rev bras reumatol.2015;55(1):75–78
REVISTA
BRASILEIRA
DE
REUMATOLOGIA
ww w . r e u m a t o l o g i a . c o m . b r
Relato
de
caso
Dois
pares
de
irmãos
com
artrite
idiopática
juvenil
(AIJ):
relato
de
casos
Teresa
Cristina
M.V.
Robazzi
a,b,∗,
Gabriela
Rios
be
Catarina
Castro
caServic¸odeReumatologiaPediátrica,UniversidadeFederaldaBahia,Salvador,BA,Brasil
bDepartamentodePediatria,FaculdadedeMedicinadaUniversidadeFederaldaBahia,Salvador,BA,Brasil
cFaculdadedeMedicinadaUniversidadeFederaldaBahia,Salvador,BA,Brasil
informações
sobre
o
artigo
Históricodoartigo:
Recebidoem21dejulhode2012 Aceitoem21demaiode2013 On-lineem15deagostode2014
Palavras-chave:
Artriteidiopáticajuvenil Irmãos
Crianc¸as
r
e
s
u
m
o
RelatodecasosdeocorrênciadeArtriteIdiopáticaJuvenil(AIJ)emdoisparesdeirmãos acompanhadosnoservic¸odereumatologiapediátricadaUniversidadeFederaldaBahia. OenvolvimentogenéticonapatogênesedaAIJestáclaroeoriscoderecorrênciaentreirmãos corroboraestacontribuic¸ão.Umimportantemarcodessadescobertaenvolveaconfirmac¸ão dacontribuic¸ãodospolimorfismosdocomplexoprincipaldehistocompatibilidade(MHC) nasusceptibilidadeaodesenvolvimentodaAIJ.Apesardemuitosprogressos,osinúmeros estudosexistentesaindanãosãocapazesdeexplicardiversosmecanismosimplícitosna patogênesedaAIJ.
©2012ElsevierEditoraLtda.Todososdireitosreservados.
Two
pairs
of
brothers
with
juvenile
idiopathic
arthritis
(JIA):
case
reports
Keywords:
Juvenileidiopathicarthritis Siblings
Children
a
b
s
t
r
a
c
t
Thisisacasereportofjuvenileidiopathicarthritis(JIA)intwopairsofbrothersfollowed inthedepartmentofpediatricrheumatology,UniversidadeFederaldaBahia.Genetic invol-vementinJIApathogenesisisclearandtheriskofrecurrenceamongsiblingssupports thiscontribution.Animportantlandmarkofthisdiscoveryinvolvestheacknowledgment ofmajorhistocompatibilitycomplex(MHC)polymorphismcontributiontoJIAdevelopment susceptibility.Despitemanyadvances,thenumerousavailablestudiescannotexplain seve-ralimplicitmechanismsinJIApathogenesisyet.
©2012ElsevierEditoraLtda.Allrightsreserved.
∗ Autorparacorrespondência.
E-mail:trobazzi@gmail.com(T.C.M.V.Robazzi). http://dx.doi.org/10.1016/j.rbr.2013.05.006
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rev bras reumatol.2015;55(1):75–78Introduc¸ão
AArtriteIdiopáticaJuvenil(AIJ)refere-seaumgrupode artro-patiascrônicasdainfânciaqueseiniciaantesdos16 anos deidade,com etiologiaaindadesconhecida,mascomuma influênciamultifatorialligadaafatoresimunológicos, infecci-ososegenéticos.1
Aliteraturaevidenciaumamaiorprevalênciadadoenc¸a em irmãos, assim como em parentes de primeiro grau quesãoportadoresdeoutrasdoenc¸asreumáticas, demons-trandoaimportânciadofatorgenéticonessaenfermidade.2 Vários estudosgenéticostêm-se centradona compreensão dacontribuic¸ãodospolimorfismosdocomplexoprincipalde histocompatibilidade(MHC)nasusceptibilidadeao desenvol-vimentodaAIJ.Osresultadosdessesestudosdemonstraram associac¸õesentreaAIJcomosgenesquecodificamoHLAe não-HLA.3Porém,identificarfatoresgenéticosenvolvidosna patogênesedaAIJtemsidodifícilporváriasrazões,incluindo umabaixaprevalênciadecasosfamiliareseafaltade esti-mativaspopulacionaisdoseuriscoderecorrência.Assim,os estudostêm sido poucos emuitas vezes baseadosem um pequenonúmerodecasos.4
OsautoresdescrevemaocorrênciadeAIJemdoisparesde irmãosnãogemelares.
Relato
de
casos
1◦Relato
NSF, masculino, 11 anos e oito meses,com poliartrite em articulac¸ões interfalangianas proximais (IFP) de mãos, joe-lhosetornozelos, associadaàfebre irregular,de inícioaos oitomesesdeidade.Aoexamefísico:espessamentosinovial eedemaemIFPdo4◦quirodáctilodeambasasmãos,joelhos
etornozelos,comaamplitudedosmovimentospreservada. Fatorantinúcleo(FAN)eFatorreumatoide(FR)nãoreagentes. Pacientenãoaderiuaotratamentoporproblemas socioeconô-micos,comabandonodoseguimentomédico,retornandoao servic¸ocom doenc¸a em atividade clínica, após nove anos, nestemomentoacompanhadodoirmãomaisnovo,JPSF, mas-culino,cincoanose10meses,comfebreirregulareartriteem articulac¸õesmetatarsofalangianas,joelhosetornozelosdesde osnovemesesdeidade.Aoexame:marchaclaudicante, espes-samentosinovialempunhosecotovelos,artriteemjoelhos edeformidadetipo“botoeira”em5◦ quirodáctilo.FANeFR
nãoreagentes.Apósexclusãodedoenc¸asinfeciosas, neoplá-sicaseoutrasdoenc¸asdocolágeno,realizadoodiagnósticode AIJpoliarticular(ILAR)paraambososirmãos,quese encon-tramnomomentoemusoregulardenaproxeno,metotrexate eetanercepte(fig.1).
2◦Relato
IJS, masculino, oito anos, com história de febre (38◦C
-39◦C)diária,rashcutâneoevanescente,poliartriteaditivaem
articulac¸õesdepunhos,cotovelos,joelhos,tornozelose inter-falangianasproximaisdesdeos11mesesdeidade.Aoexame físico:fígado a6cmdorebordocostaldireito(RCD),bac¸o a
Figura1–IrmãoscomAIJpoliarticular;casoclínico1.
4cmderebordocostalesquerdo(RCE),artriteemjoelhos, tor-nozeloseinterfalangianasdistaiseproximaisenóduloem3◦
quirodáctiloesquerdoemIFP.FeitoodiagnósticodeAIJ sis-têmica(ILAR),FANeFRnegativos,apósexclusãodedoenc¸as infecciosas,neoplásicaseoutrascolagenoses.Vemevoluindo afebril, sem rash e rigidez matinal e com melhora clínica e laboratorialdo quadroarticular. Emuso de metotrexato, naproxeno,prednisolona,ácidofólicoeetanercepte.Trêsanos após odiagnósticosupracitado,oirmãomaisnovo, mascu-lino,cincoanos,foiatendidocomqueixadedoresarticulares generalizadashácincomeses,associadasaedemaempunho ejoelhodireitosefebrealtavespertinainiciadadoismeses antesdoquadroarticular.Apresentavaaindaanorexiaeperda depeso.Aoexame:fígadoa3cmdoRCD,edemaempunhoe joelhodireitoscomcalorlocaledoràmobilizac¸ãoativae pas-siva. FANeFR negativos.Apósexclusãodeoutrasdoenc¸as, feito diagnóstico de AIJ sistêmica e iniciado o tratamento comindometacina,metotrexato,ácidofólico.Apresentaboa respostaclínicaelaboratorialaotratamento.Apresentaram evoluc¸ão,respectivamente,paraAIJpoliarticulare pauciarti-cular(fig.2).
Discussão
Apesardanãorealizac¸ãodeestudosgenéticosnospacientes descritos,asevidênciassugeremqueaAIJéumtranstorno complexoinfluenciadopormúltiplosfatoresgenéticose ambi-entais. A prevalênciadeAIJ entreindivíduos quepossuem irmãoscomadoenc¸aéde15a30vezesmaiordoquea preva-lêncianapopulac¸ãogeraleoriscoderecorrênciaentreirmãos corroboraacontribuic¸ãogenéticaparaadoenc¸a.Alémdisso, estudosdemonstramqueparesdeirmãosacometidoscomAIJ apresentamantígenosleucocitárioshumanos(HLA)e carac-terísticasclínicassemelhantes,sendoataxadeconcordância entregêmeosmonozigóticosde 25%,sugerindouma preva-lência250vezesmaiorqueaprevalêncianapopulac¸ão.4
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Figura2–IrmãoscomAIJ,pauciepoliarticular,8e5anos (daesquerdaparadireita);casoclínico2.
identidadenogenomaconfirmado.Apartirdeentão,outros estudosrelataramaAIJemgêmeose,algunsdestacaramo iní-ciodadoenc¸aemummenorintervalodetemponosirmãos gemelaresdoqueemoutrosparesde irmãosacometidos.5 Estudos ainda evidenciaram o mesmo subtipo de início e cursodadoenc¸aentreosirmãoseoutrosdiferentespadrões deinício,mascomocursosubsequentesemelhante,pondo ênfasenainfluênciaenacomplexidadedosefeitos genéti-cossobreaAIJsemseremcapazesdeexplicarosmecanismos implícitos.5,6
Em um estudo de revisão realizado por Prahalad et al. ressalta-seainfluênciagenéticanodesenvolvimentodaAIJ, tantodentrocomoforadaregiãoHLA.7
Säilä etal. estudaramAIJem pacientesprovenientes de famíliasmulticasoseobservaramqueaúnicadiferenc¸a signi-ficativaentreoscasosfamiliareseesporádicosfoiuminício mais precoce da doenc¸a nos casos familiares, não tendo havidonenhumadiferenc¸aessencialemcaracterísticas clíni-casdadoenc¸aentreospacientesdeambososgrupos.8
Maroldoetal.investigaramosfenótiposclínicoseas carac-terísticasdemográficasde 183pares deirmãos acometidos comAIJparadeterminarseexistemdiferenc¸asentreos fenó-tiposclínicosnocoortedeparesdeirmãosemcomparac¸ão comcoortede pacientes comdoenc¸a esporádica.Os resul-tadosconfirmaramasconclusõesdeestudosanteriores,que mostramumaaltaproporc¸ãodeconcordânciaentreparesde irmãosparaotipodeiníciodadoenc¸a,excetoparaosubgrupo depacientescomdoenc¸asistêmica.9Emrelac¸ãoaopresente estudo,houveconcordânciadotipodeinícioapenasparao primeirorelatodecaso.
Umfatoquesedestacanospresentesrelatos,éoinícioda doenc¸aemidadesmuitoprecoces.Al-Mayoufetal.,como obje-tivodecompararpacientescomAIJfamiliarversusesporádica comrelac¸ão avariáveisclínicaselaboratoriais,observaram resultados semelhantesaosanteriorescomrelac¸ão àidade de início:os pacientescomAIJfamiliarforam significativa-mentemaisnovosnoiníciodadoenc¸aeforamdiagnosticados maiscedodoquepacientesdogrupoesporádico.Porém,oalto graudeconcordânciacomrelac¸ãoaotipodeiníciovistona casuísticafoiincompatívelcomosrelatóriosanteriores.Uma explicac¸ãopodeestarnofato,deque,osdadosforam coleta-dosemumhospitalqueéoprincipalcentrodereferênciapara todoopaísepoderepresentarumacoortedepacientescom aformagravedaAIJ.10
Recentemente, Prahalad et al., analisando um maior bancodedadosatéentãoexistente,verificaramqueirmãose primosdeprimeirograudeindivíduoscomAIJtêmumrisco aumentadoparadesenvolvimentodadoenc¸a.Osriscos relati-vos(RRs)paracadaclassedeparentescoforamcalculadospor meioderegressãologísticacondicional:oRRemirmãose pri-mosdeprimeirograufoielevadocomparadoaodecontroles, oquenãoocorreucomoRRdeprimosdesegundograu.11
Em resumo, o envolvimento genéticona patogênese da AIJ está claro, no entanto, a habilidade para catalogar os genesenvolvidos,ecompreenderacontribuic¸ãodos produ-tosdogene paraapatogênese,dependerá deestudosbem planejadosemlargaescala,assimcomodacompreensãoda contribuic¸ãoambientalnodesencadeamentoeperpetuac¸ão dadoenc¸a.
Conflitos
de
interesse
Osautoresdeclaramnãohaverconflitosdeinteresse.
r
e
f
e
r
ê
n
c
i
a
s
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