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Os santuários nas apoikias do Ocidente: organização física e inserção de estruturas...

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Academic year: 2017

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Universidade de São Paulo Museu de Arqueologia e Etnologia Programa de pós-graduação em Arqueologia

OS SANTUÁRIOS NAS APOIKIAS DO OCIDENTE: ORGANIZAÇÃO FÍSICA E INSERÇÃO DE

ESTRUTURAS DE CULTO NO ESPAÇO

Regina Helena Rezende

Tese apresentada ao programa de pós-graduação em Arqueologia do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo para obtenção do título de doutor em Arqueologia

Área de Concentração: Arqueologia

Orientadora: Profa. Dra. Maria Beatriz Borba Florenzano

Linha de pesquisa: Espaço, sociedade e processos de formação do registro arqueológico

Versão Corrigida. A versão original encontra-se na biblioteca do MAE.

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Aos meus meninos, Rodrigo e Otávio,

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AGRADECIMENTOS

À Profa. Dra. Maria Beatriz Borba Florenzano, por todo o apoio e confiança em mim depositados. Pela sua amizade e parceria em todos esses anos de trabalho em conjunto, na pesquisa e no Labeca, e por ser o exemplo de pesquisadora e profissional que é.

À FAPESP e à Capes, que forneceram os subsídios financeiros para a realização dessa pesquisa, disponibilizaram recursos para a compra de livros e equipamentos e viabilizaram a realização do meu estágio de pesquisa nas bibliotecas e sítios arqueológicos italianos.

À profa. Dra. Elaine Hirata pelas proveitosas conversas sobre religião grega, tiranias do Ocidente e uso dos espaços na pólis. Agradeço ainda pela sua presença na minha banca de qualificação.

À profa. Dra. Maria Isabel Fleming, pela presença e sugestões propostas na banca do Exame de qualificação. Agradeço ainda pela sua amizade e solicitude.

À Profa. Dra. Cristina Kormikiari por ter me acolhido como sua monitora no curso de graduação que ministrou em 2009, pela convivência no ambiente do Labeca e por dividir seu conhecimento sobre arqueologia da paisagem.

Ao Labeca e todos os seus integrantes, pela oportunidade de participar ativamente das suas atividades e por ter criado um ambiente de discussão e difusão de conhecimento tão raro no meio acadêmico. Devo às reuniões e atividades promovidas pelo laboratório grande parte do meu conhecimento sobre o espaço grego.

À profa. Dra. Adriene Tacla, ao prof. Francisco Marshall e à profa. Marta Mega de Andrade pelas ótimas palestras proferidas nos seminários do Labeca.

Ao Silvio Cordeiro, Cibele Elisa Aldrovandi, Juliana Figueira da Hora e Maria Cristina Abramo pela amizade e troca de conhecimentos quando trabalhávamos juntos no Labeca.

À Christiane Teodoro Custodio e Lilian Laky pelas conversas sobre a religião e os espaços na Grécia. A elas agradeço ainda pela parceria na elaboração do texto sobre os santuários e a pólis.

A todos os funcionários da Seção Acadêmica do MAE e à sua diretora, Regina, pela eficiência, atenção e disposição para resolver todas as questões burocráticas.

Aos funcionários da Biblioteca do MAE, sempre muito solícitos e atenciosos. À sua diretora, Eliana Rotolo e equipe: Eleuza, Hélio, Marta, Washington, Gilberto e Alberto, pela simpatia e eficiência.

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Aos funcionários dos sítios arqueológicos e museus que visitei na Sicília e no Sul da Itália na ocasião do meu estágio de pesquisa. Todos foram extremamente atenciosos e solícitos.

À dra. Francesca Veronese, por ter escrito o livro Lo spazio e la dimensione del sacro, uma grande fonte de inspiração e informação para a minha pesquisa.

À comissão organizadora da II semana de arqueologia, da qual fiz parte: Kazuo, Fábio, Fernando, Irmina, Estevam, Lorena, Márjorie, Patrícia, Rodrigo, Silvio, Tatiana, Ana Paula e Filippo. Trabalhar com essa equipe foi muito prazeroso.

A todos os amigos que fiz no ambiente do MAE, que compartilham comigo o gosto pela arqueologia: Vagner, Silvana, Adriana, Gilberto, Carolina, Camila, Daniela, Claudio, Alex, entre outros.

Às amizades que começaram no ambiente acadêmico e se intensificaram ao longo do tempo: À Ana Paula Tauhyl, que de estagiária se tornou uma grande amiga, sempre disponível e disposta a ajudar quando é preciso. À Tatiana Bina, amiga dentro e fora das dependências do museu, com quem divido as alegrias e angústias da profissão. À Joana Climaco, que se tornou uma amiga querida e sempre presente em meio aos estudos em conjunto da língua grega antiga. À Irmina Doneux, cuja amizade ultrapassou as paredes da biblioteca e da sala de estudos.

Aos meus companheiros do curso de italiano: à Adriana Pitarello, uma professora exemplar, cuja dedicação e seriedade conquistaram meu respeito e admiração, e aos meus amigos, Lessa, Luciana e Tânia, pela empolgação e dedicação, com quem passei momentos deliciosos de estudo em grupo enquanto realizava esta pesquisa. Todos eles contribuíram, cada um à sua maneira, para que eu me tornasse uma apaixonada por essa língua.

Aos amigos de tantos anos, onde sempre encontro conforto e apoio: Evelyn e Fernando, Mariana e Felipe, Fernanda e Leonardo, Andréa, Ângela, Flávia e Mônica agradeço o carinho e a torcida.

À Beatriz Stolf, amiga-irmã, pelos agradáveis almoços e deliciosas conversas. À ela, à Cecília e à Silvia, agradeço o apoio e atenção constantes.

Aos amigos Kyka e Maurício e à minha querida afilhada Bárbara, pelos passeios, conversas e momentos de descontração.

À Jandira, Carina e Paloma, pela atenção, carinho e pelos momentos de descontração em família. À Arnaldo Bechelli, in memorian.

À minha avó, Elzira Ribeiro, in memorian.

Ao meu pai, Rodolfo, por sempre ter incentivado a minha curiosidade e gosto pela antiguidade e por museus, à minha mãe Odete, pelo incentivo, apoio e carinho, e à minha irmã Bia pelo apoio.

Ao Otávio, meu filho, nascido enquanto realizava essa pesquisa, simplesmente por existir.

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SUMÁRIO

Resumo / Abstract II

Índice IV

PARTE I

Capítulo 1 1

Capítulo 2 9

PARTE II

Capítulo 3 51

Capítulo 4 99

Capítulo 5 111

PARTE III

Capítulo 6 114

Capítulo 7 128

Capítulo 8 131

Índice de Figuras VII

Índice de Mapas IX

Índice de Tabelas X

(7)

RESUMO

Realizamos um levantamento e um estudo dos vestígios de santuários construídos nas apoikias do Ocidente, analisando aspectos referentes à sua organização física e inserção no espaço urbano e no território ligado a ele para, a partir daí, procurar entender a relação do culto religioso com esse espaço construído. O período estudado compreende o intervalo entre os séculos VII e III a.C., quando identificamos movimentos de expansão e retração na frequentação das áreas sacras estudadas. A compreensão em profundidade da dinâmica de instalação e uso desses santuários nos proporcionou um melhor entendimento de como a sociedade grega estruturava a religião no espaço e como esses lugares serviam como mecanismos políticos de posse e controle do território, usados pelos gregos para se estabelecerem nessas novas áreas já ocupadas por populações autóctones ou por gregos provenientes de outras regiões.

Palavras-chave: Arqueologia clássica, arqueologia da paisagem, santuários gregos, apoikias do Ocidente, SIG.

ABSTRACT

We conducted a research of the remains of sanctuaries in the Western apoikias, analyzing aspects related to their physical organization and insertion into the urban space and the territory attached to it, in order to understand the relationship of the religious worship to this constructed space. The chronological scope of the study is from VII to III centuries BC, a time frame when we identify movements of expansion and contraction in the utilization of the sacred areas studied. The deep understanding of the dynamics of installation and use of these sanctuaries gave us a better understanding of how Greek society structured religion in space and how these places served as mechanisms of political control and possession of territory, used by the Greeks to settle in these new areas already occupied by indigenous communities or by Greeks from other regions.

(8)

RIASSUNTO

Abbiamo condotto un sondaggio e lo studio dell’indizi dei santuari che sono stati costruiti nell’apoikias dell’Occidente, osservando gli aspetti concernenti alla loro organizzazioni e l’inserzione nell’spazio urbano e il territorio collegato ad esso e, da lì, a cercare de capire la relazione fra il culto religioso e questo spazio edificato. Il periodo di studio copri l’intervallo tra i secoli VII e III a.C., quando ci identifichiamo i movimenti di espansione e contrazione nella frequentazione delle aree sacre studiate. L’approfondita conoscenza della dinamica de installazione e l’uso di questi santuari ci hanno fornito una comprensione più ampia di come la società greca ha strutturato la sua religione nello spazio e di come queste luoghi hanno serviti da meccanismi politiche del possesso e controllo del territorio, utilizzato dai greci per fissarsi in queste nouvi aree già occupate da popolazioni indigene o da Greci provenienti da altri regioni.

(9)

ÍNDICE

PARTE I: Arqueologia dos santuários gregos e vertentes interpretativas para sua análise

1

1. INTRODUÇÃO 1

2. VISÕES DA ARQUEOLOGIA DOS SANTUÁRIOS GREGOS DO OCIDENTE: A ARQUEOLOGIA DA PAISAGEM E OS SISTEMAS DE GEO-REFERENCIAMENTO

9

2.1 Os santuários como espaços de materialização da religião grega

9

2.2 Santuários gregos: estruturas de culto e de poder 18 2.3 A contribuição da arqueologia da paisagem no estudo dos

santuários gregos

28

2.4 Uso do SIG como ferramenta para produção de mapas e análise do corpo documental

47

PARTE II: Os santuários gregos do Ocidente: um repertório para análise

51

3. O ESTABELECIMENTO DE APOIKIAS NO OCIDENTE GREGO

51

3.1 SICÍLIA 54

3.1.1 Agrigento 54

3.1.2 Camarina 57

3.1.3 Catânia 59

3.1.4 Gela 61

3.1.5 Himera 63

3.1.6 Leontinos 66

3.1.7 Mégara Hibléia 67

3.1.8 Messina 69

(10)

3.1.10 Selinonte 73

3.1.11 Siracusa e as apoikias associadas à ela: Eloro, Acrai e Casmene

74

3.1.12 Tauromênio 80

3.2 MAGNA GRÉCIA 81

3.2.1 Crotona 81

3.2.2 Cumas 83

3.2.3 Eléia 85

3.2.4 Hípon 87

3.2.5 Lócris 88

3.2.6 Metaponto 89

3.2.7 Poseidônia 91

3.2.8 Régio 93

3.2.9 Síbaris 94

3.2.10 Síris e Heracléia 94

3.2.11 Tarento 97

4. REPERTÓRIO DE SANTUÁRIOS EM APOIKIAS DO OCIDENTE GREGO

99

5. OS SANTUÁRIOS DO OCIDENTE GREGO: ANÁLISES POSSÍVEIS DA DOCUMENTAÇÃO

111

PARTE III: Os santuários nas apoikias do Ocidente: um repertório e suas interpretações

114

6. A CONTRIBUIÇÃO DO ESTABELECIMENTO DOS

SANTUÁRIOS PARA A FORMAÇÃO DA PAISAGEM NAS PÓLIS GREGAS DO OCIDENTE

114

(11)

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 131

8.1. Fontes escritas 131

8.2 Bibliografia 131

(12)

ÍNDICE DE FIGURAS

Fig. 1: Planta de Selinonte, com destaque para as áreas de santuários

urbanos e extra-urbanos 34

Fig. 2: Selinonte: vista dos santuários urbanos 35

Fig. 3: Selinonte: vista dos santuários extra-urbanos 35

Fig. 4: Selinonte: Templo urbano C, na acrópole 35

Fig. 5: Selinonte: Vista da acrópole para santuário extra-urbano E 35

Fig. 6: Selinonte: Santuário extra-urbano E 36

Fig. 7: Selinonte: Vista do santuário extra-urbano E para acrópole 36

Fig. 8: Selinonte: Santuário da Malophoros, extra-urbano 36

Fig. 9: Selinonte: Vista do santuário da Malophoros para os santuários

urbanos da acrópole 36

Fig. 10: Metaponto: Planta destacando as áreas de culto espalhadas

pelo território. 38

Fig. 11: Metaponto: Vestígios dos santuários urbanos – 3 templos 39 Fig. 12: Metaponto: Templo extra-urbano de Hera, na localidade de

Tavole Palatine 39

Fig. 13: Agrigento: Modelo volumétrico do Olimpiéion, do Museu

Arqueológico Regional de Agrigento 42

Fig. 14: Agrigento: Télamon, estátua colossal de sustentação do

arquitrave no Olimpiéion. Museu Arqueológico Regional de Agrigento 42

Fig. 15: Agrigento: Templo de Hera 42

Fig. 16: Agrigento: Vista geral do Templo da Concórdia 43

Fig. 17: Agrigento: Templo da Concórdia, corredor formado entre o

peristilo e a cela do templo. 43

Fig. 18: Agrigento: Templo da Concórdia, pormenor da nave 43

Fig. 19: Siracusa: Lateral da Catedral, onde permanecem as colunas do

templo de Atena 44

Fig.20: Siracusa: Nave lateral da Catedral, onde se avistam as colunas

(13)

Fig. 21: Atenas: O Pártenon, na acrópole 45

Fig. 22: Agrigento. Planta da área urbana 55

Fig. 23: Agrigento, bairro sudoeste. Pormenor da colina dos templos, destancando o santuários das divindades ctônias, o templo dos Dióscuros, o Olimpiéion e o templo de Héracles

57

Fig. 24: Camarina. Planta da pólis no séc. V a.C. 58

Fig. 25: Catânia. Planta da pólis 60

Fig. 26: Gela. Esquema do traçado urbano no período arcaico 62

Fig. 27: Himera. Planta da pólis 64

Fig. 28: Leontinos. Planta da pólis 67

Fig. 29: Mégara Hibléia. Planta urbana 69

Fig. 30: Naxos. Planta urbana do séc. V a.C. 72

Fig. 31: Siracusa. Planta urbana. 76

Fig. 32: Siracusa e o seu interior. Movimentos expansionistas da pólis 78

Fig. 33: Eloro. Planta urbana 79

Fig. 34: Acrai. Planta urbana 79

Fig. 35: Casmene. Planta urbana 79

Fig. 36: Tauromênio. Planta urbana 81

Fig. 37: Crotona. Planta da khóra 82

Fig. 38: Crotona. Planta da pólis 83

Fig. 39: Cumas. Planta urbana 85

Fig. 40: Eléia. Planta urbana 86

Fig. 41: Hípon: planta urbana 87

Fig. 42: Lócris. Planta urbana 89

Fig. 43: Metaponto. Planta urbana 90

Fig. 44: Poseidônia e sua khóra 92

Fig. 45: Poseidônia. Planta urbana 93

Fig. 46: Síris e o seu território 96

Fig. 47: Heracléia: planta urbana 97

Fig. 48: Tarento. Planta da khóra com seus variados núcleos 98

(14)

ÍNDICE DE MAPAS

Mapa 1 - Localização das pólis pesquisadas Pr. I

Mapa 2 - Localização dos santuários na Sicília (com curvas de nível) Pr. II

Mapa 2 - Localização dos santuários na Sicília Pr. III

Mapa 3 - Localização dos santuários na Magna Grécia (com

curvas de nível) Pr. IV

Mapa 3 - Localização dos santuários na Magna Grécia Pr. V

Mapa 4 - Santuários do séc. VII a.C. na Sicília (com curvas de nível) Pr. VI

Mapa 4 - Santuários do séc. VII a.C. na Sicília Pr. VII

Mapa 5 - Santuários do séc. VII a.C. na Magna Grécia

(com curvas de nível) Pr. VIII

Mapa 5 - Santuários do séc. VII a.C. na Magna Grécia Pr. IX Mapa 6 - Santuários do séc. VI a.C. na Sicília (com curvas de nível) Pr. X

Mapa 6 - Santuários do séc. VI a.C. na Sicília Pr. XI

Mapa 7 - Santuários do séc. VI a.C. na Magna Grécia (com curvas de

nível) Pr. XII

Mapa 7 - Santuários do séc. VI a.C. na Magna Grécia Pr. XIII

Mapa 8 - Santuários do séc. V a.C. na Sicília (com curvas de nível) Pr. XIV

Mapa 8 - Santuários do séc. V a.C. na Sicília Pr. XV

Mapa 9 - Santuários do séc. V a.C. na Magna Grécia (com curvas de

nível) Pr. XVI

Mapa 9 - Santuários do séc. V a.C. na Magna Grécia Pr. XVII

Mapa 10 - Santuários do séc. IV a.C. na Sicília (com curvas de nível) Pr. XVIII

Mapa 10 - Santuários do séc. IV a.C. na Sicília Pr. XIX

Mapa 11 - Santuários do séc. IV a.C. na Magna Grécia (com curvas de

nível) Pr. XX

Mapa 11 - Santuários do séc. IV a.C. na Magna Grécia Pr. XXI

Mapa 12 - Santuários do séc. III a.C. na Sicília (com curvas de nível) Pr. XXII

Mapa 12 - Santuários do séc. III a.C. na Sicília Pr. XXIII

Mapa 13 - Santuários do séc. III a.C. na Magna Grécia (com curvas de

nível) Pr. XXIV

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ÍNDICE DE TABELAS

(16)

ÍNDICE DE GRÁFICOS

GRÁFICO 1 - Santuários em atividade por séculos Pr. XXXI

GRÁFICO 2 - Distribuição dos santuários por tipo Pr. XXXII

GRÁFICO 3 - Atribuição por tipo Pr.XXXIII

GRÁFICO 4 - Atribuição por região Pr.XXXIV

(17)

PARTE I: Arqueologia dos santuários gregos e vertentes interpretativas para sua análise

1. INTRODUÇÃO

Esta pesquisa tem como objetivo o estudo dos santuários gregos em aspectos referentes à sua organização física e inserção no espaço urbano. A área de estudo escolhida foi o Ocidente grego, onde já existe uma tradição consolidada em estudos do espaços das pólis1 que procura pensar e discutir o posicionamento e a articulação das várias estruturas que compõe o espaço grego na sua área urbana – a ásty – e no território adjacente à ela – a khóra.

Entendemos por Ocidente grego a região localizada à oeste da Grécia continental, que assim como ela se insere na bacia do Mar Mediterrâneo. No Ocidente grego nos concentramos no estudo de duas regiões: a Sicília, a ilha atualmente pertencente ao território italiano, e a Magna Grécia, que corresponde ao sul da Itália, a região abrange desde Napoli até o extremo sul do continente, abrangendo cidades como Tarento, Crotona e Régio Calábria, localizadas respectivamente no “salto”, na “sola” e na “ponta” da forma de bota que a geografia do território assume nessa área do continente italiano. Nesse texto, quando mencionarmos o Ocidente grego, estaremos nos referindo especificamente a essas duas regiões, mas entendemos que essa área abrange outras regiões além dessas.

Essa região já era desde tempos mais remotos conhecida e frequentada pelos gregos, seja como pontos para comércio seja como áreas temporárias de passagem. A partir do século VIII a.C. esses gregos passam a se estabelecer de maneira mais duradoura nessa região, transferindo populações do continente para assentamentos perenes. Esse movimento expansionista promovido pelos gregos costuma ser chamado de “colonização”, e os assentamentos que dele resultam são as “colônias”. Esses termos são muito usados pela literatura geral e também pela especializada para essa situação histórica. Cabe aqui uma reflexão sobre o seu uso para denominar o movimento migratório grego em direção ao Oeste mediterrânico. A

(18)

profa. Elaine Hirata, em seu trabalho de livre-docência, discute longamente esta ocorrência para o contexto em questão, em um capítulo apropriadamente intitulado “Colonização?” (Hirata 2010: 32-38). Apesar desse assunto ter sido longamente exposto e comentado pela autora na obra citada, gostaríamos de explorar um pouco essa questão, até mesmo para marcarmos a nossa posição nessa discussão.

O dados históricos e arqueológicos nos apresentam a “colonização” grega no Mediterrâneo Ocidental como um acontecimento que consiste “na fundação de novas comunidades políticas, novas pólis, nascidas do destacamento de um grupo de cidadãos da sua comunidade de origem, por isso chamada de metrópole, a cidade-mãe. Os recém-chegados trazem consigo a língua, tradições religiosas, patrimônio mítico e instituições da pólis de origem, mas dela são totalmente independentes, aspecto que não é entendido na palavra colônia, muitas vezes utilizada para indicar essas novas comunidades. O termo colônia, derivado do latim

colere (cultivar), é, de fato, utilizado pela primeira vez pelos Romanos; com ele designam-se aglomerações de cidadãos que mantém com Roma vínculos de várias naturezas e aos quais são entregues terras para o cultivo. Utilizado até a idade moderna, também para indicar fenômenos bastante diversos uns dos outros os termos ‘colônia’ e ‘colonização’ têm muitas vezes gerado confusão” (Jannelli e Longo 2004: 6)2.

A proposta que se coloca é: porque chamar um assentamento grego de colônia se os próprios gregos possuem um nome próprio para isso - apoikia? Apoikia, vem do verbo em grego apoikízo, que indica o ato de se separar. Ele define perfeitamente a situação que resulta desse ato de fundação de uma apoikia: é uma nova pólis que nasce a partir do destacamento, da separação de um grupo de cidadãos da sua pólis de origem. A apoikia é uma nova pólis, com habitantes, organização e estruturas próprios, completamente independente de sua pátria-mãe. No termo colônia a dependência desta em relação à cidade de referência já está colocada desde o início.

“Ao se consolidar o uso do verbo colonizar para nomear tanto o estabelecimento de apoikiai quanto até, para alguns autores, de empórios, o

(19)

fenômeno grego foi objeto de interpretações fundadas na comparação com experiências coloniais de época moderna e contemporânea. E assim consolidou-se uma tradição de assimilação subentendida de conjunturas históricas de natureza diferente.” (Hirata 2010: 33-34). Desta forma, chamar uma apoikia de colônia é imputar nela um sentido, até mesmo histórico, que não corresponde ao período nem ao tipo de estrutura que ela representa.

A discussão a respeito dos termos “colônia” e “colonização” é algo que tem sido promovido não só por Elaine Hirata ou por nós nesse momento. Eles são temas de um debate atual no meio acadêmico, e não se restringem aos movimentos expansionistas gregos; abrangem também outras temáticas em outros tempos históricos.

Apesar disso, o que notamos no desenvolvimento desse trabalho é que, apesar do uso dos termos “colônia” e “colonização” serem muito discutidos e bastante questionados, eles são recorrentes na literatura que trata dos movimentos expansionistas e fundação de apoikias no Ocidente grego. Frente a esse quadro Hirata coloca a questão: “Seria possível concordar com a justificativa de que a presença do qualitativo grega tornaria automaticamente esta colônia devidamente interpretada?” (Hirata 2010: 53). Nós acreditamos que não. Por esse motivo a nossa proposta foi redigir esse texto sem usar esses termos: “colônia” e “colonização”, porque acreditamos que eles não representam a realidade desses assentamentos. No lugar de “colônia” iremos adotar apoikia e substituiremos “colonização” por “movimento expansionista” ou expansão. Usaremos ainda como sinônimo de apoikia o termo pólis e, eventualmente, denominaremos a pólis como cidade grega.

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Grécia não encontramos nenhuma publicação com o mesmo nível de detalhamento encontrado naquela que abrange a Sicília.

Nosso levantamento inicial relacionou, nas 70 pólis localizadas na Magna Grécia e Sicília listadas pelo Inventário, a existência de cerca de 243 áreas sagradas, atestadas ou pela evidência arqueológica ou por relatos das fontes textuais. Nota-se que quase a totalidade desses santuários foram estabelecidos em época arcaica, entre os séculos VII e VI a.C. Percebe-se também que muitos deles deixam de existir pouco tempo depois, entre os séculos V e IV a.C.

Excluímos desse levantamento aquelas pólis onde não foi relatada a existência de áreas sagradas, ou sua existência é baseada em evidências frágeis ou duvidosas, como aqueles santuários elencados nas fontes escritas que não possuem nenhuma evidência arqueológica. Dessa maneira excluímos 43 apoikias daquelas relacionadas pelo Inventário, por falta de dados, e apresentamos 219 áreas sacras distribuídas em 27 pólis.

As apoikias selecionadas para estudo são:

Na Sicília: Acrai, Agrigento, Camarina, Casmene, Catânia, Eloro, Gela, Himera, Leontinos, Mégara Hibléia, Messina, Naxos, Selinonte, Siracusa e Tauromênio, totalizando 15 pólis.

E na Magna Grécia: Eléia, Crotona, Cumas, Heracléia, Hípon, Lócris, Metaponto, Poseidônia, Régio, Síbaris, Siris e Tarento , reunindo 12 pólis.

Notamos que no caso dessas colônias do Ocidente grego existe uma extensa bibliografia que trata da época do estabelecimento dessas pólis, ocorrida no período arcaico. Por outro lado, nos parece que o desenvolvimento posterior desses assentamentos urbanos em épocas clássica e sobretudo helenística não aparece na bibliografia especializada com o peso que é dado ao período arcaico. Por esse motivo, e também porque pretendemos vislumbrar elementos de permanência ou transformação dessas formas na longa duração, sugerimos que o recorte temporal desse trabalho abarque praticamente todo o período de existência da civilização clássica, compreendendo o período que vai do séc. VII ao séc. III a.C.

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santuários que configuram o nosso objeto de estudo foram organizadas em um banco de dados, que procurou explorar em detalhes as características dos assentamentos e dos seus principais edifícios. Ressaltamos que para as cidades da Sicília foi elaborado um levantamento detalhado de áreas sacras do período arcaico, apresentado na obra de F. Veronese (2006) e que foi incorporado ao nosso banco de santuários.

A partir desses dados efetuamos um registro da distribuição dos santuários no espaço. Para essa tarefa o uso de sistemas de informação geográfica – os chamados SIG – foi uma ferramenta de grande valia. Uma vez realizado esse registro e elaborado um banco de dados pudemos estabelecer comparações entre as cidades.

Ainda na etapa de projeto de pesquisa formulamos nossas hipóteses no formato de perguntas que serviram como referências para o desenvolvimento da nossa pesquisa. Na última parte desse texto procuramos responder à essas questões ou pelo menos dar um encaminhamento às respostas destas questões:

1. Como a materialidade revela mudança no culto? Quais elementos vão permitir que identifiquemos essas mudanças?

2. Existe uma relação entre a posição dos santuários e o traçado da cidade? E quanto aos santuários extraurbanos, pode-se identificar algum tipo característico de instalação? Pode-se identificar alguma relação entre os santuários urbanos, suburbanos e extraurbanos quanto ao seu posicionamento no espaço? Se essa relação existir, a partir do estudo de várias pólis será possível estabelecer um padrão, ou ao menos identificar características em comum na sua distribuição no espaço construído e na forma como o culto religioso é estruturado? Qual a relação disso com a divindade?

3. No que diz respeito à distribuição dos edifícios religiosos em meio a malha urbana, é válida a afirmação generalizante de Martin, que desvaloriza esse aspecto da arquitetura dos templos, dando grande destaque para a relação volumétrica? Esta assertiva serve para todas as épocas?

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da civilização grega, em que medida a permanência da forma implica em permanências de religiosidade? Quais são as condições que permitem a existência dessas estruturas por períodos tão longos?

Ver essas construções como elementos ativos, produtos culturais que interagem de forma dinâmica com o homem é o papel de uma área dos estudos arqueológicos chamada de “Arqueologia da Arquitetura”, onde se destacam autores como Pearson e Richards (1997), McGuire e Schiffer (1983) e Lawrence e Low (1990). Esses estudiosos nos mostram que a arquitetura tem, e expressa, certos “princípios” de ordem e classificação que são básicos para o funcionamento da sociedade (Pearson e Richards, 1997: 37). Alguns deles destacam como uma das grandes vantagens de se trabalhar com arquitetura a capacidade que ela tem de expressar tanto funções utilitárias quanto simbólicas (McGuire e Schiffer, 1983: 280). A partir dos estudos desses autores, vemos que a arquitetura, por ser um elemento constitutivo na paisagem humana, torna-se um caminho para o estudo de uma condição social. Com essas idéias em mente vemos que no nosso caso o estudo dos santuários e sua distribuição no espaço, cujos dados são revelados em grande medida pela pesquisa arqueológica, pode também fornecer informações importantes a respeito da sociedade grega no que diz respeito a sua forma de culto religioso, ao papel da religião nessa sociedade e a sua relação com as estruturas de poder.

Para finalizar esta introdução apresentaremos de forma sucinta a estrutura e os conteúdos desta tese. O texto foi dividido em três partes. Na primeira delas um primeiro capítulo é a introdução, onde procuramos colocar o problema, delimitar o seu recorte geográfico e cronológico, apresentar as questões levantadas e indicar os caminhos que tomaremos para buscar a resposta à essas questões. Também mostraremos e discutiremos alguns conceitos básicos para a compreensão da realidade com a qual trabalhamos.

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respeito de formas de organização do espaço, sua sacralização, usos políticos dos espaços, padrões de assentamento, arqueologia da paisagem, comunicação não-verbal, entre outros. Também aqui elaboraremos uma apresentação do SIG – Sistema de informação geográfica, do software e dos parâmetros de referência usados como uma introdução aos mapas que serão gerados a partir do programa Quantum GIS, o software definido para a realização desse tipo de produto nesse projeto.

A segunda parte deste volume apresenta ao leitor as apoikias onde se localizam os santuários elencados, a forma como esses santuários foram estudados e os produtos de todo esse trabalho. O capítulo três foi configurado como uma introdução ao repertório de santuários, onde os mesmos foram agrupados pela apoikia ao qual pertencem. Ele se inicia com um breve histórico do movimento expansionista grego no Ocidente, e apresenta algumas informações relativas a cada uma das apoikia estudadas, juntamente com suas plantas. O objetivo dessa apresentação é introduzir o leitor no contexto histórico onde os santuários estudados se inserem.

O quarto capítulo trata da apresentação do repertório de santuários. Ele traz uma introdução ao repertório e expõe os critérios usados para a descrição e estabelecimento da documentação, explicando cada campo criado para preenchimento na ficha que compõe o repertório de santuários. A título de exemplo apresentamos uma ficha do nosso banco de dados preenchida. O repertório completo dos santuários estudados está disponibilizado em formato digital, e é conteúdo do CD que acompanha esse volume. A proposta de não incorporar o catálogo completo no corpo do texto surge como uma opção para que o volume impresso dessa tese não fique muito extenso, já que o que o catálogo apresentará dados primários que serão referenciados e interpretados ao longo desse trabalho.

No capítulo cinco apresentamos os mapas, tabelas e gráficos produzidos a partir das informações sobre os santuários reunidas no repertório. Este material é acompanhado de um texto que apresenta cada conjunto de informações trabalhado.

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trabalho de pesquisa empreendido. No capítulo seis empreenderemos uma sistematização das informações apresentadas no catálogo e identificação de situações recorrentes e extraordinárias. O objetivo aqui é criar um texto de diagnóstico de tudo o que foi sistematizado durante o desenvolvimento do projeto de pesquisa. Essa exposição será pontuada pela redação de um texto interpretativo que pretende alinhavar as questionamentos levantados ao longo dessa pesquisa com o seu diagnóstico, relacionando-o às questões propostas como ponto de partida desse projeto. E, finalmente, no capítulo sete, faremos um fechamento, elencando as observações de partida, as questões levantadas no desenvolvimento desse projeto e seus encaminhamentos até a fase de finalização da pesquisa.

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2. VISÕES DA ARQUEOLOGIA DOS SANTUÁRIOS GREGOS DO OCIDENTE: A ARQUEOLOGIA DA PAISAGEM E OS SISTEMAS DE GEO-REFERENCIAMENTO

2.1. Os santuários como espaços de materialização da religião grega

Nos estudos mais recentes a respeito do surgimento dos santuários na Grécia antiga a hipótese defendida por autores como Burkert, Polignac e Sourvinou-Inwood é a de que o santuário grego, entendido como um espaço construído destinado exclusivamente aos propósitos religiosos, emergiu no séc. VIII a.C. (Burkert, 1993: 189-196, Sourvinou-Inwood, 1993: 2, Polignac, 1984). Antes disso, na Idade do Ferro Inicial, apesar da grande quantidade de vestígios materiais que as recentes pesquisas arqueológicas têm encontrado e procurado interpretar (Burkert 1993: 31; Morris 2000: 6), nenhum estudioso acusa a existência, no espaço construído grego, de uma área específica de uso religioso. Assim, o que esses autores sugerem é que antes do séc. VIII a.C. havia uma indeterminância espacial no culto. A religião grega deve ser entendida como uma tradição e adotando essa postura não podemos perder de vista o que é mais antigo, o aspecto pré-homérico (Burkert 1993: 33), momento em que ela ainda não existe da maneira organizada como vemos a partir do período arcaico, mas onde certamente elementos essenciais da sua práxis estão conformados.

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cavernas, lugares distantes ou pontos culminantes, como as acrópoles, as montanhas, fontes de água quente, litorais abrigados, etc. (Étienne 2000: 126).

Martin (1956: 254) mostra que na cidade grega – a pólis – as funções dos edifícios de uso público por vezes não são claramente expressas pela sua arquitetura, mas por outro lado ela revela interferências que fazem com que esses edifícios incorporem funções de diferentes esferas da vida pública: política, econômica, social e religiosa. Para esse autor, essa “relativa indefinição” na função dos edifícios é o resultado da associação bastante estreita da esfera religiosa a todas as outras formas da vida pública. Dessa forma, os lugares de culto, sob sua forma mais elementar ou mais evoluída, integram-se a outros edifícios. Alguns lugares onde se mostram indícios dessa integração são a ágora – a praça pública, o teatro, que em muitos casos é uma estrutura dependente do santuário de Dioniso, e o ginásio, que possui algumas salas reservadas para culto. Altares, capelas e efígies divinas posicionam-se em todo lugar, ao longo das ruas, nos cruzamentos, na porta das casas, nas praças públicas e na orquestra do teatro.

A organização dos espaços públicos é um aspecto que distingue a pólis e revela em si sua forma de funcionamento. Autores como Étienne (2000: 123; 2004) e Coulet (1996) destacam a ágora como o centro desse dispositivo, que concentra em seu espaço múltiplas funções, sobretudo as políticas, econômicas e religiosas, reunindo identidade e alteridade em um mesmo espaço. No que diz respeito ao culto religioso é importante notar que a ágora desempenha um papel complementar ao das acrópoles ou dos santuários extra-urbanos, uma vez que ela pode abrigar santuários em seu espaço, mas não é um espaço dedicado exclusivamente ao culto religioso. A ágora de uma cidade grega pode ser entendida como um lugar de preservação da memória de seus habitantes e de manifestação de suas tradições religiosas e de suas lendas, pela existência de templos e monumentos aos heróis políades em seu espaço (Étienne 2000: 118).

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divisão é certamente anterior, recuando ao período arcaico, época do estabelecimento das primeiras apoikias na Sicília. Um exemplo dessa divisão está evidente na planta de Mégara Hibléia (fig. 29, p.68), fundada em cerca de 750 a.C., onde observa-se a existência de um espaço vazio em meio à trama de divisão do solo em lotes. Esse espaço, que corresponde à ágora, foi reservado desde sua ocupação pelos primeiros colonos (Di Vita 1996: 266-268).

O santuário – espaço dedicado à religião na pólis – comporta um terreno sagrado, o témenos, que tem que estar marcado de maneira inconfundível. Consiste em um território, um limite determinado destinado ao deus ou ao herói, isolado do espaço dos homens; esse limite é cercado por uma linha, o períbolo, às vezes com um muro e às vezes sem, sinalizado por pedras de fronteira que frequentemente contém inscrições (Burkert 1993: 181-185; Greco 1992: 55-66). Os vestígios materiais ligados ao culto religioso grego e que, quando encontrados acusam normalmente a existência de um santuário são: o templo, o altar e a estátua de culto. Baseada em suas pesquisas e na análise da obra de Homero, Sourvinou-Inwood afirma que a forma do santuário com altar – com ou sem templo e estátua de culto – é o tipo de vestígio de atividade religiosa mais normalmente encontrado. Para essa autora, assim como para outros estudiosos como Burkert e Marinatos, o templo não é a parte religiosa essencial do santuário grego; é o altar, onde é acendido o fogo e realizado o sacrifício – um dos primeiros e principais rituais da religião grega – que cumpre esse papel (Sourvinou-Inwood 1993: 5; 10, Burkert 1993: 185, Marinatos 1993: 228).

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Apesar da importância do altar, o templo é em muitos casos o elemento arquitetônico de maior destaque em um santuário e por esse motivo ele é a estrutura religiosa mais citada, referenciada e estudada por aqueles que pesquisam a materialidade da religião grega.

Pela leitura da bibliografia entendemos que na cultura grega o santuário é um espaço dedicado ao culto religioso, mas a sua existência não implica na existência de um espaço construído. Pelas nossas pesquisas podemos constatar que o templo é a estrutura ligada à religião grega que tem, pelo seu volume enquanto forma construída, grande destaque na paisagem. Como Burkert afirma, foi na construção de templos, não de palácios, anfiteatros e/ou termas que a arquitetura e a arte gregas encontraram a sua maior realização. No entanto, o templo não era algo absolutamente necessário para a prática religiosa grega. A maior parte dos santuários é mais antiga do que os seus templos (Burkert 1993: 187, Spawforth 2006: 48). “O templo é a ‘morada’, naós, da divindade, ele encerra a imagem antropomórfica do culto. Os inícios da construção de templos confundem-se, por isso, com a história do desenvolvimento das imagens dos deuses.” (Burkert 1993: 187). Sendo um dos objetivos dessa pesquisa o estudo das formas construídas ligadas ao culto religioso grego, inevitavelmente, no nosso caso, o estudo dos santuários está em grande medida relacionado ao estudo dos templos.

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entre os séculos VI e V a.C. foram construídos 7 templos usando a pedra calcária disponível no local (Spawforth 2006: 125-126).

“A partir do século VIII a.C. houve uma tendência contínua de monumentalização dos santuários gregos. Apesar do altar ter sido o elemento de culto mais essencial no témenos, ele foi gradualmente perdendo sua posição de proeminência espacial e centralidade a favor do templo, fisicamente mais impressionante” (Sourvinou-Inwood 1993: 10). É importante destacar que a invenção do templo grego, assim como a opção por sua monumentalização não indicam mudanças radicais na prática do culto ou na percepção do espaço sagrado (Hirata 2010: 44-52; Marinatos 1993: 228-29).

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Sourvinou-Inwood apresenta algumas situações que nos fazem entender melhor o papel dos santuários, espaço por excelência das manifestações religiosas, na sociedade grega: “a pólis colocou a religião no centro da sua vida, forjou sua identidade através dela. Isso fez com que alguns santuários se tornassem um foco para a auto-definição da pólis, e por esse motivo os aumentaram e monumentalizaram. Isso também levou à fundação de mais santuários, com funções específicas, como por exemplo ‘santificar’ uma fronteira ou atender necessidades em particular; mas os cultos não eram necessariamente novos” (Sourvinou-Inwood 1993: 11). Nesse contexto as oferendas votivas nos santuários, que representam a forma mais permanente de adoração, tornaram-se mais importantes e com isso seu número aumentou substancialmente. Esse desenvolvimento foi identificado desde o momento inicial de organização desses santuários, já no século VIII a.C. (Burkert 1993: 196). Juntamente com as oferendas, o significado e a importância simbólica da religião comum também assume maior importância (Snodgrass 1981). “A maior mobilidade e interação dentro do mundo grego e fora dele, juntamente com uma maior percepção da identidade grega e um interesse pelo passado heróico levaram a uma maior interação entre santuários em diferentes lugares. (...) Para completar, o movimento de expansão, que criou a necessidade de estabelecer novas pólis e definir santuários em terras novas, deve ter realçado ainda mais esse processo” (Sourvinou-Inwood 1993: 12).

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que compõem a paisagem da cidade. Seu papel de destaque se deve à predominância do seu volume e, mais detalhadamente, à importância de seus elementos decorativos” (Martin 1956: 257).

O fato é que os templos foram os edifícios mais proeminentes erigidos pela aristocracia e pelos estados “democráticos” nas pólis gregas (Morris 1987 apud

Trigger 1990: 128). Os templos, entendidos como construções arquitetônicas monumentais dentre todas as produções urbanísticas e arquitetônicas gregas, carregam consigo um sentido simbólico que não está estritamente relacionado ao campo da religião. O templo é uma recorrência da materialização da pólis, sua existência está associada à estruturação de uma comunidade religiosa e política em um espaço (Sourvinou-Inwood 1993: passim). Ele representa a materialização de identidade da pólis.

Para Trigger, a monumentalização da arquitetura, como vemos nos templos construídos nas pólis, sobretudo ao longo do período clássico, é entendido como uma manifestação de consumo conspícuo: a habilidade de gastar energia, especialmente na forma do trabalho de outras pessoas, em maneiras não-utilitárias, mais universalmente entendida como o investimento de energia na produção de símbolos de poder. “Arquitetura monumental e artigos pessoais de luxo tornam-se símbolos de poder porque eles são vistos como incorporações de uma grande quantidade de energia humana e daí simbolizam a habilidade de alguns para quem esses objetos são construídos de controlar essa energia em um nível fora do comum. Além do mais, participando da construção de monumentos que glorificam o poder das classes superiores, os simples trabalhadores são levados a reconhecer seu status de subordinação e o senso de sua própria inferioridade é reforçado” (Trigger 1990: 125).

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confunde com o período dos grandes templos monumentais: “o arquiteto é o auxiliar do tirano, e o templo a expressão de sua política” (Étienne 2000: 133). Percebemos assim que os santuários gregos deixaram de ser apenas lugares de culto e peregrinações para se tornarem “instituições multidimensionais que serviriam não apenas às necessidades de sua comunidade como também às necessidades das pólis gregas como um todo. As particularidades sociais criaram uma relação simbiótica entre religião e estado” (Marinatos 1993: 233). Além de vitrine da tirania, o templo se tornou o emblema da pólis, a expressão de sua identidade, a exata manifestação do seu poder e prestígio (Hirata 2010: 82-103; Marinatos, 1993: 229). O estudo dessa relação, da apropriação do culto para o fortalecimento de uma autoridade política, sobre a qual diversos estudiosos da atualidade se debruçam, é um dos aspectos que pretendemos abordar e a respeito do qual pensamos poder dar a nossa contribuição.

Um estudo dos santuários existentes nos territórios ocupados pelos gregos na Magna Grécia e na Sicília, como é a nossa proposta, vai além do estudo do fenômeno da inserção grega na Itália, envolvendo também o conhecimento da organização e padrões de estabelecimento urbano dos povos gregos em seu próprio território e dos principais acontecimentos ocorridos na região do Mar Mediterrâneo desde períodos mais remotos até a chegada dos romanos, que atingiram o sul da Itália no final do século IV a.C., acabando com a independência das cidades gregas em algumas décadas (Cerchiai 2002: 7).

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“Entre as primeiras ações realizadas pelos recém-chegados nas apoikias estava a divisão do espaço disponível em áreas públicas (tais como santuários, ágoras – praças centrais para reuniões públicas – e estradas) e a construção de casas e alocação de terra para o cultivo. Então, mesmo sem a presença de edifícios monumentais para guiá-los, os arqueólogos ainda são capazes de recriar os momentos iniciais da vida da nova cidade” (Cerchiai 2002: 13), que são esses estabelecimentos gregos no Sul da Itália e na Sicília. Desde o início do povoamento e organização das fundações gregas na Magna Grécia e Sicília, cuja ocupação vinha desde a Idade do Bronze, dois espaços se destacaram como principais centros de reunião de pessoas, com o objetivo de se organizarem a fim de criar uma identidade para a comunidade emergente de cidadãos. São eles: a ágora, ligada ao planejamento do espaço político e as áreas religiosas, compostas por numerosos santuários localizados tanto dentro quanto fora da área urbana (Di Vita 1996: 264-266).

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2.2. Santuários gregos: estruturas de culto e de poder

O estudo dos santuários gregos sofreu uma grande transformação na sua forma de interpretação ao longo dos anos em que tem sido realizado. Durante a década de 80 surgiram, na área de arqueologia, diversos estudos que buscavam uma visão mais abrangente e integrada do espaço ocupado pelos antigos gregos (Renfrew 1986, Snodgrass 1981) e no caso dos espaços sagrados essa nova metodologia interpretativa possibilitou o aparecimento de importantes trabalhos. Antes disso, um dos trabalhos mais conhecidos e citados é a obra L’Urbanisme dans la Grèce Antique, de Roland Martin (1956), que parte das fontes escritas – como Heródoto, Tucídides, Diodoro, Políbio, Pausânias e Vitrúvio, entre outros – e dos filósofos – como Aristóteles e Platão – para analisar o documento arqueológico. Seu foco é a descrição do traçado da cidade grega e dos edifícios que nele se inserem. Daí vem a definição de que o urbanismo existente na Grécia antiga é um urbanismo de fórmulas (Martin 1956: 8), e que a sua característica essencial é o funcionalismo. Martin reconhece a importância da religião na vida da pólis e de seus cidadãos, e entende que nela as funções políticas não se dissociam das religiosas. Em seu texto o autor afirma que: “as funções religiosas se infiltram por todo lugar: na ágora, no teatro, no ginásio; capelas, altares lembram que cada ato político é marcado por essa característica. Elas se exprimem principalmente, e com destaque nos grandes santuários da cidade, em que as massas monumentais são muitas vezes, juntamente com a ágora, o único ornamento arquitetônico da cidade. Os conjuntos religiosos tiveram, na história das cidades e ao longo dos séculos, profundas influências na paisagem urbana” (Martin 1956: 33). Mas, mesmo reconhecendo a integração entre política e religião na cidade grega, Martin não se aprofunda nessa questão, limitando-se a descrever as características de traçado urbano e dos conjuntos de edifícios existentes na pólis.

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Os autores adotam normalmente uma classificação para os santuários em relação à sua posição no território da pólis. Essa é uma classificação que, apesar de ser questionada por alguns pesquisadores (Polinskaya 2006), mostra-se eficiente sobretudo para os estudos que relacionam essas estruturas religiosas com a organização política e a configuração da “paisagem de poder”3 (Veronese 2006).

Segundo essa classificação, os santuários podem ser de três tipos: o primeiro deles, o santuário urbano, é aquele que se posiciona dentro da área urbana da pólis. “O termo santuário urbano é normalmente aplicado aos santuários monumentais estabelecidos no ponto mais alto, ou em um lugar de destaque, no centro da cidade” (Pedley 2005: 42). A centralidade, exposta aqui por Pedley como uma característica dos santuários urbanos, é discutivel a partir dos vestígios arqueológicos, uma vez que estes nos apresentam inúmeros santuários estabelecidos na área urbana que muitas vezes estão em um lugar de destaque, mas não necessariamente em uma posição central (Veronese 2006: passim); o santuário extra-urbano estaria em uma posição oposta ao primeiro, localizado fora do centro urbano e dos muros das cidades, em posição isolada na khóra da pólis; em uma categoria intermediária estariam os santuários suburbanos ou intra-urbanos, que são os que se encontram na khóra, mas na vizinhança mais ou menos imediata da ásty na pólis, junto aos seus muros ou no máximo a um quilômetro de distância dos muros da mesma (Vallet 1968: 84, Pedley 2005: 24).

Vallet merece destaque por ser o primeiro estudioso que procurou estabelecer parâmetros para o estudo dos santuários gregos, e a importante contribuição que ele deu para essa área constitui o artigo “La cite et son territoire dans le colonies grecques d’Occident”, publicado nas Atti del Convegno di Studi sulla Magna Grecia

(Vallet 1968: passim), que possibilitou os avanços que se seguiram à pesquisa nessa área, principalmente a partir da obra La Naissance da la cité grecque, de François de Polignac (1984), publicada cerca de 20 anos depois.

Nessa obra François de Polignac mostrou que o papel dos santuários extra-urbanos vai além das práticas religiosas, e se mostra de importância crucial tanto na

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definição do espaço da pólis quanto promovendo a integração da comunidade cívica. Assim, o culto religioso e o estabelecimento dos santuários nos limites do território são elementos importantes no processo de formação da pólis enquanto uma comunidade cívica (Polignac 1995). O que o autor propõe nessa obra não é uma situação de oposição entre os santuários urbanos e extra-urbanos ou suburbanos existentes em uma pólis, mas, com o seu modelo bipolar ele procura mostrar que esses santuários posicionados em diferentes áreas da cidade grega vão agir em conjunto para promover a integração da comunidade não apenas no âmbito religioso, mas também no cívico. Mais ainda, Polignac desloca a primazia do santuário e cultos do centro da pólis, argumentando que é nos santuários e cultos extra-urbanos e suburbanos que se realizam as funções primárias do estado: garantir a integração social, a fertilidade e a proteção para todo o corpo de cidadãos, composto por elementos heterogêneos. O culto urbano da divindade políade estabelecia e protegia somente a autoridade política de uma elite aristocrática que mantinha uma posição de liderança na pólis. É a partir dessa constatação que o modelo interpretativo proposto por Polignac questiona o tradicional e monocêntrico esquema de funcionamento da pólis, que usa como maior referencial a organização do espaço em Atenas, uma cidade estruturada em volta da acrópole (e da ágora, adjacente à ela) e dos seus cultos, principalmente o culto da divindade políade. Na sua interpretação Atenas constitui de fato uma exceção ao modelo de organização do espaço da pólis. O exemplo onde o autor discute em maior detalhe o seu modelo bipolar é o Heraion de Argos, no continente grego, mas a situação das apoikias do sul da Itália e Sicília também lhe rendem diversos exemplos de cidades onde foram identificadas situações bipolares, de relação entre os santuários urbanos e extra-urbanos.

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1991), Antonaccio (2001), Hägg , Marinatos e Nordquist (1988), Snodgrass, entre outros. A esse respeito, na versão em inglês da sua obra, publicada em 1995, Polignac absorve muitas das críticas e reavalia suas opiniões, o que resulta numa revisão conceitual do seu capítulo final nessa tradução. Outras críticas que recaem sobre a teoria apresentada por Polignac é que o seu modelo é muito rígido e por esse motivo, sob um olhar mais detalhado, não é capaz de incorporar toda uma diversidade de funções, motivações, interesses sociais e políticos que esses santuários podiam desempenhar no contexto específico de cada comunidade. Enfim, como qualquer modelo, ele é generalizante e por esse motivo, por vezes, não dá conta de situações específicas que também merecem ser observadas para que se compreenda melhor a relação entre o culto e a ação política que se manifestam nesses espaços. De qualquer maneira, a contribuição deixada pelo trabalho de Polignac para o estudo da relação entre política e religião gregas a partir da organização dos seus santuários nas pólis não pode ser ignorada.

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Polignac, e em uma época em que a questão do território ainda não tinha a relevância que ela tem na atualidade.

Um trabalho bem mais recente que lida com a importância do estabelecimento de locais de culto como marcos que definem o espaço da pólis e que também aborda a ocupação grega no Ocidente – nesse caso somente a Sicília – é a obra Lo spazio e la dimensione del sacro: santuari greci e territorio nella Sicilia arcaica, publicada em 2006 por Francesca Veronese. Nessa obra a autora procura compreender de que maneira os locais de culto religioso determinam a posse do território na Sicília de época arcaica pelos gregos, examinando com profundidade aspectos relativos à realidade topográfica e à dimensão político-religiosa presentes nos santuários. Na sua abordagem o conceito de sagrado é visto como instrumento de comunicação ideológica e de controle político que garante a coesão cívica da pólis. Baseada na realidade identificada por ela na Sicília, portanto no contexto das apoikias, os santuários são definidos por Veronese como um espaço onde, além de veneração da divindade, o homem grego manifestou a posse do território e a sua superioridade em relação à realidade encontrada em terras estrangeiras. (Veronese 2006: 35-36; 41). No Ocidente, onde ‘tudo era novo’, a escolha do espaço religioso seguiu critérios específicos, assim um local tornava-se sagrado por escolha ou, na impossibilidade dessa, com base em tradições precedentes; por outro lado, no continente grego, a sacralidade de um local é ancestral, isto é, existia no local ‘desde sempre’ (Veronese 2006: 27).

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expressam a intenção de deixar sinais tangíveis no território, sejam eles de superioridade política e cultural ou de controle sobre o mesmo” (Rezende 2009: 11). Para tanto seu estudo analisa as áreas sagradas urbanas e extra-urbanas para verificar se a projeção do sagrado no território responde a critérios de natureza sociopolítica (Veronese 2006: 26). Na leitura que fizemos da sua obra entendemos que Veronese interpreta a helenização da Sicília, que pontua o território com o estabelecimento de santuários de importância e dimensões variadas e através dessa ocupação marca seu controle sobre o mesmo, como um processo que evidencia a superioridade política e cultural dos gregos sobre as diversas populações que já habitavam a Sicília antes deles, isto é, como uma ação unilateral, onde os gregos impõem aos não-gregos seu modo de vida, mas mantém seus costumes e instituições preservados da influência dessas populações.

Christiane Custodio, na sua dissertação de mestrado4, destaca a concepção de helenização5 das populações indígenas presente no raciocínio de Veronese a respeito da penetração dos gregos, habitantes das apoikias, no interior do território e que caracteriza de forma marcante o trabalho desta autora. Custodio, assim como Veronese, observa os vestígios materiais da ocupação do território de Selinonte como “evidências de uma ação que poderia visar o usufruto destas terras em pontos avançados do território” (Custodio 2012: 70-72), mas não descarta, como Veronese o faz, a possibilidade da existência de negociações e estabelecimento de acordos entre indígenas e gregos, ocasionalmente benéficos para as duas partes envolvidas. Sobre esse assunto a pesquisadora diverge de Veronese ao não considerar a perspectiva de helenização e aculturação que está presente na sua interpretação da expansão de território das colônias do Ocidente grego (Custodio 2012: 72). Custodio entende que o que prevalece nesse espaço é a identidade grega, expressa no conjunto arquitetônico monumental construído pela pólis de Selinonte, com estruturas que referenciam as comunidades de origem de seus colonos – a

4 Dissertação de mestrado intitulada “Khóra e ásty nas pólis gregas do Ocidente: o caso de

Selinonte”, apresentada ao programa de pós-graduação em Arqueologia do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP sob a orientação da profa. Dra. Elaine Farias Veloso Hirata.

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mãe” Mégara Hibléia e Mégara Nisea6, a metrópole balcânica – porém com interações entre esses gregos e outros grupos que coexistiam nesse mesmo território: “Acreditamos que estes colonos reivindicavam e reafirmavam seu pertencimento ao conjunto social que entendemos por helênico frente a possibilidade constante de diluição deste referencial frente a sua realidade imediata: a colônia era heterogênea em termos de grupos étnicos que a formavam, mas deliberadamente a comunidade intencionava reiterar uma integração onde prevalecesse a identidade grega (....)” (Custodio 2012: 105). Estamos alinhados com a postura interpretativa de Custodio, onde as interações com outros grupos são levadas em consideração, mas valorizando primordialmente o elemento grego que está presente nessas situações de construção das paisagens de poder. Nesse contexto, falar em helenização não faz sentido. Entendemos que seria mais proveitoso, a partir desse universo de santuários elencado por Veronese e aprofundado e complementado por nós, explorar a questão do hibridismo nesses espaços.

A professora Elaine Hirata, no texto intitulado “O espaço do Herói e do Tirano nas fundações gregas da Sicília”7, aponta um caminho interpretativo para o estabelecimento das pólis do Ocidente grego que merece ser levado em consideração nas nossas análises: “Ao tratar do Ocidente grego propomos, inicialmente, a inversão da perspectiva de análise tradicional, que vê as áreas

coloniais a partir de paradigmas estabelecidos pela realidade balcânica e, neste sentido, as colônias como variantes adaptadas das metrópoles. Na verdade, a implantação de fundações na Sicília e sul da Itália é contemporânea da estruturação das pólis na Grécia Balcânica, são processos paralelos, experimentos de formação de cidades que, com certeza influenciaram-se mutuamente” (Hirata 2010: 13). Diante dessa realidade a sua proposta é a de “ver esta Grécia com olhos ocidentais

por acreditar que a perspectiva puramente helenocêntrica ou atenocêntrica leva a interpretações reducionistas, que não dão conta da extrema variabilidade e

6 Christiane Custodio apresenta um breve histórico da fundação de Selinonte na sua dissertação de mestrado, já citada, pp.57-58.

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complexidade da experiência grega” (Hirata 2010: 13). É justamente objetivando dar conta dessa complexidade da experiência grega no Ocidente que pretendemos lidar com as apoikias que constituem nosso objeto de estudo, saindo um pouco do viés da helenização e buscando ver as condições de seu estabelecimento com olhos ocidentais.

Para o estudo de Veronese a articulação entre os espaços rural e urbano é de grande importância e a autora compreende que o espaço urbano com toda sua estruturação sagrada representa apenas parte da dimensão religiosa da pólis. Segundo ela os santuários que se desenvolvem de forma heterogênea na khóra, edificados com dimensões imponentes e situados em posições estratégicas são projeções da dimensão do sagrado no coração da pólis. E são justamente esses santuários extra-urbanosessenciais para a compreensão da configuração do poder político na Sicília grega de época arcaica (Veronese 2006: 28).

Em Lo Spazio e la dimensione del Sacro, Veronese apresenta um levantamento sistemático das múltiplas configurações de espaços sagrados que se estruturam no período arcaico nas pólis coloniais (templo, altar, capelas, depósitos votivos), com o objetivo de caracterizar em diversas áreas da Sicília, tanto centrais quanto periféricas, as possíveis paisagens do sagrado que se configuram em contexto indígena (Veronese 2006: 25). Seu estudo contribuiu substancialmente ao considerar, em uma pesquisa sobre santuários gregos em contexto ocidental, os aspectos geomorfológicos e não apenas a correlação entre fontes materiais e textuais para explicar a função dos santuários no período arcaico. Também contribuiu ao mostrar como os santuários estão relacionados às áreas de influência na Sicília grega, e estão articulados na totalidade do território (Rezende 2009: 12).

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constituintes. Entendendo os espaços religiosos enquanto espaços também de manifestação política, a autora aborda a questão da dedicação de tesouros e oferendas nos santuários sob essa ótica (Sourvinou-Inwood 2000: 18-19; 22). A autora lida com a pólis do período clássico, já estabelecida, conceituando e apresentando um panorama da religião grega nessa época. Sob esse aspecto ela afirma que a pólis foi uma autoridade institucional que estruturou o universo e o mundo divino em um sistema religioso, articulou o panteão com certas configurações de personalidades divinas e estabeleceu um sistema de cultos, rituais particulares, santuários e um calendário sagrado. Os mesmos deuses podiam ser cultuados em diferentes pólis, com pequenas mudanças, que dependiam do aspecto da divindade que cada pólis queria enfatizar (Sourvinou-Inwood 2000). A esse respeito Morgan afirma que foram as “comunidades de culto” que articularam a pólis (Morgan 2005).

Vernant é outro autor que apresenta o sistema religioso grego como algo em estreita conexão com as formas de vida social representadas pela pólis. Para ele as crenças e cultos religiosos respondem ao particularismo de cada grupo humano que, como grupo organizado e ocupando um território definido – a pólis – coloca-se sob o patrocínio dos deuses e confere à esses uma fisionomia religiosa própria. Em uma pólis a função da divindade protetora, políade, é cimentar o corpo de cidadãos para fazer dele uma comunidade cívica que zela pela integridade da sua pólis, composta pelos seus homens e seu território, diante das outras pólis (Vernant 2006 2; 41-42).

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autor propõe que no imaginário grego o mundo selvagem que fazia parte da khóra

era um contraponto à civilização, às pólis, e os santuários estabelecidos nos limites do território facilitavam a incorporação do selvagem nas instituições religiosas e legais gregas (McInerney 2006: 33). McInerney elenca diversas situações e atividades econômicas que têm lugar no espaço selvagem, no território pertencente aos santuários de fronteira, destacando entre várias delas a criação de gado e o pastoreio como atividades econômicas de grande importância que aconteciam nesses santuários afastados da ásty, no meio do território selvagem da khóra. Assim o autor evidencia a importância política e sobretudo econômica e religiosa dessas margens para a vida das pólis, concluindo que a existência do selvagem é necessária e faz parte do andamento das engrenagens da vida grega.

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2.3. A contribuição da arqueologia da paisagem no estudo dos santuários gregos

Quando nos referimos à Grécia antiga naturalmente pensamos em suas cidades, as pólis. Porém, apesar de terem sido escavados muitos centros urbanos e das pólis serem historicamente um tema de grande destaque, o mundo grego não é apenas um mundo de cidades. O que as pesquisas do Labeca e a bibliografia recente têm mostrado é que o território é estruturante da paisagem grega. Toda essa malha que forma a pólis grega, composta pela ásty e pela khóra, possui partes que se articulam e se sobrepõem e nessa grande estrutura os templos desempenham um papel de destaque, não simplesmente como estruturas de culto, mas também como importantes elementos articuladores das atividades que se desenvolvem na pólis grega e marcam a sua paisagem.

A questão do território na antiguidade grega é algo que tem sido discutido em maior profundidade mais recentemente. Acreditamos que esse aprofundamento no estudo do território se deve a vários motivos, um deles são as pesquisas relativas à arqueologia da paisagem, área em que, a partir dos anos 1990, nota-se uma ampliação e um importante desenvolvimento teórico. Também na atualidade a introdução de novas tecnologias, como o uso de sistemas de informação geográfica – SIG – que podem ser usados, por exemplo, para o mapeamento da ocupação de um território, trazem uma importante contribuição da área da geografia que, unida à documentação textual e arqueológica, nos permite uma visão cada vez mais completa e integrada da antiguidade grega. Ainda no campo das tecnologias, o uso de ferramentas de banco de dados tem possibilitado aos pesquisadores a organização, apresentação e integração das informações coletadas em seus estudos, enriquecendo as pesquisas arqueológicas. Vemos enfim, no desenvolvimento de novas vertentes de pesquisa e novas tecnologias, a possibilidade de se estudar o território grego em maior profundidade e partir de conceitos que tradicionalmente não eram utilizados nesse campo de estudo.

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urbano, podem nos dar sua contribuição para se pensar a pólis de uma maneira mais integrada a partir do seu território. Essa é uma tendência que identificamos nos estudos que se dedicam à paisagem: abandonar um tipo de interpretação que procura dividir o objeto de estudo para alcançar uma visão mais integrada e holística (Knapp e Ashmore 1999: 6). O tipo de interpretação segmentada deixa, por exemplo, exclusivamente a cargo da “arqueologia social” o estudo de monumentos associados a rituais e cerimoniais, como são os santuários que estudamos nessa tese. Esse tipo de visão, que compartimenta o objeto de estudo em função de seu uso, faz com que as estruturas de uso político sejam estudadas somente sob esse aspecto, e da mesma maneira aquelas de uso econômico ou ritual. Seu objetivo não é estudar os vestígios arqueológicos em seus mais diversos aspectos, mas apenas aprofundar a finalidade específica de cada estrutura estudada. No estudo dos santuários gregos que apresentamos aqui procuramos nos distanciar desse tipo de interpretação mais segmentador, buscando analisar a inserção do nosso objeto de estudo na paisagem de uma maneira integrada, percebendo não apenas os objetivos mais diretos da instalação dos santuários em um espaço – sua função clara como uma estrutura de culto ritual e cerimonial - mas também os objetivos políticos, econômicos e culturais que envolvem a sua criação.

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podemos entender por paisagem, mas sem perder a dinâmica que lhe é tão característica.

Sendo assim, um dos primeiros conceitos, presente na arqueologia da paisagem, que devemos entender é o de lugar. Zedeño e Bowser, em seu livro “Archaeology of Meaningful Places”, adota a definição de Basso: “lugar é onde a história, tanto humana quanto outra, acontece e aonde o conhecimento adquirido pela história viva reside” (Bowser e Zedeño 2009: 1). Uma arqueologia do lugar, segundo Bowser (2004: 1), é aquela que se concentra nas maneiras como as pessoas partilham significados - tanto simbolicamente quanto pela ação – nos meios cultural e físico que as cercam, em escalas variadas e que são expressos nas formas materiais que esses sentidos possam ter. A premissa é simples: as pessoas criam lugares através de interações comportamentais com a natureza e o sobrenatural; elas incorporam suas experiências desenvolvendo referências espaciais para suas ações por meio da mudança material e inscrições metafóricas e verbais. Com base nesses processos cognitivos, as pessoas desenvolvem noções de lugar e relações com lugares que motivam, estruturam, e transformam suas interações com o mundo material de maneiras padronizadas. Assim, no estudo de lugares arqueológicos como marcos, referências geográficas ou arquitetônicas do comportamento humano, percepção, cognição e história têm o potencial de revelar toda uma riqueza de informação cultural e social que ainda não foi devidamente explorada (Bowser e Zedeño 2009: 5).

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Segundo Kormikiari, “uma Arqueologia da Paisagem, ou do Lugar, impõe a interdisciplinaridade e o diálogo com perspectivas teóricas distintas” (Kormikiari 2011: 4). Para essa autora a relevância da abordagem da paisagem para a arqueologia está no objetivo dessa ciência de “explicar o passado humano por meio de sua habilidade em reconhecer e avaliar as relações interdependentes e dinâmicas que as pessoas mantém com as dimensões física, social e cultural de seus meio-ambientes ao longo do tempo e do espaço” (Kormikiari 2011: 4-5).

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como nas depressões com aspecto de vale sobre as quais os pueblos do Chaco foram estabelecidos” (Knapp e Ashmore 1999: 3).

Esses lugares naturais podem afetar o posicionamento de elementos arquitetônicos e até mesmo templos ou cidades inteiras. No caso da Grécia antiga é bem sabido que os santuários, sejam eles rurais ou urbanos, são estabelecidos em locais escolhidos por causa de suas condições de destaque, ligadas a particularidades da natureza: cavernas, lugares distantes ou pontos culminantes, como as acrópoles, as montanhas, fontes de água quente, litorais abrigados, etc. (Étienne, 2000: 126, Pedley 2005: 39, Schachter 1992: 56).

Podemos apresentar alguns exemplos de estabelecimento de áreas sagradas gregas. Como afirmamos anteriormente, a pólis grega era composta pela ásty e pela

khóra, uma área mais densamente ocupada e outra mais fluida, não apenas destinada às plantações, mas espaço de diversas atividades. Os santuários pontuam essa paisagem, presentes tanto na ásty quanto na khóra, ocupando tanto o centro quanto os limites desse espaço da pólis.

Essas partes, ásty e khóra, se articulam e se sobrepõem e nessa grande estrutura os templos desempenham um papel importante, não apenas como estruturas de culto, mas também como elementos que recebem outras atividades que se desenvolvem na pólis grega e marcam a sua paisagem.

Referências

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