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Telecurso 2º Grau: paradigma no ensino pela TV e legitimação política da Rede Globo, 1977-1981

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TELECURSO 2º GRAU

: paradigma no ensino pela TV

e legitimação política da Rede Globo, 1977-1981.

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WELLINGTON AMARANTE OLIVEIRA

TELECURSO 2º GRAU

: paradigma no ensino pela TV

e legitimação política da Rede Globo, 1978-1981.

Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências e Letras de Assis – UNESP – Universidade Estadual Paulista para a obtenção do título de Mestre em História (Área de Conhecimento: História e Sociedade).

Orientador: Dr. Áureo Busetto.

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Biblioteca da F.C.L. – Assis – UNESP

Oliveira, Wellington Amarante

O48t Telecurso 2º Grau: paradigma no ensino pela TV e legitima- ção política da Rede Globo, 1977-1981 / Wellington Amarante Oliveira. Assis, 2011

166 f. : il.

Dissertação de Mestrado – Faculdade de Ciências e Letras de Assis – Universidade Estadual Paulista.

Orientador: Áureo Busetto

1. Televisão brasileira - História. 2. Fundação Roberto Ma- rinho. 3. Rede Globo. 4. Televisão na educação. 5. Rádio e Te-levisão Cultura de São Paulo. 6. Brasil – História – 1964-1985. I. Título.

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Aos meus pais, pelo amor e a dedicação.

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AGRADECIMENTOS

Apesar de ter um único autor, esta pesquisa acadêmica foi uma empreitada que exigiu a participação de diversas pessoas, cada um contribuindo, direta ou indiretamente, para o bom andamento do trabalho. Primeiramente, agradeço à Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (CAPES) pela bolsa concedida durante o tempo integral desta pesquisa. Sem ela o trabalho não teria sido concluído no mesmo espaço de tempo. E ao programa de Pós-Graduação em História, que colaborou com auxílios financeiros para a participação em eventos acadêmicos e para a pesquisa do audiovisual na TV Cultura.

Agradeço ao meu orientador, Dr. Áureo Busetto, pela oportunidade, ainda na graduação, de conhecer as imagens pouco definidas da TV brasileira. Por toda sua a dedicação, empenho e expectativas sobre meu projeto. Pelo aprendizado constante que me proporcionou, seja nas reuniões de orientação ou em um simples bate papo pelos corredores da faculdade.

Meus sinceros agradecimentos aos professores Juvenal Zanchetta e Maria de Fátima da Cunha, pela leitura criteriosa do texto no Exame de Qualificação. À professora Andréa Lúcia Dorini de Oliveira Carvalho Rossi, pelas sugestões ao projeto durante a disciplina de Seminários de Pesquisa. Aos professores da época de graduação, Ruy de Oliveira Andrade Filho, a quem eu devo o primeiro contato com o mundo da pesquisa acadêmica; Paulo Henrique Martinez, por sempre alertar sobre as dificuldades de nosso ofício. À professora Regina Aparecida Ribeiro Siqueira pelo aprendizado e a convivência durante quatro anos no Projeto de Educação de Jovens e Adultos da UNESP (PEJA). E a tantos outros professores que foram fundamentais para a minha formação. Aos funcionários da Biblioteca da Faculdade de Ciências e Letras, da Biblioteca Nacional, da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, do Arquivo Público do Estado de São Paulo, da Seção de Pós-Graduação, da TV Cultura.

Aos amigos que compartilharam comigo a descoberta da História durante a graduação: Artur Bez, Ellen Maziero, Fabíula Sevilha, Fernanda Henrique Silva, Joice Serafim, Marina Oliveira, Pâmela Michelette e Shaila de Almeida Bonfim. E aos amigos Jônatas Chizzolini, George Kluck, Luciano Oliveira, Sérgio Alves, Talita Annunciato, Heraldo Galvão e Beatriz Birelli.

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Fidel e Ernesto, por toda a diversão proporcionada em momentos de tensão. E a toda minha grande família Amarante-Oliveira.

Não poderia encerrar estas páginas sem agradecer à minha amada namorada Camila, que foi, durante estes últimos seis anos, muito mais do que a simplicidade da palavra “namorada” possa significar. Foi ela quem me conduziu até este momento. Minha amante, minha companheira, minha amiga, minha professora, meu amor.

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Consideramos ainda importante que as equipes da Fundação Padre Anchieta, Fundação Roberto Marinho, Rede Globo e TV Cultura absorvam as experiências de outros países, onde homens de televisão tornam-se um pouco educadores e educadores um pouco homens de televisão.

José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni.

O Telecurso 2º Grau representou, desde o início, um passo a frente na história da educação no Brasil e uma conquista irreversível para a sociedade brasileira.

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OLIVEIRA, W. A. Telecurso 2º Grau: paradigma no ensino pela TV e legitimação política da Rede Globo, 1977-1981. 2011. 165 f. : Il. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Ciências e Letras – Universidade Estadual Paulista, Assis, 2011.

RESUMO

Esta dissertação tem por objetivo central analisar historicamente o ensino na televisão brasileira durante o regime militar, tendo como eixo-central as relações sociais que tornaram possível a criação do programa Telecurso 2º Grau. Esta pesquisa buscou comprovar a hipótese de que o projeto serviu como elemento legitimador da posição privilegiada de Roberto Marinho no campo midiático nacional, o que possibilitou ao empresário incrementar a sua ligação com o regime militar e deslegitimar as críticas quanto à condição quase monopolizadora da Rede Globo no campo televisivo brasileiro, assegurando para a sua emissora uma imagem de prestadora de serviço social e comprometida com a instrução pública da sociedade brasileira. O Telecurso conseguiu, ainda, responder como uma alternativa possível dentro do modelo televisivo comercial brasileiro, calcado no par entretenimento/informação e tornando-se um paradigma para os programas instrucionais vindouros na televisão brasileira e, respondendo, assim, a uma demanda de teleducação que o regime militar não conseguiu suprir com suas emissoras educativas. Neste sentido, esta pesquisa remonta os debates e as ações sobre a utilização da televisão no ensino, bem como apresenta as primeiras experiências no setor e as relações sociais que permearam a criação e o primeiro desenvolvimento do Telecurso, demonstrando como Roberto Marinho utilizou de sua posição privilegiada nos campos televisivo e político nacional para consolidar o projeto de educação. E, por fim, trata do audiovisual do programa, apresentando os agentes envolvidos com sua produção, bem como as disciplinas que integraram suas três fases.

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OLIVEIRA, W. A. Telecurso 2º Grau: paradigm of the education on TV and political legitimacy of Rede Globo, 1977-1981. 2011. 165 f. : Il. Dissertation (History Master’s degree) – Faculdade de Ciências e Letras – Universidade Estadual Paulista, Assis, 2011.

ABSTRACT

This dissertation aims to analyze historically the Brazilian television education during the Military Regime; its central axle is the social relationships that made possible the creation of the program Telecurso 2º Grau. This research aimed to prove the hypothesis that the project was a legitimacyelement of his privilegedposition in the national mediafield, that enabled to this manager increase his connection with the military government and delegitimize the criticisms about the almost monopolized condition of the Rede Globo on the Brazilian TV, ensuringto his stationa social service providerimage and engaged to the public instruction of the Brazilian society. Telecurso was able to answer as a possible alternative in the Brazilian commercial model of television based on the pairentertainment/information and becoming a paradigm to the instructional programsfrom the Brazilian TV and supplying to a demand of tele-education that the military regime wasn’t able to fill with the educative channels. In this sense, this work restores the debates and the actions about the use of the television in the education, as well as it shows the first experiences in the sector and the social relationships that permeated the creation and the Telecurso first development, demonstratinghow Roberto Marinho used his privilegedposition in the national TV and political fields to consolidate the educational project. At last, it deals with the audiovisual part of the program, showing the agents who were involved with its production and with the subjects that integrated its three phases.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Organograma 1 - Principais agentes envolvidos com a produção do Telecurso 2º Grau...75

Imagem 1 - Modelo de propaganda do Telecurso na imprensa impressa...81

Imagem 2 - Jô Soares em propaganda do Telecurso veiculada na televisão...82

Imagem 3 - Charge de Angeli publicada na Folha de S. Paulo...98

Imagem 4 - Gianfrancesco Guarnieri apresentando teleaula de História...126

Imagem 5 - Capas dos livros com o curso de História e Geografia...130

Imagem 6 - Ney Sant’Anna em teleaula do Telecurso...131

Imagem 7 - Bastidores da teleaula de Matemática com Marco Nanini...142

Imagem 8 - Capas dos livros de Matemática e Física...143

Imagem 9 - Marília Gabriela apresentando teleaula de Química...147

Imagem 10 - Capas dos livros de Química e Biologia...150

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LISTA DE TABELAS

Quadro 1 – Emissoras educativas criadas entre 1967 e 1974 no Brasil...61

Quadro 2 - Dia e horário das aulas do curso Admissão pela TV...62

Quadro 3 – Transmissão do Telecurso 2º Grau na Região Norte em 1978...90

Quadro 4 – Transmissão do Telecurso 2º Grau na Região Nordeste em 1978...91

Quadro 5 – Transmissão do Telecurso 2º Grau na Região Sul em 1978...92

Quadro 6 – Transmissão do Telecurso 2º Grau na Região Sudeste em 1978...92

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES

ABERT – Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão AERP – Assessoria Especial de Relações Públicas

ARENA – Aliança Renovadora Nacional BBC – British Broadcasting Company CBS – Columbia Broadcasting System

CBT – Código Brasileiro de Telecomunicações CONTEL – Conselho Nacional de Telecomunicações CRO - Centro de Recepção Organizada

CTR – Comissão Técnica de Rádio

EMBRATEL – Empresa Brasileira de Telecomunicações ESG – Escola Superior de Guerra

FCBTVE – Fundação Centro Brasileiro de TV Educativa FPA – Fundação Padre Anchieta

FRM – Fundação Roberto Marinho ITV – Independent Television Network MDB – Movimento Democrático Brasileiro MEC – Ministério da Educação e Cultura MINICOM – Ministério das Comunicações NBC – National Broadcasting Company OEA – Organização dos Estados Americanos ONU – Organização das Nações Unidas PBS – Public Broadcasting Service

PRONTEL – Programa Nacional de Teleducação PUC – Pontifica Universidade Católica

RCA – Radio Corporation of America SEA – Serviço de Educação de Adultos

SEAT – Secretaria de Aplicações Tecnológicas Sintead - Sistema Nacional de Televisões Educativas UnB – Universidade de Brasília

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...14

1 EXPERIÊNCIAS EDUCATIVAS SOB UM MODELO TELEVISIVO COMERCIAL 1.1 O modelo televisivo brasileiro: regulamentação e agentes...31

1.2Debates e ações acerca do papel educativo da televisão...47

1.3A inserção de programas educativos na televisão brasileira...62

2 TELECURSO 2º GRAU: UM PROGRAMA DA TV COMERCIAL SOB MEDIDA AO REGIME DITATORIAL 2.1A criação e os primeiros passos...70

2.2 Expansão e desenvolvimento...84

2.3 O Telecurso como paradigma de teleducação na televisão brasileira...99

3 DA SALA DE AULA PARA A SALA DE CASA: O TELECURSO COMO EXPERIÊNCIA AUDIOVISUAL 3.1 A produção das teleaulas: entre práticas comerciais e educativas...116

3.2 A novidade também era falar de humanidades...124

3.3 What? Função logarítmica na televisão? That’s impossible!...134

3.4 Uma Química (quase) perfeita...143

CONSIDERAÇÕES FINAIS...151

FONTES...157

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INTRODUÇÃO

Este trabalho tem o objetivo central de compreender e analisar historicamente como se processou a inserção de programas educativos na televisão brasileira durante o regime militar, tomando como eixo de análise o programa Telecurso 2º Grau, produzido pela Fundação Roberto Marinho (FRM) em parceria com a Fundação Padre Anchieta (FPA) e veiculado pela Rede Globo e TV Cultura a partir de 1978.

Para alcançarmos tal objetivo, fez-se necessário considerar as particularidades do debate sobre os modelos cultural-educativo e comercial de televisão no Brasil. Debate desenrolado justamente na fase em que o setor televisivo se ampliou e se consolidou em decorrência dos investimentos do regime militar na área de telecomunicações. Os militares, com base na Doutrina de Segurança Nacional, fomentada pela Escola Superior de Guerra (ESG), viam o setor de telecomunicações como um elemento de integração nacional e, por isso, investiram de forma estratégica em seu desenvolvimento, o que consolidou, notadamente, o avanço da televisão no campo da comunicação social.

Nessa direção, o intento desta dissertação foi o de trazer subsídios e elementos de entendimento e compreensão que possibilitassem precisar, por meio de uma análise sócio-histórica, a hipótese de que o projeto Telecurso 2º Grau exerceu uma função de legitimação política das ações da Rede Globo e do concessionário Roberto Marinho. Possibilitando-o incrementar a sua ligação com o regime militar – visto que um projeto de educação via meios de comunicação apresentava-se como prova da preocupação do regime com a instrução pública. O que serviu, de certa maneira, para justificar as medidas oficiais do governo a favor do desenvolvimento da Rede Globo. Dessa forma, o Telecurso reforçou a imagem da emissora de Marinho como eficaz prestadora de serviço social e comprometida com a educação da sociedade brasileira, deslegitimando as críticas quanto à sua condição quase monopolizadora no campo televisivo brasileiro.

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em termos de teleducação e, em particular, do projeto Telecurso – objetivo que nos obrigou a posicionar relacionalmente não somente as empresas midiáticas, mas os profissionais da mídia, partidos, grupos e militantes políticos que se manifestaram ou se envolveram com a questão; buscar conhecer como os agentes do campo educacional se posicionaram com relação à teleducação e ao Telecurso, sem, contudo, descuidar em perceber quais agentes daquele campo se envolveram diretamente com o projeto da FRM; conhecer os móveis que ligaram a FRM e a FPA na execução do Telecurso; historiar e analisar a estrutura e dinâmica da produção e divulgação do projeto, tratando, igualmente, quando possível, da recepção do programa; cuidar do organograma e atuação da FRM; buscar o conhecimento das fontes de financiamento que foram alocadas para a realização do projeto.

Com o ressurgimento da História política na década de 1980, na França, Na década de 1980 um grupo de historiadores franceses, ligados à Fondation Nationale des Sciences Politiques e à Universidade de Paris X-Nanterre, reformulou as bases da História política incorporando a ela novos objetos e novas metodologias. Com essa renovação a mídia passou a ser tratada como um objeto de estudo histórico. 1 Surgindo pesquisas pontuais sobre a opinião pública, bem como outros objetos midiáticos, entre eles a televisão. Porém, três décadas após o início dessa reformulação historiográfica, registrada no livro Por uma história política, organizado por René Rémond, 2 o campo historiográfico ainda tem um conhecimento restrito sobre a TV. Isso ocorre porque, de um modo geral, os historiadores sempre relegaram a televisão a um papel secundário, sendo ela mais citada do que estudada. Os estudos que se detêm sobre a televisão como fonte e objeto de pesquisa o são ainda em quantidade aquém daquilo que se deveria produzir, considerando a importância do meio na sociedade contemporânea. O sociólogo Pierre Bourdieu também manifestou insatisfação com o diminuto volume da produção dos historiadores, notadamente no que diz respeito ao mundo contemporâneo; o autor é incisivo ao dizer que “infelizmente em muitos domínios, em especial no domínio da história da época recente, os trabalhos são ainda insuficientes, sobretudo quando se trata de fenômenos novos.” 3 Um exemplo genuinamente nacional dessa falta de interesse por parte dos historiadores pelo meio televisivo está manifestado na coleção sobre A história da vida privada no Brasil, dirigida por Fernando Novais. No quarto volume, organizado por Lilia Moritz Schwarcz, o capítulo referente à televisão é de autoria de uma

1 É interessante lembrar que na Inglaterra o historiador Asa Briggs, já desenvolvia pesquisas acerca do Broadcasting, porém de forma restrita e isolada.

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socióloga, Ester Hamburguer. 4 O que denota a ausência de historiadores brasileiros preocupados em pensar historicamente a TV, ao menos até o final da década de 1990, período de publicação da obra citada. A falta de estudos é notada também por pesquisadores ligados à área da Comunicação. Ana Paula Goulart Ribeiro e Micael Herschmann apontam que “há poucos trabalhos de fôlego sobre História da Comunicação na própria História.” E concluem que apesar da mídia – notadamente os jornais – ser cada vez mais utilizada como fonte histórica em trabalhos que abordam diversos temas, “os estudos dos meios em si (e de suas práticas sociais) ainda são restritos nas universidades do país.” 5

Esse descompasso entre a pesquisa histórica e o avanço do meio no Brasil é um ponto fundamental para pensarmos de que modo os historiadores escolhem seus objetos. Ao verificarmos a quase ausência de estudos sobre a TV, percebemos uma forte influência do campo dos historiadores, ou seja, em busca de legitimação e reconhecimento, os pesquisadores acabaram deixando de lado um objeto de amplo alcance social para dedicarem-se a temáticas mais cotadas entre os pares – já que, na maioria das situações a televisão é desprezada, quando não ridicularizada pela academia e sua intelectualidade.

Na contramão dessa tendência destaca-se o esforço do historiador Áureo Busetto em pensar a TV no rol de objetos historiográficos. O autor começou suas pesquisas sobre o meio há alguns anos, inicialmente preocupado em pensar TV na sala de aula; 6 em um segundo momento suas investigações adentraram o universo dos primórdios da TV como invenção tecnológica; 7 posteriormente, sua reflexão se verticalizou para pensar as implicações metodológicas enfrentadas pelos historiadores ao escolher a televisão como fonte e objeto de pesquisa. 8 Resultando assim na possibilidade de pensar um produto específico da televisão, a TV Excelsior, e buscar historicizá-lo. 9 Cabe ressaltar que na maioria desses estudos prevaleceu a preocupação do autor com a reflexão sobre a relação entre TV e política. Essa

4 HAMBURGUER, Ester. Diluindo fronteiras: a televisão e as novelas no cotidiano. In. SCHWARCZ, Lilia

Moritz. História da Vida privada no Brasil. Vol. 4. São Paulo: Companhia das Letras, 1998

5 RIBEIRO, Ana Paula Goulart; HERSCHMANN, Micael. História da comunicação no Brasil um campo em

construção. In: RIBEIRO, Ana Paula Goulart; HERSCHMANN, Micael. Comunicação e História: interfaces e novas abordagens. Rio de Janeiro: Globo Universidade; Maud X, 2008.p. 14.

6 Cf. BUSETTO, Áureo. Relações entre TV e poder político: dados históricos para um programa de leitura dos

produtos televisivos no ensino e aprendizagem. In: Pinho, Sheila Zambello; Saglietti, José Roberto Corrêa (Orgs.). Núcleos de Ensino. 1ª ed., v.4. São Paulo: Cultura Acadêmica Editora, 2007, pp. 178-207.

7 BUSETTO, Áureo. Em busca da caixa mágica: o Estado Novo e a televisão. In: Revista Brasileira de História.

São Paulo, v. 27, nº 54, 2007 pp. 177-196.

8 BUSETTO, Áureo. A mídia brasileira como objeto da história política: perspectivas teóricas e fontes. In:

SEBRIAN, Raphael Nunes Nicolletti (org.). Dimensões do político na historiografia. Campinas: Pontes Editora, 2008, pp. 9-23.

9 BUSETTO, Áureo. Sem aviões da Panair e imagens da TV Excelsior no ar: um episódio sobre a relação regime

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inquietação produtiva de Busetto para com a TV resultou em um espaço de reflexão acadêmica do qual já nasceram três novas pesquisas 10 que estão contribuindo para a construção de uma história social da televisão brasileira.

A carência de estudos sobre a TV não é uma exclusividade brasileira. João Freire Filho afirma que, somente a partir dos anos 1990, a história do meio transformou-se em objeto de sucessivas abordagens científicas, especialmente “nos Estados Unidos e Inglaterra (países onde o serviço televisivo se consolidou precocemente), mas também na Alemanha, Austrália, Espanha, Canadá, França, Itália e Escandinávia (dentro do contexto da desregulamentação, digitalização e convergência do sistema midiático).” 11

A TV ao longo dos seus 60 anos de existência no Brasil 12 foi ganhando seu espaço na sociedade, e de pouco mais de 200 aparelhos em sua estreia, em 1950, transformou-se, no final da década de 1970, na principal fonte de acesso à informação e ao conhecimento – além do rádio e da escola – para a maioria dos brasileiros. Com o transcorrer dos anos de regime militar e, consequentemente, com o incremento de um sistema de telecomunicações em âmbito nacional, o meio passou a angariar uma audiência significativa em todo o país, atingindo a marca de quase 15 milhões de aparelhos no início da década de 1980, 13 dado que demonstra a forte penetração da TV no cotidiano do povo brasileiro. Com o crescimento dos telespectadores, as preocupações com as influências de um meio tão revolucionário – capaz de unir som e imagem – passaram a ser tema de diversos estudos. Todavia, essas investigações eram majoritariamente de profissionais da área de Comunicação e de outras Ciências Sociais que não a História.

A situação não é diferente quando buscamos estudos históricos sobre a teleducação e o Telecurso. Podemos assinalar dois aspectos que podem justificar o esquecimento com relação ao maior e mais antigo – existente há mais de 30 anos – programa de teleducação pela televisão do país. Além do já citado descaso dos historiadores com a TV como objeto e fonte de pesquisa histórica, caso semelhante acontece com a educação; apesar de certos avanços nas

10 Cf. BARROS FILHO, Eduardo Amando de. Por uma televisão cultural-educativa e pública: a TV Cultura de

São Paulo, 1960-1974. Dissertação de Mestrado. Assis: UNESP, 2010. BERNO, Monise Cristina. Entre a Cruz e a Antena de TV: “Um dia sem TV” em prol do “bom senso” (Assis, 1978 – 1983). Dissertação de Mestrado. Assis: UNESP, 2010. LIMA, Eduardo de Campos. Entre a política brasileira de concessões televisivas e as diretrizes católicas de comunicação social: a formação da Rede Vida de Televisão, 1989-1995. Dissertação de Mestrado. Assis: UNESP, 2010.

11 FREIRE FILHO, João. Por uma nova agenda de investigação da História da TV no Brasil. In: RIBEIRO, Ana

Paula Goulart; HERSCHMANN, Micael. Comunicação e História: interfaces e novas abordagens. Rio de Janeiro: Globo Universidade; Maud X, 2008. p. 127

12 As emissões regulares de TV no Brasil iniciaram-se no dia 18 de setembro de 1950, com a PRF-3 TV Tupi,

propriedade de Assis Chateaubriand.

13 O total de aparelhos de televisão era de 14 milhões 825 mil, de acordo com estimativas da ABINEE. In.

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pesquisas que tematizam a educação ou o ensino, há ainda certo “esquecimento” por parte dos historiadores de temas que tenham como interface o campo educacional, sendo, em sua maioria, rotulados como tarefa para os pesquisadores em Educação. E, por fim, o fato de o Telecurso ser um objeto da chamada História do tempo presente, abordagem investigativa que ainda gera algumas dúvidas entre os historiadores mais tradicionais, desconfiados da análise de uma temática que ainda flutua no mar tão agitado da memória, que é sempre um campo de disputa.

Nesse cenário nacional de escassa produção historiográfica acerca do Telecurso, encontramos apenas um trabalho. Trata-se de uma dissertação, defendida na Universidade de Brasília (UnB), em 2006, de autoria de João Flávio Moreira e intitulada Os Telecursos da Rede Globo: a mídia televisiva no sistema de educação à distância (1978 – 1998). 14 O autor apresenta uma boa análise de dados quantitativos sobre o programa, demonstrando, a partir da construção de gráficos e tabelas, a grandeza e amplitude do projeto em termos de recursos utilizados. Porém, do que mais se sente falta no trabalho é de uma narrativa e análise histórica que utilize os dados coletados em prol da construção de um estudo histórico que contemple as relações sociais e políticas entre os campos e os agentes que atuavam no projeto Telecurso, ou seja, os campos televisivo, político e educacional. Assim, o trabalho de Moreira centra-se mais em demonstrar o que foi o Telecurso em termos de abrangência – o que não deixa de ser relevante, desde que pensado em relação aos outros aspectos do programa – do que cuidar dos interesses políticos e econômicos investidos no projeto e as suas implicações ao campo midiático, ao campo político e às relações de ambos notadamente nas questões sobre TV e ensino.

Diagnosticada tal ausência de trabalhos na área de História, nossa pesquisa bibliográfica orientou-se para as áreas de interface, como a Educação. Todavia, os estudos sobre o Telecurso em sua maioria, dissertam, exclusivamente, sobre os aspectos didáticos do projeto, cuidando mais especificamente das versões mais recentes do programa, como o Telecurso 2000. Portanto, não coadunavam com os objetivos desta dissertação que visa a compreender sócio-historicamente as múltiplas relações sociais encetadas por diversos e diferentes agentes sociais que possibilitaram, direta e/ou indiretamente, a criação e o primeiro desenvolvimento do programa.

Ainda assim, quatro estudos da área de Educação se destacam. O primeiro deles devido à significativa quantidade de documentos que tornou público sobre a produção do

14 MOREIRA, João Flávio de Castro. Os Telecursos da Rede Globo: a mídia televisiva no sistema de educação à

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Telecurso, e pelo fato de o autor ter sido membro da equipe do programa. Trata-se de uma tese de doutoramento, defendida na PUC-SP, em 1981, de autoria de Antonio Carlos Caruso Ronca. 15 Em seu trabalho, o autor buscou demonstrar como a proposta do Telecurso divergia das ideias de Paulo Freire, intelectual consagrado pelos projetos de educação popular desenvolvidos no pré-64. Ronca tentou demonstrar como o discurso oficial da FRM divergia de suas práticas, que pouco ou quase nada teriam que ver com a concepção de educação popular de Freire. A análise feita por Ronca, em razão de sua especificidade, não busca outras ferramentas e acaba chegando a respostas óbvias. O ponto forte do trabalho é a quantidade de documentos levantados, tarefa que se torna relativamente fácil para quem atuou no projeto e possivelmente teve acesso irrestrito aos arquivos da TV Cultura.

O segundo é o capítulo denominado “O sucesso do Telecurso”, do livro Educação à distância: a tecnologia da esperança, de Arnaldo Niskier. 16 Esse capítulo é importante por tratar da visão de um profissional que trabalhou para o então Ministério da Educação e Cultura (MEC) na década de 1970, como membro do Conselho de Administração do Programa Nacional de Teleducação (PRONTEL), colaborando na formulação e investigação de nossas hipóteses acerca da teleducação no Brasil.

A terceira pesquisa, uma tese de doutoramento de Sérgio Haddad, intitulada Estado e educação de adultos (1964 -1985), 17 apesar de não ter o Telecurso como eixo central, faz uma discussão interessante a respeito das políticas educacionais criadas e desenvolvidas pelo regime militar. Adentrando, em algumas partes de seu estudo, na questão da teleducação, o autor descreve algumas experiências ocorridas durante o regime militar, incluindo um breve comentário sobre o Telecurso.

O último trabalho consta do livro Rede Globo: 40 anos de poder e hegemonia, organizado por Valério Brittos e César Bolaño. 18 Trata-se de um capítulo de autoria da professora Cosette Castro, intitulado “Globo e educação: um casamento que deu certo”. 19 A autora traça um panorama geral da atuação da emissora de Roberto Marinho em programas educativos, desde os infantis e do Telecurso 2º Grau até a criação do Canal Futura.

15 RONCA, Antônio Carlos Caruso. Ensino Supletivo: Ideologia e Psicologia de um programa de educação pela

televisão. Tese de Doutorado. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica, 1981.

16 NISKIER, Arnaldo. Educação à distância: a tecnologia da esperança. São Paulo: Loyola, 1999. pp. 307-315. 17 HADDAD, Sérgio. Estado e Educação de Adultos(1964 -1985). Tese de doutoramento. São Paulo: Faculdade

de Educação – USP, 1993.

18 BRITTOS, Valério Cruz; BOLAÑO, César Ricardo Siqueira. Rede Globo: 40 anos de poder e hegemonia. São

Paulo: Paulus, 2005.

19 CASTRO, Cosette. Globo e educação: um casamento que deu certo. In: BRITTOS, Valério Cruz; BOLAÑO,

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Outro texto que se insere na nossa discussão é “A cidadania do Telecurso: memórias de um projeto de educação popular”, 20 de autoria do sociólogo Antonio Ricardo Micheloto, que integrou a equipe da segunda fase do Telecurso, como redator. Em seu texto, o autor faz uma análise que tem como conclusão a negação do caráter popular que se autodenominava o Telecurso, conclusão semelhante ao trabalho de Ronca. Porém, o artigo, como o próprio título sugere, é uma memória da atuação de seu autor como responsável pelas disciplinas Educação Moral e Cívica e Organização Social e Política do Brasil. Apesar de partir da mesma inquietação de Ronca, Micheloto cuidou apenas de uma característica específica do projeto, isto é, das disciplinas que constavam do Telecurso por imposição de determinação das diretrizes educacionais vigentes.

Sobre a FRM, podemos destacar duas obras. O livro de Roméro Machado, Afundação Roberto Marinho, 21 no qual o ex-auditor das Organizações Globo faz denúncias contundentes contra a Instituição sem fins lucrativos criada por Roberto Marinho. E o livro institucional e comemorativo do 30º aniversário da Fundação, organizado por Silvia Finguerut e Hugo Sukman, 22 no qual estão descritos todos os projetos desenvolvidos pela FRM. Ou seja, uma bibliografia escassa e diversa que contempla desde a voz de um ex-funcionário até a publicação oficial da Fundação.

A partir da leitura desses livros sobre a FRM, dos estudos sobre o Telecurso e dos outros trabalhos relacionados aos aspectos gerais da televisão brasileira, a primeira conclusão que se pode chegar é de cunho teórico-metodológico. A busca pelo conhecimento e compreensão do que têm sido os programas de telensino no Brasil contemporâneo não deve se centrar tão apenas na análise de dados sobre a eficácia numérica do programa ou sobre sua natureza ideológica. Mas deve, antes, calcar-se na perspectiva da análise sócio-histórica das relações constituintes do campo da comunicação social, sobremaneira o televisivo, e das inter-relações deste com o campo político. Como nos ensina Pierre Bourdieu, “não podemos nos contentar em dizer que o que se passa na televisão é determinado pelas pessoas que a possuem, pelos anunciantes que pagam a publicidade, pelo Estado que dá subvenções”, e o autor afirma que “se soubéssemos, sobre uma emissora de televisão, apenas o nome do

20 MICHELOTO, Antônio Ricardo. A cidadania do Telecurso: memórias de um projeto de educação popular. In. Revista Educação Popular. Uberlândia, n. 5, 35-40, jan./dez. 2006. p. 37-42.

21 MACHADO, Roméro da Costa. Afundação Roberto Marinho. Porto Alegre: Tchê, 1988.

22 FINGUERUT, Silvia; Sukman, Hugo (orgs.). Fundação Roberto Marinho 30 anos. Rio de Janeiro: Goal,

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proprietário, a parcela dos diferentes anunciantes no orçamento e o montante das subvenções, não compreenderíamos grande coisa.” 23

Devemos buscar um caminho que permita apreender elementos de compreensão sobre o processo que, desempenhado mediante disputas entre distintas visões sobre a finalidade educativa da TV, tornou socialmente legítimo e reconhecido – segundo acepções ligadas à sociologia de Bourdieu – o Telecurso 2º Grau como paradigma de telensino para o Brasil sob a vigência do regime militar.

Ao fazer um balanço sobre os estudos relativos à história da TV, João Freire Filho aponta três áreas que, segundo ele, podem render frutos para o conhecimento do meio. São elas: a de genealogia da televisão; a de formação e desenvolvimento dos gêneros programáticos; e, por fim, uma arqueologia da recepção televisiva. Ao se referir a segunda área, o autor explica que “o mergulho no período formativo da televisão ambiciona, nesse caso, esquadrinhar o processo histórico mediante o qual convenções genéricas foram concebidas e homologadas”, com ênfase no “desenvolvimento das estratégias estéticas e discursivas e das práticas de produção de uma categoria de programa particular.” Desse modo, verificamos uma proximidade entre nossa proposta e a área descrita por Freire Filho, sobretudo quando o autor esclarece que pesquisas desenvolvidas com os objetivos de estudar a formação e o desenvolvimento – no nosso caso, do Telecurso 2ºGrau – avançam no conhecimento do meio, já que “a meta é uma abordagem de caráter mais holístico que enfatize a complexidade das forças e das mediações sociais, culturais, econômicas e tecnológicas que envolvem o processo de formatação dos programas”. 24

A partir desse esboço bibliográfico, podemos afirmar, seguramente, que diversos aspectos da atuação do meio e sua relação com a sociedade não foram ainda explorados de maneira a contemplar uma análise sócio-histórica significativa que contribua com a compreensão da dimensão histórica da TV e da comunicação social contemporânea. Com isso, caberá a essa dissertação refletir acerca de alguns aspectos sobre a constituição de práticas de teleducação no Brasil, sobremaneira com a criação do Telecurso 2º Grau.

A realização de pesquisas históricas sobre a mídia nos convida a atentar para as orientações teóricas oferecidas pelos historiadores Asa Briggs, Peter Burke e Jean-Noël Jeanneney. Ainda que estas sejam, de algum modo, introdutórias, são elas que balizam as pesquisas históricas atuais que tomam como eixo de análise os meios de comunicação.

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Briggs e Burke acreditam na necessidade de “trazer a história para o interior dos estudos da mídia, e a mídia para dentro da história”, enfatizando, dessa forma, a importância do passado em relação ao presente. Esse procedimento exige do pesquisador a clareza de que a compreensão dos novos padrões e da evolução dos meios de comunicação social depende de uma análise interdisciplinar, a qual deve considerar os debates e descobertas em torno das mídias e a forma que estes assumem atualmente. Assim, segundo os dois autores, a mídia precisa ser vista como um “sistema em contínua mudança, no qual elementos diversos desempenham papéis de maior ou menor destaque.” E que se deve realizar uma análise da mídia sob a óptica de “uma história social e cultural que incluí política, economia e – também – tecnologia”, todavia distante de qualquer “determinismo tecnológico baseado em simplificações enganosas.” 25 O que se deve buscar, na verdade, é a construção de uma história capaz de agregar múltiplas características da realidade histórica.

Essa afirmação justifica a nossa tentativa de pensar o ensino via TV no Brasil, tomando como eixo o Telecurso, considerando seus aspectos políticos, sociais, econômicos, culturais, estéticos e tecnológicos. Para subsidiar essa opção metodológica se fez necessário, e essencial, uma diversificação das fontes que colaborasse na busca de elementos capazes de embasar tais análises, conjuntamente com a percepção de que é fundamental pensar campos distintos – no caso de nossa pesquisa, o político, o televisivo e o educacional.

O historiador francês Jeanneney ressalta de forma precisa a importância e o papel que os estudos históricos ocupados com o campo midiático podem desempenhar no debate sobre mídia e democracia. Nas palavras do autor, ao relembrar antecedentes esquecidos, a História, “permite enxergar o inédito e fornece algumas soluções para enfrentar os desafios recentes. Simultaneamente, pode alertar-nos, tranqüilizar-nos e esclarecer-nos.” 26 Assim, Jeanneney corrobora com a visão de Briggs e Burke sobre a necessidade dos estudos históricos acerca da mídia serem desenvolvidos com base na interdisciplinaridade.

Jeanneney aponta alguns problemas que podem ser considerados como agravantes para a falta de pesquisa na área. O primeiro deles é a dispersão do foco, o que fica latente “devido à diversidade dos objetos aos quais a pesquisa sobre a mídia se deve ligar e à grande variedade de casos e situações”. 27 Um exemplo seria o enorme número, formatos e dimensões, dos veículos midiáticos. Entretanto, o historiador adverte, caso procure-se “escapar a isso, corre-se o risco de perder de vista a realidade na sua complexidade em

25 BRIGGS, Asa; BURKE, Peter. UmaHistória social da mídia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. p. 11 – 17. 26 JEANNENEY, Jean-Noël. História da comunicação social. Lisboa: Terramar, 1996.

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proveito de considerações demasiadamente estatísticas,” gerais e abstratas. 28 Em segundo lugar, há um desequilíbrio das fontes, pois muitas vezes elas se encontram em abundância, como materiais impressos e conservados. Mas algumas empresas do setor, importantes para a interpretação do objeto histórico, não conservam seus arquivos; desse modo tem-se a publicação, mas não os elementos que descrevem a rotina de produção de uma determinada redação, ou dos bastidores de uma emissora. Esse problema ganha uma dimensão ainda maior quando se trata de documentos sonoros ou audiovisuais. Nesse caso, além de não existirem os arquivos da empresa que produziu determinado produto, o produto em si não tem garantia de conservação, pois sofre os embargos dos altos custos de acondicionamento, que, na maioria das vezes, as empresas não querem ou não têm condições de custear. Tal característica, atrelada à falta de um grande acervo público de imagens, acaba gerando ao pesquisador dificuldades de consulta, e quando este tem acesso, muitas vezes é de forma precária, e sob condições que estão longe de pautar uma relação entre pesquisador e objeto de pesquisa. Verificamos esse problema de perto durante a busca pelas fontes audiovisuais do Telecurso.

Com base nas concepções teóricas acima descritas, o desenvolvimento de nosso trabalho exigiu uma orientação teórico-metodológica que alicerçou a pesquisa e colaborou para que tenhamos trilhado, minimamente, um caminho que obtivesse respostas às inquietações colocadas pelos historiadores da mídia. Neste sentido, nossa proposta de pesquisa esteve norteada por alguns princípios enunciados por Pierre Bourdieu e Roger Chartier. 29 Esses autores foram pensados e relacionados mais como uma bússola que nos guiou pelos caminhos das fontes documentais, do que como um modelo hermético, pronto e acabado. Possibilitando a realização de uma pesquisa interdisciplinar e concatenada à perspectiva sócio-histórica. A opção em questão permitiu que a nossa investigação sobre o Telecurso da FRM centrasse o seu foco de análise sobre um conjunto de relações sociais que tornou o programa possível de existir socialmente, pensando os agentes e as instituições envolvidas nesse processo de forma relacional bem como as particularidades do meio televisivo. Como ressalta Chartier: “as lutas de representações têm tanta importância como as lutas econômicas para compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor, a sua concepção do mundo social, os valores que são seus, e o seu domínio.” 30

28 Ibid. p. 6-7.

29 Com destaque para os livros de Pierre Bourdieu: O Poder Simbólico; Sobre a Televisão;Propos sur le champ politique. De Roger Chartier: A história cultural: entre práticas e representações. E o livro dos dois autores : Le sociologue et l’historien.

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Qualquer metodologia em História só ganha sentindo quando atrelada às fontes da pesquisa. Não há olhar sobre o objeto que não se configure como um olhar sobre as fontes que falam desse objeto, e não há como questionar tais fontes sem a lupa teórico-metodológica. Tendo em mente essa relação recíproca entre fonte e metodologia, apresentaremos quais foram as fontes selecionadas, como se efetivou o acesso a elas, quais informações elas nos trouxeram e como as utilizamos com vistas aos objetivos propostos por esta dissertação.

A documentação impressa da FPA e da FRM relativa ao período de criação e veiculação do Telecurso na televisão brasileira constitui-se em um corpus documental de suma importância para pensarmos o que foi esse programa. Fazem parte desse rol de fontes os seguintes documentos: Relatório de avaliação do Fascículo Zero (Agosto de 1977); Seis meses de experiência – Telecurso 2º Grau; Exames supletivos no Brasil antes e depois do Telecurso 2º Grau; Telecurso 2º Grau – Supletivo. Relatório Final.

O primeiro documento consiste em uma avaliação da Fundação Padre Anchieta sobre o protótipo do que viriam a ser os fascículos do Telecurso. Na verdade, em nenhum momento do documento aparece o nome Telecurso 2º Grau, que é denominado como série. Dele consta, além da avaliação, o roteiro das entrevistas que foram realizadas com nove pessoas para se conhecer a capacidade de assimilação do conteúdo do material impresso.

Seis meses de experiência – Telecurso 2º Grau, é um relatório preparado pela Fundação Roberto Marinho avaliando a experiência do Telecurso ao longo do primeiro semestre de 1978. Além de um texto de Roberto Marinho sobre o Telecurso, ao final do relatório consta um exemplar do fascículo semanal.

Exames supletivos no Brasil antes e depois do Telecurso 2º Grau, apesar do título muito atrativo, trata-se apenas de uma síntese da pesquisa realizada pela Fundação Carlos Chagas para a FPA e FRM sobre o impacto do Telecurso na preparação dos alunos que prestaram os exames supletivos.

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Essa documentação coletada nos arquivos da própria FPA, foi bastante relevante para historiar e analisar as relações que permitiram a parceria para a criação do Telecurso, bem como seu primeiro desenvolvimento. Pois a partir dela foi possível pensar os móveis que ligaram e, posteriormente, afastaram os parceiros nessa empreitada.

Nesta direção, buscamos, também, pesquisar em órgãos da imprensa impressa. Selecionamos os dois periódicos com maior tiragem em São Paulo, Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo, pesquisados no Arquivo Público do Estado de São Paulo; o jornal de Roberto Marinho, O Globo, encontrado na Biblioteca Nacional; além da revista Veja, consultada por meio de seu acervo digital. Essas fontes foram importantes para coletarmos dados sobre manifestações (editoriais, artigos, reportagens, matérias especiais) que permitiram conhecer como agentes da mídia, do campo político e do educacional viram a relação TV e ensino, a teleducação e o Telecurso, bem como se interagiram ou não em atividades relacionadas ou se tentaram influir no desenrolar delas. Os dados coligidos da imprensa impressa foram cruciais para subsidiar a investigação sobre a relação de cada uma das fundações com outros campos, sobremaneira o midiático e político. Todos esses materiais relativos à imprensa foram interpretados sem perder de vista quais foram os móveis e interesses das manifestações e participações de cada um dos agentes, visto que estes estão sendo pensados e analisados não somente como fonte, mas também como objeto.

Os fascículos do Telecurso – História, Física, Biologia, Geografia. Matemática e Química – adquiridos individualmente em sebos, possibilitou coletar dados empíricos importantes, notadamente em termos dos profissionais que atuaram no programa.

As biografias e memórias, sobretudo de agentes do campo televisivo, como a do jornalista Roberto Marinho, 31 sempre confrontadas com os demais documentos, serviram para a compilação de alguns dados empíricos e, notadamente, das impressões que agentes envolvidos com o Telecurso tinham sobre o programa e sobre a utilização da televisão com fins educativos. Nesse sentido, o portal Memória Globo foi uma importante ferramenta na pesquisa de diversos perfis bibliográficos de pessoas que atuaram na emissora, desde funcionários dos bastidores até artistas. No caso específico da Rede Globo, existem, também, publicações de funcionários da emissora contando a sua experiência profissional; podemos destacar o livro de Luiz Eduardo Borgerth, Quem e como fizemos a TV Globo, 32 no qual o autor apresenta diversos agentes envolvidos na constituição da emissora, sobretudo em suas primeiras décadas.

31 BIAL, Pedro. Roberto Marinho. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.

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A Legislação brasileira sobre a comunicação social, mais especificamente sobre a TV, como o CBT e os decretos posteriores, tiveram um importante papel, já que a partir dela foi possível notar o que era permitido, e confrontá-la com informações obtidas em outras fontes, com a prática efetiva do campo televisivo brasileiro e, em especial, em relação aos programas educativos.

Sobre a legislação educacional, destaca-se a Lei 5.692 de 1971, responsável não somente pela reforma do 1º e 2º graus, mas também pela criação do ensino supletivo e a regulamentação da utilização de meios de comunicação para a educação. Compreender as mudanças no cenário educacional foi essencial para entender o que significou um programa de cunho instrucional em uma emissora comercial.

Ainda no intuito de pensar a relação entre os campos midiático e político, foi possível o acesso ao Diário da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, no qual encontramos o discurso da atriz e, então vereadora arenista Daisy Lúcidi, relatado pelo jornal O Globo, enaltecendo a chegada do Telecurso na cidade. Discurso relevante, pois exemplificou a relação imbricada entre o campo televisivo e o campo político.

A busca pela compreensão do significado do ensino via televisão nos levou à análise das fontes audiovisuais. Por isso, as teleaulas veiculadas entre 1978 e 1981 foram parte integrante do nosso corpus documental. A consulta ocorreu no acervo da TV Cultura. Todavia, como a reprodução das edições nos foi vetada, tendo em vista que os direitos autorais do programa pertencem a FRM. Assim, o acesso ao audiovisual, comercializado pela FPA, se deu, exclusivamente, para um visionamento in loco das edições do programa. Tendo em vista esse agravante, optamos por escolher uma aula de cada disciplina cobrindo, assim, toda a produção, o que nos deu um maior leque para comparações.

No trabalho com o audiovisual, o primeiro desafio, a ser superado foi o de utilizar as imagens para além da simples exemplificação. Como assevera Burke: os historiadores tendem a tratar as imagens como “meras ilustrações, reproduzindo-as nos livros sem comentário.” Portanto, cabe ao historiador preocupado em trabalhar com a imagem como fonte e objeto superar essa prática frequente de utilizar as imagens como simples recursos demonstrativos de suas conclusões e avançar no sentido de utilizar a imagem como forma de oferecer novas respostas e suscitar novas questões em seu trabalho de pesquisa. 33

Esse material audiovisual tornou possível uma análise mais concreta e específica das imagens do Telecurso. Segundo João Freire Filho, “o difícil acesso a este último tipo de fonte

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representa sensível desafio, em particular para os interessados na linguagem e nos padrões estéticos dos primórdios da TV.” 34 A análise do material audiovisual exigiu, além de toda a metodologia comum a qualquer objeto historiográfico, uma metodologia específica, que cuidasse em compreender as especificidades técnicas e de linguagem do meio. Freire Filho observa, ainda, que “a ausência de garantia epistemológica do registro audiovisual é uma limitação para qualquer análise que procure apreender os estilos e as formas das primícias da TV.” 35 Por conta disso, buscamos o conhecimento que cerca uma produção televisiva, desde a função de cada profissional, até a formação dos cenários e planos de câmera. Ou seja, todos os elementos que não são visíveis no produto final, mas que fazem parte de práticas dos agentes desse campo. Combinando com a análise fontes textuais que dialogavam com o audiovisual do Telecurso.

Como bem observou Marc Bloch, não cabe ao historiador encarnar o papel de juiz dos infernos, que ao longo de seu trabalho distribui sentenças condenando ou absolvendo os heróis da história, e sim, compreender, no sentido menos passivo da palavra. 36 E para apresentar os resultados da tarefa de compreender o significado do Telecurso 2º Grau na história da TV brasileira, esta dissertação está estruturada em três capítulos.

O primeiro, intitulado “Experiências educativas sob um modelo televisivo comercial”, visa à compreensão do entendimento que os agentes do campo midiático, político e educacional dispunham acerca do papel da televisão como um meio educativo. Partindo da discussão sobre os modelos televisivos – comercial e o público – instalados na Europa, Estados Unidos e Brasil, buscamos compreender quais as características de cada modelo de televisão, para a partir desse quadro pensarmos a programação educativa e conhecer como foi concretizada as ações e experiências em programas de teleducação. Para tal objetivo, coube ainda historiar a legislação educacional, pensando a aprovação da Lei 5.692/71 que criou o ensino supletivo e, possibilitou a criação de cursos dessa modalidade com a utilização de meios de comunicação. Expediente que abriu as portas para iniciativas como o Telecurso. Apontaremos como diversas iniciativas em teleducação desenvolvidas ao longo do regime militar no Brasil não tiveram alcance e eficiência para se consolidarem como programas paradigmáticos.

No segundo capítulo, denominado “Telecurso: um programa da TV comercial sob medida ao regime ditatorial”, verticalizamos a discussão acerca da criação, planejamento e

34 FREIRE FILHO, João. op. cit., p. 129. 35 FREIRE FILHO, João. op. cit., p. 129.

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desenvolvimento do Telecurso 2ºGrau, analisando desde a parceria entre a FRM e a FPA para a consecução do Telecurso até as estratégias utilizadas, sobretudo pela FRM, para assegurar um espaço cativo na teleducação nacional. Discutiremos, ainda, todos os impactos gerados pela criação do Telecurso, bem como a repercussão de uma empresa privada de comunicação social colocar-se a disposição em prol da educação. Buscou-se compreender de que modo a Globo e Roberto Marinho se posicionaram na condição de prestadores de serviço, pensando a relação com os outros agentes, tanto do campo político quanto do educacional, envolvidos de algum modo com o Telecurso. Mostrando como o projeto, apesar de ser produzido por uma emissora comercial, respondeu a uma expectativa e a uma demanda do governo militar, explicitada tanto em ações e declarações de setores do governo quanto na regulamentação do setor educacional e da comunicação social .

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1º CAPÍTULO

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1 EXPERIÊNCIAS EDUCATIVAS SOB UM MODELO TELEVISIVO COMERCIAL 1.1 O modelo televisivo brasileiro: regulamentação e agentes

Falar em modelos televisivos pode soar estranho para aquelas pessoas que nasceram, cresceram e envelheceram diante da telinha. Afinal, a TV tem sido tomada pela maioria dos telespectadores como algo dado, posto, naturalizado. Uma característica que contribuiu para tal naturalização foi o ato das empresas comerciais, que compõe majoritariamente a TV aberta brasileira, silenciar sobre qualquer informação concernente à sua existência legal perante o Estado brasileiro. As emissoras não costumam falar em concessões, em outorga, em nada que possa desfazer a ideia de que a TV é um dado natural da vida cotidiana. As pessoas comuns geralmente acreditam que a Globo é o canal do plim-plim, que o SBT é o canal do Silvio Santos (não como proprietário), que a Bandeirantes é o canal dos esportes, e assim não conseguem dimensionar que a televisão brasileira é um bem público, tem uma legislação que a regulamenta e, o mais importante, que o espaço eletromagnético por onde as ondas trafegam para chegar até os lares é um espaço público – como as praças e as rodovias. A cabeça do telespectador é tomada de forma exclusiva pelas imagens veiculadas. E, assim, a televisão vira algo cotidiano, rotineiro, que acompanha as pessoas durante as refeições, nos afazeres domésticos, na reunião com a família e até na hora de dormir. Afinal, quem resiste aos feixes de luz emitidos pelo aparelho televisor após um longo dia de trabalho? Não estamos, contudo, concluindo que a experiência televisiva per se não resulta em algum tipo de aprendizado. Pelo contrário. Concordamos quando se afirma que a “presença da TV na vida cotidiana tem importantes repercussões nas práticas escolares, na medida em que crianças, jovens e adultos de todas as camadas sociais aprendem modos de ser e estar no mundo também nesse espaço da cultura”. 37 Porém, esta é uma experiência restrita às imagens veiculadas, ou seja, a partir do momento que a TV não trata de sua situação legal ao telespectador, esse fica impossibilitado de conhecê-la por completo, de compreender o seu modelo e, assim, pensar em maneiras sociais que possibilitem a sua participação ativa em processos de acompanhamento social do meio.

Para o entendimento da estrutura e dinâmica do modelo televisivo brasileiro, é necessário conhecermos, de maneira retrospectiva e comparativa, os sistemas de TV instituídos tanto na Europa quanto nos EUA, para que, de tal forma, consigamos apreender práticas próprias e reiteradas da organização e desenvolvimento do campo televisivo no

37 FISCHER, Rosa Maria Bueno. Televisão & educação: fruir e pensar a TV. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.

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mundo ocidental. E, assim, possamos perceber quais visões e ações gerais sobre o meio foram apropriadas ou adequadas quando da sua constituição no Brasil.

Os modelos televisivos, norte-americano e europeu, foram marcados por diferenças significativas nas primeiras décadas de suas existências. Nos Estados Unidos o modelo foi constituído baseado nas redes de televisão comerciais, ou seja, ainda que frutos de concessões públicas, elas eram exploradas pela iniciativa privada, uma influência direta do sistema radiofônico no país. A partir de 1939 a National Broadcasting Company (NBC), subsidiária da RCA-Victor foi a primeira televisão comercial do mundo a realizar transmissões regulares. Entre as principais características do modelo estadunidense destaca-se a grande influência dos setores econômicos que pagam pelas emissões de propaganda, prática que obriga o meio a dispor de um público consumidor para que os anunciantes se sintam motivados a investir recursos financeiros no meio. Em outras palavras, podemos dizer que as redes comerciais norte-americanas têm por objetivo, em grande medida, oferecer uma programação que alcance o grande público, ou seja, uma ampla audiência. Tal programação está alicerçada no entretenimento e na informação, com pouco espaço para a educação e a cultura. Para o historiador francês Jean Noel Jeanneney: “a televisão comercial americana não tem praticamente nenhum papel cultural e, contrariamente ao que acontece na Europa, está afastada dos meios universitários e intelectuais.” 38

O principal fator de distinção no modelo televisivo europeu, em relação ao norte-americano, foi o pioneirismo das redes públicas de televisão. Enquanto nos Estados Unidos a TV surgiu com a preocupação de divertir o grande público, para com isso angariar mais patrocinadores, na Europa o financiamento das estações de TV, na maioria dos casos, não dependia de anunciantes, já que a emissão televisiva era, antes de tudo, tomada efetivamente como serviço público. Dessa forma, em países como Alemanha, Espanha, França e Itália as TVs públicas foram financiadas com dinheiro do contribuinte, por meio de uma taxa cobrada de cada residência onde havia um aparelho televisor. 39 A consequência imediata dessa característica foi um equilíbrio um pouco maior entre informação, educação e entretenimento – elementos que Asa Briggs e Peter Burke denominaram como quase uma tríade sagrada para os meios de comunicação social. 40 Com autonomia financeira e tempo para experimentar diversos formatos e programas, as redes públicas conquistaram uma ampla camada da

38 JEANNENEY, Jean-Noël. op. cit., p. 244.

39 Para termos uma ideia do que representa essa taxa em termos monetários, em 2009, na Alemanha, ela era de €

18,12 mensais. In: VALENTE, Jonas. Sistema público de comunicação da Alemanha. In: AZEVEDO, Flávia et al. Sistemas públicos de comunicação no mundo: experiências de doze países e o caso brasileiro. São Paulo: Paulus; Intervozes, 2009. p. 61.

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audiência na Europa. Somente ao longo da década de 1980 é que há uma paulatina mudança no panorama televisivo europeu, fruto das pressões dos setores empresariais, que gostariam de ter o meio como divulgador de seus produtos. Tal situação é favorecida, pois o setor público passaria a receber a concorrência de redes privadas, além de se abrirem à publicidade, porém com regras rígidas. Ainda assim, Jeanneney afirma que “nos Estados Unidos a idéia de uma emissão do tipo da francesa Apostrophes, destinada a promover os livros e a leitura, é inconcebível.” 41

Uma exceção significativa à regra do modelo exclusivamente público europeu foi a Grã-Bretanha. Não que os ingleses tenham constituído um sistema semelhante ao norte-americano, muito pelo contrário. O modelo televisivo britânico era distinto tanto dos outros países europeus quanto dos Estados Unidos. Ou seja, não era um monopólio público, e tampouco um monopólio comercial. Ocorreu na Grã-Bretanha, desde a década de 1950, a divisão entre os esses dois setores, resultando em um modelo que alguns estudiosos apontam como “a melhor TV do mundo”. 42 Jeanneney também é partidário da ideia de que a Grã-Bretanha foi o país que maior sucesso teve em assegurar um equilíbrio eficaz entre os setores, resultado da combinação entre pragmatismo e imaginação. 43 E nos traz um dado que confirma esse equilíbrio: do ponto de vista da audiência, o setor público, formado por British Broadcasting Company (BBC) 1 e 2 contava com 40% e 10% em 1980, respectivamente. E a única cadeia comercial, a ITV, detinha 50% da audiência. 44

Apesar da Grã-Bretanha se constituir como uma exceção ao sistema de monopólio público instalado em parte do continente europeu, curiosamente, foi em seu território que nasceu a emissora que se transformaria em paradigma mundial de televisão pública. A BBC de Londres iniciou suas transmissões regulares no ano de 1936. Esse status de emissora modelo não foi conquistado por acaso, e algumas características gerais explicam a qualidade da TV pública britânica. A excelência técnica, a facilidade de produção e a aquisição de bons aparelhos, juntamente com a qualidade da equipe responsável pela operação dessas máquinas – a BBC pode contar com um seleto grupo de operadores de câmera e de som. Assim, a preocupação com a qualidade sonora esteve na ordem do dia, aspecto que durante muito tempo não figurou nas outras televisões europeias, voltadas exclusivamente para a imagem, singularidade que era a grande novidade do meio. Um último aspecto importante foi a

41 JEANNENEY, Jean-Noël. op. cit., p. 244.

42 Cf. LEAL FILHO, Laurindo Lalo. A melhor TV do mundo: o modelo britânico de televisão. São Paulo:

Summus, 1997.

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proximidade de setores do mundo cultural britânico, que sempre se mantiveram muito próximo da televisão. 45 A soma desses aspectos, sem dúvida, contribuiu para a qualidade do produto final.

O nascimento da televisão no Brasil, em 1950 com a TV Tupi, gerou muitas expectativas, tanto por parte dos envolvidos diretamente com a emissora, quanto por outros setores sociais curiosos sobre a nova tecnologia. Todavia, não se deve esquecer que o meio surgiu no país sem uma legislação que o regulamentasse, situação comum à Ciência do Direito, de modo geral, os avanços sociais vão sendo incorporados paulatinamente à norma jurídica.

O mesmo aconteceu com o rádio. Apesar de sua primeira transmissão ter sido realizada em 1922, o setor só começou a ser regulamentado uma década depois, por meio de dois decretos, o primeiro de nº 20.047, de 1931, e o de nº 21.111, de 1932, ambos promulgados pelo então presidente Getúlio Vargas. 46

O segundo decreto reconheceu e regulamentou a veiculação de publicidade nas emissoras de rádio, o que ampliou a exploração comercial do meio em relação às iniciativas pioneiras de rádio-clube que dependiam sempre da contribuição periódica dos seus sócios para se manterem no ar. 47 Assim, a exploração comercial passou a ser a regra do meio radiofônico no país, prática que foi estendida à televisão. Apesar do restrito público alcançado pela TV Tupi em 1950, a inauguração da emissora estava cercada de anunciantes e patrocinadores, marcas como as da prata Wolff, lãs Sams do Moinho Santista, Guaraná Champagne Antarctica e Sul-América foram, inclusive, citadas no primeiro discurso de Assis Chateaubriand veiculado por sua emissora. 48

As primeiras medidas legais, por parte do Estado, que visavam a um mínimo de regulação, foram sentidas de forma mais acentuada somente no início da década de 1960. Uma dessas medidas foi a criação, durante o governo Jânio Quadros, do Conselho Nacional de Telecomunicações (CONTEL) pelo Decreto 50.666, de 30 de maio de 1961. 49 O Conselho era formado pelo: diretor do Departamento de Correios e Telégrafos; três membros indicados pelos ministros da Guerra, da Marinha e da Aeronáutica; um membro indicado pelo chefe do

45 JEANNENEY, Jean-Noël. op. cit., p. 246-7.

46 PIERANTI, Octavio Penna. Políticas para a mídia: dos militares ao governo Lula. In: Lua Nova, São Paulo,

68: 2006. p. 96.

47 SANTOS, Moacir José dos. A construção da política brasileira de Telecomunicações (1961 -1967).

Dissertação de Mestrado. Assis: UNESP, 2010. p. 39.

48 BARBOSA, Marialva Carlos. Imaginação televisual e os primórdios da TV no Brasil. In: RIBEIRO, Ana

Paula Goulart; SACRAMENTO, Igor; ROXO, Marco. História da televisão no Brasil. São Paulo: Contexto, 2010. p. 18-19.

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Estado-Maior das Forças Armadas; quatro membros indicados pelos ministros da Justiça e Negócios Interiores, da Educação e Cultura, das Relações Exteriores e da Indústria a Comércio; três representantes dos três maiores partidos políticos, segundo a respectiva representação na Câmara dos Deputados no início da legislatura, indicados pela direção nacional de cada agremiação; e o diretor da empresa pública que tinha a seu cargo a exploração do Sistema Nacional de Telecomunicações. 50

Estavam entre as atribuições do CONTEL: elaborar o Plano Nacional de Telecomunicações; adotar medidas que garantissem a continuidade dos serviços de radiodifusão em caso de cassação ou não-renovação de concessões, autorizações ou permissões; coordenar o desenvolvimento dos serviços públicos de comunicação; fiscalizar o cumprimento de obrigações de concessionários e aplicação das devidas sanções havendo necessidade; estabelecer normas técnicas visando à eficiência dos serviços nacionais de telecomunicação; e por fim, fiscalizar o cumprimento das finalidades e obrigações de programação por parte das emissoras de radiodifusão. 51

Apesar da criação do CONTEL, somente no ano seguinte seria criado um marco regulatório definitivo para televisão. O Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT) regulamentou não somente os serviços de radiodifusão (rádio e TV) como também os de comunicação ponto a ponto (telefonia). A criação do CBT foi cercada de interesses e pressões, por parte do Poder Executivo, dos empresários do setor e dos militares. Ao final a batalha foi vencida por militares e empresários, que graças à pressão exercida junto ao Congresso Nacional conseguiram derrubar, em uma só noite, 52 vetos do então presidente João Goulart. “Os vetos derrubados referiam-se exatamente aos artigos que restringiam as prerrogativas do Executivo no que diz respeito a fiscalização e a punição das emissoras.” Gerando, consequentemente, “a total ausência de mecanismos capazes de coibir os eventuais abusos no crescimento verticalizado da área” e na formação de monopólios. 52

A história do marco regulatório para as comunicações nasceu, ainda na década de 1940, já sob forte influência empresarial. Foram os radiodifusores brasileiros que, a partir de 1947, deram início à tramitação no Congresso Nacional de um projeto de Código Nacional de Radiodifusão capaz de ordenar juridicamente o sistema de estações de rádio. Os empresários

50 SIMÕES, Cassiano Ferreira; MATTOS, Fernando. Elementos histórico-regulatórios da televisão brasileira. In:

BRITTOS, Valério Cruz; BOLAÑO, César Ricardo Siqueira (orgs.). Rede Globo: 40 anos de poder e hegemonia. São Paulo: Paulus, 2005. p. 40

51 RAMOS, Murilo César. Crítica do ambiente político-regulatório da comunicação social eletrônica brasileira:

fragmentação política e dispersão regulamentar. In: ROMÃO, José Eduardo Elias et. al. (orgs.). Classificação indicativa no Brasil: desafios e perspectivas. Brasília: Secretaria Nacional de Justiça, 2006. p. 54.

52 PALHA, Cássia R. Louro. A Rede Globo e o seu Repórter: imagens políticas de Teodorico a Cardoso. Tese de

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