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Elementos para a elaboração de um projeto de promoção à saúde e desenvolvimento dos adolescentes: o olhar dos adolescentes.

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Academic year: 2017

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Elementos para a elaboração de um projeto

de promoção à saúde e desenvolvimento

dos adolescentes – o olhar dos adolescentes

Tools for planning a project to promote

adolescent health and development:

the adolescents’ perspective

1 Cen tro de Orien tação M éd ico-Psico-Ped agógica, Secretaria d e Saú d e d o Distrito Fed eral. SM HN Qu ad ra 3, Con ju n to A, Bloco 1, Brasília, DF 70707-700, Brasil. gilm u z a@lin k ex p ress.com .br 2 Departam en to de Saú de Coletiva, Facu ld ad e d e Ciên cias d a Saú d e, Un iversid ad e d e Brasília. Cam p u s Un iversitário, Asa N orte, Área Esp ecial. m arisap @lin k ex p ress.com .br Gilson M aestrin i Mu z a 1 M arisa Pacin i Costa 2

Abstract Th is qu alitative stu d y w as d evelop ed w ith low -in com e teen age stu d en ts from ou tlyin g cities arou n d th e Fed eral District, Braz il. Th e m ain objective w as to id en tify th eir op in ion s, feel-in gs, a n d feel-in form a t ion con cern feel-in g t h e com m u n it y’s rea lit y feel-in ord er t o im p lem en t a p roject t o p rom ote h ealth care in th is age grou p. A focal grou p tech n iqu e w as u sed to collect d ata. Tw o fo-cal grou p s of ad olescen ts 13 to 17 years old w ere con d u cted . Resu ltin g d ata w ere su bm itted to d e-scrip tive an alysis. Accord in g to th e fin d in gs, ad olescen ts h ave lim ited op p ortu n ities to en gage in leisu re activities. Problem s in th e com m u n ity in clu d e lack of secu rity, u n avoid able con tact w ith violen ce, an d d ru g abu se. Ad olescen ts u n d erstan d th at su ch p roblem s are d u e to th e absen ce of an ap p rop riate social con tex t. Th ey also h igh ligh t d ifficu lties in establish in g h ealth y in terp er-son al relation sh ip s w ith in th eir fam ilies. Th eir first feelin g is on e of d isem p ow erm en t in d ealin g w it h p rev a ilin g con d it ion s, b u t t h ey a lso sh ow w illin gn ess t o b ecom e in v olv ed in com m u n it y w ork .

Key words Ad olescen ce; Health Prom otion ; Livin g Con d ition s

Resumo Trata-se d e u m estu d o qu e bu sca ap reen d er as op in iões, sen tim en tos e saberes d os ad o-lescen tes escolares sobre a realid ad e vivid a n as su as com u n id ad es, com o p rop ósito d e im p lan tar u m p rojeto d e p rom oção à saú d e. Foi realiz ad o u m estu d o qu alitativo com ad olescen tes escola-res d e d u as cid ad es-satélites d o Distrito Fed eral, Brasil. A coleta d e d ad os foi con d u z id a com a técn ica d o gru p o focal. Foram realiz ad os d ois gru p os focais com ad olescen tes com id ad e 13 e 17 an os e os d ad os foram su bm etid os a u m a an álise d escritiva. Os resu ltad os m ostram qu e p ara es-ses a d olescen t es a s ocu p a ções d o t em p o liv re sã o esca ssa s. A fa lt a d e segu ra n ça e a in ev it á v el con vivên cia com a violên cia, assim com o, a d issem in ação d o u so abu sivo d e d rogas são algu n s d os p roblem as qu e en fren tam n a com u n id ad e. Os ad olescen tes en ten d em qu e a d eterm in ação d os p roblem as com os qu ais con vivem su sten ta-se n a in ex istên cia d e u m con tex to social m in m am en te ad equ ad o e n as d ificu ld ad es d e estabelecim en to d e relações in terp essoais in trafam i-liares sau d áveis. Qu an d o se trata d o en fren tam en to d as con d ições atu ais, o p rim eiro sen tim en to qu e em erge é d e im p otên cia, m as m ostram ain d a algu m a d isp osição d e en volvim en to com o tra-balh o com u n itário.

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Introdução

Estima-se que para o ano 2000, no Distrito Fe-deral, o número de adolescentes – indivíduos com idade entre 10 e 19 anos – chegue próximo dos 450.000, cerca de 21% da população (IBGE, 1994). Apesar da expressividade dos números, os adolescentes geram uma baixa demanda nos serviços de saúde, pois ainda figuram co-mo o grupo etário mais sadio quando compa-rados com os demais grupos populacionais (Travassos & Lebrão, 1998). Além disso, os jo-vens mostram uma elevada resistência a uma aproximação com as instituições de saúde, ao mesmo tempo que as instituições de saúde têm dificuldade em acolher os adolescentes que a procuram. Como conseqüência dessa baixa de-manda, os adolescentes têm recebido pouca atenção das políticas públicas de saúde.

Quando se trata de patologias centradas no corpo físico, a rede pública de saúde possui re-cursos humanos e equipamentos para oferecer uma assistência adequada (Muza et al., 1997). Há, no entanto, um grupo importante de ado-lescentes cuja demanda centra-se em temas re-lacionados com as questões sócio-emocionais. Em sua maioria são eventos associados à ex-pressão da sexualidade ou surgem como conse-qüência do envolvimento com situações rela-cionadas à violência e ao uso e abuso de subs-tâncias psicoativas. Indicadores de saúde reve-lam que esses fenômenos são mais prevalentes entre os adolescentes de populações de baixa renda (SES-DF, 1998). Além disso, há um claro consenso entre os profissionais de saúde que os agravos relacionados a esses eventos são bas-tante complexos e não existem na rede de saúde do Distrito Federal equipamentos nem recursos humanos suficientes para assistir à população de adolescentes com demandas relacionadas a essas questões. Ao mesmo tempo, reconhece-se há muito que a melhor forma de enfrentar esses agravos é a promoção da saúde dos adolescentes. Promover a saúde tem por pauta a atenção ao desenvolvimento integral, contemplando: o cuidado com a qualidade das relações inter-pessoais; um aporte nutricional balanceado; boas condições de moradia e acesso aos servi-ços de saúde; o acesso à informação e à educa-ção formal ou profissionalizante; e a prática de esportes e lazer para um bom desenvolvimen-to físico, emocional, intelectual e social.

O objetivo desse estudo é buscar informa-ções com o propósito de orientar a elaboração de um projeto de promoção à saúde e desen-volvimento do adolescente, dentro do Progra-ma de Saúde da Família (PSF) em duas comu-nidades de baixa renda do Distrito Federal.

Metodologia

A escolha do método

Ao propor uma ação de promoção à saúde do adolescente na comunidade, a responsabilida-de responsabilida-de execução, no âmbito da saúresponsabilida-de, recai so-bre as equipes de ações básicas. Admite-se que três grupos são importantes na compreensão dos elementos associados a uma proposta des-sa natureza: as famílias com adolescentes, os profissionais de saúde da família e os próprios adolescentes. Quando se trata de uma propos-ta de elaboração de ações de promoção à saú-de, é fundamental uma aproximação com os conteúdos subjetivos dos atores sociais envol-vidos. Primeiro, como forma de alcançar as im-pressões, opiniões, sentimentos e saberes dos diferentes grupos; depois, porque interessa co-nhecer quais os recursos e as dificuldades de cada um desses segmentos (pais, adolescentes e profissionais) em promover a saúde dos ado-lescentes na comunidade. A nosso ver a pes-quisa qualitativa melhor instrumentaliza no desvendamento dessas questões.

Do repertório de procedimentos de pesqui-sa qualitativa, utilizou-se na condução deste estudo a técnica do grupo focal (Minayo, 1994; Carlini-Cotrin, 1996).

Operacionalização do grupo focal

Como estratégia de operacionalização do gru-po focal identificamos informantes-chave (mí-nimo de seis e máximo de 14 pessoas) em cada grupo alvo das duas comunidades. O primeiro passo consistiu na identificação da escola re-presentativa de cada comunidade. Em seguida, verificaram-se as salas que continham alunos dentro da faixa etária que compreende a ado-lescência. Nesse momento foi solicitado ao professor regente que selecionasse, com a aju-da dos próprios adolescentes, cerca de dez alu-nos para participarem de uma atividade em grupo com temas relacionados à família, ado-lescência e saúde. Recomendou-se que dessem preferência àqueles que mostrassem menos inibição e maior disposição em participar de uma atividade em grupo. Os encontros ocorre-ram em uma sala disponibilizada pela própria escola, com garantia de conforto e privacidade para o grupo.

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a apresentação dos participantes; (2) o aqueci-mento, utilizando uma técnica de dinâmica de grupo; e (3) a produção de conhecimento pro-priamente dita, seguindo um roteiro previa-mente elaborado. O roteiro de entrevista com-punha-se de cinco questões, a saber: (1) Co-mo os adolescentes ocupam o tempo livre? (2) Quais as principais dificuldades dos adoles-centes? (3) Por que acontecem esses proble-mas? (4) Como esses problemas podem ser en-frentados? (5) O que vocês podem fazer? Ao fi-nal dos encontros, as fitas gravadas e as anota-ções feitas pelo observador e pelo diretor do grupo focal serviram de base para a análise e apresentação dos resultados.

O grupo focal com adolescentes

Os grupos focais com adolescentes foram for-mados valendo-se de algumas visitas a duas es-colas nas comunidades de Sobradinho II e São Sebastião. Catorze adolescentes com idade en-tre 13 e 15 anos, de ambos os sexos, formaram o grupo de Sobradinho II e dez adolescentes com idade entre 15 e 17 anos, de ambos os se-xos, formaram o grupo de São Sebastião. Os encontros aconteceram em uma sala cedida pelas escolas das respectivas localidades.

Procedeu-se a uma análise descritiva dos dados, e os resultados apresentados neste tra-balho dizem respeito exclusivamente ao grupo focal com os adolescentes dessas duas comu-nidades.

Resultados e discussão

Sobre a vida quotidiana na comunidade

“Aqu i n ão tem n ad a!”Uma alusão ao esporte e lazer.

O primeiro tema proposto aos adolescentes indagava sobre a ocupação do tempo livre, ou seja, que atividades eram desenvolvidas quan-do não estavam freqüentanquan-do a escola. As falas foram bastante distintas para cada sexo.

Os adolescentes do sexo masculino foram praticamente unânimes em indicar a prática de esportes e a permanência em casas de jogos eletrônicos como as duas atividades mais pra-ticadas por eles na comunidade. Mas relatam que é comum, na utilização das praças de es-porte, a ocorrência de conflitos entre grupos interessados em ocupar o mesmo espaço. A fre-qüências às casas de jogos eletrônicos é prati-camente diária e, nesse espaço, convivem com adolescentes mais velhos e mais experientes. Para as adolescentes, as duas atividades mais

referidas foram a freqüência à própria escola e a prática de esportes, porém a ocupação das quadras de esportes dava-se em menos opor-tunidades que os rapazes e só o faziam quando as mesmas estavam ociosas.

Os sh ow s em praça pública, segundo os adolescentes, estavam intimamente associa-dos aos atos de violência. As casas de música eram freqüentadas por grupos que a utilizavam como um espaço de confronto entre rivais e, comumente, faziam-no armados. Aos demais, resta o enfrentamento do risco, como atesta um rapaz: “A gen te vai p en san d o qu e vai ter briga, con fu são, tiroteio...” ou a evitação do risco, co-mo comenta com resignação uma garota: “A gen te n ão vai porqu e tem m edo”.

Quando os adolescentes discorrem sobre as atividades que desenvolvem na comunidade, descrevem-nas sempre como uma prática pou-co organizada e, às vezes, pou-conflituosas, mas o que prevalece mesmo é a ociosidade. Para as adolescentes a escola amplia a função mera-mente acadêmica e é vista também como um espaço de lazer. Na falta de espaços de lazer, as adolescentes requalificam a escola como um desses espaços, talvez o único. Pura sabedoria.

Os problemas dos adolescentes na comunidade

“Qu e m orram todos!!! A violên cia de todo dia”.

De todos os problemas dos adolescentes de ambas as comunidades, a violência foi a ques-tão trazida com maior dramaticidade. Os ado-lescentes sentem-se amedrontados e mostram-se acuados em mostram-seus próprios domicílios por aqueles que hoje vêem-se envolvidos com a delinqüência. Um “toque de recolher” vem com o cair da noite e poucos se aventuram a percor-rer as ruas da cidade.

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-m a aqu i é co-m o poeira!” A participação de ado-lescentes do sexo feminino nas gangues já não causa nenhum estranhamento. Todavia, elas adotam um comportamento menos violento quando comparado aos rapazes. Numa das co-munidades onde a violência parece mais evi-dente, a pertinência da gangue a uma determi-nada área, rebatizada de “território”, é a norma. Sob determinadas condições (geralmente à noite), toma-se posse do “território” e a presen-ça de pessoas estranhas é vista como uma pro-vocação ou ameaça e suscita, freqüentemente, uma reação violenta. Em circunstâncias como essa, o confronto entre grupos é inevitável ou até mesmo é buscado.

A convivência com a violência, nos níveis em que se encontra atualmente, acaba por de-terminar novas atitudes e comportamentos na relação com o outro. A ordem entre os adoles-centes é não encarar ninguém, pois pode ser interpretado como uma provocação; quando provocado ou quando algo lhe é tomado não deve responder e nem reagir, que as conse-qüências podem ser mais graves que a simples perda de um bem. Além de ditar normas de comportamento entre os jovens, a violência de-termina o enclausuramento de um grupo sig-nificativo de adolescentes e mesmo de adultos, restringindo seus espaços entre a escola (que admitem não ser tão segura) e suas próprias casas. Se esperamos que crianças e adolescen-tes desenvolvam um sentimento de cidadania, é inaceitável que convivam com a violência e a falta de segurança, como ponderam Cruz & Mi-nayo (1994).

A questão do uso de álcool e drogas é outro tema que ocupa boa parte das preocupações dos adolescentes da comunidade. O uso e o abuso de drogas são vistos como generalizados em ambas as comunidades, um fato corrobo-rado pelo grande número de recipientes usa-dos para acondicionar a merla (pasta base de cocaína) encontrados em becos e ruelas.

Há tempos tem-se notificado a aproxima-ção cada vez mais precoce dos adolescentes com as substâncias psicoativas (Muza, 1997a). Mais preocupante, no entanto, é o fácil reco-nhecimento do envolvimento de crianças com o abuso e o tráfico de drogas, a ponto de excla-marem, sem titubeio: “Aqu i, qu alqu er m en in i-n h o com p ra. Com p ra i-n ão, vei-n d e!!!” Os adoles-centes, de ambos os sexos, consomem drogas em qualquer lugar, até mesmo na porta da esco-la e ninguém tem receio de ser descoberto. “A m etad e d os n ossos colegas já con su m iram !”ou

“Qu an d o tem trio elétrico aqu i, você só vê a fu -m aça. É n ego fu -m an do (maconha)ou catin gan -do (merla)! ”, arriscam alguns dos entrevistados.

Qualquer espaço da cidade é visto pelos adolescentes como potencialmente um ponto de consumo, troca e comercialização de dro-gas. O custo e a oferta de substâncias psicoati-vas já não são obstáculos à aproximação dos adolescentes com as drogas. Alia-se a isso, a constatação inquestionável do maior risco de desenvolvimento de uma dependência quími-ca quanto mais precoce o início do abuso de substâncias psicoativas. Esses elementos con-figuram um quadro bastante desalentador e impõe-nos, cada vez mais, a conviver com um número crescente de adolescentes alijados completamente do exercício da cidadania.

Embora as questões relacionadas com a se-xualidade, saúde reprodutiva e DST/AIDS te-nham sido introduzidas pelo facilitador dos grupos focais, percebe-se claramente, pelo vo-lume de manifestações dos entrevistados – ri-sos, troca de olhares, meneios de cabeça, co-mentários ininteligíveis, provocações – relati-vas à expressão da sexualidade, que o tema ocupa boa parte do pensamento do adolescen-te. Porém, a desinformação, o preconceito e a vergonha ainda dominam o cenário quando o assunto é sexualidade e saúde reprodutiva. Quando encorajados a comentarem o tema, fez-se um silêncio assustador. As adolescentes foram bem mais espontâneas que os adoles-centes que titubeavam sobre o quê e como fa-lar: “Ah , eu n ão sei se posso falar...!” ou “Com o é m esm o o n om e...?”,quando queriam se referir ao órgão genital ou à relação sexual.

Não há dúvidas de que os adolescentes ho-je falam mais sobre sexo com os pais do que al-gum tempo atrás. As adolescentes têm mais oportunidade de trocar informações sobre te-mas relacionados à sexualidade com suas mães. As conversas, contudo, transitam apenas pela superficialidade dos temas. Não existe um apro-fundamento destas questões, assim como não há esclarecimento sobre a necessidade de al-guns cuidados antes da iniciação sexual e de conhecer os métodos contraceptivos. Vejamos como se expressam a respeito: “M in h a m ãe n u n ca foi u m a pessoa assim de con versar com i-go. Ela tin h a vergon h a e eu tam bém !; Se a m i

-n h a m ãe m e visse com u m a cam isi-n h a ia ser a m aior pagação!”

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No trato de assuntos relacionados com a se-xualidade, os adolescentes têm recorrido aos ir-mãos mais velhos e outros parentes próximos. Os amigos mais experientes também são fre-qüentemente procurados, mas queixam-se de que as conversas começam com boa dose de interesse, tanto do emissor como do interlocu-tor, para posteriormente, descambar para vul-garizações que deixam sérias dúvidas sobre a validade do conteúdo e a seriedade do diálogo. Com um ar bastante sério e com um certo constrangimento, um adolescente declarou que em conversas sobre sexo o pai ensina que “...os h om en s n ão d evem p erd oar as m u lh eres!”, nu-ma alusão de que os rapazes devem nu-manter re-lações sexuais com tantas garotas quanto pos-sível. Ainda que seja um depoimento isolado, corrobora alguns aspectos que ressurgem em outros trechos das entrevistas: a assimetria na relação entre homens e mulheres e a freqüente troca de parceiros entre adolescentes. Como exemplo, podemos citar algumas falas: “Os m e-n ie-n os sedu zem as m ee-n ie-n as prom etee-n do e-n am oro sério e depois qu e con segu em o qu e qu erem (se

-xo) jogam fora!; As m en in as dão de cim a dos ga-rotos e depois qu e tran sam saem con tan do tu do p ras am igas!” No depoimento das garotas, não refutado pelos rapazes, os adolescentes do se-xo masculino têm negligenciado o uso de ca-misinha nas relações sexuais e alegam razões vagas: “É com o ch u p ar bala sem tirar o p ap el!” “Qu ebra o clim a!”Por outro lado, as adolescen-tes admitem a existência de uma dificuldade (controle) na utilização do preservativo: “N a h ora d o vam os ver n in gu ém lem bra, p ois se lem brasse n ão fazia!”Se a liberação sexual ex-perimentada por grupos de adolescentes vem em substituição à antiga insatisfação cultural com a repressão sexual, para esses grupos, vem carregada com uma boa dose de risco.

Os avanços na abordagem pelos adolescen-tes de temas relacionados com a sexualidade são evidentes. Novos modos de relacionamen-to afetivo-sexual foram inaugurados, provo-cando modificações importantes nas relações de gênero, mas, ainda assim, é uma relação que continua assimétrica e bastante desfavorável para muitos jovens. A proporção de gravidez entre as adolescentes cresce ano a ano e a inci-dência de AIDS é cada vez maior entre os jo-vens e adultos jojo-vens (SES-DF, 1999); eviden-ciando que o sexo desprotegido tem ocorrido em um período muito precoce.

Um estudo epidemiológico domiciliar so-bre sexualidade e saúde reprodutiva realizado em uma comunidade de baixa renda no Distri-to Federal verificou que o número de adoles-centes que usa o preservativo cresceu, mas

ain-da é pequeno se comparado com número de adolescentes com vida sexual ativa. Por outro lado, chega próximo de cem por cento a pro-porção de adolescentes que alega conhecer a AIDS, além de ser grande, também, a propor-ção de adolescentes de ambos os sexos que afirma conhecer algum método contraceptivo (GDF/FNUAP, 1998). Como tem sido apontado, só a informação não é suficiente, pois ambas, gravidez não planejada e AIDS, persistem gras-sando entre os adolescentes.

Os fragmentos de histórias de vida centra-dos na expressão da sexualidade centra-dos adoles-centes entrevistados revelam alguns elementos preocupantes: a iniciação sexual se dá de for-ma precoce para muitos adolescentes; inexiste um “espaço” acolhedor, tanto na escola como entre os amigos e familiares, para tratar de questões relacionadas à sexualidade e à saúde reprodutiva; e mais, a sexualidade ainda des-perta medo e vergonha e continua associada a crenças infundadas. Tudo isso combinado ex-põe adolescentes ao risco de uma gravidez não planejada ou à contaminação pelo HIV e faz-nos acreditar que para muitos desses adoles-centes a gravidez é inevitável e a AIDS um con-ceito abstrato.

Sobre as determinações

“A d esocu p ação in stitu cion al e a d esocu p ação in stitu ída”.

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or-qu e os p ais n ão corrigem os filh os or-qu an d o fa-zem algu m a coisa errad a n a in fân cia!”; “Eu m e espelh o n a m in h a fam ília. Você vê o qu e acon te-ce em casa e n ão vai fazer por aí!”

Esse debruçar sobre a família foca a aten-ção sobre algumas questões bastante interes-santes. É no espaço familiar que as crianças ex-perimentam as primeiras identificações e se apropriam de um modelo de família. No alhea-mento dos pais na relação com os filhos, a apre-ensão dos valores familiares e das normas de convivência social são negligenciadas. Nesse sentido, os pais têm dificuldades em perceber o grau de desenvolvimento dos filhos e, com is-so, o estabelecimento de limites fica seriamen-te prejudicado. Um limiseriamen-te extremamenseriamen-te rígido ou extremamente frouxo prejudicam o desen-volvimento sócio-emocional de crianças e ado-lescentes (Muza, 1996). As falas dos adolescen-tes são elucidadoras: “A m aioria d os m olequ es d aqu i saem d e m an h ã e n ão d ão satisfação p ra m ãe!; Ser liberal d em ais...n ão d iz er on d e vai, coisas assim ...atrapalh a”.A ausência do pai, re-lacionada à gênese dos fenômenos que mais trazem agravos à saúde dos adolescentes, veio à tona como explicitado na fala de alguns jo-vens: “Eu ach o qu e é a falta d o p ai, p orqu e só a m ãe n ão d á con ta d e ed u car os filh os!; Meu p ai n ão liga, n ão está n em aí!”O reconhecimento da importância do pai no desenvolvimento emocional dos filhos está bem estabelecido atualmente (Aberastury & Salas, 1991). Crian-ças que não desfrutam da presença do pai têm dificuldade de internalização de um pai sim-bólico capaz de representar a instância moral do indivíduo. A ausência manifesta-se tanto na dificuldade de exercer a autoridade na relação com o outro como na de respeitá-la, ocasio-nando, por sua vez, obstáculos para o enfren-tamento e para a superação de conflitos, na di-ficuldade de se fazer escolhas, com conseqüen-te possibilidade de envolvimento em compor-tamentos de risco (Muza, 1997b).

Um outro elemento do espectro das rela-ções familiares trata da dificuldade de comuni-cação entre os adolescentes e seus pais. Uma dificuldade que se acentua se os temas estão relacionados com as questões sobre sexualida-de, violência e drogas, temas bastante atuais e que mobilizam os recursos emocionais dos adolescentes e dos seus pais. Os adolescentes contam: “Eu n ão con verso abertam en te com m eu p ai, n em com m in h a m ãe!”; “Os p ais n ão en ten d em os ad olescen tes!”.O que merece dtaque é o reconhecimento de que o vínculo es-tabelecido com os pais muitas vezes não é o que desejam. Se os pais não encontram recur-sos emocionais para estabelecer e/ou manter

os laços com seus filhos, deve haver elementos de suas próprias histórias de vida e nos papéis sociais atuais que ajudem a entender o que se passa nessas famílias.

A falta de ocupação do tempo livre, seja em atividades de lazer ou um trabalho remunera-do é veementemente colocaremunera-do pelos grupos como outro elemento importante identificado como causa das dificuldades enfrentadas pelos adolescentes. Eles se referem a essa questão dessa forma: “Se u m jovem qu er trabalh ar e n ão arru m a em prego, ele vai é vadiar, n ão é?; Os qu e estão à toa só ficam p en san d o besteira. Qu em trabalh a é diferen te!”

Em nenhum momento, qualquer um dos adolescentes associou o contexto social depau-perado como gerador das dificuldades aqui re-latadas, o que os afasta da compreensão das questões estruturais como um dos pilares da gênese dos agravos à saúde da família e do adolescente.

Sobre o enfrentamento da realidade

“Sobreviven do n a selva in óspita...”.

As primeiras propostas que um dos grupos de adolescentes pôde verbalizar como forma de melhorar a qualidade de vida na comunida-de, estavam associadas à idéia de abandonar o local onde vivem. Nesta comunidade o espaço em que habitam foi rebatizado com o sugesti-vo nome de “território”, com o claro significado de algo que pertence e/ou está sob domínio de alguém. Num segundo momento, ainda com ares de pouco compromisso com a tarefa pro-posta, um dos adolescentes sugeriu a elabora-ção de um curso de sobrevivência na selva. Embora tenha causado uma explosão de risos, acaba mostrando o nível de adversidades com o qual os jovens que vivem nessas áreas lidam no enfrentamento do cotidiano em suas comu-nidades.

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traduzidas como uma busca por reconhecimen-to social e ambas são exeqüíveis e legítimas.

O enfrentamento da vergonhosa desigual-dade social brasileira permeia cada um desses temas: educação, cultura, trabalho. O otimis-mo que recai sobre a educação, postulado por Madeira & Rodrigues (1998) como uma das vias mais promissoras no percurso desse enfrenta-mento, é alentador, mas é pouco em vista das brutais diferenças de oportunidade na forma-ção acadêmica de muitos desses jovens. A exi-gência por trabalho, feita por esses adolescen-tes, talvez se comporte como uma forma rápi-da de minimizar as conseqüências do abismo sócio-cultural em que vive boa parcela da socie-dade brasileira; porém, corre o risco de alimen-tar o círculo vicioso da miséria e da pobreza.

Sobre a responsabilidade de cada um

“Falan do a m esm a lín gu a...”.

Sem qualquer receio e repleto de desânimo, os adolescentes desvelam toda a impotência em lidar com a realidade dos jovens dessas co-munidades. Assim se expressam quando o te-ma é a questão do uso e abuso de drogas na co-munidade: “A gen te n ão p od e fazer n ad a. Você n ão con segu e faz er n in gu ém sair d essa. Ele (aquele que usa) é qu e vai te con ven cer a vir pra dele. N ão tem jeito n ão!!”

Aos poucos, todavia, os adolescentes vão admitindo a importância da participação deles próprios na promoção à saúde e desmento dos jovens e não se furtam ao envolvi-mento em atividades dessa natureza. Para tan-to, os adolescentes propõem-se a participar de campanhas educativas, de jovens para jovens, falando a mesma linguagem e criando espaços de reflexão de temas de interesse dos adoles-centes. Afinal, é para onde se volta o olhar do adolescente: o desejo de aprender e de ser re-conhecido e respeitado (Buratto et al., 1998).

Contudo, para que essa disposição gere ações verdadeiramente profícuas precisamos, desde já, deixar de olhar os adolescentes com os estereótipos desqualificadores (preguiçosos, drogados, violentos etc.) e passar a vê-los co-mo parte da solução. O protagonisco-mo juvenil em ações de saúde é uma realidade em vários países da América Latina. Trata-se de grupos de jovens que se organizam das formas as mais diversas e invariavelmente contam com a par-ticipação de agentes sociais instituídos (Suá-rez-Ojeda et al., 1992).

A força do protagonismo juvenil emerge co-mo fonte da iniciativa, de expressão de liberda-de e da assunção liberda-de um compromisso, ou seja, a ação parte dele mesmo, é produto de uma

de-cisão consciente e é o próprio adolescente que assume a responsabilidade pelos seus atos. Mas nada disso valerá a pena se a participação não for autêntica ou o adolescente permanecer como uma figura meramente simbólica ou de-corativa (Costa, 1999). Cuidar de cada um des-ses elementos significa abrir espaços de ação criativa e transformadora da realidade social.

Considerações finais

Talvez estejamos vivendo hoje uma época em que nunca tantos adolescentes se expuseram a tantas situações de risco, com conseqüências danosas para seu desenvolvimento integral. Não mais podemos insistir em olhar o compor-tamento de risco na adolescência, seja ele liga-do à expressão da sexualidade, ao envolvimen-to com a violência ou ao abuso de álcool e dro-gas, pela ótica da medicina cartesiana. É pre-mente entendermos que o sofrimento de uma parcela expressiva de adolescentes, sobrema-neira daqueles que vivem em situação de misé-ria, tem raízes na histómisé-ria, na cultura e na so-ciedade. E mais, é premente entendermos que os prejuízos não se restringem unicamente ao adolescente – o que já é grave – mas alcança também a família e a sociedade.

Nessa aproximação que realizamos com os adolescentes pudemos, ouvir deles próprios as questões que mais os afligem. A ociosidade é a norma. Os espaços de lazer são escassos e, quando existem, vêm carregados de riscos. As gangues substituíram as turmas. A violência foi banalizada e não significa mais que um “tem-pero” nas relações entre grupos de jovens. O contexto social não atende às necessidades materiais, mina as relações afetivas e impede uma adequada expressão do papel de pais.

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Referências

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Recebido em 15 de setembro de 2000

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