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Os cuidados de manutenção dos potenciais doadores de órgãos: estudo etnográfico sobre a vivência da equipe de enfermagem.

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Academic year: 2017

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1 Enferm eira, Mest re, Docent e da Universidade Cat ólica de Goiás, Brasil, e- m ail: m .m adalena@ucg.br; 2 Enferm eira, Professor dout or aposent ado da Escola de Enferm agem , da Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil, e- m ail: m arisa@enf.ufm g.br

OS CUI DADOS DE MANUTENÇÃO DOS POTENCI AI S DOADORES DE ÓRGÃOS: ESTUDO

ETNOGRÁFI CO SOBRE A VI VÊNCI A DA EQUI PE DE ENFERMAGEM

Maria Madalena Del Duqui Lem es1 Marisa Ant onini Ribeiro Bast os2

Trata- se de estudo etnográfico que teve com o obj etivo com preender a vivência da equipe de enferm agem na m anutenção de potenciais doadores de órgãos. Os dados foram coletados através de entrevistas etnográficas, observação part icipant e e análise docum ent al e subm et idos à analise de dom ínio, t axonôm ica e t em át ica. No processo de im ersão nos dados colet ados, foi ident ificado o significado de m ort e encefálica, que desvelou a int er - r elação ent r e as cat egor ias, const it uindo- se no t em a cult ur al dest e est udo: “ não é um a pessoa” . O significado de t r ansplant e at r ibuído pela equipe de enfer m agem é m ar cado pela descr ença em r azão de experiências anteriores vivenciadas na unidade de terapia intensiva. Assim , as crenças e valores dessa subcultura int erferem ou det erm inam dist anciam ent o do pacient e e conseqüent e prej uízo na assist ência adequada para a m anut enção do doador e qualidade dos órgãos doados.

DESCRI TORES: cuidados de enferm agem ; t ransplant e de órgãos; obt enção de t ecidos e órgãos

THE MAI NTENANCE CARE OF POTENTI AL ORGAN DONORS: ETHNOGRAPHI C STUDY ON

THE EXPERI ENCE OF A NURSI NG TEAM

This et hnogr aphic st udy aim ed t o under st and a nur sing t eam ’s ex per ience on t he m aint enance of pot ent ial or gan donor s. Dat a w er e collect ed t hr ough et hnogr aphic int er v iew , par t icipat iv e obser v at ion and docum ent al analysis and analyzed in t hem at ic, cult ural dom ain and t axonom ical t erm s. The research enabled us t o ident ify t he m eaning of brain deat h, revealing t he int errelat ion bet ween t he cat egories ( unit s, nursing team and patient) , which constituted this study m ain them e: “ it is not a person” . The transplant m eaning held by t he nursing t eam is m arked by disbelief due t o som e previous experiences in t he I nt ensive Therapy Unit . Thus, beliefs and values of this subculture interfere or determ ine a distancing from the patient with a consequent loss in t he m aint enance of t he pot ent ial donor and qualit y of t he organs donat ed.

DESCRI PTORS: nursing care; organ t ransplant at ion; t issue and organ procurem ent

LOS CUI DADOS DE MANUTENCI ÓN DE LOS POTENCI ALES DONATI VOS DE ÓRGANOS:

ESTUDI O ETNOGRÁFI CO DE LA VI VENCI A DEL EQUI PO DE ENFERMERÍ A

Se t rat a de un est udio et nográfico que t uvo com o obj et ivo com prender la experiencia del equipo de enfer m er ía en la m anut ención de los pot enciales donador es de ór ganos. Los dat os fuer an r ecolect ados a t ravés de encuest as et nográficas, observación part icipant e y análisis docum ent al y som et idos a análisis del dom inio, taxonóm ico y tem ático. En el proceso de inm ersión de los datos recogidos fue identificado el significado de la m uer t e encefálica, que desv eló la int er r elación ent r e las cat egor ías ( unidades de t er apia int ensiv a, equipo de enferm ería y pacient es) , const it uyéndose en el principal t em a de ese est udio “ no es una persona” . El significado del t ransplant e at ribuido por el equipo de enferm ería es m arcado por la no creencia, m ot ivada por experiencias ant eriores vividas en las unidades de t erapia int ensiva. Así, las creencias y valores de esa subcult ura int erfieren o det erm inan un dist anciam ient o del pacient e y un consecuent e prej uicio en la at ención adecuada para la m anut ención del donant e y calidad de los órganos donados.

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I NTRODUÇÃO

O

s cuidados aos pacient es com insuficiência renal crônica os t ornam dependent es das m áquinas de hem odiálise. Essa dependência é m ant ida at é o m o m e n t o e m q u e o s m e sm o s se su b m e t a m a o transplante renal, com sucesso. No transplante renal, a m odalidade de doação se constitui de duas form as: com doador vivo e com doador cadáver.

Em Goiânia, GO, desde 1984, os transplantes r enais er am feit os, v ia de r egr a, com doador v iv o relacionado. Som ente no final do ano de 1998, é que se in iciar am os t r an splan t es com doador cadáv er, e m b o r a a s u n i d a d e s d e t e r a p i a i n t e n si v a n ã o e st i v e sse m p r e p a r a d a s p a r a p r o ce d e r adequadam ente a m anutenção do indivíduo com m orte encefálica com o pot encial doador.

Os p r o b l e m a s q u e su r g i r a m co m e sse p r o ced i m en t o n ão f o r am d i f er en t es d aq u el es d e o u t r o s ce n t r o s t r a n sp l a n t a d o r e s. A l i t e r a t u r a disponív el apont a som ent e par a falhas no pr ocesso de doação de ór gãos pr ov enient es de pessoas com m or t e en cef álica, ligadas às post u r as da n egação f am i l i ar e às co n d i çõ es t écn i cas d o t r ab al h o d e profissionais, sobret udo os cuidados de m anut enção inadequados com o pot encial doador de órgãos( 1).

Em t r ab alh o d esen v olv ido n o I n st it u t o d e Ci ên ci as Neu r o l ó g i cas d e Gl asg o w ( EUA) , f o r am descr it as as causas que inv iabilizam o aum ent o de pot enciais doadores de órgãos, ent re elas a falt a de disponibilidade m édica, a r elut ância em solicit ar a d o a çã o a o s f a m i l i a r e s, a s f a l h a s n o s t e st e s d e com pr ov ação de m or t e encefálica e a com unicação inadequada com a equipe de t ransplant e( 2).

A ex p er iên cia d a p esq u isad or a, aq u i, em Un idade de Ter apia I n t en siv a ( UTI ) m ost ra qu e o pacien t e com m or t e en cef álica ( ME) er a o m en os cuidado, sendo as atenções direcionadas aos pacientes pot encialm ent e recuperáveis. Assim a propost a foi a desenvolver est udo sobre o envolvim ent o da equipe d e en f er m ag em d essas u n id ad es n o p r ocesso d e m a n u t e n çã o d e p e sso a s i n t e r n a d a s co m m o r t e encefálica com o pot enciais doadores de órgãos, um a v ez que a m anut enção dos pot enciais doador es de ó r g ã o s se co n st i t u i n a se g u n d a ca u sa d a n ã o efet ivação da doação de órgãos no Brasil.

O int eresse foi est udar quais os significados que a equipe de enferm agem at ribui ao pacient e em m ort e encefálica, com preendendo a vivência desses profissionais no cotidiano dos cuidados de m anutenção

do potencial doador de órgãos. Port ant o, est e est udo teve com o obj etivo com preender a vivência da equipe d e e n f e r m a g e m e m r e l a çã o a o s cu i d a d o s d e m anut enção de pot enciais doadores de órgãos.

REFERENCI AL TEÓRI CO-METODOLÓGI CO

Pa r a co m p r e e n d e r o u n i v e r so si m b ó l i co com par t ilhado pela equipe de enfer m agem , opt ou-se p ela p esq u isa et n og r áf ica. A et n og r af ia é u m m ét od o ad eq u ad o p ar a d escr ev er u m sist em a d e significados cult urais de det erm inado grupo, a part ir da visão de m undo do nat ivo dessa cult ura( 3).

O ce n á r i o cu l t u r a l co n st i t u i u - se p e l a represent at ividade de dois hospit ais que int egram o processo de doação- transplante na cidade de Goiânia, GO: um a unidade de terapia intensiva e um a unidade de em er gência.

A colet a dos dados foi realizada at ravés da observação part icipant e, da ent revist a et nográfica e da análise docum ent al( 3).

O regist ro descrit ivo das observações foi em relação ao m eio am bient e, às condições de at uação d a e q u i p e d e e n f e r m a g e m i n t e n si v i st a e d a em ergência, com port am ent os, ações e at ividades dos infor m ant es, diálogos com os infor m ant es, ger ando os regist ros reflexivos acerca do m ét odo e da t eoria ut ilizada no est udo.

As ent revist as et nográficas foram realizadas durant e o período de t rabalho dos inform ant es, num m om ent o det erm inado pelos m esm os, para que não houvesse prej uízo no desenvolvim ent o da assist ência pr est ada e nem int er fer ência dur ant e a ent r ev ist a, um a vez que essas unidades têm com o característica a im pr ev isibilidade.

As e n t r e v i st a s f o r a m g r a v a d a s, co m a anuência do inform ant e, e os regist ros t ranscrit os na íntegra. Além do registro dos dados coletados, através da obser v ação par t icipant e, ut ilizou- se o diár io de cam po para anot ações durant e e após as ent revist as e p a r a a n o t a çõ e s d a s r e f l e x õ e s, e n q u a n t o pesqu isador a.

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Transplant e Renal e da Com issão I nt ra- Hospit alar de Tr ansplant e.

Fi ze r a m p a r t e d e st e e st u d o q u a t r o e n f e r m e i r o s e t r e ze t é cn i co s e a u x i l i a r e s d e enfer m agem , que t r abalham na unidade de t er apia i n t en si v a e n a u n i d ad e d e r ean i m ação , am o st r a int encional de t am anho det er m inado pelo pr ocesso de sat uração dos dados.

Os cr i t ér i o s d e i n cl u são d o s i n f o r m an t es foram aqueles que, volunt ariam ent e, se propuseram a participar do estudo, os que trabalhavam na unidade há m ais de seis m eses e os que cuidaram de pacientes com m ort e encefálica.

A perm anência da pesquisadora no local do estudo foi de 100 horas. Houve m om entos de até 10 hor as consecut iv as de obser v ações no pr ocesso de m a n u t e n çã o d o p o t e n ci a l d o a d o r d e ó r g ã o s, com preendendo o diagnóst ico da m ort e encefálica, o prim eiro exam e clínico, o segundo exam e clínico, a abordagem fam iliar e a solicit ação para t ransferir o pacient e para a unidade de t erapia int ensiva.

Est e est udo seguiu a r esolução 196/ 96 do Conselho Nacional de Saúde. O proj et o foi aprovado p elo Com it ê d e Ét ica em Pesq u isa d a UFMG e os par t icipant es assinar am o t er m o de consent im ent o livre e esclarecido.

Bu sco u - se ex t r ai r v al o r es e cr en ças q u e pudessem guiar as ações da equipe de enferm agem , da UTI e da reanim ação, em relação à m anut enção do pot encial doador de órgãos at ravés da análise de d o m ín i o s cu l t u r a i s, d a s t a x o n o m i a s e t em á t i ca . Entende- se por análise de dom ínio a organização dos t er m os pr ópr ios da linguagem dos infor m ant es, ou sej a, os t er m os m ais com uns e pr ópr ios da equipe de en fer m agem qu e cu ida do pot en cial doador de ór g ãos. A an álise t ax on ôm ica se car act er iza p ela organização da est rut ura int erna do dom ínio cult ural. A análise t em át ica dá um a visão holíst ica da cult ura em est udo( 3).

DESCREVENDO A CULTURA DA EQUI PE DE

ENFERMAGEM

O cont at o com os pacient es e o desconhecim ent o de lidar com a m ort e encefálica

A freqüência do cont at o com pacient es com m orte encefálica pode ser explicada pela casualidade, u m a v e z q u e p o d e m se r a d m i t i d o s a q u a l q u e r

m om ento. A m aioria deles é encam inhada no período noturno, nos finais de sem ana e nos feriados. Alguns inform ant es relat am que j á cuidaram de m uit os casos de m orte cerebral, uns dez, se não for m ais...

No ent ant o, os infor m ant es ex pr essar am o desconhecim ento sobre com o cuidar, dizendo: que não sabiam por onde com eçar , que não for am cham ados par a

treinam ento, relatando, portanto, falta de conhecim ento. A gente

cuida porque é o que a gente acha que tem que ser feito, m as que

a gente teve algum a orientação, não, nunca tivem os nada não.

Nem preparar a gente psicologicam ente ninguém nunca preparou.

A e d u ca çã o co m a p a r t i ci p a çã o d o s p r of ission ais d e saú d e e d a socied ad e é u m d os fat ores det erm inant es para o sucesso ou o fracasso d o s p r o g r a m a s d e t r a n sp l a n t e s. Ao r e t r a t a r a im port ância de program as de educação cont inuada, a equ ipe de en fer m agem é cit ada com o elem en t o fundam ental em todo o cont ext o do procedim ento( 2,4-5), um a v ez que a apr endizagem significa m udança

no com port am ent o da pessoa devido à incorporação d e n o v o s h á b i t o s, a t i t u d e s, co n h e ci m e n t o s e dest r ezas.

Ap r e n d e n d o co m o m é d i co e co m a supervisora foi um a m aneira de adquirir conhecim ento para assist ir o pot encial doador de órgãos ...foi um a rotina que a gente foi pegando de acordo com os m édicos. Chega

e vão orientando: faz isso, faz aquilo.

Os t reinam ent os, cursos, t ext os e palest ras f o r a m r e f e r i d o s co m o e st r a t é g i a s d e a d q u i r i r co n h e ci m e n t o so b r e a m o r t e e n ce f á l i ca . Os inform ant es relat am que receberam t reinam ent o da central de transplante. Foi um a sem ana de curso, com 40 horas de duração. Foi um curso m uito bom que a gent e viu desde a legislação at é a part e burocrát ica de AI H. Da m esm a form a, relat am que aprenderam sozinhos, com o passar do tem po, no dia- a- dia, vendo prescrições m édicas e vendo com os colegas.

A assist ência de enferm agem ao pacient e com m ort e en cefálica

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Nos discursos dos inform antes foram tam bém i d en t i f i ca d a s essa s d em a n d a s d a a ssi st ên ci a a o p a ci e n t e co m m o r t e e n ce f á l i ca , p o i s r e l a t a m a necessidade de cuidar das vias aéreas, de vigiar a função renal, controlar a reposição de líquido, olhar volum e e diurese. Essa assistência é realizada no sentido de controlar a disfunção endócrina que decorre da rupt ura do eixo h i p o t á l a m o - h i p o f i sá r i o , q u e se ca r a ct e r i za p e l a p r esen ça d e d iab et es in sip id u s q u e, q u an d o n ão t r at ad o, d esen cad eia p er d a v olu m osa d e líq u id o, provocando diferent es dist úrbios elet rolít icos( 6- 7).

Aqu ecer o pacien t e, olh ar a t em per at u r a, colocar cobert or são cuidados fundam ent ais, pois na m ort e encefálica há perda do cent ro t erm orregulador hipot alâm ico, desencadeando hipot er m ia que pode g er ar a d ep r essão d o m iocár d io, as ar r it m ias, a dim inuição do t ransport e de oxigênio, o aum ent o da afinidade da hem oglobina pelo oxigênio, a disfunção renal, a pancreat it e e as coagulopat ias. Aquecer os f l u i d o s e n d o v e n o so s é cu i d a d o q u e r e sp o n d e à necessidade de cont rolar a t em perat ura corporal( 6- 7).

Verificar e anot ar a pressão art erial, olhar a per fusão, os sinais v it ais dev em ser r ealizados em razão da disfunção cardiovascular, que se m anifest a através de severa hipertensão, seguida de hipotensão p r o g r essi v a e, co n seq ü en t em en t e, h i p o p er f u sã o tecidual. Tem com o origem a vasodilatação sistêm ica, decorrent e da perda da at ividade m ot ora. A função m iocár dica é alt er ada pelos dist úr bios elet r olít icos, das perdas renais e por dist úrbios horm onais. Além disso, dev e- se at ent ar par a a causa da hipot ensão que pode ser m ult ifat orial( 6- 7).

Cuidar das córneas at ravés da um idificação

foi tam bém relatado com o fundam ental, um a vez que é um dos t ecidos m ais t ransplant ados na at ualidade. A cór nea dev e ser m ant ida um edecida e pr ot egida com pom ada para evit ar cerat it es( 6- 7).

Os cuidados ident ificados nos depoim ent os d o s i n f o r m a n t e s r e f e r i a m - se a m a n t e r r i g o r o so controle de assepsia, com o intuito de evitar processos infecciosos. Tais cuidados são descrit os na lit erat ura, t ais com o a pr ev enção de escar as de decúbit o e a necessidade da higiene corporal para que dim inua os riscos de infecção( 6- 7).

Out ros cuidados relat ados pelos inform ant es são tam bém citados na literatura, entre eles verificar e a n o t a r o v a l o r d a g l i ce m i a. A h i p e r g l i ce m i a , decorrente da falência na secreção da insulina, altera o est oque de glicogênio, necessit ando de r eposição d e i n su l i n a. Ou t r o s cu i d ad o s n a m an u t en ção d o

p o t e n ci a l d o a d o r, co m o o b se r v a r e a n o t a r a coagulação sangüínea devem ser realizados, um a vez q u e essa est á r elacion ad a ao g r au d e d est r u ição cerebral. É t am bém preconizado o uso da bom ba de in f u são qu an do adm in ist r ar dopam in a, m edicação u sad a q u an d o h á r esp ost a ad eq u ad a à r ep osição volêm ica( 6- 7).

As r eações d a eq u ip e d e en f er m ag em d ian t e d o pacient e com m ort e encefálica

As reações da equipe frente ao paciente com m orte encefálica são descritas com o: ficando desum ano, t endo dificuldade para cuidar e cuidando com am or. Assim , quando o pacient e est á em m ort e cerebral, aí ele é o m ais esquecido. Alguns ignoram , acham que está em m orte cerebral...

O p r of ission al d a saú d e se f r ag m en t a, se isola, nega e perde cont at o com um a form a de ação que, em bora desconfortante, faz parte de sua história e de sua essência, ao lidar com situações angustiantes, o que poderá explicar a dificuldade dos inform ant es para cuidar do pot encial doador de órgãos( 8).

Assim , ao se aperceberem de suas condições hum anas, os profissionais vivenciam m om ent os que o s a f e t a m , p r o v o ca n d o se n t i m e n t o s co m o a in seg u r an ça, in cap acid ad e, o con st r an g im en t o, a im pot ência, o sofr im ent o e dor( 9- 10). Essas r eações

foram expressas pelos inform ant es: cuidar de alguém com m orte encefálica se tornou doloroso. [ ...] Então é assim doído.

Quando é criança então nossa, nem m e coloca pra cuidar que eu

não dou cont a. Eu acho que eu não est ou no fundo, no fundo,

totalm ente preparada pra lidar com isso...

Os profissionais de saúde não apreendem a m ort e e a vida com o pert encendo t am bém à esfera da nat ur eza e da cult ur a, apesar de sua for m ação cient ífica t r at ar os fenôm enos da v ida e da m or t e com o event os da esfera biológica( 9).

Apesar de toda a experiência vivida e da dor sent ida ao cuidar do pacient e com m ort e encefálica, os profissionais de enferm agem que negligenciam a abor dagem de seu s sen t im en t os com r efer ên cia à v ida, ao pr ocesso de m or t e e à m or t e em si n ão desenvolvem a capacidade de analisar e encarar as próprias necessidades pessoais. O fato de conseguirem lidar com su as em oções e seu s con f lit os in t er n os poderá levá- los a não prest ar assist ência qualificada ao pot encial doador de órgãos( 11).

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const at ou- se que 32% das enfer m eir as cuidam do doador sem se pr eocupar com ele; 25% acr edit am nos benefícios que esses pacientes podem proporcionar a outras pessoas e 25% relatam que cuidar do doador de órgãos é um a experiência “ vazia”( 12).

No p r esen t e est u d o , co n st at o u - se q u e a equipe t am bém cuida com esperança, pois o pacient e está em m orte cerebral, m as tem um órgão bom , tem que cuidar

dele direitinho pra gente sentir assim , satisfeita, que um rim

bom dele vai curar m uitas vidas, é, salvar m uitas vidas...

O significado de m orte encefálica atribuído pela equipe de enfer m agem

Pa r a o e n f e r m e i r o , é i m p o r t a n t e o con h ecim en t o cien t íf ico d a sit u ação d e m or t e d o pacient e e o aspect o fisiopat ológico( 13). Cont udo, isso

não é suficient e para inserir a cult ura do t ransplant e em um a equipe de m uit as hist órias pessoais.

Dos depoim ent os dos infor m ant es, em er giu o significado de m or t e encefálica com o doador de ó r g ã o s. A i d é i a d e q u e o p a ci e n t e co m m o r t e encefálica, recebido na unidade, é para doar os órgãos i n d i ca q u e p a r t e d e ssa su b cu l t u r a a ssi m i l a a co n ce p çã o d o p r o ce sso d o a çã o - t r a n sp l a n t e , incorporado à equipe desde 1998, quando se iniciou esse procedim ento nos serviços em Goiânia. Segundo os inform antes, aqui acontece m uito de chegar paciente com m ort e cerebral, j á vem pra ret irar os órgãos. Ele t em um a

im portância enorm e, tem tanta retirada pra passar pra outro. A

gente tem que im aginar que está aj udando um a outra pessoa,

um a outra vida..

Em outros depoim entos dos inform antes ficou e v i d e n t e q u e o s co n ce i t o s e v a l o r e s d e m o r t e en cef ál i ca d i f er em d a p o l ít i ca at u al d o p r o cesso doação- t ransplant e, um a vez que consideram que o paciente em m orte encefálica está m orto, não é paciente e não é um a pessoa. Aquele ali m orreu o cérebro, então aquilo ali só

está o coração batendo e sem a outra parte não vai funcionar. Pra

m im o paciente com m orte cerebral não é um paciente, não é um a

pessoa, não tem aquele apego, aquele sentim ento m esm o...

Em um trabalho qualitativo desenvolvido com g r a d u a n d o s d e e n f e r m a g e m , i n t i t u l a d o “ e st a r educando para a m ort e”, const at aram a im port ância do tem a “ m orte” para a form ação desses estudantes, abrindo cam inho que possibilita transcender o aspecto ônt ico do ex er cício de enfer m agem , na m edida em que contem pla a dim ensão ontológica do hom em que se cu i d a . Esse h o m e m t e m a m o r t e co m o possibilidade concret a de sua exist ência( 8).

A m or t e en cefálica é t am bém con sider ada pelos in for m an t es com o u m pacien t e gr av e o qu e con t r ib u i p ar a o su cesso d a d oação. Seg u n d o os cr i t ér i o s d e m an u t en ção d o p o t en ci al d o ad o r d e órgãos, o m esm o deve ser m antido em um a unidade de terapia intensiva e tratado com o paciente grave( 6).

O significado at ribuído ao t ransplant e pela equipe de en f er m ag em

As im plicações filosóficas m ais am plas e as i m p l i ca çõ e s é t i ca s m a i s co m p l e t a s d a e r a d o s t ransplant es alvoreceram com o t ransplant e cardíaco, que desencadeou o pr ocesso de desm ist ificação de que a m edicina er a um a ciência isent a de v alor es. Ou sej a, a transplantação de órgãos passou a ser um assunt o fundam ent al nas relações hum anas( 14).

Em bora relat em experiências ant eriores com t r ansplant ados não fav or áv eis, alguns infor m ant es acr edit am no t r ansplant e com o sendo um a chance

de vida para os t ransplant ados que poderão t er um a v ida nor m al. Segundo a equipe de enfer m agem , o significado dotransplante é de aj uda, um a aj uda m uito grande. Todo m undo tinha que conscientizar e doar...É um a continuidade,

pois quem precisa de um órgão para continuar....para ter um a

m elhora de vida.

Em 2002, na cidade de São Paulo, houve a “I Mini Maratona de Transplantados de Órgãos do Brasil”, que foi um sucesso. Os objetivos dessa m aratona foram de retornar à sociedade os resultados positivos do “sim ” que ela deu no ato da doação de órgãos, de nortear a qualidade de vida dos transplantados e a inserção deles no convívio social. Acredita- se que um a sociedade se pauta em resultados positivos e em torno dos m em bros, ela am plia a sua conscientização de doar(15), perm itindo

à população acreditar no processo doação-transplante. No e n t a n t o , a l g u n s d e sa cr e d i t a m n o s t r ansplant es, t r azendo a idéia de que é algo ainda quest ionáv el sob o pont o de v ist a da qualidade de vida e dos riscos das com plicações que podem levar o paciente a óbito m ais rápido, assim : a gente sabe que pra ele ficar bom e norm al dem ora m uito tem po. Ultim am ente

está tendo m uito pós- transplante na UTI com septicem ia. Não

sei por que fazer transplante, os pacientes m orrem ...

TEMA CULTURAL: NÃO É UMA PESSOA

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E esse universo sim bólico nort eou com port am ent os, at it udes e ações. Assim , no processo de análise da v iv ência da equipe de enfer m agem na m anut enção de potenciais doadores de órgãos, em ergiu o significado da m ort e encefálica para esses profissionais.

Em consonância com a lit erat ura, os nat ivos souber am descr ev er os cuidados adequados par a a m anut enção dos pacient es em m ort e encefálica, ou sej a, hidratar as córneas, hidratar o paciente, avaliar perdas de líquidos corporais, aquecer o corpo, m anter v ent ilação m ecânica e m onit or ização car díaca, usar dr oga par a m an t er a f or ça con t r át il do cor ação e drogas que preservam os out ros órgãos. Conhecem , tam bém , que há necessidade de realizar dois exam es clínicos, dev idam ent e r egist r ados, par a a av aliação da m ort e encefálica.

A m an u t en ção se r est r in g iu , con t u d o, ao banho no leit o, à m edicação de horário, à t roca da r oupa do leit o e aquecer o pacient e e não àqueles cuidados necessários para a efet iva m anut enção do pot encial doador de órgãos.

Do in ício da im plan t ação do pr ogr am a de t ransplant e com doador cadáver, gradat ivam ent e, a equipe de enferm agem foi adquirindo conhecim ent os p a r a a ssi st i r o p a ci e n t e co m m o r t e e n ce f á l i ca . Aprenderam no dia- a- dia, com o colega ou com alguns m édicos, e apenas alguns inform ant es referiram t er par t icipado de cur sos específicos sobr e o pr ocesso doação- t r ansplant e.

A f a l t a d e t r e i n a m e n t o d a e q u i p e d e enferm agem , no início da im plant ação do program a de t r an splan t e com doador cadáv er, per m it iu qu e cr enças e v alor es se const it uíssem em r azões par a que esses profissionais de enferm agem não se tornem

doadores de órgãos, além de m ost rar o despreparo diant e do conceit o de m ort e encefálica e da polít ica v igent e sobr e doação- t r ansplant e.

No processo de im ersão nos dados coletados ident ificou- se o significado de m ort e encefálica, que d e sv e l o u a i n t e r - r e l a çã o e n t r e a s ca t e g o r i a s, const it uindo- se no t em a cult ural dest e est udo: não é um a pessoa.

As reações da equipe de enferm agem , diante da m or t e en cefálica, for am desv eladas at r av és de sentim entos de dó, é dolorido, é difícil, choca, não se apega ao cuidar do pot encial doador de ór gãos, ocasionando dim inuição da atenção dispensada à sua m anutenção.

CONCLUSÃO

A co m p r e e n sã o d o s v a l o r e s, cr e n ça s e co n h e ci m e n t o s co m p a r t i l h a d o s p e l a e q u i p e d e enferm agem que vivencia os cuidados de m anutenção de pot enciais doador es de ór gãos, r ev ela conceit o que é recorrent e nos dom ínios cult urais, ou sej a, ele se repet e na linguagem própria dos inform ant es.

O significado de t r ansplant e at r ibuído pela equ ipe de en fer m agem é m ar cado pela descr en ça em razão de experiências ant eriores, vivenciadas na unidade de t er apia int ensiv a. Assim , as cr enças e valores dessa subcult ura int erferem ou det erm inam dist anciam ent o do pacient e e conseqüent e pr ej uízo n a assi st ên ci a ad eq u ad a p ar a a m an u t en ção d o doador e qu alidade dos ór gãos doados, poden do, t alvez, j ust ificar a m anut enção do pot encial doador de órgãos com o segunda causa da não efetivação da doação de ór gãos.

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