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Instituições psicanalíticas: uma política de avestruz?.

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Academic year: 2017

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Psicanalista, sócia do Círculo Psicanalítico de Pernam buco, sócia do Centro de Pesquisa em Psicanálise e Linguagem -CPPL.

INSTITUIÇÕES PS ICANALÍTICAS:

UMA POLÍTICA DE AVESTRUZ?

1

Pa u lin a Sch m id tb a u e r Roch a

RESUMO: Este trabalho aponta questões que consideram os

funda-m entais para a constituição de instituições psicanalíticas funda-m ais de-m ocráticas e fraternas, capazes de sustentar a vocação crítica da psi-canálise e sua m arca de subversão em prol da hum anidade. Refleti-m os sobre suas Refleti-m arcas históricas e seus desdobraRefleti-m entos políticos, destacando que não se trata m ais de colocar a instituição com o um m al necessário para a form ação e transm issão da psicanálise. É ne-cessário, ao contrário, vê-la com o um a das possíveis escolhas para pen sar o h om em e su as circu n stân cias n a con tem poran eidade. O que, por sua vez, im plica em responsabilidades indelegáveis de cada um que se reconhece com o psicanalista e quer pertencer à pólis psicanalítica.

Pa la vra s - c h a ve s : in stitu ição psican alítica, política, con tem

pora-n eid ad e.

ABSTRACT: Psych oan alytical In stitu tion s: ostr ich politics? Th is

paper points to questions considered fundam ental for the consti-tution of m ore dem ocratic and fraternal psychoanalytical institu-tions. These should be capable of preserving the critical vocation of psychoanalysis as w ell as its subversive character on behalf of hum anity. The author reflects on the historical m arks and political developm ents of the psychoanalytical institution, em phasizing that it should no longer be seen as a necessary evil for training psycho-analysts and transm itting psychoanalysis. Rather, it should be con-sidered as one of several possible alternatives for thinking about m an and his contem porary circum stances. This in turn im plies non-delegable responsibilities that m ust be acknow ledged by all psy-choanalysts w ho w ish to belong to the psychoanalytical polis. Ke y w o rds : psychoanalytical institution; politics; contem poraneity.

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O

que falarei sobre a instituição psicanalítica foi construído por m eio das conversas e leituras com aqueles que constituem a rede de interlocuções que cham aria “a m inha fratria” a partir da qual posso falar em nom e próprio,2

da m inha experiência e das m inhas idéias sobre essa espinhosa questão que nos reúne aqui em Paris, neste auditório da Sorbonne.

Hoje, entendo a convocação de René Major para os Estados Gerais da Psica-nálise de form a diferente do que a entendi há dois anos, quando tom ei conhe-cim ento dela e do que a provocou, através do próprio Major. A idéia havia nascido em Paris no m om ento em que se levantou para discussão um a situação em blem ática dos percalços da instituição psicanalítica que sugiro não se cham e m ais “caso Am ilcar Lobo”, m as “caso Helena Vianna”, ou “caso Lebovici”, ou “caso todas as Diretorias da IPA”.

A convocação dos Estados Gerais da Psicanálise, m esm o que abrangente e m obilizadora de tem as relevan tes para a psican álise e para os psican alistas neste final de século, desde que tornada pública no m om ento do lançam ento do livro de Helena Vianna em Paris, tam bém pôs em cena oquestionam ento da IPA, enquanto instituição que reivindica a posição de legítim a herdeira da causa psican alítica.

A resposta à convocação foi significativa: além de um grande núm ero de trabalhos terem sido enviados; de muitos psicanalistas assinarem a idéia; e num movimento, o que se poderia chamar de “uma certa fratria” criada entre os futuros participantes, um grande entusiasmo foi demonstrado no uso de site na Internet, nos encontros, enfim , em tudo que ecoou de form a interessante e produtiva.

A princípio, tudo isso m e fez crer que teríam os um a quantidade tam bém expressiva de trabalhos sobre a instituição psicanalítica. Mas, ao receber o pro-gram a oficial dos Estados Gerais, constatei, surpresa, que, de longe, a clínica psicanalítica bateu o recorde do número de trabalhos, o que anuncia onde se en-contra a força e ao m esm o tem po a problem ática da psicanálise na atualidade. Então o que de fato urge é um debate am plo e irrestrito sobre a clínica psicanalítica. Estariam as “Quartas-feiras de Viena” de volta à m oda francesa? Aquilo que os en tu siastas do prim eiro tem po da psican álise se propu seram a fazer, agora ao som da M arseillaise? Além disso, convém lem brar a convocação dos Estados Gerais latino-am ericanos que com eçava assim : “Nós, os psicanalistas brasileiros, baian os, pau psicanalistas, cariocas, m in eiros, h ú n garos, pern am -b u can os, parai-ban os, italian os, gaú ch os, croatas, argen tin os, catarin en ses, paran aen ses… p r ecisam o s p en sar com u rgên cia sobre a n ossa clín ica n a

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contem poraneidade.” Esta é a nossa questão: nosso ponto de encontro, a nossa busca, o nosso ponto de partida.

Antes de quaisquer outras reflexões, vou trazer à cena três fatos recentes para avançar nas m inhas idéias.

Há m ais oum enos dois m eses, os jornais noticiaram que duas garotas espa-n h olas m ataram u m a colega de escola, escolh ida para ser a vítim a por ser calm a e crédula, sendo assim m ais fácil de ser executada. As adolescentes con-fessaram que com eteram o assassinato para se tornarem fam osas e garantirem para si a celebridade em todas as tevês do m undo inteiro.

Em 1997, um grupo de jovens artistas recifenses instalou-se em Olinda, cidade barroca, berço de Pernam buco, fundando o que batizaram de MAP —

Movim ento Autista Pernam bucano. Era um a sociedade deautodenom inados

“ar-tistas-autistas”, que resolviam adotar o “autism o” com o m odo de vida. Segun-do eles, o que m ais gostavam de fazer era “autistar” — um verbo inventaSegun-do por eles para significar: não pensar em nada, não se com unicar, falar sem nexo, evitar o olhar dos outros, não ligar para os outrosetc.

Em junho, deste ano, Sandro, um jovem sobrevivente da chacina da Candelária, foi astro durante quatro horas em todos os canais da tevê brasileira, tevê a cabo e Internet do m undo inteiro, num show de selfm ade- m an, ao vivo, antes de ser m orto pela polícia carioca, no furgão que, em princípio, devia tê-lo levado ao hospital. Esse jovem de 19 anos, que aos 13 presenciou o assassinato da m ãe e da irm ã e daí em diante viveu na rua, m orando em baixo da ponte com sua nam orada, drogado, estava em busca de um a oportunidade, com vontade de deixar a droga. Na falta de um a oportunidade da qual precisava tanto, tentou produzi-la seqüestrando um ônibus e pedindo com o resgate m il reais, duas pistolas e duas granadas. Ou seja, um passaporte para o nada.

NOSSA CLÍNICA PSICANALÍTICA TEM ALGO A DIZER SOBRE ISSO?

O m undo m udou, nessas últim as décadas, de form a radical e assustadora. Hoje, cada indivíduo está subm etido a dois cam pos de força. Por um lado, a exigência de perform ance: sem pre estar no topo da lista, ganhar, sem pre se superar, so-bretudo superar os outros e, se possível, transm itido via satélite. De outro lado, a exigência da m esm ice: tudo sem pre igual garantindo, com o o em blem ático Mc Donald’s, que nada m udará e tudo será sem pre a m esm a coisa, garantida-m ente fagarantida-m iliar ( BECK, GIDDENS &agarantida-mp; LASH, 1997) .

O sujeito contem porâneo, a serviço da sua perform ance, autocentrado e esteticam ente correto, está pronto para aparecer sob as luzes da ribalta na pri-m eira oportunidade.

Recentem ente, vi as reproduções de um artista plástico que passou a vida

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diferen-ça entre um e outro era, apenas, os som breados que a seqüência dos núm eros produzia. Assim , ele se subjetivava na m esm ice, de m odo singular; ninguém parecido antes, nem depois. Apenas ele, e só ele, através de um só elem ento. Pode haver um m odo m ais estranho de subjetivação?

Birm an ( 1999) bem que apontou que o sujeito contem porâneo está parado-xalm ente conjugando o autocentram ento e a exterioridade, perdendo nesse jogo a interioridade. A cultura do espetáculo produz, com o no caso das garotas espa-nholas, um a violência sem objeto, em que o ato não está regido pelo ódio, por vingança ou pela satisfação em relação a um outro. Está, tão som ente, no uso do ou tro a ser viço de u m desejo dir igido apen as a si m esm o. Um m odo de subjetivação que im possibilita a intersubjetividade, m as que corresponde, no entanto, aos valores da cultura do espetáculo.

Os nossos artistas-autistas olindenses, por seu lado, pareciam estar na con-tram ão dessa cultura do espetáculo. No entanto, seu suposto acordo sobre um m odo de vida “autista”, fala de um a im possibilidade de estar com outro, da recusa do outro com o m odo de viver. Isolam ento e indiferença, a radical ex-pressão do individualism o.

A violência que resulta desses estranhos m odos de subjetivação é sem pre de ordem pública, só assim terá conteúdo, na possibilidade de tornar-se objeto de observadores.

Os exem plos citados das tragédiasda vida cotidiana deste fim de século XX

falam por si m esm os. Aliás, ressoariam de m odo insuportável, caso tivéssem os tem po para o ócio, tem po para pensar.

A psicopatologia da vida cotidiana contem porânea não dispensa o social e tam pouco os analistas se podem furtar à vocação da psicanálise: a crítica à m odernidade. Os 60 trabalhos aqui apresentados, provam isso. Um a árdua tare-fa d e reto m ar, reto r n ar, inven tar, o u sar e, m ais ain d a, sair d as trevas d o fundam entalism o, do sectarism o, dos dialetos, das indiferenças e legitim idades ultrajadas, para se dar conta de que, afinal, tem os novos óculos para olhar o h o m em e as su as circu n stân cias. Acab aram o s tem p o s d as estr u tu ras, d o intrapsíquico, dos aparelhos psiquícos, da hegem onia do Édipo, do determ inism o, em sum a, dos conceitos universalizantes. Nem m ais “só OMO lava m ais branco em qualquer parte do m undo”; som os apenas nós e nosso desam paro, m uito hum or e um a leve esperança de que valeu a pena gastar tantos neurônios (

espe-cialm ente para um am ulher que já os tem em m enor quantidade: quatro m

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ONDE PRODUZIR ESSE CONHECIMENTO?

NAS INSTITUIÇÕES PSICANALÍTICAS?

Afinal, este é o m eu assunto de hoje. Já se falou tanto, já se escreveu tanto, que às vezes sinto um cansaço por ter nos últim os 30 anos, trabalhado intensam ente nas instituições e nos últim os 25, no Círculo Psicanalítico de Pernam buco — CPP, onde sou sócia por escolha. Ao longo desses anos assum i o m eu direito e responsabilidade para com o exercício institucional que é indelegável. Construí filiações teóricas, procurei e procuro interlocutores com quem m anter o espaço do diálogo. Minha prática psicanalítica institucional e particular é lugar de descoberta, de levar susto, de am argar, de rir e de ter m uita paciência. Mas, com o tenho o exem plo de Winnicott que só “queria sobreviver, ficar acordado e em boas condições”, m e dou por satisfeita. As escritas, escassas, são lugar da dura tarefa de subjetivação do ser analista onde estou de vez em quando.

Isso dito, podem os conversar sobre as instituições e suas vicissitudes na contem poraneidade.

Olhando o m apa globalizado da psicanálise, a Associação Internacional de Psicanálise — IPA se revela com o um a grande organização transnacional, um a m egacorporação, seguida pela grande corporação lacaniana. Enquanto a pri-m eira se define copri-m o herdeira legítipri-m a do legado freudiano, a segunda desig-na-se pelo nom e do m estre.

Noutros pontos do m apa estão instituições com o o CPP, pequenas ou gran-des, m as sem pre em lugares m arcados por outras significações. Não tendo a segurança da herança ou da palavra do m estre para firm ar sua identidade, res-tou-lhes a inevitável busca de soluções provisórias para suas identificações. Puderam escapar à paralisação dos m ecanism os da lógica identitária, criando opções de saída do narcisism o das pequenas diferenças. Não se tem garantia de saída, m as tem -se a possibilidade de perceber, m ais rapidam ente, as arm adilhas da burocratização ou as tentativas de instalar as hegem onias de pensam ento ou de poder.

Ao observar os posicionam entos das instituições psicanalíticas em relação à form ação, identificam os três grupos: as instituições cuja finalidade é a form a-ção psicanalítica; as instituições cuja form aa-ção está fora nos institutos, fóruns, ou sim ilares e as instituições em que a form ação de psicanalistas é um a das atividades institucionais, m as não sua principal finalidade.

Será que hoje se poderiaultrapassar o legado freudiano trilhando o cam inho

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Muitos, hoje, escolhem ficar fora das instituições psicanalíticas ou se jun-tam em agrupam entos “inform ais”, tentando não só se protegerem da “m alig-nidade” institucional, m as exercerem de form a m ais digna o seu ofício de psi-can alista.

Conheço grupos de psicanalistas que se reúnem para discutir a clínica com regularidade e cada um constrói suas filiações teóricas e sua pertinência à pólis psicanalítica. Fazem -se reconhecer e atuam , contribuem para o m ovim ento psi-canalítico de form a significativa. Esses psicanalistas não negam suas filiações, trabalham m uito para constituí-las, confrontam -se com a solidão do psicana-lista, com a falta de garantias no seu trabalho psicanalítico.

Fazer form ação fora de um a instituição psicanalítica é um a das soluções

possíveis, m as não é m inha escolha. De fato m inha escolha é institucional e

recai sobre um a instituição com o o Círculo, “um a instituição pequena, porém decente” .

Escolhas são m últiplas, cada um de nós já achou aquela que m elhor lhe convém e assum iu a responsabilidade desta decisão. Essa m e parece indelegável. Considero, assim , que a instituição psicanalítica hoje não pode ser pensada e encarada com o um “m al necessário”, bem ao contrário, ela torna-se escolha e responsabilidade de cada um que a ela pertence.

Term inaram as possibilidades de um a vida regulada por certezas e garantias que as sociedades tradicionais, reguladas pela religião e pela teologia, ofere-ciam . A derrocada dos ideais onipotentes deixou os hom ens e as m ulheres, os psicanalistas tam bém , com o que entregues à própria sorte. Tendo que dar conta da sua vida e do seu futuro, do seu reconhecim ento pela pólis psicanalítica, o psicanalista estará às voltas com o desam paro, conceito que fala, por excelên-cia, da condição do sujeito m oderno. É assim , com o tantos outros, um sujeito sem garantias e sem certezas asseguradas, cuja existência depende de um esfor-ço contínuo de criação e produção de sentidos.

Podem os relem brar que o sujeito freudiano, num prim eiro m om ento, per-dia o am paro da tradição, m as continuava am parado por um a prom essa de cura para o seu m al estar e de harm onia com os ideais civilizatórios. Essa concepção da psicanálise tinha o tom salvador e assegurador, conservado até hoje em alguns discursos. No entanto, o sujeito do segundo tem po freudiano é m arcado pelo desam paro de m odo radical, precisando desenvolver m eios para fazer face ao trabalho incessante im posto ao psiquism o pela força pulsional e por seus efeitos traum áticos.

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O desam paro, sinal ostensivo da fragilidade hum ana, é um m arco da expe-riência contem porânea. Num m undo sem garantias e sem certezas asseguradas,

a existênciatorna-se para o sujeito um a aventura de riscos insuportáveis e as

soluções construídas para enfrentar o m al estar, sem pre provisórias, não elim i-nam a am eaça do desam paro.

Du as saídas para a an gú stia fren te ao desam paro propostas por Birm an ( 1 9 9 9 ) falam , tam bém , das posições possíveis qu e os an alistas ocu pam n a in stitu ição psican alítica: o m asoqu ism o, opção pela su bm issão, u m a “ m o-dalidade de su bjetivação m edian te a qu al o su jeito se su bm ete ao ou tro de m an eira ser vil, seja de fo r m a volu n tár ia ou involu n tár ia, pou co im porta, para fu gir ao h or ror do desam paro ( p. 1 3 2 ) ; ea su blim ação, u m a fo rm a de gestão d o d esam p aro p ela “ tessitu ra d e laço s so ciais e p ela p ro d u ção d e obras n o cam po desses laços” ( p. 1 3 2 ) . Poderia levan tar a h ipótese de qu e os psican alistas n as in stitu ições psican alíticas ou fora delas terão u m traba-lh o in cessan te p ara d ar co n ta d o m al estar, in cu rável, cr iad o p ela ten são perm an en te en tre a clín ica ( sin gu lar e im previsível) e a teoria ( u n iversali-zan te e previsível) .

Se é verdade, que “a psicanálise nasceu com o um saber da m odernidadee

que “a hipótese do inconsciente foi produzida na quebra do discurso da tradi-ção” tam bém é verdade que,

“até 1915-20 tinha m ais realce, no discurso de Freud, um projeto científico para a psicanálise, sustentado na crença de que a ciência poderia prom over o desenvol-vim ento e o progresso do espírito hum ano. Em sua proposta clínica havia, subjacente,

um a prom essa de cura e de resolução para os im passes existentes entre o sujeito e a cultura. Perm aneciam , assim , em seu pensam ento, os ideais da m odernidade ilum inista.” ( CAVALCANTI; CARDOSO & ROCHA, 2000)

Assim , as m arcas das instituições psicanalíticas foram construídas bem an-tes d o s an o s 2 0 , q u an d o o p ro jeto d a p sican álise en q u an to ciên cia d o determ inism o psíquico estava em voga. Freud sustentava os ideais universalistas, até então m ais fortes em seu pensam ento.

Entendo que, com a form ulação do conceito de pulsão de m orte, Freud ( 1920/ 1974) colocou em questão o projeto que tinha para a psicanálise, con-fro n to u -se co m o s lim ites d e u m a m etap sico lo gia cen trad a n u m m o d elo representacional e form ulou a autonom ia da força pulsional em relação ao cam p o d a r ep r esen tação , p o n d o em evid ên cia n o d iscu r so o lu gar d o indeterm inado, do im previsível e doirrepresentável.

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O que não aconteceu. E m uito m enos, nas práticas das sociedades psicanalíticas, quaisquer que sejam suas filiações teóricas.

Só podem os supor a possibilidade de construir instituições m ais fraternas e dem ocráticas e, sim ultaneam ente, m ais produtivas e criativas, se tom arm os com o referência esse pensam ento tardio de Freud.

As m arcas das instituições psicanalíticas que perm anecem até hoje, no en-tanto, foram constituídas no inicio, antes de 1920. O fato de que a instituição psicanalítica ficou sob o signo de preservação do estabelecido, sistematizado, guardiã do legado freudiano m e parece ser um a das razões pelas quais a reflexão sobre a clínica na contem poraneidade não é feita pelas sociedades psicanalíticas.

Vale a pena lançar um rápido olhar na história do m ovim ento psicanalítico e nos percalços das suas prim eiras instituições.

Não podem os esquecer que, se Freud fala tanto da sua solidão no início, nos tem pos das prim eiras form ulações revolucionárias, no futuro lem brará esses prim eiros tem pos com um a saudade de paraíso perdido. A diferença, com certe-za, foi dada pela fu n dação da sociedade psican alítica. Podem os até im agin ar qu e Freu d alm ejava assegu rar u m prim eiro núcleo, que lideraria o m ovim en-to psicanalítico e que daria continuidade à psicanálise, quando distribuiu os anéis aos colaboradores que julgava m ais próxim os e provavelm ente m ais con-tundentes na defesa do seu sonho. Foi assim , ao m enos, que Jones ( 1989) nos conta na sua biografia de Freu d. A idéia veio de Feren czi, n o en tan to foi o própr io Jon es qu em se en car regou de ap resen tá-la a Freu d. A proposta res-pondia, de fato, às crescentes preocupações de Freud com sua m orte e com a ausência de garantia para as su as descobertas, o qu e lh e tirava n oites de son o. Freu d, n o en tan to, estava tam bém m u ito preocupado com o reconhecim ento social da psicanálise e queria validar por este cam inho a sua descoberta. Nesse

pacto, fundado na busca de proteção e de recon h ecim en to social, pôs em

risco a vocação crítica da psican álise em relação à sociedade, à m odern idade e, sobretu do, su a tão decan tada qu alidade: a su bversão. E isso contribuiu, dentro e fora das instituiçõ es, p ara q u e a p sican álise d eixasse d e ser u m a verdade possível en tre ou tras, um a verdade provisória e assum isse o “ar de um a verdade revelada”.

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As grandes instituições psicanalíticas com o peso do legado de Freud, ou com as sagradas escrituras de Lacan, ou com os batalhões convictos de Melanie Klein entraram em pueris debates, durante vários anos, sobre quem detém a verdadeira psicanálise.

Apesar da pulverização das sociedades psicanalíticas que assistim os nessas últim as duas décadas, a som bra da “prim ogênita” continua presente, com o se ao longo desses anos todos ela fosse um paradigm a em relação ao qual deve-riam todas as outras se constituírem : quer sejam m ais conservadoras que a própria para se legitim ar, quer sejam constituídas em negativo, para se diferen-ciarem , acabam sem pre tendo com o referência, aquela, constituída por Freud. Parece que nosso destino é refazer sem pre a roda dos anéis, com o na brincadei-ra de criança.

Não seria, então, a repetição desse pacto defensivo que estaria im pedindo que as instituições incorporem , no seu cotidiano, as questões sociais e políticas que afetam a clínica?

Os trabalhos trazidos para os Estados Gerais apontam com o essas questões têm im pregnado a reflexão clínica de cada analista individualm ente. Por que, então, estas questões perm anecem fora da reflexão sobre a instituição e na instituição?

Os prim eiros analistas ao redor de Freud — que continuam os a cham ar candidam ente os prim eiros discípulos de Freud, quase os prim eiros apóstolos — form aram o Com itê para Freud e com Freud e a favor da psicanálise, incor-porando a m issão de guardiões do legado freudiano e da causa psicanalítica. E não por acaso.

A prim eira sociedade que, de fato, tinha com o único objetivo reunir as pessoas interessadas em psicanálise, para estudo e discussões clínicas, foi dis-so lvid a p elo p ró p rio Freu d em 1 9 0 9 . Parece q u e a co m p etição en tre o s freqüentadores das “Quartas-feiras” tornou-se insuportável, o que seria bastan-te com preensível a partir da leitura do Totem e tabu ( 1 9 1 3 / 1 9 7 4 ).

A instituição inventada para substituí-la — Associação Internacional de Psi-canálise — tinha o objetivo político de sair de Viena e de apresentar a psicaná-lise com o um a ciência não judaica, sob a presidência de Jung. Fracassou.

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Durante esses cem anos, os psicanalistas viram -se m uitas vezes em apuros, quer pelas exigências da própria clínica que não m ais cabia nos postulados teóricos, quer pelas próprias form ulações teóricas que não se alinhavavam con-venientem ente com os conceitos estabelecidos. Sem se darem conta de que a clínica havia m udado — com o m udava o m undo, porque afinal estam os cui-dando de hom ens e m ulheres nas suas circunstâncias... — pensaram que os dissabores pelos quais passavam seriam resolvidos com m ais psicanálise, “boas” psicanálises, m ais supervisões, m elhores supervisores, m ais controle, m ais po-der in stitu cion al. E assim tran sform aram cada vez m ais as in stitu ições em autarquias hierarquizadas e burocráticas. Quando se trilha esse cam inho, esca-m oteiaesca-m -se as iesca-m possibilidades, as liesca-m itações, o inacabado, o interesca-m inável, m atéria-prim a da psicanálise e, portanto, da vida institucional.

Quando um a sociedade psicanalítica pretende regular a form ação a um ní-vel tão detalhado que as regras instituídas sejam sem pre as m esm as onde quer que esteja a sociedade, ela está se com portando com o qualquer corporação industrial que padroniza seu processo produtivo. Padronizar a form ação seria construir um a espécie de Mc Donald’s da psicanálise: não im porta onde esteja um Mc Donald’s, os ham búrgueres se fazem de m odo exatam ente igual, em bora seja espeborado que se perceba existir um a m ínim a diferença entre um ham -búrguer e um psicanalista.

Ao longo da história das instituições psicanalíticas, as tentativas feitas por elas para viverem fechadas no seu m undo, sem inserção social, parecem revelar todo o equívoco dessa posição. A expulsão dos psicanalistas judeus em 1932 da sociedade berlinense denuncia o com prom isso e as injunções do Estado nazista nas instituições psicanalíticas.

Ao longo desses cem anos de sonhos, iniciados com o sonho do fundador da psicanálise de que um dia a sua descoberta seria reconhecida socialm ente e institucionalm ente e que adiou a publicação do seu livro sobre os sonhos — paradigm a do trabalho psicanalítico — para m arcar-lhe o aparecim ento com o início do século e para m arcar o século com a sua Erótica, os psicanalistas acharam as m ais variadas soluções para se agruparem , para trabalharem e con-tinuarem , dentro do m étodo psicanalítico; abrindo novos horizontes no conhe-cim ento da psiquê hum ana em prol de dim inuir-lhe o sofrim ento.

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de Helena Vianna e a luta política teórica dos vários analistas brasileiros, argen-tinos e uruguaios que recuperaram o espírito subversivo e a vocação crítica da psicanálise em relação à contem poraneidade.

Vejo que as instituições psicanalíticas podem ser interessantes na m edida que guardam tam bém vários traços da transm issão tradicional e um a clara e expressa necessidade de se pensar vários aspectos de um a disciplina, na sua práxis, na sua teoria, no seu socius, na sua política.

Para concluir, quero reafirm ar m inha esperança de que saindo da sua “po-lítica de avestruz” a instituição psicanalítica possa ter um papel sociopolítico im portante no m undo de hoje, à m edida que puder tom ar a clínica social da

contem poraneidade com oseu ponto de encontro e partida. E quem sabe

consti-tua-se com o oficinas de subjetivações e des/ subjetivações, organizando-se em m odos de gestão m ais fraternas e conseqüentem ente m ais dem ocráticas, no respeito aos interesses coletivos e individuais.

Recebido em 10/ 8/ 2000. Aceito em 15/ 9/ 2000.

BIBLIOGRAFIA

BIRMAN, J., O m al estar na atualidade: a psicanálise e as novas form as de subjetivação, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1999.

CAVALCANTI, A. E.; CARDOSO, C. & ROCHA, P. S. “ Reflexõ es so b re a instituição psicanalítica na contem poraneidade” , in KHEL, M.R. Função fraterna, Rio de Janeiro, Relum e Dum ará, 2000.

FREUD, S. “ Totem e tabu” , in Obras com pletas, v. XIII, Rio de Janeiro, Im ago, 1974.

. “ Psicologia de gr upo e análise do ego” , 1920 v. XVIII, p. 63-136. . “ O m al estar na civilização” , 1930 v. XXI, p. 57-140.

JONES, E. Vida e obra de Sigm und Freud, Rio de Janeiro, Im ago,1989. TODOROV, T. Em face do extrem o, São Paulo, Papirus, 1995.

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