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Práticas docentes e processos de formação = Teacher’s practice and training processes at daily school work

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Academic year: 2017

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Práticas docentes e processos de formação

Teacher’s practice and training processes at daily school work

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*

RESUMO – Este artigo apresenta discussões sobre a prática docente e o processo de formação dos professores no cotidiano do trabalho escolar, a partir de uma investigação que objetivou compreender os processos formativos que se dão no cotidiano escolar. A pesquisa foi desenvolvida por meio de estudo de caso, de natureza qualitativa, em duas escolas bem-sucedidas da segunda fase do ensino fundamental, à época da pesquisa, envolvidas na construção do projeto de formação continuada. Como fonte de dados, considerou-se a observação dos espaços-tempos coletivos dos professores, entrevistas e análises de documentos. Os resultados obtidos revelaram que as situações do cotidiano escolar oferecem contextos favoráveis à promoção de processos de formação continuada. Os resultados sugeriram, também, maior

investimento nas ações de formação continuada nos espaços-tempos do cotidiano escolar, a im de que

propostas docentes alternativas se efetivem na prática escolar.

Palavras-chave – prática docente; trabalho coletivo; formação continuada; ensino-aprendizagem

ABSTRACT – This article presents discussions about teachers’s practice and their continued formation in school’s everyday activities based upon investigations which aimed at understanding the formative processes taking place in school’s everyday activities. The following topics should be highlighted: the pedagogical challenges of teaching practice, collective work, the time the research was carried out and the continued formation. The research was eveloped through case-study of quantitative nature in two public elementary schools. We made observations of teachers’s time-and-space sharing, interviewed the teachers and analyzed documents. The results revealed that school`s everyday activities proved to offer favorable contexts allowing for promoting continued formation of teachers, teachers’s mastering of contents so as to better understand and interpret their own practice. The results also suggested greater investment in the actions of teachers’s continued formation in time-and-space sharing at school so that teachers`s alternative proposals affect their practice.

Keywords – teacher’s practice; collective work; continued formation; teaching-learning

* Doutora em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (Belo Horizonte, MG, Brasil) e Professora Adjunta da Universidade Federal de Minas Gerais (Belo Horizonte, MG, Brasil). E-mail: <suzanasgomes@fae.ufmg.br>.

Artigo recebido em janeiro 2012 e aprovado em junho de 2012.

I

ntrodução

Este trabalho resulta de um estudo a respeito da prática docente, das experiências de trabalho coletivo, da construção do projeto de formação continuada dos professores vivenciado no cotidiano do trabalho escolar. Observou-se aí a inluência dessa formação na implementação de práticas pedagógicas alternativas em sala de aula, dirigidas às camadas populares. Para tanto, considerou-se que o repensar da ação docente acontece em diversos espaços-tempos. Nesse sentido, mereceu destaque o espaço da formação no cotidiano do trabalho

escolar, que se revelou como condição favorável à implementação de práticas docentes diferenciadas.

Todavia, essa airmação suscita algumas questões

que serão respondidas neste trabalho: como tem sido implementada a formação continuada dos professores? Na segunda fase do ensino fundamental, existem experiências de trabalho coletivo? Que saberes são tecidos pelos

docentes diante dos desaios da prática? Existe relação

entre a formação continuada e a implementação de práticas alternativas no processo de ensino-aprendizagem?

Assim, a pesquisa a qual este artigo se refere objetivou

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continuada das escolas, processos esses que estruturaram as atividades pedagógicas de professores da segunda fase do ensino fundamental de duas escolas da rede municipal de Belo Horizonte e lhes deram sentido.

Quanto à abordagem metodológica, adotou-se a análise qualitativa dos dados, seguindo a perspectiva de

Bogdan e Biklen (1997). Assim, buscou-se identiicar,

nos professores investigados, os aspectos de sua vida

proissional expressos no cotidiano do trabalho, suas

concepções, suas atividades pedagógicas atuais e suas perspectivas de trabalho. Para tanto, foram utilizados alguns instrumentos básicos de coleta de dados, como: a observação participante nas reuniões pedagógicas e em encontros e seminários de formação; a realização de entrevistas com professores; grupo focal com alunos;

e, por im, a análise de documentos, como: projeto de

formação continuada; atas de reuniões pedagógicas; e projeto político pedagógico das escolas.

Como referencial teórico optou-se por utilizar a literatura sobre formação de professores, a qual privilegia

a investigação dos processos pelos quais este proissional

se forma no decorrer de sua atuação docente. Nesse sentido, adotaram-se as perspectivas de desenvolvimento

proissional da docência defendidas por Nóvoa (1992), Pérez-Gomez (1992, 1995), Hernandez (1998), Zeichner (1990, 1993 e 2000), entre outros. Para a seleção dos

professores considerou-se não só a perspectiva de seu desenvolvimento, mas também o princípio educativo

em Gramsci (1978). Tal princípio inclui fatores pessoais, fatores próprios da proissionalização docente e aqueles

advindos da socialização dos professores com seus pares. O presente trabalho se estrutura da seguinte forma: num primeiro momento, com base nos estudos de

Gramsci (1978), discutiu-se o princípio educativo de

formação dos professores no cotidiano do trabalho. Ao longo do texto são apresentados dados coletados na

pesquisa, a im de demonstrar os saberes tecidos pelos professores na prática docente e, por im, a apresentação

de algumas considerações sobre a formação continuada de professores.

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nocotIdIanodotrabalho

Algumas questões nortearam a discussão dessa temática, quais sejam: como os professores acolheram as diferenças presentes no cotidiano das salas de aula? Como se organizaram no trabalho para torná-lo um processo formador? Quais os princípios educativos assumidos pelos professores no cotidiano do trabalho? Qual a relação existente entre a formação continuada dos professores e sua prática docente em sala de aula?

Tais indagações trazem em seu bojo a preocupação com a complexidade das situações presentes na escola em relação aos processos de ensino-aprendizagem, ao trabalho docente e à presença de espaços-tempos favoráveis à implementação de uma pedagogia diferenciada.

Depoimentos1 dos professores da Escola2 Municipal Ângela Martins (EMAM) e da Escola Municipal Lúcia de

Freitas (EMLF) conirmaram essa preocupação:

Digo com certeza, estou muito mais motivada para estudar, para melhorar o meu trabalho [...] as infor- mações rolam, socializamos as leituras, acertamos na escolha da assessoria, estou com um grupo de alunos que exigem muito. Eu tenho que estar muito atenta para ajudá-los a avançar. Não sei como, mas estão melhorando [...] (professora Narla, história, EMAM).

Temos muitos problemas na escola, mas somos um grupo que acredita na educação e estamos nos empenhando. Estamos revendo o PPP, construímos no coletivo o projeto do 3º ciclo e ele está acontecendo [...]. Sinto que esses alunos contam conosco. Somos para eles muito mais do que professores. Buscam em nós referenciais de vida, valores, etc. [...] (professora

Hilda, português e ilosoia, EMLF).

Conforme relataram os professores de ambas as

escolas, muitos foram os desaios enfrentados, mas eles,

empenhando-se, foram encontrando sentido para o seu trabalho cotidiano a partir da construção de um projeto pedagógico que considerava as diferenças não só entre os alunos, mas também entre os próprios professores. Nesse projeto, cada um era protagonista e tinha algo a contribuir. Daí a importância dos espaços-tempos coletivos.

A respeito do trabalho com as diferenças,

verii-cou-se que se deu num processo de formação na prática e foi ganhando sentido à medida que um projeto peda- gógico foi constituindo um trabalho de colaboração

relexiva entre os professores, cujo ponto de partida era

a análise coletiva da prática, com vistas à alteração do fazer pedagógico.

Vale ressaltar que o trabalho com as diferenças forma o professor. Esse é um tipo de formação que se dá no cotidiano do trabalho entre os professores. Tem sido assunto de estudiosos como Manacorda (1990), Nosella

(1991), Arroyo (1990, 1991, 2001), Santos (1992), Nóvoa (1992,1995), Hernandez (1998) e Teixeira (1998 e 2000). Trata-se de um campo em desenvolvimento. Isso signiica

que existem escolas em que os professores, pelo empenho pessoal, marcado pelo querer fazer e querer aprender, se

organizam no coletivo e se envolvem a im de discutir e

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no cotidiano do trabalho vivenciadas pelos professores das escolas pesquisadas.

Os depoimentos que seguem revelam os sentidos

e signiicados da formação no cotidiano do trabalho

atribuídos pelos professores:

Mudou muito a minha prática, eu acho que pra melhor. Estou mais atenta aos meus alunos, leio mais, procuro acompanhar meus colegas nas discussões. Antes, eu não tinha tanto interesse [...]. Eu era mais tradicional, estou mudando, antes eu decidia por mim mesma, agora combino com meus colegas do trio e acho que está bem melhor [...] (professora Ivana, português e inglês, EMLF).

Sobre os avanços alcançados no trabalho com os alunos com níveis diferenciados de aprendizagem, eu destaco

a busca constante dos proissionais por formação,

estudos e trocas de vivências, tem sido uma conquista que tem facilitado os processos de construção de novas práticas (professora Sônia, ciências, EMAM).

A respeito da formação no cotidiano do trabalho, Arroyo (1990) defende uma teoria da formação humana que coloque o trabalho como princípio educativo.3 A resistência passa a ser esse princípio, que pode se dar em qualquer instância: social, política e cultural. Na concepção do autor, conhecimento e saber não são vinculados com trabalho e produção, apenas com cultura.

O conhecimento, o saber, a qualiicação e a ciência são

alguns dos interesses por cujo domínio os sujeitos reais se confrontam. Na teoria da formação humana, da educação e da cultura, o trabalho é elemento central do processo constitutivo e formador do ser humano enquanto gênero. Independente das formas históricas em que se dá, ele é o modo pelo qual o ser humano transforma a natureza e transforma-se a si mesmo.

Coerentes com essa proposta, espera-se também que os professores da educação básica dominem os conteúdos de sua matéria ou área, os conteúdos de seu ofício e as teorias pedagógicas que os fundamentam. Que princípios ou matrizes são essas? A ação, a práxis e o trabalho, vistos como princípios educativos, fazem parte da tradição pedagógica. A educação, nessa perspectiva, é vista “como processo de produção e não de mera inculcação [...]. Nós produzimos como sujeitos sociais e culturais produzindo a sociedade, a cultura, o conhecimento [...]” (ARROYO,

2001, p. 114-115).

Nessa linha de relexão, também Santos (1992), ao

tratar da organização do processo de trabalho docente, faz uma análise crítica da organização escolar e questiona o tipo de organização de processo de trabalho empre- gado quando se pretende criar condições para que os trabalhadores se eduquem enquanto trabalham. Por- tanto:

Os trabalhadores, ao estabelecerem relações coletivas, igualitárias e solidárias entre os explorados, expressam os princípios organizadores da nova sociedade, o que implica, necessariamente, uma nova escola. Nesses processos práticos, os trabalhadores educam-se. E são justamente essas práticas que nos permitem vislumbrar

os princípios de uma nova pedagogia (SANTOS, 1992, p. 124).

Vale ressaltar que, na nova modalidade de organização do ensino, cujo objetivo é alterar radicalmente o percurso escolar dos alunos, a implantação da progressão con- tinuada substituiu a organização seriada por ciclos de aprendizagem, o que alterou a concepção de ensino, de aprendizagem e de avaliação. Apostou-se na capacidade do professor de ensinar via experiências diversas e conhecimentos distintos. Assim, não é possível alunos diferentes aprenderem em igual medida, qualitativa e quantitativamente.

Desse modo, novas possibilidades de formação no cotidiano do trabalho foram apontadas pelos professores. Nos dizeres de Martins, eles defendiam uma

formação que se faça no próprio local de trabalho. Além disso, reivindicam maior participação nesse processo, maior espaço para pensar. Criar, portanto,

condições para que o professor relita sobre sua prática

pedagógica para compreender seus determinantes

e assumir uma ação transformadora é um desaio

constante. O professor necessita parar para pensar e essa prática lhe é negada sistematicamente, por mecanismos diversos, pelo sistema capitalista.

(MARTINS, 1998, p. 99).

Nesse trecho, a autora caracterizou aspectos im- portantes apontados nos depoimentos desses professores: eles almejavam um espaço de capacitação diferencia-

do que estivesse em sintonia com os atuais desaios

enfrentados por eles. De acordo com os professores, para garantir esse espaço foi necessário vontade polí- tica.

A propósito, assim, eles se posicionaram:

Olha, eu acredito que se a escola plural priorizar a formação em serviço, a coisa melhora. Temos que aprofundar as questões do dia a dia, aparece uma série

de desaios e não podemos deixar de pensar sobre eles.

Para mim isso é que é formação (professor Daniel,

matemática e ilosoia, EMLF).

De modo geral, acredito que o professor tem um pouco de artista nas veias, às vezes não sabemos como, mas conseguimos ajudar o aluno a aprender, somos, sim, capazes de mudanças, principalmente se houver amizade e trabalho coletivo, aí sim, vale a pena

enfrentar os desaios da prática (professora Marta,

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Assim, nessas escolas, à época da pesquisa, o projeto de formação passou pela experimentação, pelo ensaio de novos modos de trabalhar coletivamente e

por uma relexão crítica sobre a sua utilização. Passou

por processos de investigação, diretamente articulados

com as práticas pedagógicas. Por isso, Nóvoa (1992)

defendeu que os professores fossem protagonistas ativos nas diversas fases dos processos de formação: na concepção e no acompanhamento, na regulação e na avaliação.

Nesse contexto, ganharam destaque episódios que envolviam ações dos professores com os alunos, situações

em que professores tentaram dar signiicados e sentidos às

suas tessituras docentes de avaliação formativa (GOMES,

2003). Nesse caso, destacaram-se momentos em que os

professores partilhavam suas práticas nos conselhos de classe, encontros semanais e mesmo pelos corredores nos intervalos das aulas. Nesses momentos, perceberam-se, em seus comentários, buscas, crenças e inseguranças. Ideias ainda iniciais sobre o que fazer, experiências que deram certo e as que não deram também foram discutidas. Entretanto, em seus diálogos, notava-se o pensar sobre o fazer docente, que se deu numa dinâmica de interações ocorridas entre professores e alunos.

De modo geral, os problemas que o professor

enfrentava e que eram por ele identiicados ao avaliar

a própria prática referiam à organização e à execução de atividades distintas para grupos diferenciados de

alunos. Portanto, o professor era desaiado a trabalhar, ao

mesmo tempo, com grupos de adolescentes com níveis diferenciados, devendo apresentar-lhes um conjunto diferente de atividades, enquanto os demais alunos da classe realizavam outros exercícios. Foi isso que se observou nas escolas pesquisadas.

A propósito, Hernandez (1998) analisa experiências

de formação e defende a realização dela na própria prática como caminho desejável se se pretende converter as escolas em instituições onde se aprende. Aprender com a própria prática implica compreendê-la para ultrapassá-la, para ser capaz de transferi-la a outras situações, para dar sentido à própria atuação, para saber melhor, em

deinitivo.

Portanto, os dados da pesquisa demonstraram o caráter formativo da escola em seus espaços-tempos de trabalho. Ali, alternativas para o desencadeamento do processo educativo foram recriadas. À medida que

o professor identiicava desaios no próprio trabalho

e situações que exigiam intervenção, tendo em vista a aprendizagem dos alunos, revisava a sua prática, o seu modo de ser e agir e procurava articular com seus pares.

Assim, no coletivo, desaios, fracassos, avanços e os

resultados positivos na aprendizagem dos alunos eram socializados.

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IntervençãoeavalIação

No cotidiano escolar, o professor é desaiado a

desenvolver, progressivamente, saberes oriundos do próprio processo de trabalho, e é exatamente o desenvol- vimento desses saberes que exigem dele tempo, prática, experiência, etc. No caso das escolas pesquisadas, iden-

tiicaram-se as relações entre tempo, prática e

apren-dizagem dos saberes adquiridos pelos professores que atuavam na segunda fase do ensino fundamental. Em outras palavras, procurou-se averiguar nessas escolas se esses saberes, oriundos da própria prática do professor, eram empregados na prática cotidiana da sala de aula para

resolver os desaios presentes no exercício proissional,

dando sentido às situações de trabalho que lhes são próprias.

Sobre os saberes resultantes da prática, assim se posicionaram os professores:

Estamos estudando sobre currículo, avaliação, projeto pedagógico tudo isso pra ver se a gente melhora o trabalho na escola. Queremos ter uma linha de trabalho nossa (professora Narla, história, EMAM).

O professor do 3º ciclo sabe que tem que trabalhar com o conhecimento de outra forma. Estamos aprendendo a lidar com esse aluno na prática. Não tem receita. Não é fácil, mas conseguimos bons resultados, principalmente quando a gente combina as estratégias

envolvendo os alunos (professora Soia, matemática,

ciências e educação artística, EMLF).

Nessa perspectiva, relexão e processo passaram a

constituir, nos últimos anos, o eixo de uma nova tendência na formação considerada como meio de construção de

saberes e identidade proissional. O trabalho coletivo estimula a visão crítico-relexiva, fornece aos professores

os meios para desenvolver pensamento autônomo e facilita as dinâmicas de autoformação participada. Estar em formação implica investimento pessoal, trabalho livre e criativo com vistas à construção de uma identidade, que

é também uma identidade proissional.

Ainda acerca da construção de saberes, deve-se assinalar que o professor como mobilizador de saberes

proissionais em sua trajetória constrói e reconstrói

seus conhecimentos em diferentes contextos e tempos,

conforme os desaios da prática docente:

Vejam, por exemplo, depoimento deste professor da EMLF:

Tem hora que eu me pergunto: como conseguimos

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preparados para tanto [...]. Fomos adquirindo um saber para enfrentar esses problemas na prática, no agrupamento de professores um colaborava com o outro. E hoje, vejo que valeu a pena [...] (professor Pedro, português e inglês, EMLF).

Outra professora da EMAM também destacou os saberes tecidos na prática:

Tem sido desaiante o trabalho no 3º ciclo porque temos

que recriar formas para atingir o aluno, desenvolver habilidades de leitura, escrita e raciocínio, além de trabalhar com atitudes, despertar esse adolescente para o exercício da cidadania. Tudo isso vem exigindo muito de nós, professores. O que conseguimos fazer é fruto de uma articulação coletiva e compromisso pessoal de muitos (professora Narla, história, EMAM).

Com respeito a essas colocações, é preciso lembrar que a proposta de formação no cotidiano das escolas girava em torno de estudos que ajudavam a discussão de possíveis causas para evitar o fracasso escolar. Assim, foram propostos temas que possibilitavam a

relexão da prática pedagógica na segunda fase do

ensino fundamental, como: currículo, intervenção, avaliação formativa, entre outros. Também os docentes se agrupavam por ciclos e estabeleciam uma dinâmica de relato e estudo de casos de alunos. Outra estratégia utilizada era a troca de experiência, que criou um clima de

coniança entre os pares. Os professores avaliavam, com

frequência, os encaminhamentos com vistas a avançar no processo formativo e aprimorar o desempenho pessoal e coletivo no trabalho com os alunos.

Depoimentos dos professores confirmam tais colocações:

Quando começamos a desenvolver o projeto inter- venção pedagógica percebemos que tínhamos que partir para o estudo de caso dos alunos para entender melhor o porquê de tais comportamentos e atitudes, e mesmo para perceber melhor por onde poderíamos começar o trabalho. Essas informações foram socia-

lizadas no coletivo e contribuíram muito na deinição

das estratégias de ensino (professor Gildo, matemática, EMAM).

O 3º ciclo enfrenta um problema sério. Temos alunos ainda em processo de alfabetização. Nós, professores, tivemos que nos organizar para lidar com esse aluno. São muitos os problemas vivenciados na sala de aula no que se refere à leitura e escrita. Nos tempos de formação e planejamento estamos buscando leituras que nos dê suporte para o enfrentamento dessas

questões (professora Soia, matemática, ciências e

educação artística, EMLF).

Em seus trabalhos, Zeichner4 (1993), abordando o

conceito de professor relexivo, lembra que esse conceito

pode signiicar coisas diferentes: “A pergunta não é se os professores são relexivos, mas como estão reletindo e

sobre o que estão reletindo” (2000, p. 12). Baseando-se no

trabalho de Dewey (1933 e 1965), Zeichner ressalta que uma ação relexiva apoia-se em um ativo desejo de

ana-lisar vários aspectos de uma questão, de dar atenção aos fatos e buscar alternativas diferentes. É a antítese da aceita-ção acrítica da ordem existente na escola. Portanto, engloba

uma abordagem crítica dos rótulos oiciais e dos signii-cados da cultura escolar. Trata-se de uma relexão que exa-mina os fundamentos educacionais (ZEICHNER, 2000).

Os depoimentos dos professores mostram pontos que

são reletidos por eles:

Identiico as diiculdades de aprendizagem nos

alunos ao perceber que o adolescente não consegue compreender a solicitação feita, apesar de ser orientado individualmente, não consegue realizar a atividade, revela dispersão, desconcentração, muitas vezes perturba o desenvolvimento das atividades. Isso às vezes acontece com os outros professores também (professor Mateus, inglês, EMAM).

Eu identiico as diiculdades de aprendizagem através

de uma avaliação formativa, da observação realizada continuamente sobre os processos de desenvolvimento do aluno em todos os aspectos: socioafetivos, cognitivos e culturais. Dou ênfase na construção da leitura e da escrita, também estamos preocupados com a construção do pensamento lógico matemático

(professora Hilda, português e ilosoia, EMLF).

Nessa perspectiva, a ideia da relexão como prática, defendida por Zeichner (1993), parece contribuir mais de

perto para a construção do sentido do trabalho docente. O autor valoriza a interação dos membros do grupo, pois os professores podem se apoiar mutuamente, sustentar o crescimento uns dos outros, olhar para os próprios problemas e compreender que eles têm relação com os dos outros professores, com a própria estrutura da escola ou do sistema educativo.

Prosseguindo a relexão sobre o trabalho docente, foram

importantes, neste estudo, para traçar o esboço da questão do saber docente5 nas contribuições de Tardif, Lessard e Lahaye (1991). Segundo esses autores, certamente o professor sabe alguma coisa, mas o quê precisamente?

Ele sabe identiicar quando o aluno aprende? Quando o

aluno necessita de intervenção? Desenvolve saberes para implantar, por exemplo, uma avaliação formativa?

Essas questões se relacionam com os seguintes co- mentários dos professores sobre o trabalho desenvolvido por eles:

Procuro entender as diiculdades de aprendizagem

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na tentativa de homogeneização do ensino, e nas

diiculdades da escola trabalhar com a diversidade

e a complexidade do ser humano (professora Sônia, ciências, EMAM).

Para trabalhar com as diferentes formas de aprender dos alunos tenho como princípio: respeito às diferenças,

lexibilidade nos agrupamentos de alunos, lexibilidade

nas atividades, respeitando as habilidades de cada um, intervenção processual e, na medida do possível, um atendimento mais individualizado (professora Vera, português, EMAM).

Conforme salientou essa professora, o trabalho era integrado. Isso pôde ser observado em comentários apresentados, por exemplo, em conselhos de classe. Era comum ver professores tomando decisões importantes sobre a forma de acompanhar o aluno, ou elaborando,

juntos, atividades pedagógicas. Enim, partilhavam experiências e desaios. Ainda que essas atividades

de partilha de saberes não sejam consideradas como obrigação ou responsabilidade profissional pelo professor, a maior parte delas expressa a necessidade de troca da experiência. Assim, os encontros pedagógicos, os conselhos de classe e as reuniões semanais foram mencionados pelos professores também como lugares privilegiados de trocas de experiências.

Depoimentos dos alunos das duas escolas, extraídos do grupo focal, demonstram as impressões que eles tinham sobre a prática docente dos seus professores:

Eu gosto do sistema de ensino, porque ele é bem detalhado, os professores explicam bem e gosto também da amizade entre professores e alunos (aluno L. H. M., EMAM).

Os professores aqui da escola conhecem bem a gente. Eles têm paciência no aprendizado. Conversam com a gente e quando vê que alguém não vai bem na matéria, eles ensinam, se a gente estiver triste, para a aula e conversa com a gente (aluna S.P.A, EMAM).

Eu fui acelerada um ano, mas estou dando conta das matérias. Eu acho que depende do aluno para a aceleração dar certo. Eu estou gostando muito. Quando

eu estava no 2º ano eu era a mais adiantada da sala,

também vejo o quanto meus professores se esforçaram comigo (aluna EMLF).

Aqui na escola a gente se sente em casa. Gostamos dos professores porque eles são educados com a gente. Às

vezes, preferimos icar aqui do que em casa (aluna L.

M. A., EMLF).

Também os professores reconheceram que adquiriram saberes na prática da sala de aula, conforme mostram os depoimentos abaixo:

Encontramos diiculdades porque os alunos do 3º ciclo

que chegaram para estudar tiveram um desempenho

muito fraco no 2º ciclo. Alguns têm diiculdades na

leitura e na escrita é ainda mais difícil. Então, nós temos que buscar formas bem diversas para envolver esse aluno (professora Marta, português, educação

artística e ilosoia, EMLF).

Nós sabemos que temos muitas necessidades em sala de aula, e por isso, a gente busca apoio no coletivo. Isso é difícil acontecer na rede. É uma coisa que faz muita diferença. Você aprende na prática, melhora a qualidade do trabalho que você faz. Para mim isso faz uma diferença muito grande (professor James,

geograia, EMAM).

Relacionados com essa questão, os depoimentos feitos por alunos, que foram expostos no grupo focal, e dos professores, expostos na entrevista, podem ser

analisados à luz dos estudos de Pérez-Gómez (1992).

Para esse autor, o processo de relexão-na-ação passa por quatro momentos: o da surpresa, no qual o professor se deixa surpreender pelo que o aluno fez ou por eventos

não previstos na aula; o da relexão sobre o ocorrido e

a busca de entendimento da situação apresentada; o da

reformulação/reconiguração do problema suscitado pela situação; e, inalmente, o da tomada de decisão

e empreendimento de ações baseadas nas hipóteses levantadas durante o processo, implicando testagem deles.

Assim, de acordo com o autor:

Os processos de relexão-ação e sobre-a-relexão-na-ação ocorrem posteriormente à ação pedagógica. Na relexão sobre a ação, o proissional

prático, liberto dos condicionantes da situação prática, pode aplicar os instrumentos conceptuais e as estratégias de análise no sentido de compreensão e da

reconstrução da sua prática (PÉREZ-GÓMEZ, 1992, p. 105).

Por essa perspectiva de formação docente, a prática adquire o papel central de todo o currículo, assumindo um lugar na aprendizagem e na construção do pensamento prático do professor. Esse pensamento não pode ser ensinado diretamente, mas pode ser aprendido.

Aprende-se fazendo e reletindo na e sobre a ação.

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Finalmente, a necessidade de compreender melhor o cotidiano docente levou-me a tomar como referência estudos que analisam e procuram compreender as formas de organização dos professores nos espaços-tempos

do cotidiano escolar, identiicando o pensar e o fazer

pedagógico coletivo. No cotidiano escolar, o professor

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prática docente. Alguns aspectos diicultam o seu maior

envolvimento com mudanças na prática, tais como: rejeição a propostas de inovação que eles não tenham elaborado, falta de sintonia entre os problemas concretos vivenciados em sala de aula e o projeto político-pedagógico, falta de

lexibilidade e preparo para o trabalho coletivo.

Contudo, estudos atestam que os professores partici- pam do projeto educativo quando se sentem mais autô- nomos, valorizados e competentes na realização de seu trabalho, possibilitando, então, o trabalho coletivo com seus pares. Esses fatores certamente não esgotam os elementos que entram em jogo no processo pedagógico. No entanto, eles constituíram referencial importante para orientação na pesquisa. Nessa direção, pensar em projeto educativo remete, mais uma vez, ao papel da didática crítica:

A didática, como ciência que tem por objetivo de estudo o processo de ensino, surge nesse contexto com elementos essenciais à compreensão dessas questões político-pedagógicas. É papel da didática crítica fornecer meios para que o professor faça o centro dessa sua inserção na organização do processo de trabalho da escola e comprometa-se na busca de novas alternativas. A didática crítica supõe, com base

na relexão da prática, a existência de um trabalho

coletivo, um trabalho discutido a todo instante entre

professores e alunos na busca de seu signiicado cul-tural, político e ideológico (DALBEN, 1995, p. 179).

Desse modo, o trabalho que os professores desen- volviam lhes indicava que as teorias de que dispunham

não eram suicientes para explicar os desaios que

enfrentavam em sala de aula. As teorias presentes na prática eram limitadas. Os professores foram convidados a experimentar novas possibilidades de pensar/fazer seu trabalho, o que contribuiu para o questionamento da lógica dominante na escola. Eles procuraram novas possibilidades de ação no coletivo da escola para ajudá-los a suprir as limitações do conhecimento que manejavam.

Prosseguindo o raciocínio, o movimento de

redei-nição do processo de avaliação estava entrelaçado à possibilidade de uma prática pedagógica comprometida com a inclusão, com a pluralidade, com o respeito às diferenças, com a construção coletiva. Assim, vale ressaltar que:

Investigando o processo de ensino-aprendizagem o

professor redeine o sentido da prática avaliativa. A avaliação como um processo de relexão sobre e para

a ação contribui para que o professor se torne cada vez mais capaz de recolher indícios, de atingir níveis de

complexidade na interpretação de seus signiicados,

e de incorporá-los como eventos relevantes para a

dinâmica ensino-aprendizagem. Investigando, reina

seus sentidos e exercita/desenvolve diversos conheci- mentos com o objetivo de agir conforme as neces-

sidades de seus alunos, individuais e coletivamente

considerados (ESTEBAN, 2001, p. 24).

Acrescento ainda que durante as discussões coletivas os professores utilizaram múltiplos conhecimentos e saberes para adequar sua ação às necessidades de seus alunos. A avaliação como prática de interrogação revelou-se como um instrumento importante para professores que, comprometidos com uma escola democrática, frequentemente se encontravam diante de dilemas para os quais nem sempre tinham respostas. Assim, o espaço da discussão coletiva da prática pedagógica foi vivido

como uma aventura desaiadora capaz de

possibili-tar aos professores a construção de novos conhecimen- tos.

Na ótica de Martins, com a discussão:

Amplia-se a possibilidade de uma ação mais coletiva e solidária entre todos os envolvidos na escola [...]. Além da produção coletiva, surge também a proposta de constituição de grupos de estudo para conhecer os trabalhos (teses, dissertações, pesquisas) que tentam alternativas para o ensino nessa perspectiva da produção e sistematização coletivas do conhecimento ou o envolvimento do aluno e sua prática social

(MARTINS, 1998, p. 123).

Nessa perspectiva, ao investigar as concepções

dos professores e identiicar ação e relexão coletivas

como caminho para a compreensão dos fenômenos que envolveram a avaliação no cotidiano escolar, evidenciou-se a preevidenciou-sença do trabalho dialógico, coletivo e crítico dentro da escola. Esse trabalho também explicitou a prática pedagógica vivenciada pelos professores, transformando-a num meio importante para a criação de novos conhecimentos e reorganização dos seus espaços-tempos de trabalho no cotidiano escolar. Desse modo, “as tentativas de realizar trabalhos mais coletivos vão assumindo contornos mais nítidos. Tem-se buscado maior participação do professor e abertura também para o aluno que passa a ser levado em consideração” (MARTINS,

1998, p. 64).

Desse modo, identiicou-se um movimento

transfor-mando a prática docente e exigindo autonomia e respon- sabilidade crescentes, trabalho em equipe e organização de projetos, pedagogias diferenciadas, novos modelos de organização dos espaços-tempos de formação em serviço.

Nas palavras de Lüdke:

A reorganização da estrutura escolar por ciclo rede-

ine o trabalho docente, tradicionalmente concebido como uma prática individual de um proissional,

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panha a sua trajetória dentro dos ciclos e entre eles, obrigando-se cada docente a expor seu trabalho aos colegas, para garantir as condições de acompanhamento e atendimento ao aluno. Em compensação, nenhum professor vai carregar sozinho a imensa carga emocional concentrada hoje na decisão de reprovar um aluno no ensino fundamental. O conjunto de professores e o conselho de classe, em sua função precípua, podem,

dentro de uma estrutura lexível, buscar meios para

satisfazer às necessidades e aos estilos diferentes de cada

aluno no ensino fundamental (LÜDKE, 2001, p. 31).

Atuando em torno dessas questões, André (1990) ressalta estratégias de redimensionamento da prática docente, tornando-a mais justa e democrática. Para tanto, aborda sistemas de trabalho menos hierarquizados, que se realizam mediante a criação de espaços coletivos de

relexão, nos quais os professores analisam,

conjun-tamente, o fazer pedagógico. Muitas vezes esses espaços são utilizados para acompanhamento, avaliação e reformulação do processo de ensino-aprendizagem, bus- cando seu aprimoramento.

Voltando a Luckesi (1999), tem contribuído para a elucidação dos pressupostos das práticas de avaliação no ensino básico. Discute, ainda, a relação entre pla- nejamento, avaliação e projeto pedagógico da escola. O autor destaca a dimensão política que possuem essas atividades e preconiza um trabalho de equipe em que todos decidem o quê e como fazer para elaborar uma proposta coerente com as necessidades dos alunos.

Nesse sentido, Dalben, em sua abordagem sobre o trabalho coletivo, lembra:

É fundamental que os professores passem a organizar-se e solidarizar-organizar-se em práticas comuns coletivas, em conformidade com projetos e objetivos também co- muns, eliminando a tendência corporativa de proteção de espaços. E, nesse processo, é fundamental que o dis-

cente coloque-se como sujeito ativo, relexivo e parti-cipante das transformações (DALBEN, 1995, p. 175).

Assim sendo, o trabalho docente é exercido a partir da adesão coletiva (implícita ou explícita) a um projeto de trabalho. Os protagonistas desse processo são os professores, que assumem importante poder simbólico.

Nesse ponto é importante lembrar que a ação peda- gógica, mediante o trabalho coletivo interdisciplinar, indicou a construção de uma escola participativa e decisiva na formação do sujeito social. O seu objetivo passou a ser experimentação da vivência de uma realidade global que se insere nas experiências cotidianas do aluno e do professor. Articular o saber, o conhecimento e as vivências escolares tornou-se, nos últimos anos, o objetivo da interdisciplinaridade, que se traduz, na prática, num trabalho coletivo e solidário na organização da escola.

A forma de melhorar a avaliação nas escolas, antes de ser um problema de técnicas, é um problema de autoanálise, depuração e formação desse esquema de

mediação em cada professor e no ethos

pedagógico-coletivo que se instala nas escolas e nos estilos de ensino que caminham em diferentes níveis e modalidades do sistema educativo. Por meio desses mediadores se reproduzem as ideologias pedagógicas, o conceito de conhecimento relevante, o que são processos valiosos de aprendizagem e as relações sociais dominantes

(SACRISTÁN, 1998, p. 376).

Nesse sentido, o professor tem um papel social importante. O ofício de professor está mudando. Consiste, cada vez mais, em uma inserção em projetos escolares. O professor envolvido em projetos coletivos é um ator social. Para assumir essa responsabilidade, exige-se

um novo peril de professor. Nesse ponto, pergunto:

que estratégias adotar para contribuir na formação em serviço dos docentes? Como mobilizar os docentes para a construção coletiva de projetos? Que condições são necessárias para favorecer uma prática formativa e diferenciada?

Por outro lado, os docentes, como proissionais,

estavam envolvidos nos processos pedagógicos e buscavam alternativas para o aperfeiçoamento do ensino-aprendizagem. Foi o que presenciei nas escolas pesquisadas, quando professores refletiram sobre sua prática no próprio local de trabalho. Assim, eles utilizaram os espaços-tempos coletivos para a construção de novas práticas e organização do cotidiano do trabalho pedagógico. Nesse sentido, vivenciavam o exercício da

relexão na ação.

c

onsIderaçõesfInaIs

Conclui-se do exposto que implementar a formação dos professores nos espaços-tempos na escola é uma alternativa que se tem mostrado viável para o desen-

volvimento proissional docente. Tal estratégia signiicou

investimento na escola, vista como espaço coletivo privi-

legiado de formação proissional, possibilitando

mu-danças que podem favorecer a construção de práticas pedagógicas inclusivas, voltadas para o atendimento das características sociais e culturais da comunidade e para

as necessidades educativas dos alunos (MIZUKAMI et al., 2002).

Tais análises conirmam mudanças no foco da

formação dos professores. Eles, no cotidiano do trabalho, estão em busca de informações, conhecimentos e formam-se na prática, vivenciando e partilhando suas experiências docentes.

(9)

reconstrução de alternativas coerentes com os pressupostos

teóricos da concepção formativa. Isso signiica garantir

uma formação mais ampla e de qualidade aos professores, a qual inclua como tópicos a serem desenvolvidos os seguintes pontos: a criatividade, a solidariedade social, o reconhecimento da diversidade cultural, entre outros. Assim, professores que estiverem envolvidos nas tessituras do ensinar e do aprender, motivados pelo trabalho coletivo, teriam espaço para revelar, no cotidiano do fazer escolar, desejos, utopias e experiências que, sem

dúvida, contribuirão para o enfrentamento dos desaios

escolares no campo da aprendizagem.

Parece também urgente repensar a estratégia de promoção de cursos que polarizem alguns poucos professores em determinados locais externos à escola, substituindo-a por estratégias de formação nos espaços-tempos escolares, de forma a ampliar as oportunidades de participação dos professores. O contexto escolar demanda a formação no cotidiano do trabalho porque esse é o tipo de formação que interessa ao conjunto dos professores e sobre o qual as escolas podem ter controle, no sentido de melhorar a qualidade do ensino. Nesses espaços-tempos pedagógicos, a adoção de um projeto de formação do

tipo interativo-relexivo inclui as propostas de formação

cujos modelos se organizam em torno da resolução de problemas do cotidiano do professor, o que é feito com a ajuda mútua dos colegas e de assessores, que atuam como interlocutores nas discussões.

Quanto à dimensão coletiva, destacou-se que a escola é, por excelência, um local de formação e, portanto, seus espa- ços-tempos precisam ser organizados de maneira a garantir ações de formação no cotidiano pedagógico, ações essas que promovam integração efetiva do trabalho docente.

O diálogo entre os professores nos espaços-tempos coletivos foi fundamental para consolidar saberes

emergentes da prática proissional. Mas a criação de

redes coletivas de trabalho constitui também um fator

decisivo de socialização proissional e de airmação de valores próprios da proissão docente. O desenvolvimento de uma nova cultura proissional dos professores passa

pela produção de saberes e valores que deem corpo a um

exercício autônomo da proissão docente.

Concluindo, práticas de formação que tomem como re- ferência as dimensões coletivas contribuem para a emanci-

pação proissional e para a consolidação de uma proissão,

que é autônoma na produção dos seus saberes e dos seus valores. A formação como um processo dinâmico e com possibilidades de aperfeiçoamento crescente pode-se en- tender também como um processo contínuo. Nesse sentido,

a prática proissional pode ser concebida como elemento constitutivo da formação continuada dos proissionais.

Recuperam-se, nesse processo, três aspectos consi- derados essenciais à formação do professor nos tempos

atuais: a importância do espaço da escola e da cultura escolar como instâncias mediadoras das relações entre a escola e a sociedade; a importância dos saberes peda- gógicos, gerados no cotidiano das práticas escolares, e as suas relações com os vários campos de conhecimentos que compõem as áreas de formação básica da educação de todo cidadão; o entendimento de que o professor é também,

e principalmente, um proissional relexivo, e cada vez mais é desaiado a transformar as práticas docentes de

avaliação, garantindo às crianças e adolescentes o direito à educação e ao sucesso escolar.

Identiicou-se que as propostas de formação docente,

quando articulam prática e teoria, extraem, da própria prática do professor, os elementos capazes de subsidiar as discussões acerca dos problemas relacionados com o processo educativo. Assim, constatou-se que as estratégias de formação, ao criarem espaços para a discussão das ações educativas, criam, também, espaços para a pes- quisa e discussão de teorias que informam sobre as ações. Torna-se fundamental que as ações extraiam, da prática, novos elementos para a elaboração de novas teorias, não só trazendo a teoria para a prática, mas descobrindo a teoria que existe na prática, o que possibilitará a construção de um novo conhecimento sobre o processo educativo.

Por im, cabe assinalar que os resultados obtidos neste

estudo podem contribuir para compreensão das relações que ocorrem no cotidiano escolar entre professor-aluno e professor-professor, além de apontar as consequências dessas relações e dar pistas para a superação do fracasso

escolar. Daí a sugestão: acelerar a proissionalização e

melhorar o nível de formação dos professores. Espera-se ainda que este estudo aponte elementos que ajudem a repensar a formação continuada dos professores e sinalize, para os elaboradores e proponentes de políticas públicas, a urgência na formulação de políticas de formação permanente, capazes de promover adequada atualização dos princípios teóricos e metodológicos, lembrando que os professores se encontram numa situação de aprendizes desses novos pressupostos inclusivos.

r

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n

otas

1 Todas as transcrições de falas de professores e alunos neste trabalho estão apresentadas na íntegra.

2 Adoção de nomes ictícios para as escolas e para os professores.

3 Manacorda (1990) escreve sobre o princípio educativo em Gramsci (1978) com a intenção de fornecer uma leitura pedagógica para os problemas de formação do homem novo. De acordo com Manacorda, Gramsci falava de um princípio educativo implícito, mais ou menos percebido pela consciência, seja do legislador, seja do professor, o qual é aqui con- siderado como corpo docente. Na perspectiva da teoria gramsciana, a unila-

teralidade da escola contrapõe-se à duplicação entre escola cientíica, pro-issionalizante e técnica de um lado e escola humanista e formativa de outro.

4 Zeichner (1990) defende um programa de formação continuada que

prepare o professor a im de que tenha perspectivas críticas sobre as

relações entre a escola e as desigualdades sociais. Portanto, esse enfoque enfatiza três aspectos fundamentais: a aquisição por parte do docente de uma bagagem cultural de orientação política e social; o desenvolvimento

de capacidades de relexão crítica sobre a prática; e o desenvolvimento

das atitudes que requerem o compromisso político do professor como intelectual transformador no contexto social, na escola e na sala de aula.

5 E, ainda, outros estudos buscam dar conta da complexidade e

especii-cidade do saber constituído no e para o exercício da atividade docente e

da proissão (ENGUITA, 1991; TARDIF; LESSARD; LAHAYE, 1991; POPKEWITZ, 1995; PÉREZ-GÓMEZ, 1995; LÜDKE, 1996). Esses

autores têm se debruçado sobre a questão dos saberes que os professores mobilizam quando ensinam, destacando sua complexidade e seu caráter plural. Buscam superar o modelo da racionalidade técnica chamando a atenção para a existência dos saberes da experiência, aqueles que têm origem na prática cotidiana do professor em confronto com as condições

da proissão. Portanto, trabalham com a categoria de habitus de Bourdieu

Referências

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