixo percentual de estudantes univer-sitários brasileiros, é apreciável o seu número. Porém, dentro dos parâ-metros comparativos de produtividade, as 52 universidades ou insti-tuições federais, com orçamento total de mais de R$ 5 bilhões (apro-ximadamente US$ 4,7 bilhões) para o ano de 1996, o que significa cerca de 3,8% do PIB2 (incluídas aí as universidades estaduais do estado

de São Paulo – USP, Unesp e Unicamp, as mais importantes do País em termos de produção acadêmica, e que recebem um percentual de pouco mais de 9% da arrecadação do Imposto de Circulação de Mercadorias e Graduação Especialização* Mestrado Doutorado

Federal

Estadual**

Municipal Particular

22%

24%

19% 29%

23%

25%

62% 45%

34%

22%

15% 19%

21% 29%

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ARTIGOS

de Serviços do Estado como as principais – e quase únicas – verbas orçamentárias) têm um resultado social inferior, por exemplo, ao da Coréia, que destina percentual semelhante de seu PNB para inversão no ensino superior.

A percepção de tal circunstância por parte das elites brasileiras levou a procura de medidas que pudessem colocar o país nos trilhos da modernidade. Após oito anos de marchas e contramarchas, promulgou-se a nova Lei de Diretrizes e Bapromulgou-ses da Educação (LDB) em 17 de dezembro de 1996. Em termos de ensino superior, algumas novidades passaram a ser possíveis, para responder mesmo àquelas demandas que seriam próprias da inserção do Brasil no mundo globalizado. O modelo-padrão para universidades brasileiras passou a ser questionado, dado o intento de definição do caráter e vocação de cada uma (ensino de graduação, pesquisa de ponta, vinculação regional etc). Circula também com desenvoltura a proposta do economista do BID, Cláudio de Moura e Castro, que agrega ao modelo atual de universidade (com ensino, pesquisa e extensão) a possibilidade de escolas superiores de formação profissional de alto nível, outras de formação superior técnica, e outras de formação geral, todas possibilitadas pela nova LDB. Um dos resultados é a proliferação de “Institutos Superiores de Educação”, escolas que passaram a formar rapidamente licenciados em nível superior, cuja qualidade e conse-qüências para o ensino básico ainda não foram aquilatadas.

A lógica que rege tais medidas é própria da nova direita moderni-zadora, uma concepção de política que vem de outros tempos e que se apossou do Estado brasileiro. Mesmo revestida de um discurso adequado às exigências das instituições de fomento econômico mundial, pretende substituir todas as demais concepções que de alguma forma visam atingir uma “justiça social”, fundamentada na extensão da cidadania.

No campo educacional, esta nova direita propõe, de acordo com Whitty (1984), um cardápio de sugestões que diariamente podem ser observadas, sendo cotidianamente incorporadas ou propostas como novi-dades:

- Privatização dos serviços custeados por verbas públicas através do pagamento pelos usuários;

- privatização dos serviços antes feitos por pessoal próprio (tercei-rização);

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Inversamente, as verbas públicas, para esta concepção, passam a auxiliar a atividade privada por meio de subsídios a pessoas ou instituições educativas, desviando-se fundos públicos de pesquisa para universidades privadas, que passam a ocupar os lugares estratégicos de decisão. A mesma proposição da nova direita dispõe-se a diminuir as verbas para a educação pública e desviá-las para as escolas privadas, de acordo com as políticas de reforma acadêmica, que têm como corolário a diminuição de custos por estudante.

Tais políticas, aplicadas indiscriminadamente no caso brasileiro, geraram proposições duvidosas mesmo com o uso de argumentos aparen-temente progressistas, como a opção feita pelo governo federal pela educação básica como prioritária por 10 anos, ou a experiência de extensão de conceitos industriais de “qualidade total” na educação (incluindo-se, por exemplo, formas arbitrárias de avaliação e de concessão de verbas).

A política no ensino superior parte de alguns argumentos cuja aplicação resulta sofística. Por exemplo, em 1996, cerca de 67% dos estudantes das universidades públicas eram oriundos das escolas parti-culares de 1o e 2o graus. Isto está, na verdade, de acordo com o quadro

social, onde os 20% da população mais rica detêm 62,6% da renda (dados de 1995, IBGE). Nesse mesmo ano, dos 43,6 milhões de estudantes brasileiros, em todos os níveis de ensino, só 3,8% faziam faculdades (confira na Tabela 2 a distribuição desse total entre as redes públicas e particulares).

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ARTIGOS

derivado do setor privado, cujo padrão relaciona-se à concepção gerencial de “qualidade”. Algumas medidas ensaiadas – como a exigência de presta-ção de contas de todas as instituições de ensino superior, que deverão destinar no mínimo 60% das suas receitas para o pagamento de profes-sores – ao lado de cortes de verbas, principalmente das universidades federais, e outras medidas administrativas vêm apontando para uma ten-dência de “privatização” do ensino superior.

Ao apontar a Universidade pública brasileira não como parte da solução para os problemas do atraso, mas como obstáculo para a modernidade globalizada, sob argumentos que afastam as discussões de fundo, do sentido mesmo do ensino superior no Brasil, e que se concen-tram nos aspectos administrativos e não-científicos, as elites criam uma nova auto-evidência axiomática destinada a congregar, em torno dos argu-mentos fáceis, uma visão de Estado perfeitamente adequada às pretensões de um mundo onde os papéis principais já estão destinados, e onde difi-cilmente o Brasil irá aparecer.

Se nada for feito para estancar esse movimento, a Universidade, deixando de ser o “santuário do saber”, tal como aponta Wolf (1993), terminará perdendo a identificação de seu papel social, levando consigo a liberdade acadêmica, que se limitará às opiniões politicamente aceitáveis nos círculos do poder, aproximando-se perigosamente de um autorita-rismo disfarçado mesmo de consenso.

Notas

1. Para efeito de comparação, o Seade apresenta uma tabela da distribuição da população ocupada, por setor de atividade econômica, no estado de São Paulo, no Brasil e em países selecionados (África do Sul, Alemanha, Austrália, Bolívia, Canadá, Chile, China, Colômbia, Coréia do Sul, Espanha, EUA, França, Holanda, Hong-Kong, Índia, Itália, Japão, México, Paraguai, Peru, Portugal, Reino Unido, Suécia, Uruguai e Venezuela), no período entre 1980 e 1993. Cf. http://www.seade.gov.br/ titabpv98/?sg=TBL

2. Os dados, expostos na revista Conjuntura Econômica (editada pela Fundação Getúlio Vargas), possuem uma certa astúcia na exposição. Os gastos esgrimidos pelo Ministro da Educação atingem 4,5% do PIB em 1996, porém nesse total estão inclusos todos os níveis escolares de todas as esferas de Executivo (municipal, estadual e federal), somados às aposentadorias e pensões e à merenda escolar (que tem sua verba debitada da conta da Previdência). A aplicação mesmo no ensino em 1996 é equivalente ao do ano de 1991.

APERSPECTIVEOFGLOBALIZATIONINBRAZILIANUNIVERSITIES

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their parameters along the lines of the economical “globalization”. The new forms of labor organization that followed have imposed new types of tuition, in which mastery of knowledge and schooling time have turned out strategic. Unfortunately, in a “neoliberal” Brazil, applying the international agencies’ recommendations means privileging higher level training outside the public university system, considered as “backward” owing to its costs. Preference is thus given to tuition adopting entrepreneurial “quality” criteria, whose consequences are obvious: the economical and technological backwardness becomes more pronounced and the country keeps farther and farther from modernity.

Key words: Brasil – University; Education and Economical Development; Public Policies and Higher Education; Higher Education and Globa-lization; Higher Education and Work; Public and Private Higher Edu-cation.

Referências bibliográficas

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