RELATO DE CASO
ASSOCIAÇÃO DE CROMOBLASTOMICOSE E HANSENÍASE:
RELATO DE DOIS CASOS
Conceição de M aria P. e Silva, A na C arla de M . e Silva, Sirley C. M arques,
A na C ristin a R . S aldanha, Jeanne D ’Arc L . Nascim ento, M aria dos Rem édios
F .C . B ranco, R aim unda R . Silva e Jackson M . L . C osta
A o e s tu d a r 3 0 c a s o s d e c r o m o b la s to m ic o s e d ia g n o s tic a d o s n o H o s p ita l d o s S e r v i d o r e s d o E s ta d o d o M a r a n h ã o , n o p e r í o d o d e n o v e m b r o d e 1 9 8 8 a m a r ç o d e 1 9 9 3 , o s a u to r e s o b s e r v a r a m 2 ( 6 ,6 % ) c a s o s , q u e a p r e s e n ta r a m a s s o c ia ç ã o d e s t a d o e n ç a c o m h a n s e n ía s e . O p r i m e i r o p a c ie n t e d e s e n v o lv e u a s d u a s d o e n ç a s c o n c o m ita n te m e n te , a p r e s e n ta n d o e s p e s s a m e n to n o n e r v o c u b ita l b ila te r a l, m a l p e r f u r a n te p la n t a r em p é d ir e ito e le s õ e s em p l a c a s v e r r u c ó id e s n a p e r n a e s q u e r d a , c o m b ió p s ia d e n e r v o c u b ita l d ir e it o p o s i ti v a p a r a h a n s e n ía s e d im o r f a T e b ió p s ia d a le s ã o em p l a c a , p o s i ti v a p a r a Fonsccaea pedrosoi. O s e g u n d o c a s o , p a c ie n t e c o m h is tó r ia d e h a n s e n ía s e v ir c h o w ia n a h á 3 0 a n o s , e m p a u s a te r a p ê u tic a p o r “cura”, c o m le s õ e s v e r r u g o - c o n flu e n te s e m c o to v e lo d ir e ito h á 1 2 m e s e s , h is to p a to ló g ic o e c u ltu r a p o s i t i v a , p a r a c r o m o b la s to m ic o s e . O s p o s s í v e i s f a t o r e s p a r a o d e s e n v o lv im e n to d a c r o m o b la s to m ic o s e n e s te s p a c i e n t e s s ã o d is c u tid o s .
P a la v r a s - c h a v e s : C r o m o b la s to m ic o s e . H a n s e n ía s e . E s ta d o d o M a r a n h ã o . R e v i s t a d a S o c i e d a d e B r a s i le i r a d e M e d ic in a T r o p ic a l
2 7 ( 4 ) . 2 4 1 - 2 4 4 , o u t- d e z , 1 9 9 4 .
Doença geralmente limitada à pele e tecido
subcutâneo, a cromoblastomicose tem distribuição
cosmopolita, embora a grande maioria dos casos
o corra em regiões tropicais e subtropicais,
especialmente quando o clima é quente e úmido. A
concentração dos casos ocorre em trabalhadores
rurais do sexo masculino, entre 30 e 50 anos de
idade. Essas características se assemelham a outras
doenças parasitárias que apresentam período de
incubação prolongado com a possibilidade da
infecção ocorrer ainda na infância2 3.
Apesar deste fato, existem poucos relatos da
associação cromoblastomicose com outras doenças
e n à ê m i c a s , m e s m o q u e s e j a m c o n r u n s n e s s & s r e g i õ e s .
Silva e cols9, após analisarem 30 casos de
cromoblastomicose em nosso estado, observaram
que 2 (6,6% ) pacientes apresentavam associação
com hanseníase. Pretende-se neste trabalho relatar
os 2 casos, os quais tiveram confirm ação
parasitológica e histopatológica.
Departam ento de Patologia da Universidade Federal do /.aranhão, São Luís, M A.
Suporte financeiro da Fundação de Amparo e Pesquisa do Estado do M aranhão (FA PEM A ).
E n d e r e ç o p a r a c o r r e s p o n d ê n c ia '. Prof. Jackson M .L. Costa Depto. de Patologia/U FM A . Pça. M adre Deus 02 - Madre Deus 65025-560 São Luís, M A , Brasil.
Recebido para publicação em 11/03/94.
RELATO DOS CASOS
Caso I. H .R .L ., 67 anos, masculino, pardo,
lavrador, procedente de Zé Doca (MA), com
história de aparecimento de verruga no pé esquerdo
há 21 anos. A lesão evoluiu gradualmente para
placa verrucosa, estendendo-se por toda a região do
dorso do pé esquerdo, ascendendo para a perna
esquerda (Figura 1 A), sendo a lesão acometida por
infecção secundária há 6 anos, impedindo suas
atividades na lavoura. Há 4 anos, procurou
assistência médica, quando foram observadas
manchas hipocrômicas disseminadas em membros
s u p e r i o r e s e t r o n c o , a í é m d e e s p e s s a m e n t o b i i a t e r a )
do nervo cubital e mal perfurante plantar em pé
direito (Figura 1B), infiltração dos lobos das orelhas,
diagnosticada hanseníase dim orfa T, iniciando
tratamento com dapsona. Procurou este serviço
para tratamento da lesão na perna esquerda, com
realização de biópsia para histopatologia e cultura,
i solando-se
F o n s c c a e a p e d r o s o i .Realizada também
bió p sia de nervo cubital com confirm ação
histopatológica de hanseníase (Figura 1C) ebiópsia
de pele mostrando infiltrado inflamatório constituído
por linfócitos e histiócitos dispostos em tom o de
vasos e anexos cutâneos com destruição parcial dos
últimos, chamando atenção para a presença de raros
bacilos álcool ácido resistentes.
R e l a t o d e C a s o . S il v a C M P , S il v a A C M , M a r q u e s S G , S a ld a n h a A C R , N a s c im e n to J D L , B r a n c o M R F C , S il v a R R , C o s ta J M L . A s s o c i a ç ã o d e c r o m o b l a s t o m i c o s e e h a n s e n í a s e : r e l a t o d e d o i s c a s o s . R e v i s t a d a S o c i e d a d e B r a s i l e i r a d e M e d i c in a T r o p i c a l 2 7 : 2 4 1 - 2 4 4 , o u t- d e z , 1 9 9 4 .
F ig u r a I A - H .R .L . D e ta lh e s d a p e r n a e s q u e r d a c o m l e s ã o . v e r r u c ó i d e e m p l a c a s , a s s o c ia d o à in f iltr a ç ã o te c id u a l.
F ig u r a 1 B - H .R .L . M a l p e r f i i r a n t e p l a n t a r n o I o p o d o d á c t i l o d o p é d ir e ito .
F ig u r a 1 C - H .R .L . F o to m ic r o g r a f ia d e b i ó p s i a d e n e r v o c u b i t a l , m o s t r a n d o i n f i l t r a d o l i n f o -h is tio c itá r io d i s s o c ia n d o f i b r a s n e r v o s a s . H E 4 0 X .
Caso 2. P .C .F ., 50 anos, masculino, negro,
natural e procedente de São Bento (MA), com
diagnóstico de hanseníase virchowiana há 30 anos,
em pausa terapêutica por
“c u r a ”.H á 1 ano,
apareceram pequenas lesões verrucosas no cotovelo
direito que evoluíram com lesões em antebraço
(Figura 2). As verrugas evoluíram, transformando-
se em uma placa verrugo-confluente com lesões
verrucoídes satélites; realizada biópsia, com
diagnóstico histopatológico de cromoblastomicose
e cultura positiva, isolando-se
F o n s e c a e a p e d r o s o i .DISCUSSÃO
Recentemente, Silva e cols7 8 relataram a
presença da cromoblastom icose no Estado do
Maranhão, destacando aspectos relacionados a uma
provável zona endêmica na baixada ocidental
maranhense, local de procedência de 91,6% dos
casos, todos diagnosticados no Serviço de Doenças
Infecciosas
ú oHospital dos Servidores do Estado
R e la t o d e C a s o . S ilv a C M P , S il v a A C M , M a r q u e s S G , S a ld a n h a A C R , N a s c im e n to J D L , B r a n c o M R F C , S il v a R R , C o s ta J M L . A s s o c i a ç ã o d e c r o m o b la s t o m i c o s e e h a n s e n í a s e : r e l a to d e d o i s c a s o s . R e v i s t a d a S o c i e d a d e B r a s i l e i r a d e M e d i c in a T r o p i c a l 2 7 : 2 4 1 - 2 4 4 , o u t- d e z , 1 9 9 4 .
F ig u r a 2 - P . C. F. M o s tr a n d o le s ã o v e r r u g o -c o n flu e n te c e n tr a l c o m le s õ e s v e r r u c ó id e s s a té lite s .
Na literatura, observou-se poucos relatos da
associação cromoblastomicose com outras doenças
parasitárias5. Com relação à hanseníase, Pavithran5
descreve um caso em que a lesão cromomicótica
desenvolveu-se na antiga cicatriz hansenótica.
Quando comparado aos nossos casos, observa-se
que em um dos pacientes estudados, as doenças
desenvolveram -se concom itantem ente, sendo
necessária terapêutica simultânea para que houvesse
regressão das lesões. No outro, após revisão dos
prontuários anteriores, constatou-se que o mesmo
foi portador de hanseníase virchowiana, atualmente
sem tratamento.
O relato dos casos nos parece de grande
im p o rtâ n c ia p o is, segundo P a v ith ra n 5, na
hanseníase, as áreas de analgesia, com ocorrência
de repetidos traumas na pele, poderão resultar em
processos hiperceratóticos ou, ainda, penetração de
outros agentes parasitários que tenham capacidade
de produzir doença naquele local. Sabemos que,
mesmo após o tecido cutâneo ter sido afetado por
uma doença granulomatosa, induzida por um agente
infeccioso, não implicará na proteção contra outros
agentes responsáveis pelo desenvolvimento da
resposta granulomatosa4 5 6.
Em relação à terapêutica, é importante ressaltar
a associação de drogas capazes de interrom per a
progressão das doenças, embora saibamos que as
sulfas exerçam atividade em relação a determinados
fungos1.
SUMMARY
T h irty c a s e s o f c h r o m o b la s to m y c o s is w e r e d ia g n o s e d a t H o s p it a l d o s S e r v id o r e s d o E s ta d o d o M a r a n h ã o , f r o m N o v e m b e r , 1 9 8 8 to M a r c h , 1 9 9 3 . T h e a u th o r s r e p o r t 2 ( 6 . 6 % ) c a s e s , th a t p r e s e n t e d a n a s s o c ia tio n w ith le p r o s y . T h e f i r s t p a ti e n t d e v e l o p e d b o th d is e a s e s to g e th e r , s h o w in g p a l p a b l e b il a te r a l c u b it a l n e r v e s , p e r f o r a n ti n g u lc e r o f th e r ig h t f o o t , in filtr a tio n a n d le s io n s in v e r r u c o id p l a q u e s in le ft le g , w ith p o s i t i v e b i o p s y f o r d im o r p h ic le p r o s y . T he s e c o n d c a s e , a p a t i e n t w ith h is to r y o f le p r o m a to u s le p r o s y f o r 3 0 y e a r s w ith o u t tr e a tm e n t, w ith v e g e ta n t le s io n s w ith a w a r ty a s p e c t in r i g h t e lb o w f o r 1 2 m o n th s , h i s t o p a t o l o g i c a n d p o s i t i v e c u l t u r e f o r c h r o m o b l a s t o m y c o s i s . T h e p o s s i b l e f a c t o r s f o r d e v e lo p m e n t o f th is d is e a s e in th e s e p a ti e n ts a r e d is c u s s e d .
K e y - w o r d s : C h r o m o b la s to m y c o s is . H a n s e n ia s is . M a r a n h ã o S ta te .
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