rev bras reumatol.2015;55(4):384–386
w w w . r e u m a t o l o g i a . c o m . b r
REVISTA
BRASILEIRA
DE
REUMATOLOGIA
Relato
de
caso
Coreia:
uma
manifestac¸ão
rara
da
arterite
de
Takayasu
Anandreia
Simões
Lopes
a,
Gleice
Clemente
a,
Claudio
Arnaldo
Len
b,
Marcelo
Rodrigues
Masruha
be
Maria
Teresa
Terreri
a,∗aSetordeReumatologiaPediátrica,DepartamentodePediatria,UniversidadeFederaldeSãoPaulo,SãoPaulo,SP,Brasil
bDepartamentodePediatria,UniversidadeFederaldeSãoPaulo,SãoPaulo,SP,Brasil
informações
sobre
o
artigo
Históricodoartigo:
Recebidoem4deabrilde2013 Aceitoem16desetembrode2013 On-lineem29deagostode2014
Palavras-chave: Vasculite
ArteritedeTakayasu Coreia
Sintomasneurológicos Crianc¸a
r
e
s
u
m
o
Relatamosum casode umameninacomcoreiarecorrenteediagnóstico dearteritede Takayasu.Estamanifestac¸ãoclínicafoirelatadaemapenasumpacientecomtalvasculite nafaixaetáriapediátrica.
©2013ElsevierEditoraLtda.Todososdireitosreservados.
Chorea:
a
rare
manifestation
of
Takayasu’s
arteritis
Keywords: Vasculitis
Takayasu’sarteritis Chorea
Neurologicsymptoms Child
a
b
s
t
r
a
c
t
ThecaseofagirlwithrecurringchoreaandaTakayasu’sarteritisdiagnosisisreported. Thisclinicalmanifestationhasbeenreportedinonlyonepatientwiththisvasculitisinthe pediatricgroup.
©2013ElsevierEditoraLtda.Allrightsreserved.
∗ Autorparacorrespondência.
E-mail:teterreri@terra.com.br(M.T.Terreri).
Introduc¸ão
AarteritedeTakayasu(AT)éumadoenc¸ainflamatória crô-nicadeorigemdesconhecida,queafetaaartériaaorta,eseus maiores ramos, eaartéria pulmonar.1 Éumadoenc¸a rara,
http://dx.doi.org/10.1016/j.rbr.2013.09.003
rev bras reumatol.2015;55(4):384–386
385
particularmentenainfância,aqual correspondea20% dos casos.2 Nessa faixa etária os sintomas são insidiosos e as
manifestac¸õessistêmicas,comofebre,perdadepesoe sinto-masmusculoesqueléticospredominamnoiníciodadoenc¸a, oquecontribuiparamaioratrasodiagnósticonospacientes maisjovens.3,4
A hipertensão arterial é o principal achado clínico da doenc¸anainfânciaeoutrosachadosincluemsoprovascular, diminuic¸ãoouausênciadepulsos,diferenc¸adepressão arte-rialentreosmembros,insuficiênciacardíacaeclaudicac¸ão.4,5
Manifestac¸õesdoSistemaNervosoCentral(SNC)sãocomuns na faixa etária pediátrica e podem incluir cefaleia, ton-tura, síncope, perda visual, convulsão e acidente vascular encefálico.2,3,6
Muitos trabalhos evidenciam associac¸ão de coreia com doenc¸as reumáticas autoimunes, como febre reumática, lúpus eritematoso sistêmico e síndrome do anticorpo antifosfolípide.7–10Hátambémrelatosdaassociac¸ãodecoreia
comdoenc¸adeBehc¸etecomsíndromedeChurg-Strauss.11,12
Porémháapenasumcasodescritodecoreiaemumacrianc¸a comarteritedeTakayasu.13
Devidoà raridadeda doenc¸a eao relatode apenas um casodecoreiaempacientescomessavasculitenafaixaetária pediátrica,descrevemosocasodeumacrianc¸acomATcom manifestac¸ãodecoreianoinícioenaevoluc¸ãodadoenc¸a.
Descric¸ãodocaso
Menina de 10 anosiniciou um quadrode dor em mãos e emmembrosinferioresdiariamentedesdeosquatroanosde idade.Adorerapreferencialmentenofinaldatarde,piorava como frioeexercício emelhoravacom orepouso. Negava edemaefebre.Apósdoisanosdoiníciodoquadro,mantendo oquadrodedor,apacienteinicioumovimentosinvoluntários emdimídioesquerdo,quepioravamcomoestressee melhora-vamduranteosono.Foifeitoodiagnósticodecoreiadecausa edesconhecidapeloneurologista,queprescreveu haloperi-dol(0,5mg/dia),commelhoradoquadroapósumasemanade usodamedicac¸ão.Aressonânciamagnéticadecrânioera nor-maleoeletroencefalogramaevidenciavaatividadeparoxística temporalposterioreoccipitaldireita.
Permaneceu assintomática até que dois anos depois, inicioucefaleiadiáriaehipertensãoarterial,quandofoi enca-minhada para o cardiologista. Foi observada diferenc¸a de pressãoarterialentreosmembrossuperiores,pressão arte-rialinaudívelemmembrosinferiores,alémdeausênciados pulsosfemoral,poplíteo,pediosoetibialposterior.Foi sub-metidaàangiografiaquemostroucoarctac¸ãogravedeaorta torácicadescendente.Oecocardiograma evidenciourefluxo tricúspidedegraudiscreto.Foiprescritocaptoprile propra-nolol, e a paciente foi encaminhada para a reumatologia pediátricacomhipótesediagnósticadefebrereumáticaouAT. Naprimeiraconsultanoambulatóriodereumatologia pediá-trica,osexameslaboratoriaismostravamaumentodiscreto deprovasinflamatórias(velocidadede hemossedimentac¸ão eproteína C reativa), e ausência de anticorpo antinuclear, anti-DNA,anticorpos contraantígenosnuclearesextraíveis, anticardiolipina,eanticorposanticitoplasmadeneutrófilos. Foi feito o diagnóstico de AT e introduzido metotre-xato 0,6mg/kg/semana, ácido fólico, amlodipina e ácido
acetilsalicílicoemdoseantiagregante.Realizadapulsoterapia com metilprednisolona(30mg/kg,3doses)emantidos cap-topril,propranololehaloperidol.Apósummêsdeevoluc¸ão reinicioucomcoreia,sendoiniciadaprofilaxiacompenicilina benzatina(1.200.000UI,IM,acada21dias).Apósseismeses ini-ciouartriteemtornozelo,joelhoepunhodireitos,claudicac¸ão ecefaleia.NessaépocarealizouultrassonografiacomDoppler renalqueevidenciouestenosemaiorque50%emaorta abdo-minalsuprarrenalemenorque50%abaixodaemergênciadas artériasrenais.Aangiorressonânciaevidenciouafilamentoda aortainfrarrenaledasartériasilíacascomuns.Devidoao aco-metimentovascularimportante,foiiniciadaciclofosfamidae mantidametilprednisolonanaformade pulsoterapia.Após ummêsfoisuspensoohaloperidol,devidoàausênciade sin-tomasneurológicos(haviausado pordoisanosemeio).No quartociclodeciclofosfamida,trêsmesesapósasuspensão dohaloperidol,reiniciouacoreiapelaterceiravez,sendo rein-troduzidoohaloperidol(1mg/dia).
Atualmente a paciente mantém embac¸amento visual, artralgia em tornozelos, claudicac¸ão a longas distâncias e dispneiaaosgrandesesforc¸os.Apressãoarterialestá contro-lada(emusodetrêsanti-hipertensivos)eapresentoumelhora discretadaamplitudedepulsosdemembrosinferiores.Após oitomesesdetratamentoparaacoreia,oneurologista suspen-deuohaloperidolejánãoapresentacoreiaháumanodesde aúltimarecorrência.Asprovasdeatividadeinflamatóriase normalizaram.Realizounovoecocardiogramaqueevidenciou coarctac¸ãosegmentardeporc¸ãoinferiordearcoaórtico,com repercussãohemodinâmicaehipertrofiaventricularesquerda concêntrica de grau discreto. Após sete pulsos com ciclo-fosfamida (1g/m2/dose) a paciente mantinha as queixase
a angiorressonânciade crâniomostrou estenoseda artéria carótidainterna.Diantedissooptamosporiniciarinfliximabe (5mg/kg/dose).Devidoaoquadrosugestivodecoreia associ-adaàarteritedeTakayasuoptamosporsuspenderaprofilaxia compenicilinabenzatina.Atualmenteestáemusode meto-trexato,ácidofólico,amlodipina,captopril,propranolol,ácido acetilssalicílico, ranitidina e infliximabe. Está clinicamente melhor,emusodoinfliximabeháoitomeses,aindacom disp-neiaaosesforc¸os,masapresentandomelhoradaartralgiae doembac¸amentovisual.
Discussão
Relatamos o caso de uma menina de 10 anos com episó-dios recorrentesde coreiaassociadaàhipertensão arterial, diminuic¸ãodepulsosperiféricoseangiografiacompatívelcom AT.Foramafastadasoutrascausasreumáticasenão reumáti-casdecoreia.
Apacientepreencheuoscritériosdeclassificac¸ãovalidados para AT na infância,14 que incluíram alterac¸ão
angiográ-fica associada à hipertensão arterial, diferenc¸a de pressão arterialentreosmembros,diminuic¸ãodepulsosperiféricos e claudicac¸ão. Optou-se por iniciar profilaxia com penici-lina benzatina devidoàcausamaisfrequente decoreiana crianc¸aaindaserafebrereumática,15emboraapacientenão
386
rev bras reumatol.2015;55(4):384–386regular da profilaxia secundária com penicilina benzatina, questionando-seodiagnósticodefebrereumática.
A coreia apresentada pela paciente foi unilateral, de dimídioesquerdo,erecorrente.Estamanifestac¸ãosócessou após o tratamento prolongado com imunossupressor. Na ocasiãoforaminvestigadasoutrascausasdecoreia. Realizou--seressonância magnética decrânioeeletroencefalograma queforamcompatíveiscomanormalidade,sendoafastadas outras causasneurológicas.A tireotoxicose,quetambém é umacausade coreia,foi excluída.Aausênciadeanticorpo antinuclear e de anticorpos antifosfolípides afastaram os diagnósticosdelúpuseritematososistêmicoesíndromedo anticorpo antifosfolípide, como possíveis causasda coreia. Apacientetambémnãoapresentavamanifestac¸õesclínicas compatíveiscom outrasvasculites primárias,como doenc¸a de Behc¸etoupoliarterite nodosa.O diagnóstico diferencial maisimportantefoiafebrereumática,porémessahipótese époucoprovávelpelaausênciade outroscritériosmaiores comocarditeouartritenoiníciodoquadro,pelarecorrência na vigência de profilaxia com penicilina benzatina e pela melhoracomotratamentocontínuocomimunossupressor. Asmanifestac¸õesconstitucionaiseossinaisinespecíficosde faseagudapodemsercomunsàfebrereumáticaeàarterite deTakayasu,entretantoossinaisespecíficoscomoreduc¸ãode pulsosperiféricos,hipertensãoarterialediferenc¸adePAentre osmembrossuperioresalémdadocumentac¸ãoporimagem doacometimento da aortae seus ramos levaram ao diag-nósticodearteritede Takayasu.Adicionalmenteapaciente encontra-sehá18mesessemprofilaxiaparaestreptococcia e semnovos episódios de coreia. Noestudo multicêntrico brasileiro realizado com 71 crianc¸as e adolescentes com arterite de Takayasu publicado este ano, mais de 70% dos pacientesapresentaramsintomasneurológicosnoinícioda doenc¸a16.Estesforamrepresentadosporcefaleia,convulsão,
lipotímiaeacidentevascularencefálico.Nãohouvedescric¸ão decoreia,excetoadapacienterelatadanesteartigo.
Foi recentemente publicado em língua espanhola um caso de uma crianc¸a com AT que apresentou um quadro dehemicoreia.13 Nãoforampublicados outrosrelatosatéo
momento.
Épossívelqueanticorposcontranúcleosdabase,alémda presenc¸adelinfócitosTlevandoarespostaimunológica celu-laralterada,possamexplicaraocorrênciadessamanifestac¸ão rara. Além disso, o acometimento de vasos intracranianos poderialevaràhipoperfusãodeáreascerebrais,emespecial denúcleosdabase,econsequentementeaoaparecimentoda coreia.
Queremos com este caso chamar a atenc¸ão para uma manifestac¸ãoraradaAT.Omédicodeveficaremalertacom manifestac¸õesatípicasdadoenc¸a,paraqueodiagnósticoeo tratamentonãosejamretardados.
Conflitos
de
interesse
Osautoresdeclaramnãohaverconflitosdeinteresse.
r
e
f
e
r
ê
n
c
i
a
s
1.HotchiM.PathologicalstudiesonTakayasu’sarteritis. Rheumatology.2002;41:103–6.
2.KerrCS,HallahanCW,GiordanoJ,LeavittRY,FauciAS,Rottem M,etal.Takayasu’sarteritis.AnnInternMed.1994;120:919. 3.CakarN,YalcinkayaF,DuzovaA,CaliskanS,SirinA,OnerA,
etal.Takayasuarteritisinchildren.JRheumatol. 2008;35:913–9.
4.OzenS,BakkalogluA,DusunselR,SoylemezogluO,OzaltinF, PoyrazogluH,etal.,TurkishPediatricVasculitisStudyGroup. ChildhoodvasculitidesinTurkey:anationwidesurvey.Clin Rheumatol.2007;26:196–200.
5.HongCY,YungYS,ChoiJY,SulJH,LeeKS,ChaSH,etal. TakayasuarteritisinKoreanchildren:clinicalreportof seventycases.HeartVessels.1992;7:91–6.
6.CastellanosAZ,CamposLA,LiphausBL,MarinoJC,KissMHB, SilvaCA.ArteritisdeTakayasu.AnPediatr.2003;58:211–6. 7.DemirorenK,YavuzH,CamL,OranB,KaraaslanS,
DemirorenS.Sydenham’schorea:aclinicalfollow-upof65 patients.JChildNeurol.2007;22:550–4.
8.Baizabal-CarvalloJF,Alonso-JuarezM,KoslowskiM.Choreain systemiclupuserythematosus.JClinRheumatol.
2011;17:69–72.
9.RodriguesCE,CarvalhoJF,ShoenfeldY.Neurological manifestationsofantiphospholipidsyndrome.EurJClin Invest.2010;40:350–9.
10.WildEJ,TabriziSJ.Thedifferentialdiagnosisofchorea.Pract Neurol.2007;7:360–73.
11.JosephFG,ScoldingNJ.Neuro-Behc¸et’sdiseaseinCaucasians: astudyof22patients.EuroNeurol.2007;14:174–80.
12.TwardowskyAO,PazJA,PastorinoAC,JacobCMA, Marques-DiasMJ,SilvaCAA.Choreainachildwith
Churg-Strausssyndrome.ActaRheumatolPort.2010;35:72–5. 13.KatsicasM,PompoziL,RussoR.Grupoparalaatencióny
estúdiodeaccidentescerebrovasculares.ArchArgentPediatr. 2012;110:251–5.
14.OzenS,PistorioA,IusanSM,BakkalogluA,HerlinT,BrikR, etal.EULAR/PRINTO/PREScriteriaforHenoch-Schoenlein purpura,childhoodpolyarteritisnodosa,childhoodWegener granulomatosisandchildhoodTakayasu’sarteritis:Ankara 2008PartII:Finalclassificationcriteria.AnnRheumDis. 2010;69:798–806.
15.CardosoF.Sydenham’sChorea.HandbClinNeurol. 2011;100:221–9.
16.ClementeG,HilarioMO,LedermanH,SilvaCA,SallumAM, CamposLM,etal.TakayasuarteritisinaBrazilianmulticenter study:Childrenwithalongerdiagnosisdelaythan