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Ensino das letras: (des)encontros do 3º grau

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Academic year: 2017

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34:63-68,1990

ENSINO DAS L E T R A S : (DES)ENCONTROS DO 3º GRAU*

A l c e u D i a s L I M A * *

RESUMO: Utilização da métrica latina e de algumas noções de semiótica na leitura de hexá-metros virgilianos.

UN1TERMOS: Forma, substância, plano da expressão, plano do conteúdo; hexámetro, bucóli-ca, métrica.

A quem se destina esta fala? A o s que entram n u m curso de letras c o m a intenção de adquirir os conhecimentos necessários à reflexão sobre a l i n g u a g e m verbal tomada como objeto do saber, do saber humano. E claro que, ao entrar n o curso, não se t e m idéia m u i t o precisa d o que venha a ser isso. E ao sair? Não sei. Mas sei que será uma grande e irreparável frustração se isso não ocorrer nos quatro anos d o curso. Esta fala não se destina a q u e m entrou no curso porque "adora inglês", se p o r inglês se entende a simples competência para a troca de mensagens, entendida esta, p o r sua vez, como o simples transmitir e receber informações. Isso os que não têm condições intelectuais para estudar também fazem e m u i t o bem. Para tanto não há necessidade de n e n h u m curso de letras. A t é os cursos de línguas que p u l u l a m p o r aí na sociedade de consumo, e na falta de coisa melhor, o fazem de m o d o satisfatório. Para ser aluno do curso de letras a que me refiro, é necessário que n a l g u m momento se tenha intuí-d o , ainintuí-da que obscuramente, aquilo que tointuí-dos pointuí-demos ler e p o r isso mesmo não o fazemos c o m a d e v i d a atenção no mais precioso e injustiçado dos l i v r o s de lingüísti-ca, os PROLEGÓMENOS de Hjelmslev: " A l i n g u a g e m - a fala humana - é uma inesgotável riqueza de múltiplos valores. A l i n g u a g e m é inseparável do h o m e m e o segue e m todos os seus atos. A l i n g u a g e m é o instrumento graças ao q u a l o h o m e m dá forma ao seu pensamento, seus sentimentos, suas emoções, seus esforços, sua

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vontade e seus atos, o instrumento graças ao q u a l ele influencia e é i n f l u e n c i a d o , o último e o mais alicerçado fundamento da sociedade humana. Mas é também o derra-deiro, o indispensável recurso d o h o m e m , seu refúgio nas horas solitárias e m que o espírito l u t a c o m a existência e e m que o conflito se resolve no monólogo d o poeta e na meditação d o pensador" ( 1 , p . l ) . O texto de H j e l m s l e v prossegue nesse t o m como que profético, c o m o o de u m fundador que ele é, mas ao m e u propósito basta o que l i . O que e u pretendo é agarrar-me aos fundamentos de uma vocação humana — a do h o m e m que trabalha c o m a linguagem, defendendo-a c o m ardor e coragem de todos os embustes c o m que o consumismo p r o c u r a corrompê-lo. E u m a das formas de cor-romper é justamente essa de fazer crer que a tarefa do curso de letras é levar as pes-soas a decifrarem frases n u m inglês qualquer e c o m isso arranjarem u m emprego. O curso não tem que pensar e m emprego, mas e m preparar bons profissionais para o ensino. Q u e m t e m que ficar c o m a preocupação de arranjar-lhe emprego é a socieda-de e m suas necessidasocieda-des educacionais. Se queremos dar continuidasocieda-de à vocação a que a l u d i ao c itar H j e l m s l e v , será preciso irmos além de todas as preocupações que tenham c o m o objeto o signo o u mesmo os sistemas de signo tomados c o m o expressão e conteúdo. Porque aqui há sempre o risco de nos enganarmos enredando-nos nas malhas d o significante o u plano da expressão. O que quero dizer não é que tenhamos que abandonar o trabalho c o m o significante. Se nós não o fizermos, q u e m se encar-regará disso? O que deve ficar m u i t o claro é que o significante é m e i o e não f i m . Nosso trabalho será truncado e, por isso, frustração, se não chegar, custe o que cus-tar, àquela dimensão simbólica da linguagem de que fala H j e l m s l e v . N o f u n d o , nós queremos que o nosso trabalho chegue ao h o m e m e não apenas ao nosso aluno. E não é porque, ao trabalharmos u m texto poético — uma semiótica de conotação —, homologamos a ela o mesmo aparato teórico que utilizamos para estudar os sistemas denotados, que podemos parar aí. A s teorias que se baseiam na semiose biplana dão sempre os mesmos resultados, seja q u a l f o r a validação que se busque. E esse resul-tado é truncado, p o r força do próprio método, o u seja, dos conceitos operatórios p o r que se f o r m u l a m , cujo efeito é a desmontagem termo p o r termo, elemento p o r ele-mento, dos sistemas de signos que analisa. O r a , a leitura singela, a l e i t u r a de textos de qualquer espécie visa à verdade una e indivisível, seja ela de que natureza f o r , científica, filosófica o u poética, à q u a l não interessam as preocupações c o m os siste-mas de signos enquanto tais. A t é , pelo contrário, " a l i n g u a g e m quer ser ignorada: é seu destino natural o de ser u m meio e não u m f i m , e é só artificialmente que a pes-quisa pode ser d i r i g i d a para o próprio meio d o c o n h e c i m e n t o " ( 1 , p . 3 ) . C u m p r e não esquecer que o outro sujeito i m p l i c a d o n o poema e m seu fleri, o u seja, o próprio poeta n o afã de revelar o ser, procura o mais das vezes apagar os seus rastos semióticos, para darnos apenas a verdade. A p o n t o de dizermos convictamente: não há d i s -curso mais verdadeiro do que o poético. O que se está a i afirmando é que não há na-da mais humano do que a poesia. M a s , se esse é o nosso ponto de partida, nada i m -pede que venha a ser também o nosso p o n t o de chegada.

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querer dizer o u que o que se encontra entre essas belas imagens não t e m valor poéti-co o u que o leitor não f o i capaz de ler a poesia. E m qualquer das hipóteses, o traba-l h o terá que ser considerado c o m o incompatívetraba-l c o m o texto objeto. Nesse caso, m u i t o d o que lemos e o u v i m o s sobre poesia t e m que ser considerado como impostu-ra, já que impostor é e m p r i m e i r o lugar "aquele que abusa da confiança, da creduli-dade de outrem p o r meio de discursos mentirosos, c o m a intenção de tirar proveito disso".

E posto que estou sendo tão categórico nas minhas afirmações, será b o m que não termine esta fala sem dar alguma mostra do que entendo p o r estudo de poesia, a f i m de que se possa j u l g a r se por acaso não estão diante de u m impostor a mais.

Vamos ter que fazer u m trato: vocês e eu vamos fazer de conta que todos aqui t i -veram uma escolaridade de l9 e 22 graus que lhes subministrou os conhecimentos de

gramática e história antiga necessários, exigidos pelo que me cabe dizer aqui. Faça-mos de conta que todos sabeFaça-mos passavelmente l a t i m e latinidade o suficiente para fazerem-se certas transferências de natureza metalingüística e m que estejam contempladas noções de fonética, f o n o l o g i a , morfossintaxe e semântica do l a t i m e mais a l -guns dados da história política e social de R o m a n u m determinado momento: a se-gunda metade d o 1- século a . C , quando essa metrópole se debate c o m seus p r o b l e -mas de classes, e m que os pequenos proprietários de terras se vêem de repente acos-sados pelos ex-combatentes das guerras civis. O sofrimento dos expropriados parece ter influenciado e, mais que isso, despertado e m poetas como Virgílio a necessidade de dar v o z à dor desses infelizes.

É nesse contexto que devem ser p o r nós situados os 83 versos da égloga ne 1 da

coletânea de dez poemas que constituem o l i v r i n h o chamado BUCÓLICAS, clássico da poesia pastoril, famoso e m toda a cultura ocidental, editado e m boa apresentação, ninguém sabe por que, pela Melhoramentos e m apresentação bilíngüe n o ano de

1982.

Supondo então que a abordagem singela do poema já f o i feita, graças à leitura pessoal e m que as dificuldades lingüísticas, estilísticas e e m relação aos dados de c i -vilização e história de nível escolar f o r a m previamente superadas e m sala de aula e na consulta oportuna a obras de referência básicas, e que, portanto, a carga poética da égloga pôde ser sentida por todos na sua força simbólica, não c o m o u m conjunto numeroso, mas pouco orgânico de elementos de erudição a que os estudos clássicos muitas vezes são reduzidos, vamos tentar falar da composição de Virgílio c o m o ex-pressão da verdade poética:

Melíboeus:

Tityre, tu patulae recubans sub tegmine fagi siluestrem tenui rrmscan meditaris auena; nos patriae finis et dulcia linquimus arua; nos patriam fugimus; tu, Tityre, lentus in úmbra, formosam resonare doces Amaryllida siluas

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" M e l i b e u :

Títiro, t u deitado à sombra de frondosa faia ensaias, na delgada flauta, uma canção silvestre; nós fugimos da pátria e dos seus doces campos. Nós fugimos, t u , Títiro, tranqüilo à sombra, ensinas as selvas a ressoarem: Amarílis b e l a . "

Reproduziram-se aí os 5 primeiros dos 83 versos da égloga I , c o m uma quase lite-ral tradução. Essa tradução o que pretende é repetir e m português o que cada frase latina utilizada p o r Virgílio para c o m p o r essa fala de uma das personagens d i z . N ã o existe a pretensão de traduzir a poesia, mas o i d i o m a l a t i n o e m seu componente léxi-co e morfossintátiléxi-co, a f i m de ajudar o leitor de língua portuguesa a entendê-la n o i d i o m a o r i g i n a l . Isso significa, e m última instância, que essa traduçãozinha faz parte da metalinguagem, o u seja, ela também é comentário, ao passo que u m a tradução de poema deve ser, p o r sua vez, poema. Quando m u i t o , "tradução" c o m o a que aí está ajuda a recompor a fábula, não o poema, pois tanto a fábula, caso haja fábula, quanto as referências históricas, b e m c o m o as de língua e estilo pertencem à matéria-prima o u à substância e não à forma. E o poema é a sua forma. Entenda-se: a afirmação da forma não i m p l i c a , p o r absurda, negação da substância, pois esses dois conceitos são solidários — estão e m relação de pressuposição biunívoca — o u seja, u m a f o r m a é l o -gicamente a forma de uma substância. O p r i m a d o da forma o que significa é que, por exemplo, a poesia de Virgílio é a porção da substância — R o m a - que a f o r m a de Virgílio , o seu hexâmetro, recorta e exprime. Sem o hexâmetro de Virgílio, R o m a é história, civilização, língua latina, metrificação até, mas não poema, pelo menos, não c o m o o lemos nas BUCÓLICAS e na ENEIDA! Centrar a explicação n u m único ver-so, c o m o será feito, não quer dizer isolá-lo do poema de que faz parte, mas tomá-lo c o m o momento p r i v i l e g i a d o d o fazer poético pela facilidade c o m que se p o d e m ex-plicar muitos dos procedimentos lingüísticos utilizados para construir a f o r m a . M a s é preciso insistir: p o r mais que d e v a m ser conhecidos os dados da substância, a verda-deira forma só emerge da leitura singela d o poema, nunca de nenhuma explicação matalingüística p o r mais erudita que seja. O verso e m questão, c o m o quase tudo que n o ocidente chamamos poema, é uma realidade de natureza sonora e não gráfica n e m de outra natureza. A s letras d o alfabeto e outros sinais que traçamos n o papel o u n o quadro negro para representar, sempre p o r convenção, fenômenos lingüísticos e mé-tricos não fazem parte do verso enquanto elemento d o poema. A experiência dos poetas ditos impropriamente concretistas, n o seu comprometimento c o m aspectos grá-ficos do p r o d u t o , ilustra, p o r oposição, esse fato. C o m o ente sonoro e concreto, por-tanto, embora não-gráfico, pode-se até postular para a prolação do verso que tenta-mos analisar este o u aquele sotaque c o m o sendo mais apropriado à sua interpretação qual artefato cultural envolvendo, no caso, a visão greco-latina de quem, p o r ter v i d a citadina, idealiza a v i d a campestre. E assim que se ouvirão, q u e m sabe, os sons graves da v o z rouca e rude, por mais que terna e chorosa, d o v e l h o pastor hirsuto a d i -zer no seu dialeto helenizante d o sul da Itália:

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L I M A , A . D . - L'Enseignement des Lettres: (dé)convenues du 3ème degré. Alfa, São Paulo, 34:

63-68,1990.

RÉSUMÉ: Il s'agit, dans cet petit article, de l'utilisation de quelques concepts de la métrique latine, ainsi que dune ou autre notion de sémiotique dans la lecture d hexamètres de Virgile.

UNITERMES: Forme, substance, expression, contenu; hexamètre, métrique latine.

R E F E R Ê N C I A S B I B L I O G R Á F I C A S

1. H J E L M S L E V , L . - Prolegómenos a uma Teoria da Linguagem. São Paulo, Editora Perspectiva, 1975.

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