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O trabalho na indústria de software: a flexibilidade como padrão das formas de contratação.

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O TRABALHO NA INDÚSTRIA DE

SOFTWARE

: a flexibilidade

como padrão das formas de contratação

Maria Aparecida Bridi

*

Mariana Bettega Braunert

**

O presente trabalho analisa a flexibilidade das formas de contratação da força de trabalho dos

desenvol-vedores de software de Curitiba e Região e resulta de pesquisa empírica realizada, na qual entrevistamos

trabalhadores e empresários do setor. Encontramos a prevalência da contratação de trabalhadores como pessoa jurídica, como “CLT Flex” ou através de cooperativa de trabalho. Além de uma clara tentativa das empresas de afastar os encargos trabalhistas que incidem sobre a relação de trabalho, a proliferação de formas flexíveis de contratação parece estar relacionada, nessa indústria, à forma como se estrutura o processo produtivo, organizado por projetos, e ao discurso justificador das atuais formas de gestão, que têm em seu cerne a noção de empregabilidade. Essas constatações indicam que o trabalho que envolve alta tecnologia também se organiza como um trabalho assalariado tipicamente capitalista, cuja lógica não parece diferir daquela que rege as relações entre capital e trabalho em outros segmentos da economia.

Palavras-CHave: Indústria de software. Contrato de trabalho. Flexibilidade. Formas de gestão. Processo

produtivo.

* Socióloga. Doutora em Sociologia. Professora do Depar-tamento de Ciências Sociais (DECISO) e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFPR (PPGS).

Rua General Carneiro,460 - 9º andar - sala 910A, DECISO. Centro. Cep: 80060-150 - Curitiba, Paraná - Brasil. macbri-di@gmail.com

** Doutoranda em Sociologia do Programa de Pós Gradu-ação em Sociologia (PPGS) da Universidade Federal do Paraná. Pesquisadora do Grupo de Estudos Trabalho e So-ciedade (GETS/UFPR).

Alameda Augusto Stellfeld, 1080, ap. 42, Centro, Curitiba/ PR, CEP 80.430-140. mbbraunert@gmail.com

INTRODUÇÃO

O presente trabalho é fruto de um projeto de pesquisa integrado desenvolvido por mem-bros do Grupo de Estudos Trabalho e Socieda-de (GETS) da UniversidaSocieda-de FeSocieda-deral do Paraná (UFPR), denominado “Redes de empresas, traba-lho e relações de trabatraba-lho no setor de informá-tica no Paraná”. O foco do artigo incide sobre a análise das formas de contratação na indústria de software de Curitiba e Região. O estudo foi motivado, entre outros fatores, pelo destaque que o Estado do Paraná assume na produção de

software em nível nacional, pela necessidade de estudar as novas modalidades de trabalho advin-das da revolução informacional, bem como pela carência de estudos voltados à análise desse setor na área da Sociologia do Trabalho.

O contexto de nosso objeto se relaciona ao processo de reconfiguração das relações de trabalho, impulsionado pela crise do capital na década de 1970, que desencadeou um pro-cesso de reestruturação visando recuperar os padrões de lucratividade habituais pelo capi-tal. Decorrente das transformações técnicas, políticas e econômicas, desde então, emergiu um novo cenário caracterizado pelo aumento crescente do desemprego estrutural, pela des-regulamentação e flexibilização das relações do trabalho, a intensificação dos processos de terceirização e de exploração da força de tra-balho e precarização das relações de emprego. Esse contexto é marcado, também, pelo for-talecimento da ideologia neoliberal e por um novo modelo de gestão e organização das em-presas, distinto do anterior modelo fordista: as práticas, sempre adaptadas para os diferentes países, das modalidades de gestão toyotistas.

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mento do número de profissões que envolvem a produção e o processamento de informações, a exemplo do trabalho de desenvolvimento de

software.

Sendo a produção de software emblemá-tica da produção de natureza imaterial, nossa análise problematiza as teorias sobre o traba-lho imaterial, tal como elaboradas por Gorz (2005), Lazzarato e Negri (2001), Hardt e Negri (2005). Segundo a perspectiva desses autores, a produção de bens imateriais, desenvolvida no cerne do que eles chamam de “capitalismo cognitivo”, seria dotada de um potencial de transformação política, econômica e social, de natureza emancipatória e subversiva. O traba-lho ancorado no conhecimento seria, para eles, um trabalho emancipado, de natureza criativa e cooperativa, e impulsionaria a transição da sociedade capitalista para uma outra, de tipo comunista. A leitura dessas teorias nos per-mitiu elaborar nossas questões de pesquisa, e, em certa medida, contrapor seus postulados a partir da realidade empírica dos trabalhadores estudados, isto é, às suas efetivas condições de trabalho.

Analisamos, no decorrer deste artigo, as condições de trabalho na indústria de software

no que concerne, especialmente, às formas de contratação dos trabalhadores do setor. Abor-dar esse aspecto da relação de trabalho permi-te visualizar uma dimensão do trabalho infor-macional ignorada pelos teóricos do trabalho imaterial, qual seja: que esse tipo de produção está submetido, como qualquer outro, à lógi-ca de valorização do lógi-capital e aos imperativos atuais de flexibilização e de formas precariza-das de relações de trabalho.

Apresentamos, na primeira parte do ar-tigo, uma breve caracterização do setor de de-senvolvimento de software, bem como o perfil das empresas e dos trabalhadores que foram objetos deste estudo. Na sequência, esboça-mos uma análise sociológica do fenômeno da disseminação e predominância das formas de contratação flexíveis da força de trabalho neste segmento.

CONSIDERAÇÕES SOBRE O

SE-TOR DE

SOFTWARE

, AS

EMPRE-SAS E OS TRABALHADORES

PES-QUISADOS

O software se constitui em um conjunto lógico e sistematizado de instruções e informa-ções que comandam o funcionamento de um equipamento informatizado, em oposição à sua parte física, o hardware. É a parte lógica, não tangível, responsável por fornecer instru-ções sobre o que o hardware (parte física da máquina) deve executar (Diegues Junior, 2010; Cocco; Vilarim, 2009). Sua produção ocorre no setor econômico denominado Tecnologia da Informação (TI’s), que, por sua vez, não se reduz ao software, compreendendo, também, todo o conjunto de tecnologias em microele-trônica, incluindo o hardware. Esse setor faz parte da Tecnologia de Informação e Comuni-cação (TIC), que engloba, também, a telefonia e meios de comunicação, além de equipamen-tos de escritório, de medição, entre outros (Bri-di, 2014). Referirmo-nos a “trabalhadores de TI”, portanto, é muito mais amplo do que falar em “trabalhadores da indústria de software”, embora tenhamos identificado no estudo em-pírico que os trabalhadores dessa área se au-todenominam genericamente de “profissionais de TI”, razão pela qual, em alguns momentos, adotamos essa terminologia ao mencionarmos os trabalhadores por nós estudados.

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abrange tanto serviços como produtos, e mes-mo os produtos são atípicos, pois têm um ca-ráter intangível, semelhante ao dos serviços. (Kubota, 2006).

De acordo com a versão 1.0 da Classi-ficação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE 1.0), as empresas voltadas para o de-senvolvimento de software e prestação de ser-viços de TI pertencem à divisão 72, intitulada “atividades de informática e serviços relacio-nados”, a qual está incluída na Seção K, que abarca “atividades imobiliárias, aluguéis e ser-viços prestados às empresas” (SOFTEX, 2009).

Observe-se que, para efeito da CNAE, as atividades secundárias das empresas são des-consideradas. Consequência dessa regra é que se perde o registro das atividades de software e serviços de TI desenvolvidas por empresas per-tencentes a outras divisões que não a 72, como é o caso, por exemplo, das atividades de softwa-re e serviços de TI realizadas por instituições bancárias, incluídas na divisão 65, intitulada ‘intermediação financeira’ (SOFTEX, 2009).

Há, também, um percentual relativa-mente alto de empresas pertencentes a dife-rentes divisões do setor industrial que desen-volvem software para embarcar em produto de fabricação própria e/ou melhorar os seus processos. Conforme estudo do Observatório SOFTEX (2009, p. 21) “[...] sabe-se que em ou-tros setores, até mais que na indústria, ativi-dades de software e serviços de TI vêm sendo realizadas por equipes internas [...]”.

Portanto, há profissionais, nessas em-presas, empregados em ocupações relaciona-das com software e serviços de TI, mas que não pertencem, teoricamente, à indústria de

software (isto é, empresas que não pertencem à divisão 72 da CNAE e que não têm como ati-vidade principal o desenvolvimento e a comer-cialização de software). Como mostra o estudo do Observatório SOFTEX (2009), a quantidade de profissionais com ocupações formais rela-cionadas com software e serviços de TI (levan-do em conta as ocupações elencadas pela Clas-sificação Brasileira de Ocupações – CBO) fora

da Divisão 72 não é nada desprezível.

Por isso, o es-tudo realizado pelo Observatório consi-dera que o setor de

software e serviços de TI é constituído tanto pela Indústria Brasileira de Softwa-re e Serviços de TI – IBSS, que inclui as empresas perten-centes à divisão 72, quanto pela Não-IBSS (NIBSS), que é composta por todas as demais divisões da CNAE 1.0, entre as quais se encon-tram as que constituem o setor agropecuário, a indústria, o comércio e os serviços e a ad-ministração pública (SOFTEX, 2009; Braunert, 2013).

Em razão da penetração dessa indústria em outras atividades econômicas, optamos pelo estudo empírico focalizado em empresas, de Curitiba e Região, cuja atividade central (e não secundária) consiste na produção de softwa-re. A pesquisa de campo envolveu visitas a 7 empresas de desenvolvimento de software de Curitiba e 13 entrevistas com trabalhadores e empresários do setor.

O ponto de partida para chegar a essas empresas foi uma pesquisa no Catálogo de em-presas do Arranjo Produtivo Local - APL de

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da indústria de software do referido Catálo-go, identificamos que muitas delas prestavam uma gama bastante ampla de serviços, além do desenvolvimento de software.

Em função disso, priorizamos pesquisar aquelas empresas cuja apresentação colocava como atividade principal o desenvolvimento de soluções em software, preferencialmente que ti-vessem como atividade básica a produção de sof-tware sob encomenda (e não software produto), como podemos acompanhar no Quadro abaixo, que relaciona e caracteriza as empresas pesquisa-das e especifica o cargo dos entrevistados:

As empresas pesquisadas são de diferen-tes pordiferen-tes (pequeno, médio e grande porte). A maioria delas está no mercado há mais de dez anos, sendo, portanto, empresas já consolidadas que prestam serviços para os setores público e privado, em âmbito nacional, sendo que duas delas internacionalmente. Com exceção da Em-presa B, cuja atividade-fim principal é a logís-tica e da empresa H, que desenvolve softwares

produto, todas as demais têm como atividade principal a produção de software sob encomen-da. Produzem serviços de alto valor, que

in-cluem todas as etapas do processo de produção do software e envolvem tarefas mais complexas e, frequentemente, conhecimentos específicos de engenharia de software e análise de sistemas. É o tipo de produção que se dá mediante en-comendas diretas, em que o cliente determina as especificações do produto, o que leva esse segmento a adquirir características próximas a serviços (Correia; Vasquez; Cario, 2008).

Termos como “gestão”, “solução” e “ino-vação” foram encontrados com frequência nos textos de apresentação dessas e de outras em-presas que fazem parte do APL de software. Muitas prestam, além de consultoria em TI, ser-viços relacionados a “soluções em RH”, “central de atendimento”, “consultoria de negócios”, “gestão empresarial”, “solução integrada em gestão” etc., e apresentam-se com a proposta de atender várias demandas dos clientes, com pro-pagandas na seguinte linha: “[...] nos preocupa-mos com o que é fundamental nas empresas: resultados positivos [...]”; ou “[...] oferecemos soluções para que o cliente seja atendido em suas várias necessidades [...]”.

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ze trabalhadores, sendo que seis eram analistas de sistemas e dois programadores. Os demais entrevistados (uma entrevista para cada função) realizavam as atividades como analista-progra-mador, analista de suporte, arquiteto de softwa-re, engenheiro de software e gerente de TI.

Os profissionais entrevistados configu-ram-se, em sua maioria, como homens, jovens e com curso superior. São autodidatas e bus-cam atualizarem-se constantemente para aten-der às exigências de um mercado de trabalho dinâmico. As certificações técnicas são valori-zadas e, por isso, são frequentemente buscadas por eles. Em termos de competências, devem ser dinâmicos, comunicativos e ter capacidade de trabalhar em equipe, além de dispor de uma boa rede de relacionamentos.

Quando analisamos o processo de de-senvolvimento de software, observamos que se trata de atividade complexa e muito marcada pela participação ativa do cliente. Ocorre em etapas, e, quando realizado em equipes (maio-ria dos casos dessa amostra), a partir de uma divisão das tarefas, pois cada profissional de-sempenha um papel bem definido no processo de produção. Em termos gerais, há processos como os de codificação (programação) que se tornam repetitivos e automáticos. As empresas de software tendem a incorporar aspectos do toyotismo à medida que suas atividades são realizadas em equipes, com níveis hierárqui-cos reduzidos, requerendo trabalhadores flexí-veis, polivalentes, multifuncionais e pautados por metodologias de certificação de qualidade (CQC’s). O ritmo intensificado, que ocorre, principalmente, no momento da finalização dos projetos e de elevadas demandas, acarreta desgaste, sobretudo mental, aos trabalhadores.

A FLEXIBILIZAÇÃO DAS

RELA-ÇÕES DE TRABALHO NA

INDÚS-TRIA DE

SOFTWARE

A flexibilização surgiu como uma das estratégias adotadas pelo capital para manter

seu ciclo de acumulação face à crise econô-mica pela qual passou na década de 1970. Ela afeta várias dimensões da relação de trabalho e pode ser entendida como uma “liberdade” da empresa para determinar, unilateralmente, as condições de uso da força de trabalho, ajus-tando a jornada, a remuneração e as formas de contratação às flutuações econômicas, des-regulando ou adaptando a proteção trabalhis-ta às condições do mercado (Antunes, 2009; Krein, 2001).

Vislumbra-se, nesse cenário, uma cres-cente flexibilização das formas de contratação da força de trabalho, tendência da qual a indús-tria de software parece ser emblemática, como vem mostrando alguns estudos sobre o setor (Salatti, 2005; Oliveira, 2009). Na pesquisa por nós realizada com os trabalhadores da indús-tria de software localizadas em Curitiba e Re-gião (PR), também identificamos uma grande variedade de formas de contratação. Para essas formas de contratação encontradas, utilizamos a expressão “CLT” para designar os trabalha-dores contratados pelas normas da Consoli-dação das Leis do Trabalho e “PJ” para os que se constituem como Pessoa Jurídica (empresa individual) e, nessa qualidade, prestam servi-ço para a contratante. Os trabalhadores coope-rados são contratados através de cooperativas de trabalho e o chamado “CLT Flex”, indica, por sua vez, que, embora tenham o contrato de trabalho regido pelas leis trabalhistas, apenas parcela da remuneração é registrada na cartei-ra de tcartei-rabalho.

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É o que ilustra o Quadro abaixo, no qual consta a atual forma de contratação dos trabalhadores e as espécies de vínculos a que já estiveram submetidos no decorrer de sua trajetória.

O Quadro revela a variedade de formas de contratação a que estão submetidos os en-trevistados. A maioria deles já trabalhou em algum momento da carreira contratado pelas normas da CLT (mesmo os que atuam hoje como prestadores de serviço). Essa situação se altera, entretanto, quando vistos os vínculos atuais, que, em sua maioria, estão sob forma contratual flexível: PJ e cooperativa. Sinaliza, portanto, uma mudança na condição desses trabalhadores: de celetista passaram a ser PJ e ou cooperativado.

Como mostra o Quadro 3, 6 (seis) dos 13 (treze) trabalhadores entrevistados prestam serviço para as empresas da indústria de sof-tware como pessoa jurídica (PJ). Corrobora com esse estudo, a pesquisa de Salatti (2005), que encontrou 36% de trabalhadores de sua amos-tra atuando sob essa forma conamos-tratual. Também Roselino Junior (2006, p. 274) já mostrou que a contratação de trabalhadores por meio de em-presas constituídas como pessoa jurídica tende a ser predominante no setor de TI em relação às contratações amparadas pela CLT.

O “pejotismo” – como costuma ser de-signado o fenômeno de crescimento e

dissemi-nação de PJ no setor – é por nós interpretado como se tratando, na maioria das vezes, de uma estratégia utilizada pelas empresas para “contratar” força de trabalho a baixo custo, que

tem se difundido amplamen-te no país, especialmenamplamen-te no setor de TI. O trabalhador PJ, do ponto de vista fático, é um trabalhador como outro qual-quer, ou, nos termos de Car-valho (2013), um “trabalha-dor-empresa”, como veremos adiante, pois realiza as ativi-dades para a empresa contra-tante e de forma subordinada. Exerce suas atividades em empresas, como observam Galeazzi e Holzmann (2011, p. 264)

[...] submetendo-se às regras e im-posições do trabalho subordinado, mas não sendo contratado como empregado. Deve, nessa condição, responsabilizar-se pela regularização burocrática de sua “empresa” e das despesas daí decorrentes, além de prover suas próprias garantias previdenciárias e outras precauções que lhe deem segurança frente a imprevistos eventuais.

De acordo com Pereira (2013, p. 110)

[...] é uma modalidade de vínculo flexível que não garante os direitos trabalhistas e previdenciários para o trabalhador, porém que encontra formaliza-ção através do enquadramento de Microempreen-dedor Individual (MEI) e Microempresa Simples - modalidades com tributos fiscais reduzidos criadas pelo Estado com o intuito de reduzir o desemprego e a informalidade que assolavam o Brasil no decorrer da década de 1990.

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estabelece uma nova forma de contrato de tra-balho sem proteção social específica, mas total-mente enquadrada nas determinações legais. Encontramos essa modalidade de contratação da força de trabalho em praticamente todas as empresas por nós estudadas; além disso, ana-lisando os dados do Quadro 1 percebe-se que um expressivo número de profissionais que já trabalhou como celetista, hoje possui víncu-lo como pessoa jurídica com a empresa para a qual presta serviço. O “pejotismo”, ademais, é um fenômeno que independe da função que o trabalhador exerce na empresa, pois encon-tramos tanto programadores quando analistas e arquitetos de software trabalhando sob essa modalidade contratual.

Além da contratação de trabalhadores como pessoa jurídica, a contratação por coope-rativas profissionais também parece ser um fe-nômeno comum na indústria de software. Em-bora tenhamos encontrado 2 (dois) trabalhado-res contratados por intermédio de cooperativas de trabalho em um total de 13 (treze) entrevis-tados, as informações obtidas nas entrevistas e sobre o setor corroboram com essa tese.

As cooperativas profissionais são um fenômeno semelhante ao “pejotismo”, no sen-tido de que vêm se constituindo, atualmente, em uma estratégia de contratar força de tra-balho sem arcar com os encargos trabalhistas decorrentes. Muitas cooperativas funcionam, na prática, como um mecanismo de flexibiliza-ção da força de trabalho, ou seja, como meras cooperativas de “fachada”, organizadas sem respeitar características essenciais do coope-rativismo, servindo como mera intermediação de força de trabalho. De acordo com Pinto e Kemmelmeier (2011), utiliza-se uma simula-ção de cooperativismo para burlar e afastar a incidência do Direito do Trabalho, já que esta-belecem mecanismos jurídicos que permitem a contratação de força de trabalho fora dos moldes clássicos do contrato de trabalho. É o que observa também Neves (2011, p. 444): “[...] muitas cooperativas se organizam como coo-perativas de intermediação de mão-de-obra,

especializadas em processos de terceirização que objetivam diminuir o custo da mão-de-o-bra e a liberação dos encargos trabalhistas”.

Druck e Franco (2009) analisam que o cooperativismo retira toda a proteção social garantida pelo assalariamento, ou seja,

[...] os trabalhadores são cooperativados e, nesta condição, não são assalariados, o que lhes retira a proteção social do Estado, já que, teoricamente, eles estariam se ‘autogerindo’ e, assim, se ‘auto-prote-gendo’” (Druck; Franco, 2009, p. 235).

Por essa razão, as autoras consideram as cooperativas a forma de terceirização mais per-versa que se difundiu nessa década, pois elas precarizam o trabalho de forma legal, isto é, coberta pela legislação. Essa análise vale, tam-bém, para o caso de Pessoas Jurídicas.

O contrato de trabalho denominado de “CLT Flex” constitui, também, uma forma tí-pica de contratação no setor de produção de

software. Vários empresários e trabalhadores afirmam ser essa uma prática comum no se-tor de TI, e 3 (três) dos nossos entrevistados já tinham, no decorrer de suas trajetórias pro-fissionais, estabelecido relação de trabalho nessa modalidade contratual. Entre esses três profissionais, temos um Analista de Sistemas, um Arquiteto de Software e um Programador, o que indica que a utilização dessa forma de contratação independe da função que o traba-lhador exerce na empresa, igualmente ao que ocorre com o “pejotismo”.

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FLEXIBILIDADE CONTRATUAL NA

INDÚSTRIA DE TI: algumas refle

-xões sociológicas

Percebe-se que o setor de produção de

software caracteriza-se pela utilização de uma série de formas flexíveis de contratação, prin-cipalmente o “pejotismo”, o trabalho coopera-do e o “CLT Flex”. Na tentativa de compreen-der o fenômeno sociologicamente, nosso estu-do apontou três fatores que parecem explicar, de forma contundente, o fenômeno: i) o intuito de burlar a legislação trabalhista, para que as empresas, livres dos encargos sociais que inci-dem sobre a relação de trabalho, mantenham a competitividade no mercado globalizado; ii) a adequação dos contratos flexíveis de trabalho à forma como se organiza o processo produtivo de desenvolvimento de software, realizado por projetos; e iii) a adesão dos trabalhadores ao discurso das atuais formas de gestão, que tem em seu cerne noções como as de risco, indivi-dualismo e empregabilidade.

Ao analisar o trabalho dos desenvolve-dores de software em diversas empresas de Curitiba e Região (PR), percebemos que esses trabalhadores recebem um tratamento bas-tante semelhante dentro das empresas, inde-pendente da forma pela qual são formalmente contratados. A igualdade de tratamento que o prestador de serviço (o PJ) e o trabalhador ce-letista recebem dentro da empresa sinaliza que a utilização de mecanismos mais flexíveis de contratação da força de trabalho constitui uma estratégia para afastar a incidência dos encar-gos sociais da relação de trabalho, já que, na prática, as condições e a gestão do trabalho são as mesmas independente do contrato formal de trabalho.

Isso se evidencia quando os trabalha-dores que atuam como prestatrabalha-dores de servi-ço recorrem à Justiça do Trabalho pleiteando reconhecimento do vínculo de emprego. Eles costumam ser contemplados em suas reivindi-cações, caso reste comprovado que o trabalho era prestado de forma pessoal, não eventual,

subordinada e remunerada, caracterizando-se, assim, a existência de uma relação de emprego disfarçada. Baltar, Krein e Leone (2009, p. 40) mostram que, segundo a legislação brasileira,

[...] a relação de emprego disfarçada ocorre quando estão presentes as características do trabalho assala-riado, mas a contratação da prestação do serviço é feita sem contemplar os direitos trabalhistas e pre-videnciários a ele vinculados. Ou seja, está contida uma relação de subordinação do trabalho, mas a forma de contratação não é dada por um contrato regular portanto, trata-se de uma simulação.

Cardoso (2003) analisa os fenômenos do crescimento da ilegalidade e, consequente-mente, das reclamatórias trabalhistas, cuja de-manda central é o reconhecimento do vínculo empregatício, como uma deslegitimação e con-testação do direito do trabalho, que, historica-mente, regula a exploração da força de traba-lho, perante o empresariado. Segundo o autor, “[...] os capitais se sentem, crescentemente, de-sobrigados, flexibilizando a frio o mercado de trabalho [...]” e, dessa forma, cobrindo-o com o manto da ilegalidade (Cardoso, 2003, p. 159-160). Essa ilegalidade, para Cardoso (2003), não é outra coisa senão a versão mais crua da luta de classes, já que, ao invés de buscar inter-ferir nos processos legislativos para que sejam produzidas leis que os favoreçam, os capitalis-tas passaram a atuar no mercado de trabalho, recusando-se a acatar a ordem legal.

O depoimento do Gerente de Desenvolvimento de uma das empresas por nós estudadas, aqui denomi-nada de Empresa A, corrobora essa tese. Segundo ele, a utilização indiscriminada de formas flexíveis de

contratação na indústria de software ocorre porque

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não é bom pro cara, não é bom pra empresa. Porque tem encargos e a empresa quer e pode pagar mais, como assim o faz, se for PJ. Mas não consegue, por-que tá amarrada nas por-questões dos impostos e tal, daí não dá competitividade, porque o concorrente paga de forma diferenciada, né? E não tem como! Em São Paulo, então, é próximo do impossível o cara ser CLT. Eu não conheço ninguém lá em São Paulo, do meu relacionamento, que seja CLT, com tudo certinho, as-sim. Em São Paulo é bem mais agressivo, bem mais agressivo. Os caras pagam pelo diferencial mesmo. A média de salário em São Paulo é, dependendo do car-go, quase chega a ser o dobro daqui. Então, na minha opinião o CLT, cara... putz, é duro, viu? (Entrevista nº 1, realizada com o Gerente de desenvolvimento da Empresa A, em abril de 2012).

Sabe-se, entretanto, que esse argumen-to de que a legislação do trabalho, no Brasil, é muito rígida, não se comprova pela realida-de do mercado e das relações realida-de trabalho nos anos 1990, como mostra Krein (2001). Para o autor, o desafio aqui é o contrário: aumentar a formalização e criar estruturas sociais mais homogêneas, o que só ocorrerá com um grau maior de regulação social.

Segundo Cardoso (2003, p 89), estudos produzidos por instituições oficiais mostram que o mercado de trabalho brasileiro já é um dos mais flexíveis do mundo. Nas palavras do autor, “[...] o mercado de trabalho por aqui se marca [...] por enorme flexibilidade alocativa e salarial, o que dá inteira liberdade aos capitais produtivos em momentos de choque econômi-co econômi-como o que estamos analisando”.

A variedade de formas de contratação existentes na indústria de software de Curiti-ba e Região parece estar ligada, assim, a uma estratégia do capital para burlar a legislação trabalhista e afastar a incidência dos encargos sociais sobre a relação de trabalho.

Além disso, a pesquisa por nós reali-zada indica que a flexibilidade das formas de contratação está relacionada, nessa indústria, à própria dinâmica do processo produtivo tal como ele é organizado (qual seja, através do desenvolvimento de projetos que atendam a demandas específicas dos clientes). Isso por-que o processo de produção de software “sob

encomenda” é realizado por etapas e inicia-se com uma solicitação específica do cliente, cabendo à empresa oferecer a solução tecno-lógica para a demanda apresentada. Assinado o contrato de prestação de serviços, o gerente de projetos monta a equipe necessária para o desenvolvimento do software e distribui as ati-vidades, sendo que o número de trabalhadores que compõe essa equipe varia de acordo com o tamanho do projeto e o prazo acordado com o cliente.

Essa estruturação do processo de trabalho acaba por interferir na alta rotatividade e flexi-bilidade de contratação de força de trabalho na indústria de software, já que os profissionais são contratados “por projetos”, ou seja, para trabalhar alocados em projetos específicos que a empresa está desenvolvendo no momento.

Isso significa que as empresas recrutam profissionais de TI conforme as necessidades conjunturais, isto é, a demanda de trabalho. Embora a maioria tenha informado que procu-ra realocar os tprocu-rabalhadores em outros projetos quando finda aquele a que o trabalhador es-tava inicialmente vinculado, nem sempre isso é possível. Segundo o depoimento do Diretor de uma das empresas pesquisadas, as empre-sas têm uma visão focada no resultado e não fazem um esforço para manter uma equipe permanente.

A grande maioria das empresas maiores não querem saber se o cara tá há um bom tempo ou não tá. Eles querem saber o custo. Se o custo não tá legal, aca-bou o projeto, manda embora mesmo. Então tam-bém tem isso: muitas empresas mandam embora por qualquer coisa e depois contratam por qualquer coisa, eles não tentam manter a equipe. Fica muito a visão de só o resultado (Entrevista nº 2, realizada com o Diretor da Empresa C, em abril de 2012).

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cisam ser dispensados, mas essa não é a regra, já que a área comercial da empresa costuma “conseguir” sempre muitos projetos. Outra en-trevistada, a Coordenadora de gestão da Empre-sa F, informou, também, que lá se constituem equipes de trabalhadores por projetos, e que, findo o projeto, procura-se realocar os profissio-nais em outros projetos que estejam iniciando. Afirmou, ainda, que o tempo médio que o tra-balhador permanece na empresa é de 2 a 3 anos (Entrevista nº 5, realizada com a Coordenadora de gestão da empresa F, em março de 2012).

A estratégia de contratar profissionais de acordo com as necessidades conjunturais da empresa consiste em uma tendência dos mercados de trabalho, que é reduzir o número de trabalhadores “centrais” ou diretos e empre-gar, cada vez mais, uma força de trabalho que entra facilmente no mercado e é demitida sem custos quando não há demanda que justifique sua permanência (trabalhadores flexíveis), nos termos de Harvey (1993).

A tendência crescente à flexibilidade apontada por Harvey resultou da adoção de um novo paradigma de produção e gestão da força de trabalho, o toyotismo, idealizado pelo enge-nheiro Taiichi Ohno e introduzido na fábrica da Toyota, no Japão. Tendo como característi-ca central a organização just-in-time, na qual a produção é orientada pela demanda do merca-do, a empresa toyotista é organizada, também, de maneira enxuta e flexível, empregando um “pessoal mínimo” ou “efetivo mínimo que ocu-pa lugares-chave” (Coriat, 1994, p. 34), e mobi-lizando o restante da força de trabalho de acor-do com as demandas concretas acor-do mercaacor-do.

Assim, em razão da rapidez das inova-ções tecnológicas e da instabilidade do mer-cado, as empresas tendem a contratar a força de trabalho de acordo com as flutuações da demanda: “[...] no interior das empresas, a fle-xibilidade traduz-se na variação do número de trabalhadores, cujos aumentos ou reduções vão sendo adequados às necessidades da pro-dução” (Holzmann e Piccinini, 2011, p. 197). E, para o caso do trabalho por projetos, típicos

no setor de software, essa lógica se faz ainda mais presente.

Como observa Kovács (2004, p. 34), a difu-são de formas de emprego flexíveis pode implicar um forte crescimento de uma força de trabalho fluida que pode ser contratada, despedida, ex-ternalizada, de acordo com as necessidades de adaptação ao mercado por parte das empresas.

Com isso, tem-se uma dualização dos trabalhadores, pois, de um lado concentra-se o chamado “núcleo duro”, ou seja, aqueles que dispõem de um contrato de trabalho por tem-po indeterminado, com carreiras asseguradas e direitos garantidos e, de outro, os “assalariados da precariedade”, com futuro profissional in-certo (Oliveira; Carvalho, 2008).

O relato do diretor comercial da Empre-sa E deixa claro que esse fenômeno se confirma na realidade por nós estudada, pois, segundo ele, a empresa procura manter alguns “elemen-tos-chave” em seu quadro permanente, sendo que o restante da força de trabalho é contrata-do de acorcontrata-do com as necessidades, isto é, con-forme os projetos forem “aparecendo”.

O que a empresa tem que fazer é ter a consciência de que ela precisa manter alguns elementos-chave. […] Você tem que tentar manter (isso depende do porte da empresa, né?) uns dois ou três bons geren-tes de projeto, um ou dois especialistas em

quali-dade de software, um arquiteto de sistemas, que é

a pessoa que faz as fundações do sistema, um bom cara de banco de dados, que é a pessoa que cuida que o sistema seja bem organizado. Você tem que pegar os elementos-chave e manter e o resto quando você vai assumir um projeto novo você tem que ver a viabilidade de cumprir naquele prazo e como você corre pra estruturar a tua equipe (Entrevista nº 4, realizada com Diretor comercial da Empresa E, em abril de 2011).

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por contrato. Segundo ele, é importante que os trabalhadores tenham consciência de que a ga-rantia que eles têm é o período de duração do projeto em que estão trabalhando.

Às vezes a empresa tem um projeto grande, que de-manda 10 profissionais mas de repente termina o projeto. O que que você vai fazer com aquela mão-de -obra? Então, enquanto dura o projeto você tem uma renda e uma garantia. Então, a estabilidade hoje é muito complicada. Ela é por projeto, ela é por contra-to, né. Então a empresa tem um contracontra-to, mesmo que a médio prazo, um contrato de 2, 3, anos pra desen-volver um projeto. Esse é o teu período. Tem que ter consciência de que tua garantia é essa. (Entrevista nº 19, realizada com o Trabalhador 12, Analista de sistemas da Empresa C, em abril de 2012).

Conforme mostra o relato acima trans-crito, o emprego estável não parece, de fato, fazer mais parte do “horizonte existencial” dos trabalhadores, ao menos no setor de produção de software, já que eles se mostram conscien-tes da instabilidade e vulnerabilidade da con-dição contratual a que estão submetidos.

Esses assalariados da precariedade (no caso, aqueles que são facilmente contratados e demitidos pelas empresas) são mais vulnerá-veis, porque dispõem de um conjunto menor de direitos e proteções. Como analisa Graça Druck “[...] é o tempo de novos (des)emprega-dos, de homens empregáveis no curto prazo, através das (novas) e precárias formas de con-trato [...]” (Druck, 2011, p. 43).

Observamos, assim, que as empresas pesquisadas que desenvolvem software sob encomenda em Curitiba e Região adotam, cla-ramente, uma estratégia típica do capital nos dias atuais, que é a flexibilidade em recrutar e demitir funcionários de acordo com as ne-cessidades conjunturais da empresa. Essa ten-dência, que está presente em diversos setores econômicos, parece assumir uma grande fun-cionalidade no processo produtivo de softwa-re, cuja organização é estruturada por projeto.

Percebe-se, por fim, que os trabalhado-res envolvidos na produção de software pare-cem absorver o discurso das atuais formas de

gestão, que, tendo como elemento central o conceito de empregabilidade, corrobora com a aceitação das formas flexíveis de contrata-ção pelos assalariados. É bastante comum eles afirmarem que “cada um faz sua estabilidade” apresentando um bom trabalho, como mos-tram os relatos abaixo.

Mais estabilidade está em você procurar apresentar um bom trabalho e você... vamos dizer assim, quem está te contratando vê que você é importante no meio. Você apresenta um bom trabalho: isso eu acho que é estabilidade. É o trabalho bem feito. (Entrevis-ta nº 8, realizada com o Trabalhador 1, Analis(Entrevis-ta de sistemas da Empresa A, em abril de 2012).

O que eu vejo hoje que estabilidade não é um pro-blema. Para aqueles que fazem certo as coisas es-tabilidade não é um problema. Até porque as em-presas tão vendo que o mercado tá ruim pra você contratar, então é melhor você valorizar o que você tem do que ter que sair a busca de outro. (Entrevista nº 14, realizada com o Trabalhador 7, Engenheiro de

software da Empresa B, em abril de 2012).

Outro trabalhador afirmou que, se um empregado “trabalha bem”, ele faz a sua esta-bilidade, independente da idade:

Estabilidade? Eu acho que se você trabalha bem você faz a estabilidade, né, então se você não impor-ta se você for uma empresa ou for uma pessoa só, se você trabalha bem e tem comprometimento eu acho que você sempre vai ser estável, não importa nem a idade. Ainda mais nessa área que não precisa de esforço físico... eu acho que se você não para no tempo você consegue essa estabilidade. Então nisso eu não tenho medo, né, se você tá sempre correndo atrás você sempre tá no mercado (Entrevista nº 10, realizada com o Trabalhador 3, Analista de sistemas da Empresa A, em abril de 2012).

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dade substitui então a valorização da ideia de garantia” (Boltanski; Chiapello 2009, p. 121).

A análise de Harvey (1993) também aju-da a compreender o fenômeno, pois, de acordo com o autor, houve uma alteração das normas e dos valores coletivos que tinham hegemonia nos anos 1950 e 1960, e evolui-se para um indi-vidualismo muito mais competitivo como valor central numa nova cultura empreendimentista que penetrou em muitos aspectos da vida. Lem-bra, ainda, o autor que, nesse novo contexto, a ação coletiva se tornou mais difícil e “[...] o in-dividualismo exacerbado se encaixa no quadro geral como condição necessária, embora não suficiente, da transição do fordismo para a acu-mulação flexível” (Harvey, 1993, p. 161).

A noção de “empregabilidade” parece ser um elemento-chave desse discurso. Como já apontou Cardoso (2003), ela constitui a ou-tra face da dinâmica da desregulamentação do trabalho, pois transfere ao empregado a res-ponsabilidade, não só de encontrar um empre-go para si, como, também, de manter-se no em-prego. Como analisa Krein (2011, p. 248), “[...] a finalidade é provocar estímulos individuais para que as pessoas, submetidas à inseguran-ça, busquem soluções individuais, exercendo a criatividade e o empreendedorismo. Assim, valoriza-se o mérito individual, com a compre-ensão de que o indivíduo é o responsável pelo seu bem-estar”.

Estudos recentes vêm apontando a ten-dência atual que encoraja os trabalhadores a perceberem a si mesmos como empreendedo-res e para o aumento da individualização na construção e valorização das próprias condi-ções de empregabilidade (Sorj, 2000). Nes-se contexto, os trabalhadores devem ver a si mesmos como trabalhadores autônomos, res-ponsáveis por investir em si mesmos e vender suas habilidades, tornando-se um bricoler de sua condição de empregabilidade. Para Bila Sorj (2000, p. 32),

[...] a constante incerteza, advinda da pluralidade de formas de contratos de trabalho, em relação à dura-ção, ao tempo e à localização das atividades,

asso-ciada à rápida obsolescência das habilidades adqui-ridas, requerem das pessoas intensos investimentos privados e permanente sintonia com as eventuais oportunidades que o mercado oferece [...]

A empregabilidade, segundo Luiz Anto-nio Machado da Silva (2002), vem se transfor-mando no coração de uma cultura do trabalho em gestação, e representa o elenco dos atributos subjetivos – disposições pessoais, competên-cias, etc. – que as empresas esperam dos traba-lhadores, correspondendo às necessidades de uma produção “flexibilizada”. O autor ressalta que, mais do que a aquisição de novas compe-tências técnicas, melhor adaptadas às mudan-ças do regime produtivo, a noção de emprega-bilidade contém uma dimensão simbólico-ide-ológica de convencimento/adesão que interfere sobre a formação da autoimagem e da visão de mundo dos trabalhadores (Silva, 2002, p. 8).

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atuais formas de gestão, que têm em seu cerne a noção de empregabilidade, pois esses traba-lhadores se consideram responsáveis pela sua própria estabilidade e inserção no mercado de trabalho.

Isso sugere que o trabalho de desenvol-vimento de software não se distingue de outras formas de trabalho assalariado, mas também incorpora todo o conjunto de formas flexíveis de contratação de trabalho que se configura-ram no quadro do capitalismo atual.

A lógica que comanda as relações de tra-balho na indústria de software nas empresas pesquisadas de Curitiba e Região, portanto, não difere daquela que rege as relações entre capital e trabalho nos dias atuais para os diver-sos setores da economia. Ainda que referentes a uma conjuntura específica, dados encontra-dos em nossa pesquisa empírica parecem su-ficientes para problematizar as teses sobre o trabalho imaterial quando afirmam que essa forma de produção impulsionaria uma eman-cipação política do “operário social”, possibili-tada pela sua qualificação técnica, levando ao fim da sociedade de classes e da exploração do trabalho pelo capital.

Recebido para publicação em 17 de abril de 2014 Aceito em 08 de setembro de 2014

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Maria Aparecida Bridi – Doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná. Professora Universidade Federal do Paraná Diretora executiva da Associação Brasileira de Estudos de Trabalho, coordenadora do GETS - Trabalho e Sociedade da Universidade Federal do Paraná. Tem experiência na área de Sociologia, com ênfase em Sociologia do Trabalho, atuando principalmente nos seguintes temas: trabalho informacional, metalúrgicos, sindicalismo, indústria automobilística, bancários e ação sindical. Publicações recentes: Trabalho e trabalhadores na indústria de informática. Contemporânea - Revista de Sociologia da UFSCar, v. 4, p. 351-380, 2014; O setor de tecnologia da informação: o que há de novo no horizonte do trabalho? Política & Trabalho (Online), v. 41, p. 277-304, 2014; O trabalho no setor de informática no Paraná: reflexões sociológicas. Revista Paranaense de Desenvolvimento, v. 34, p. 93-118, 2013.

Mariana Bettega Braunert – Doutoranda em Sociologia do Programa de Pós Graduação em Sociologia (PPGS) da Universidade Federal do Paraná. Tem experiência na área de Sociologia, com ênfase em Ciência Política e Sociologia do Trabalho, atuando principalmente nos seguintes temas: elites políticas, contratação flexível, indústria de software e formas de gestão de trabalho no setor público. Publicações recentes: Direitos Humanos, racismo e seu disciplinamento no ordenamento jurídico brasileiro. Revista Bonijuris, v. 560, p. XX-XXV, 2010; Trabalho e fé: uma análise jurídica da natureza dos serviços prestados a instituições religiosas. Revista Bonijuris, v. 20, p. 12-15, 2008; A direita, a esquerda e a democracia: os valores políticos dos parlamentares paranaenses (1995-2002). Opinião Pública (UNICAMP), Campinas, v. 12, n.1, p. 114-135, 2006

WORK AT THE SOFTWARE INDUSTRY: flexibility a standard in forms of employment

Maria Aparecida Bridi Mariana Bettega Braunert

This study analyzes the flexibility of the forms of employing the workforce of the software developers from the city of Curitiba and its surroundings. It is the result of an empirical research in which we interviewed workers and employers from that sector. We found a predominance of workers being contracted as a legal entity, as “CLT Flex” or through a worker co-operative. Beyond a clear attempt by the companies of getting rid of charges on worker relations, the proliferation of flexible forms of contracting seems related, in that sector, to the way the productive process is structured, organized in projects, and to the discourse that justifies the current forms of management, which have in its center the notion of employability. These findings indicate that labor involving high technology is also organized as a typically capitalist wage work, whose logic does not differ from the one that governs the relations between capital and work in other sectors of the economy.

Keywords: Software industry, work contract, flexibility,

forms of management, productive process.

LE TRAVAIL DANS L’INDUSTRIE DU LOGICIEL: la flexibilité comme référence pour les contrats

Maria Aparecida Bridi Mariana Bettega Braunert

Cette recherche analyse la flexibilité des contrats d’embauche de la force de travail de ceux qui fabriquent des logiciels à Curitiba et dans sa région. C’est l’aboutissement d’une recherche empirique faite grâce à des interviews réalisées auprès des travailleurs et des entrepreneurs de ce secteur. Il en ressort une nette préférence pour des contrats avec ceux qui sont enregistrés comme personnes juridiques, comme “CLT Flex” ou organisés en coopératives de travail. Au-delà du fait que les entreprises essaient très clairement de ne pas avoir à payer les charges sociales obligatoires dans une relation de travail, la prolifération de de contrats en termes de plus en plus flexibles semble être directement liée, dans ce secteur, à la manière dont est structuré le processus productif, organisé par projets, et à un discours justificatif des formes de gestion actuelles au coeur duquel se trouve la notion d’emploi. Ces contrats démontrent que le travail, qui suppose un haut niveau de technologie, est aussi organisé comme un travail salarié typiquement capitaliste et dont la logique ne semble pas être différente de celle qui règle les relations entre le capital et le travail dans d’autres segments de l’économie.

Mots-Clés: Industrie des logiciels, contrat de travail,

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