rev bras reumatol.2016;56(1):90–92
w w w . r e u m a t o l o g i a . c o m . b r
REVISTA
BRASILEIRA
DE
REUMATOLOGIA
Relato
de
caso
Dificuldades
no
diagnóstico
diferencial
entre
arterite
de
Takayasu
e
febre
reumática:
relato
de
caso
夽
Taciana
Fernandes
Araújo
Ferreira
a,∗,
Marlene
Freire
be
Reginaldo
Botelho
Teodoro
b aUniversidadeFederaldoTriânguloMineiro(UFTM),Uberaba,MG,BrasilbDisciplinadeReumatologia,UniversidadeFederaldoTriânguloMineiro(UFTM),Uberaba,MG,Brasil
informações
sobre
o
artigo
Históricodoartigo:
Recebidoem8deagostode2014 Aceitoem1dedezembrode2014
On-lineem2dejulhode2015
Palavras-chave:
ArteritedeTakayasu Febrereumática Valvopatia
Insuficiênciacardíaca
r
e
s
u
m
o
Apresentamosocasodeumapacienteportadoradeinsuficiênciacardíacacomprótese valvaraórticabiológicaealterac¸õesvascularescompatíveiscomarteritedeTakayasu(AT) quechegouaoservic¸oemusodecorticoideseemprofilaxiaparafebrereumática(FR).Não foipossívelafastaraassociac¸ãoentreambasasenfermidades.
©2015ElsevierEditoraLtda.Todososdireitosreservados.
Difficulties
in
the
differential
diagnosis
between
Takayasu
arteritis
and
rheumatic
fever:
case
report
Keywords:
Takayasuarteritis Rheumaticfever Valvedisease Heartfailure
a
b
s
t
r
a
c
t
Inthisarticle,wepresentthecaseofapatientwithheartfailurewithbiologicalaorticvalve prosthesisandmultiplevascularchangesconsistentwithTakayasuarteritis(TA)whowas seeninourdepartmentreceivingcorticosteroidsandsecondarypreventionofrheumatic fever(RF);itwasnotpossibletoexcludetheassociationbetweenbothdiseases.
©2015ElsevierEditoraLtda.Allrightsreserved.
夽
EstudoconduzidonoDepartamentodeClínicaMédica,DisciplinadeReumatologia,UniversidadeFederaldoTriânguloMineiro(UFTM), Uberaba,MG,Brasil.
∗ Autorparacorrespondência.
E-mail:taciferreira@yahoo.com.br(T.F.A.Ferreira). http://dx.doi.org/10.1016/j.rbr.2014.12.017
rev bras reumatol.2016;56(1):90–92
91
Introduc¸ão
AarteritedeTakayasu(AT)éumavasculitegranulomatosa degrandesvasosdeetiologiadesconhecidaqueafetaaaorta eseus ramosprincipais.Afeta principalmenteosexo femi-nino em torno da terceira década em diversas partes do mundo.1Odiagnósticoassociaachadosclínicoseparâmetros laboratoriaisinflamatórioscomestudosdeimagem,umavez queatéomomentonãoforamidentificadosbiomarcadores específicos.2 Aspectoimportantedizrespeito àsua fisiopa-tologia.Sugeriu-seassociac¸ãocomtuberculose,umavezque ambasasenfermidadesapresentamlesõesgranulomatosase distribuic¸ãogeográficasemelhanteesãomaisprevalentesna Ásia,ÁfricaeAméricadoSul.3
Afebrereumática(FR)éumadoenc¸asistêmicainflamatória determinadaporrespostaimuneàinfecc¸ãopeloStreptococcus pyogenesbetahemolíticodogrupoAemindivíduos genetica-mentepredispostos,apósinfecc¸ãodeviasaéreassuperiores.4 Geralmenteacometecrianc¸aseadultosjovensempopulac¸ões menosfavorecidaseconomicamente.5 Odiagnóstico éfeito pormeiodoscritériosdeJones6edeveserprecoceparapronta instituic¸ãodotratamento,comvistasàprevenc¸ãodacardite, suaformamaisgrave,capazdecronificaredeterminar impor-tantemorbimortalidade.7
Na FR ocorre umapancardite. É mais grave o acometi-mentoendocárdico,poisaslesõesvalvarespodemevoluirpara danopermanenteedeterminaroquadroclínicoeo prognós-ticodadoenc¸a.Asválvulasmaisfrequentementeacometidas sãoamitraleaaórtica.Ocorreminsuficiêncianafaseagudae estenosecomoprogredirdadoenc¸a.7
Apresentamosocasodeumapacienteadmitidano Hospi-taldeClínicasdaUniversidadeFederaldoTriânguloMineiro (HC-UFTM)emdescompensac¸ãodeICquereferiadiagnóstico préviodeATeFReestavaemtratamentoirregularparaambas asenfermidades.
Relato
de
caso
Pacientefeminino,37anos,branca,deuentradanoHC-UFTM emjaneirode2013comquadrodeICdescompensada. Refe-riaqueaos15anosiniciaraprogressivamentecomdispneia deesforc¸o,astenia,artralgiageneralizada,febrealtadiária, edemaem membros inferiores e em grandesarticulac¸ões, além de hipertensão arterial de difícil controle. Recebera diagnósticodeFReiniciaraprofilaxiasecundáriacom peni-cilinabenzatina,alémde prednisona(esquemadepulsose manutenc¸ãocommédiade80mg/dia)ecaptopril,digoxina, furosemida, espironolactona,nifedipinae amiodarona.Aos 21anosapresentounovadescompensac¸ão.Foidiagnosticada ATcomacometimentoaórtico,renal,carotídeoesubclávioe indicadoprocedimentocirúrgiconãoespecificadopela paci-ente e não feito. Optou-se por manter tratamento clínico vigente. Aos 28 anos foi submetida a troca valvar aórtica por prótese biológica. Refere que em todo esse período permaneceuemusodeprednisona(médiade20mg/dia), peni-cilinabenzatinaedemaismedicamentoscitados.Naúltima internac¸ão passou a apresentar precordialgia, palpitac¸ões, dispneia de esforc¸o, astenia, lipotimia, edema de MMII e
hipotensão.Aoexamefísicoapresentavagrande discrepân-ciade PAepulsos: MSD:60/40;pulsospresentes -MSE:PA epulsosnãoidentificados-MID: 180/70;pulsospresentes -MIE:120/70,pulsosfinos.Soprosistólicoaórticoemitral,sopro diastólicoaórtico,soprocarotídeoerenalbilateral, principal-menteàesquerda.IniciadotratamentoclínicoparaICemCTI, queevoluiucommelhoria.
Traziaexamesdeimagemprévios,entreelesuma cinean-giocoronariografia(Cate)de2003quemostravaacometimento de carótidas, subcláviaeaortasugestivos de ATe insufici-ênciaaórticagrave.Ecocardiograma(ECO)de2011verificava insuficiênciamitralmoderadaeduplalesãoemprótese val-varaórtica. Biópsiadevalvaaórticanativa, àqualtivemos acessoapenasaolaudoenãoàlâmina,evidenciava “acentu-adafibro-hialinose,focosdeinflamac¸ãocrônicaedeedema, compatíveis comdegenerac¸ão valvular”.Dos examesfeitos duranteainternac¸ãoconstataram-sehemograma,bioquímica eeletroforesedeproteínasnormais,alémdeprovas inflama-tóriassemprenegativas;aoECOconfirmaram-seosachados doexamefeitopreviamenteeverificou-seprogressãodo qua-drodeIC,comfrac¸ão deejec¸ão(FE)quesereduziude79% para35%;aoCateconstatou-se,alémdaslesões preexisten-tes,oclusãoostialdecoronáriadireita(CD)eàarteriografia foi visualizada prótese biológica aórtica com insuficiência discreta eimagem sacularintraprótese sugestiva de pseu-doaneurismaoudissecc¸ão,alémdeacometimentogravede subcláviasecarótidasbilateralmentecomvertebrais vicari-antes.
Embora apresentasseindicac¸ão de abordagem cirúrgica, o procedimento foi contraindicado devido aoelevado risco cardiovasculardapaciente.Foiavaliadapelaequipede reuma-tologia,queconfirmouhipótesediagnósticadeAT,associada ounãoaFR.Solicitadosanti-DNAseBeprovasinflamatórias, todosnegativos.Mantidosprofilaxiasecundáriacom penici-lina benzatina etratamento com prednisona oral,além de seguimentoambulatorialcriterioso.
Discussão
TantonaATquantonaFRoacometimentocardíacoéomaior determinantedemorbimortalidade.Oquadroclínicoe epide-miológicoinicialdapacienteécomumaambasasdoenc¸as1e enquantoaATérara,aprevalênciadeFRemnossapopulac¸ão tornaimperativoqueessediagnósticosejasempreaventado. EmestudorecenteemreumatologiapediátricanoEstadode SãoPaulo, verificou-sequeaFR,emboracomreduc¸ão pro-gressivadaincidência,foidiagnosticadamaisfrequentemente emservic¸osprivadosdesaúdeeaAT,bemcomooutras vas-culites,emservic¸ospúblicos.8
92
rev bras reumatol.2016;56(1):90–92ourefutaressahipóteseemmomentodelesõescardíacastão avanc¸adaseconcomitânciacom patologiadeterminantede danocardíacoestrutural.Apesardeimprovável,aassociac¸ão deambasasdoenc¸asnãopôdeserdescartada.
NoartigodeDoietal.,relata-seocasodeumapaciente comcoarctac¸ãodeaortasecundáriaàATeestenosemitral porFR.9Castlemainetal.descrevemumapacientecom insu-ficiênciaaórticasecundariaàdilatac¸ãodoarcoaórticoefoi aventadahipótesedeFR.Posteriormenteconstatou-se tratar--sedeAT.1Gangahanumaiahetal.relataramumapacientede 29anoscomIC,históriasugestivadeFReECOque evidenci-avainsuficiênciamitralgrave,insuficiênciaaórticamoderada, hipertensão pulmonar e com func¸ão ventricular esquerda preservada.Ambasasvalvasforam trocadase verificaram--se na análise patológicasinais sugestivos de AT.10 Ravelli etal.relataramumaadolescentecomsintomasinespecíficos pordois anosquedesenvolveu insuficiência aórtica.A pri-meirahipótesediagnosticaaventadafoiaFR,posteriormente diagnosticou-seATpormeiodeexamesdeimagem.11
Asalterac¸ões valvares não são raras na AT, geralmente decorremdelesõescardíacasevascularesestruturais,12 ocor-remcom maiorfrequênciainsuficiênciaaórtica,seguidade insuficiência mitral.13 Abid-Allah et al. descreveramo aco-metimento cardíaco valvar em quatro casos de AT: uma insuficiênciamitralisolada;duasinsuficiênciasaórticas iso-ladas;duasassociac¸õesdeinsuficiênciamitraleaórtica,com hipertensão arterial sistêmica (HAS) em todos os casos.12 Bradyetal.descreveramocasode umapacientecomATe insuficiênciaaórticaecardíaca,com valvamitralnormal.14 EmumacasuísticabrasileiradeFR,verificou-sequeacardite foiosegundosinalmaiormaisfrequente,predominanteno sexofeminino,eainsuficiênciamitralaalterac¸ãovalvarmais comum.15
AdificuldadedepreenchercritériosdiagnósticosnaATé constantementecitadanaliteraturaecontribuiparadificultar odiagnósticodiferencial.16
Emrelac¸ãopaciente,emboraconsideremosmaisprovável quetodasasalterac¸õessedevamrealmenteàAT,nonosso contextoclínico-epidemiológico,empacientescomsinais sis-têmicosinflamatóriosemanifestac¸õescardíacassempredeve serconsideradonodiagnosticodiferencialahipótesedeFR, principalmentequandoocorreacometimentodevalvamitral.
Conflitos
de
interesse
Osautoresdeclaramnãohaverconflitosdeinteresse.
r
e
f
e
r
ê
n
c
i
a
s
1. CastlemainTM.Takayasu’sarteritiswithassociatedaortic insufficiencyandcoronaryostialobliteration.Journalofthe AmericanAcademyofNursePractitioners.2010;22:305–11.
2.VillaI,BilbaoMA,Martinez-TaboadaVM.Avancesenel diagnosticodelasvasculitis.ReumatologíaClinica. 2011;7:22–7.
3.VanTimmerenMM.Heeringap,KallenbergCGM.Infectious triggersforvasculitis.CurrentOpinioninRheumatology. 2014;26(4):416–23.
4.OliveiraSKF,MagalhãesCS,Goldenstein-SchainbergC,Silva CCA,PaimL,RodriguesMCF,HilárioMO,HirschheimerSMS, RobazziT,VieiraSE.FebreReumática:tratamentoe prevenc¸ão.DiretrizesclínicasnaSaúdeSuplementar.2013. Disponívelem:<http://www.projetodiretrizes.org.br/ans/ diretrizes/febrereumatica-tratamentoeprevencao.pdf>. Acessoemjulhode2013.
5.BredaL,MiulliE,MarzettiV,ChiarelliF,MarcovecchioML. Rheumaticfever:adiseasestilltobekeptinmind. Rheumatology.2013;52:953.
6.ShiffmanRN.50yearsofthejonescriteriafordiagnosis ofrheumaticfever.ArchivesofPediatricsandAdolescent Medicine.1995;149:727–32.
7.BarbosaPJB,MulleRE.(Coord.).Diretrizesbrasileiraspara odiagnóstico,tratamentoeprevenc¸ãodafebrereumática. ArquivosBrasileirosdeCardiologia.2000;93:1-18. 8.TerreriMT,CamposLMA,OkudaEM,SilvaCA,SachettiSB,
MariniR,etal.Perfildeespecialistasedeservic¸osem reumatologiapediátricanoEstadodeSãoPaulo.Revista BrasileiradeReumatologia.2013;53(4):346–51.
9.DoiYL,SeoH,HamashigeN,Jin-NouchiY,OzawaT. Takayasu’sarteritisandmitralstenosis.ClinicalCardiology. 1988;11:123–5.
10.GangahanumaiahS,RajuV,JayavelanRK,KavunkalAM, CherianVK,DandaD,BashiVV.Rarepresentationof Takayasu’saortoarteritisafterdoublevalvereplacement.The JournalofThoracicandCardiovascularSurgery.
2008;135:440–8.
11.RavelliA,PedroniE,PerroneS,TramarinR,MartiniA,Burgio GR.Aorticvalveregurgitationasthepresentingsign ofTakayasuarteritis.EuropeanJournalofPediatrics. 1999;158:281–3.
12.Abid-AllahM,FadouachS,ChraibiN,MehadjiBA.Les manifestationscardiaquesdelamaladiedeTakayasu. Aproposdecinqcas.RevuedeMédecinelnterne. 1999;20:476–82.
13.LeeGY,JangSY,KoSM,KimEK,LeeSH,HanH,ChoiSH,Kim YW,ChoeYH,KimDK.Cardiovascularmanifestationsof Takayasuarteritisandtheirrelationshiptothedisease activity:analysisof204Koreanpatientsatasinglecenter. InternationalJournalofCardiology.2012;159:
14–20.
14.BradyJ,EsrigBC,HamiraniK,BaisreA,SaricM.Severe chronicaorticinsufficiencyrequiringvalvereplacement: aninfrequentcomplicationoftakayasu’sdisease. Echocardiography.2006;23:495–8.
15.deCarvalhoSM,DalbenI,CorrenteJE,MagalhãesCS. Apresentac¸ãoedesfechodafebrereumáticaemumasérie decasos.RevistaBrasileiradeReumatologia.2012;52(2): 236–46.