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JOGO POLíTICO NO ESPAÇO PÚBLICO EM SÃO PAULOAs estratégias de comunicação governamental e a opinião pública nas gestões municipais de
Jânio Quadros (1986-1988) e Luiza Erundina (1989-1992)
Banca examinadora
Pref. Orientador: Esdras Borges Costa
Prof .
FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS
ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS DE SÃO PAULO
DILZE ONILDA DE LIMA
O JOGO POLíTICO NO ESPAÇO PÚBLICO EM SÃO PAULO
As estratégias de comunicação governamental e a opinião pública nas gestões municipais de
Jânio Quadros (1986-1988) e Luiza Erundina (1989-1992)
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação da FGV/EAESP. Área de Concentração: Administração e Planejamento Urbano como requisito para obtenção de título de mestre em Administração Pública.
Orientador: Prof. Esdras Borges Costa
SÃO PAULO 1997
'~ Fundação Getulio Varg~s .'
, Esçola de AdminisnçaO '. FG V de Empresas de São Paulo
Biblioteca , ,
----Paulo: EAESP/FGV, 1997. 158 p. (Dissertação de Mestrado apresentada ao Curso de Pós-Graduação da EAESP/FGV, Área de Concentração: Administração e Planejamento
Urbano).
Resumo: Trata das estratégias de comunicação governamental adotadas pelas gestões Jânio Quadros e Luiza Erundina para atingir a opinião pública, frente aos índices de . aprovação apontados pelas pesquisas de opinião. Apresenta um relato descritivo de ambas as gestões, apontando o seu relacionamento com outros atores presentes no espaço público paulistano. Aborda as diferenças programáticas e ideológicas de cada governante e suas implicações para as políticas de comunicação desenvolvidas. Orienta a análise dos dados empíricos para a discussão dos conceitos de esfera pública, opiruao pública e políticas de comunicação governamentais.
oJogo Político no Espaço Público emSão Paulo I\"
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 9
CAPÍTULO I - Localização conceitual
1)"Considerações sobre espaço público - a
esfera pública bmguesa... 18
2) Considerações sobre opinião pública... 24
3) Considerações sobre meios de comunicação... 35
CAPÍTULO 11 - A Gestão Jânio Quadros (1986-1988) 39 1) Características político-ideológicas a) o perfil da liderança e seu staff administrativo... ... 40
b) a relação com segmentos político-partidários... 47
c) a relação com o Legislativo... 53
d) o ''jeito Jânio" de governar... 58
2) Comportamento da opinião pública )" " d . li -a cmv-a e expectativas e ava laçoes . b) eventos e fatos que provocaram a ascensão e a queda da aprovação . 66 69 3) Estratégias de comunicação a) a relação com a imprensa... 74
CAPÍTULO IH - A Gestão Luiza Erundina (1989-1992)
1) Características político-ideológicas
a) o perfil da liderança... 81
b) a relação com o PT... 86
c) a relação com segmentos político-partidários... 93
d) a relação com o Legislativo... 96
2) Comportamento da opinião pública ) " " d . li -a curva e expectal1vas e ava laçoes . b) eventos e fatos que provocaram a ascensão e a queda da aprovação . 107 llO 3) Estratégias de comunicação a) a política de comunicação: fase Perseu Abramo... 119
b) a publicidade governamental: fase Chico Malfitani... 123
CONCLUSÃO 127
APÊNDICE 143
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 155
oJogo PolíticonoEspaço Público emSão Paulo \'1
AGRADECIMENTOS,
Aos meus filhos por apoiarem e apostarem no meu trabalho. Que um dia eles se orgulhem e tomem como exemplo o fato de que as adversidades da vida fazem parte do nosso amadurecimento, e nunca podem ser empecilhos para nossas realizações. Amo vocês. Obrigada.
Ao meu orientador, mestre e amigo, por guiar-me e mostrar-me os caminhos, mas sem nunca interferir em minhas decisões, respeitando-as e discutindo-as com sua sabedoria e experiência. Pela sua paciência nos meus momentos de dificuldade e pelo seu incentivo nos meus momentos de esmorecimento.
Aos colegas e funcionários da Câmara Municipal de São Paulo que colaboraram com a minha pesquisa, auxiliando-me na coleta dos dados.
Ao Instituto Cultural Minerva e ao Institute of Brazilian Issues da George Washington University, pelo manifesto orgulho de terem-me entre os seus bolsistas do Minerva Program I, 1994, quando tive a oportunidade de enriquecer minha pesquisa.
A todos os meus amigos, os verdadeiros, que sempre me incentivaram,
apoiaram e deram-me motivos para continuar. .,~
• 1.
.
A uma pessoa muito especial que me ensinou: "para dar certo, as coisas devem'..• Tabelas
1. Resultado oficial das eleições municipais de 1985 49 2. Alterações partidárias na Legislatura Municipal (1983-1988) 55 3. Resumo comparativo dos projetos de lei (1989-1992) 57
4. Pesquisas do IBOPE (1987-1988) 67
5. Pesquisas do DataFolha (1986-1988) 68
6. Resultado oficial das eleições municipais de 1988 94 7. Evolução dos candidatos nas pesquisas de opinião (%) 95 8. Alterações partidárias na Legislatura Municipal (1989-1992) 100 9. Resumo comparativo dos projetos de lei (1989-1992) 104
10. As irregularidades na Prefeitura 105
11. Pesquisas DataFolha (1988-1992) 108
12. Pesquisas InformEstado (1989-1993) 108
13. Pesquisas Gallup (1989-1991) 109
14. Gastos do orçamento por setor 118
• Gráficos
1. Resultado oficial das eleições municipais de 1985 2. Pesquisas de opinião na gestão Jânio Quadros 3. Curva de expectativas e avaliações
4. Resultado oficial das eleições municipais de 1988 5. Pesquisas de opinião na gestão Luiza Erundina 6 Curva de expectativas e avaliações
50 68 69 95 110 111
oJogo Políüco noEspaço Público emSão Paulo viii
ABREVIA TURAS
• ABI - Associação Brasileira de Imprensa • CUT - Central Única dos Trabalhadores • DOE - Diário Oficial do Estado
• DOM - Diário Oficial do Município
• EAESPIFGV - Escola de Administração de Empresas de São PaulolFundação Getúlio Vargas
• ECA - Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo • EMURB - Empresa Municipal de Urbanização
• FIESP - Federação das Indústrias do Estado de São Paulo • IPTU - Imposto Predial e Territorial Urbano
• PAULISTUR - Companhia municipal responsável por promoções e turismo.
• PC do B - Partido Comunista do Brasil • PCB - Partido Comunista Brasileiro • PCN - Partido Comunitário Nacional • PDC - Partido Democrático Cristão • PDS - Partido Democrático Social • PDT - Partido Democrático Trabalhista • PFL - Partido da Frente Liberal
• PH - Partido Humanista • PL - Partido Liberal
• PMB - Partido Municipalista Brasileiro • PMC - Partido Municipalista Comunitário
• PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro • PNBE - Pensamento Nacional das Bases Empresariais • PPB - Partido do Povo Brasileiro
• PRODAM - Companhia de Processamento de Dados do Município • PSC - Partido Socialista Cristão
• PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira • PT - Partido dos Trabalhadores
• PTB - Partido Trabalhista Brasileiro • PV - Partido Verde
• STF - Supremo Tribunal Federal
INTRODUÇÃO
A inter-relação entre o poder público e a opinião pública é um problema a ser compreendido no desenvolvimento da democracia. É dever do Estado
manter a sociedade informada da maneira mais completa, franca e
transparente possível, atendendo ao princípio democrático do direito dos
cidadãos à informação.
O tema desta dissertação está inserido nesse contexto de discussão, pois entendemos que as estratégias de comunicação adotadas pelo governo, com o objetivo de atingir a opinião pública, devem atender ao referido princípio democrático.
A preocupação com a opinião pública, expressa em diversas gestões do poder público municipal paulistano, foi objeto de "observação espontânea"
durante mais de uma década de serviços profissionais que prestamos junto à Câmara Municipal.
A pesquisa acerca desse fenômeno enfoca as estratégias políticas de comunicação do poder Executivo municipal de São Paulo, no período que abrange os governos Jânio Quadros (1986-1988) e Luiza Erundina
(1989-1992).
A escolha desses governos como unidades de análise foi intencional. A principal razão está relacionada ao fato de serem as duas primeiras gestões constituídas pelo pleito direto.' Um segundo fator, preponderante na escolha, foi o cenário político nacional em que se inseriram as duas gestões em estudo:
oJogo Político no Espaço Público emSão Paulo 10
Jânio Quadros, antes da promulgação da Constituição Federal de 1988; Luiza
Erundina, num quadro constitucional de maior autonomia municipal.
Antes da Constituição de 1988, havia o dispositivo do "decurso de
prazo'? para a aprovação dos projetos do Executivo. A queda desse
dispositivo, após 1988, faz parte das novas relações e articulações que foram
estabelecidas entre os poderes Executivo e Legislativo. O governo Jânio
Quadros contou com grande apoio parlamentar na Câmara Municipal,
enquanto o governo Erundina não obteve maioria e necessitava de muitas
articulações político-partidárias.
Ambos os governos tiveram atritos com a mídia em determinados
momentos da gestão, o que gerou formas de tratamento para se lidar com o
problema. Isto porque, sendo a imprensa escrita o principal veículo da mídia
destinado à comunicação política, a relação conflituosa entre esses dois atores
determinou a adoção de estratégias governamentais de comunicação que
visavam atingir a opinião pública, seja por meio da redução dos atritos, seja
se utilizando de outros instrumentos de comunicação.
Ao estudarmos as gestões Jânio Quadros e Luiza Erundina fica
demonstrado que há uma intenção desses governos de manterem uma
estratégia de comunicação para com a sociedade com o objetivo de projetar
sua própria imagem perante ela.
No governo Jânio, essa intenção não se manifestou formalmente pelo
planejamento de políticas de comunicação, mas a sua inserção na mídia, bem
como as iniciativas adotadas no sentido de criar estratégias próprias de
informação, demonstram a preocupação com a opinião pública.
2Instituído durante o regime militar, o decurso de prazo era uma prerrogativa do poder Executivo que possibilitava a aprovação de projetos de sua autoria no prazo máximo de 45 dias e após 10 sessões plenárias consecutivas. Essa medida inviabilizava as discussões sobre as propostas. bem
como qualquer possibilidade de alteração do projeto. i
\ '
\
\.
Ao contrário de Jânio, o governo Erundina tentou planificar uma política de comunicação eficaz, mas enfrentou inúmeras dificuldades, ora oriundas do
interior de seu próprio governo, ora originadas no seu relacionamento com a unprensa.
Esses fatores apontam para características distintas das duas gestões
governamentais, enriquecendo o trabalho com dados comparativos. Dentre estas características apontamos, inicialmente, a distinção entre o perfil de
cada uma delas.
A gestão Jânio contou com o apoio dos setores tradicionais da política paulistana, aliando os segmentos conservadores e moderados do poder. Foi marcada pela liderança personalista e carismática do chefe do Executivo, e
por ações clientelistas e autoritárias em relação ao Legislativo e aos segmentos oposicionistas. Ao mesmo tempo, manteve uma fachada populista
no trato com a sociedade, demonstrando uma determinada visão de Estado. A gestão Erundina, auto denominada de "democrática e popular", caracterizou-se por uma nova visão programática de Estado, levando ao poder, pela primeira vez na cidade de São Paulo, setores desvinculados da elite tradicional. Tentou reverter o tratamento clientelista no relacionamento com a Câmara Municipal e tingiu-se de um discurso político progressista no
trato com a sociedade.
Torna-se importante frisar que este estudo leva em consideração apenas um foco da problemática que envolve o Estado no que tange à opinião pública - medida pelas sondagens - a qual influencia a elaboração de políticas e posturas dos governos em tela, mas não sendo elemento único e fundamental para a adoção destas. Outros fatores conjunturais (sócio-políticos, econômicos e culturais) estão presentes e podem ser objeto de estudo em
outros trabalhos.
oJogo Político noEspaço Público emSão Paulo 12
A proposição levantada nesta pesquisa é que, apesar das distinções políticas, programáticas e ideológicas que caracterizaram ambas as gestões, o que prevaleceu em termos de políticas e estratégias de comunicação para se atingir a opinião pública foi a preocupação com a preservação do poder.
Ambas as gestões atuaram marcadamente muito mais no sentido da autopromoção do que da informação franca, completa e transparente.
Pretendemos apontar, nos capítulos que se seguem, que no governo Jânio Quadros a manipulação da informação objetivando o aumento do índice de popularidade do prefeito apontado pelas pesquisas de opinião realizadas
-deu-se de forma deliberada. Jânio tentou atingir a opinião pública reforçando o seu carisma junto a parcelas significativas da população, que nele
depositavam a crença na resolução dos problemas.
O governo Erundina, para vencer as dificuldades de informação e comunicação política, adotou técnicas tradicionais de publicidade e propaganda, objetivando "vender" uma nova imagem à população. Essa
estratégia obedeceu a critérios políticos mediatos voltados à autopromoção e criando uma imagem da administração distante da realidade concreta.
Segundo Tupã Gomes Corrêa, "A opinião pública é objeto de permanente expropriação, exploração e mistificação por parte dos setores que controlam o poder, com o propósito de preservá-lo e conservar inalteradas as suas estruturas" .3Estas são três condições que evidenciam uma descaracterização
lw-, ,
da opinião pública.
O conceito de mistificação está relacionado com a utilização indevida da opinião pública, expressando uma circunstância que nada tem em comum com ela, como se esta circunstância fosse própria da opinião pública.
A expropriação se dá quando, sendo evidente a existência de uma
opinião pública favorável, setores do poder passam a utilizá-la com o objetivo de homologar seus atos, previamente, sem o aval daquela.
O conceito de exploração relaciona-se à forma artificial de se gerar opiniões favoráveis, aproveitando-se de determinado fato que possa "redundar na 'simpatia' de muitos em favor de poucos, ou na concordância, aprovação
ou aumento da credibilidade, a partir de um dado qualquer que possa ser utilizado" .4
Num primeiro momento, é possível afirmar que devido à vulnerabilidade
da sua natureza, a opinião pública, sofrendo esses problemas de descaracterização, acaba por se transformar em um instrumento de poder.
Segundo Ferreira, a opinião pública é "a ação de indivíduos reunidos num público, para exercer uma atividade, através da força de seus argumentos,
julgadora, moralizadora ou transformadora em relação aos poderes sociais e políticos institucionalizados. A ação de reunir-se em público, para reivindicar direitos ou intervir no processo decisório dos aparelhos de Estado, significa, em qualquer grupo humano, um processo de participação. Entretanto, a opinião pública, como ação participativa, só se justifica em confronto direto com o poder estabelecido, em todas as instâncias da sociedade. Na verdade, o poder faz a intermediação entre a opinião pública, como expressão da sociedade civil, e a sociedade política, caracterizada na estrutura burocrática deliberativa. "5
Identificando poder como intervenção do Estado no sentido da
dominação pela repressão; da manipulação, mediante campanhas nos meios de comunicação para "persuadir (ou manipular) uma determinada audiência,
4CORRÊA, Tupã Gomes. Op.cit. p.24
oJogo Político noEspaço Público em SãoPaulo 14
de que detenninada decisão é positiva"; ou ainda, como transformação, "uma
intervenção que, tomada com base na livre discussão de problema a ser
solucionado, permita a obtenção de uma espécie de acordo para
solucioná-10",6 propomos, nesta dissertação, analisar o comportamento das gestões
municipais apontadas frente à opinião pública. Até que ponto houve
mistificação, expropriação ou exploração da opinião pública em cada um dos
governos? Até que ponto foi a opinião pública entendida como ação
participativa no sentido de garantir o processo democrático, dando-se
transparência aos atos governamentais, e garantindo-se o direito do cidadão à
informação?
A metodologia empregada para a realização deste estudo consistiu de
várias atividades de pesquisa.
Foi feito um levantamento das sondagens de opinião pública realizadas
no período das duas gestões. As sondagens foram realizadas por institutos de
pesquisa considerados idôneos pelo método utilizado: DataFolha, IBOPE e
Gallup.
A partir destes instrumentos de medida foi possível traçar uma "curva"
das expectativas de governo pela sociedade, das avaliações periódicas das
realizações e respectivos índices de aprovação ou reprovação dos governos
estudados por parte da opinião pública.
Analisando os períodos de a ascensão e a queda da aceitação pública,
pudemos identificar as principais políticas adotadas pelos governos no sentido
de manter sua imagem perante o público ou revertê-la.
Para efeito de pesquisa "não-reativa", foi realizado um levantamento
exploratório dessas políticas, com base nos principais projetos e eventos de notada repercussão pela mídia impressa, referentes às duas gestões.
O levantamento foi feito a partir de publicações dos principais órgãos da imprensa escrita com veiculação na capital: O Estado de S. Paulo, Jornal da
Tarde, Folha de S. Paulo, Folha da Tarde, Diário Popular, Jornal do Brasil,
O Globo e Correio Braziliense. Foram utilizadas, também, algumas publicações de caráter mais localizado como a Gazeta de Pinheiros e o
Shopping News. (Ver Apêndice).
Essas publicações foram coletadas na hemeroteca da Câmara Municipal
de São Paulo, que possui um arquivo atualizado e especializado em matérias atinentes às questões da cidade. Um levantamento detalhado das ações governamentais foi feito, ainda, a partir das publicações do Diário Oficial do
Município.
Buscamos documentos, impressos, informativos e boletins produzidos nas gestões citadas e que serviram de veículos de informação e contato com
vários setores da sociedade.
Trabalhos, teses e obras publicadas sobre os dois governos, coletados a partir de um levantamento bibliográfico junto a FGV, PUC/SP e USP, foram
utilizados para enriquecimento dos dados da pesquisa, bem como para auxiliar na localização conceitual para efeito de análise.
Num primeiro momento, foi realizada a classificação dos artigos xerocopiados dos jornais e dos demais materiais coletados. Levando-se em conta os dados disponíveis, foi possível a preparação de um esboço do que se tomou o sumário da presente dissertação. Em seguida, partimos para um levantamento de outros trabalhos e obras que trataram do tema da dissertação ou que estudaram as gestões Jânio e Erundina. Os artigos de jornais e esses
,
'oJogo Político no Espaço Público emSão Paulo 16
trabalhos foram de fundamental importância para se abordar o perfil de cada
gestão, bem como para elencar elementos para a análise conceitual.
Todo esse levantamento foi organizado em arquivos, e dos textos lidos
foram realizados fichamentos. Esse método muito auxiliou no momento da
elaboração do texto [mal, pois permitiu que os dados fossem agrupados com
mais facilidade.
Por termos tido a oportunidade de participar, como funcionária do
Legislativo, de ambas as gestões, a preparação dos Capítulos II e III contou
muito com a experiência pessoal, embora tenhamos procurado manter o
distanciamento necessário enquanto observadora do fenômeno. Esses
capítulos foram organizados em primeiro lugar.
Num segundo momento, buscamos elementos teóricos na tentativa de
uma localização conceitual do problema. A leitura de Habennas já havia sido
iniciada quando da preparação do projeto de dissertação, mas procuramos
encontrar, em outros autores, mais elementos, o que se mostrou uma tarefa
bastante dificil. Diversos textos coletados aqui no Brasil ou nos Estados
Unidos - durante a participação em um curso na George Washington
University, e pesquisa realizada na Biblioteca do Congresso americano - que
tratam da problemática da opinião pública, são em inglês e referem-se a
pesquisas empíricas realizadas há mais de três ou quatro décadas. Na
biblioteca da ECAlUSP pudemos encontrar estudos mais recentes e voltados
para a realidade brasileira, cujos textos procuramos discutir neste trabalho.
o
Capítulo I destina-se ao marco teórico, a uma discussão conceitualacerca da esfera pública burguesa, da opinião pública num contexto
democrático, dos meios de comunicação e de persuasão e propaganda •.'
empregados pelo governo.
. ,
\ .
Uma caracterização político-ideológica, bem como um quadro geral das gestões Jânio Quadros e Luiza Erundina, estão contidos nos Capítulos H e IH. Ainda nestes capítulos, analisamos o comportamento da opinião pública
-medido pelas sondagens - e as estratégias de comunicação empregadas em determinados momentos de cada gestão.
oJogo Político no Espaço Público emSão Paulo 18
CAPÍTULO I
Localização Conceitual
"The manyare better judge than a single man of music and poetry; for some understand one part and some another, and among them they understand lhe whole ... ,.
Aristotle
1. Considerações sobre espaço público - a esfera pública burguesa
Habermas aborda a problemática da esfera pública desde o seu
surgimento, passando por suas transformações estruturais até o sistema capitalista, como esfera pública burguesa.7
A Inglaterra, a França e a Alemanha do século XVII são os palcos da
formação da esfera pública burguesa, primeiramente nos salões e cafés, onde pessoas cultas e pessoas privadas, que realizavam um trabalho produtivo, reuniam-se em um público para manterem um espaço de discussão sobre seus interesses comuns.
Devido ao poder político absolutista, a esfera pública foi obrigada, primeiramente, a observar a prática do segredo, excluindo a publicidade. Um fenômeno comum a toda Europa nessa época, era a maçonaria. Essas sociedades secretas são paulatinamente substituídas por associações públicas
à medida que o público pensante passa a se impor contra a esfera pública
controlada pelo poder, e à medida que o modo de produção capitalista
amadurece (transcurso do século XVIII).
Nessas associações públicas, "o estilo burguês de sociabilidade, uma
intimidade e uma moral contrapostas à convenção cortesã, conquistou uma
naturalidade que não mais necessitava do ritual que, no entanto, acompanha
os ritos maçônicos". Elas passam a surgir entre os burgueses e permitem um
acesso relativamente fácil das pessoas privadas.
Embora se diferenciassem entre si no tamanho, na composição de seu
público ou na orientação temática, os cafés e salões tendiam sempre a
organizar a discussão permanente entre as pessoas privadas, segundo alguns
critérios comuns:
1. era exigida uma espécie de sociabilidade que "pressupõe algo como a
igualdade de status, mas que inclusive deixa de levá-lo em consideração". A
paridade pôde afrrmar-se contra a hierarquia social e se impor para o espírito
vigente à época, o que significava "a igualdade do simplesmente meramente
humano ". Leis do mercado, do Estado, cargos públicos ou relações de
dependência não surtiam efeito, estavam suspensos nesses espaços;
2. "a problematização de setores que até então não eram considerados
questionáveis"; o que era monopólio de interpretação das autoridades
governamentais e eclesiásticas (obras literárias e filosóficas, e as obras de
arte), tomaram-se acessíveis a todos àmedida que passaram a ser produzidas
para o mercado, perdendo a sua "aura'" e transformando-se em mercadorias e
em objeto de discussão das pessoas privadas na esfera pública;
3. o não-fechamento do público, já que as questões tomaram-se gerais
tanto no sentido de relevância como no de acessibilidade. Por mais exclusivo
oJogo Político noEspaço Público emSão Paulo 20
que fosse o público, ele não podia fechar-se completamente, pOIS era
composto de "...todas as pessoas privadas que, como leitores, ouvintes e
espectadores, pressupondo posses e formação acadêmica podiam, através do
mercado, apropriar-se dos objetos em discussão"."
Está se formando, então, a esfera pública literária. Surgem os primeiros
jornais voltados à literatura e às artes, os hebdomadários e os folhetins, com
seus críticos literários. A leitura de romances toma-se hábito nas camadas
burguesas que se emancipam e passam a constituir um público que se mantém
reunido por meio da instância mediadora da imprensa e de sua crítica
profissional.
Na passagem da esfera pública literária para a esfera pública política
houve um processo chamado por Habermas de "refuncionalização", O
público, da esfera literária, dotado de indivíduos conscientizados, possuidor
de suas próprias instituições e plataformas, se apropria da esfera pública
controlada pela autoridade e a transforma numa esfera em que a crítica se
exerce contra o poder do Estado:
"Com o surgimento de uma esfera do social, cuja regulamentação a opinião pública disputa com o poder público, o tema da esfera pública moderna, em comparação com a antiga, deslocou-se das tarefas propriamente políticas de uma comunidade de cidadãos agindo em conjunto (jurisdição no plano interno, auto-afrrmação perante o plano externo) para as tarefas mais propriamente civis de uma sociedade que debate publicamente (para garantir a troca de mercadorias). A tarefa política da esfera pública burguesa é a regulamentação da sociedade
civil (por oposição àres publica)".Io
9 HABERMAS, 1. Op.cit. p.53. Cabe ressaltar que o "público" referido é ainda bastante restrito.
pois a imensa maioria da população não só era analfabeta como pauperizada e sem posses. Não dispondo de poder de compra, não tinha acesso ao mercado dos bens culturais.
A imprensa passa a desempenhar papel importante no cenário político como órgão critico de um público que pensa política. Forças que desejavam ter influências sobre as decisões do poder estatal buscavam, no público
,
pensante, a legitimação de suas reivindicações e/ou críticas. Para ISSO, utilizavam-se dos jornais e revistas.l!
Essas criticas passaram a modificar a natureza do poder público, que se
tomou "público" de fato, visto que a discussão entre Estado e imprensa dá publicidade cada vez maior às medidas e atos do poder estatal.
Muito embora a esfera pública passe a assumir funções políticas, essas
funções só podem ser entendidas nessa fase específica da evolução da sociedade burguesa, pois a correlação institucional de público, imprensa, partidos e parlamento e o confronto entre autoridade e publicidade (como princípio de controle critico do governo) estão relacionados ao fato de que o
intercâmbio de mercadorias e trabalho social somente se emanciparam a partir de diretivas estatais.
Segundo Habermas,
"...a esfera pública com atuação política passa a ter o status normativo de um órgão de automediação da sociedade burguesa com um poder estatal que corresponda às suas necessidades. O pressuposto social dessa esfera pública desenvolvida é um mercado tendencialmente liberado, que faz da troca na esfera da reprodução social, à medida do possível, um assunto particular das pessoas privadas entre si, completando aSSIm, frnalmente, a privatização da sociedade burguesa." 12
IIOCraftsman, oGentleman 's Magazine e o London Magazine tomaram-se famosas plataformas
da oposição na Inglaterra do séc. XVIII, contrapondo-se ao The Political State ofGreat Britain e ao
Historical Register que favoreciam o governo da rainha Anne. Na França, que se ressentia de um
jornalismo político habilitado devido censura prévia, o hebdomadário oficial era oMercure de
France; mais tarde surge aEncyclopédie festejada por Robespiere como "capítulo introdutório da
Revolução". HABERMAS, 1. Op.cit., passim.
oJogo Político noEspaço Público emSão Paulo 22
Nesse período do absolutismo, as funções políticas, jurídicas e administrativas foram reunidas no poder público, e o setor privado
encontrava-se separado dessa esfera do poder público, atuando como um setor regulamentado mercantilisticamente, pelas próprias leis do mercado. A esfera pública torna-se o princípio organizatório dos Estados de Direito
burgueses (com forma de governo parlamentar, como na Inglaterra após a
Reform Bill de 1832, ou com certas limitações nas monarquias constitucionais, segundo o modelo da Constituição belga de 1830)13. tendo
como garantia à sua influência a publicidade dos debates parlamentares. Entretanto, devido à sua constituição (pessoas privadas com propriedades
e/ou formação cultural), a esfera pública era formada por uma minoria, com grande influência política, cujos interesses privados automaticamente convergiam-se nos interesses comuns da defesa de uma sociedade civil como
esfera privada. Nesse sentido, no Estado de Direito burguês, o interesse de classe, intermediado pelo debate público, assume a aparência de interesse universal.
" ...entre o homem privado como homme e citoyen não existe nenhuma ruptura, pois enquanto homme é, ao mesmo tempo, proprietário privado e, enquanto citoyen, deve tomar providências, como pessoa privada, em favor da estabilidade da ordem da propriedade. O interesse de classe é a base da opinião pública."14
As alterações do mercado, fruto da expansão das relações econômicas, faz com que haja uma mudança na estrutura social da esfera pública. Outros atores sociais entram em cena (organizações sindicais e partidos socialistas, por exemplo), trazendo à baila novos conflitos de interesses que não podem
13Idem.
mais ser desencadeados dentro da esfera privada para o âmbito político. Aos economicamente mais fracos resta contrapor-se, por meios políticos, à concentração de poder na esfera privada (devido ao intercâmbio de
mercadorias) e à "promessa" de acesso a todos institucionalizada pela esfera
pública. Surge, assim, a esfera do social, exigindo do poder público a adoção de medidas, mesmo contra os interesses dominantes, para a manutenção de
um equilíbrio do sistema que não pode mais ser assegurado apenas pelas leis do mercado.
Assim, o Estado vê-se obrigado a ampliar suas funções para além das atividades administrativas habituais, assumindo outras até então
desempenhadas pelo setor privado, como a prestação de serviços (ampliou-se o leque de serviços públicos), a intervenção na esfera do intercâmbio das
mercadorias e do trabalho social, contra a concentração de capital e
protegendo setores por intermédio de medidas de redistribuição de rendas -como proteger, indenizar e compensar grupos sociais mais fracos.
oJogo Político noEspaço Público emSão Paulo 2~
esporadicamente é inserido neste circuito do poder e, então, apenas para que aclame" .15
2. Considerações sobre opinião pública
Tributos ao poder da opinião começaram a surgrr nos séculos XVII e XVIII.
Rousseau, em sua primeira discussão sobre a vontade geral concebeu que
a "voz do povo é a voz de Deus"; idéia de plebiscito pennanente no quadro da pólis grega. Embora não tenha relacionado diretamente opinião pública
com vontade geral e lei (pois aos seus olhos a idéia de opinião pública vem da reunião dos cidadãos para a aclamação e não da argumentação pública de um público esclarecido, como preconizavam os fisiocratas), Rousseau declara, no único capítulo do Contrato Social em que fala de opinião pública: " ...just as the declaration of the general will is made by the law, the declaration of public judgement is made by the censorial tribunal. Public opinion is the sort of law of which the censor is the minister" .16
N os séculos XVIII e XIX na França, nos reinados de Luís XV e XVI, a opinião pública manifestava-se nos salons fartamente freqüentados pelo
public éclairé, cujos debates e opiniões revelavam forte influência nos assuntos de Estado.
Para Jacques N ecker, o primeiro a discutir em detalhes a natureza e o significado de opinião pública como um fator no processo de governo
15Idem, ibidem, p.108.
(statecraft), a opinião pública é a força e a fragilidade de todas as instituições humanas. 17
Particularmente na França, Necker acreditava que a opinião pública
exercia completa supremacia, como um poder invisível pelo qual, sem
tesouros, sem salvaguardas, e sem uma arma ditaria a lei para a cidade, para a corte e mesmo para os palácios dos reis.18
Para ele, a força da opinião pública variava de acordo com a forma de governo. Ela inexistiria sob o despotismo, pois é a principal salvaguarda contra o abuso da autoridade política.
As duas visões conceituais de opinião pública - a legislativa (de
Rousseau) e a crítica - foram absorvidas pela Constituição francesa de 1791,
que conjugou o princípio da soberania popular com o do Estado de Direito parlamentar, abrigando a esfera pública politicamente atuante. 19
Já na Inglaterra, Jeremy Bentham insistia na importância da opinião pública como um instrumento de controle social (em suas palavras
"sanction"), e como marco característico de um Estado democrático. Como salvaguarda contra o abuso do poder, apontava a necessidade de publicidade de todos os atos oficiais, para que a opinião pública pudesse agir sabiamente como um tribunal, unindo toda a vontade e a justiça da Nação.
Como resultado de sua ligação com James Mill, Bentham desenvolveu sua teoria sobre opinião pública como parte integrante da teoria do Estado democrático. Afirmou, em sua obra Constitutional Code, que a opinião pública pode ser considerada como um sistema de lei emanado do povo: cc ••• ao exercício pernicioso do poder pelo governo, a opinião pública é a única forma
17Jacques Necker, ministro francês do final do séc. XVIII, foi o primeiro a conseguir abrir uma brecha para o público politizado no sistema absolutista, quando manda publicar o balanço do orçamento nacional. Tal feito resultou em sua queda, três meses mais tarde.
18PALMER, Paul A. Op.cit., p.5.
oJogo Político no Espaço Público emSão Paulo 26
de fiscalizar; ao exercício benéfico, por outro lado, exerce um papel
indispensável. Mesmo no atual estágio da civilização, seus ditames
coincidem, na maioria dos aspectos, com aqueles do princípio da grande
felicidade. Em alguns aspectos, entretanto, ainda desvia-se deles mas, como
seus desvios têm sido durante todo o tempo menos perceptíveis, divergências
desaparecerão e a coincidência serácompleta.r'-"
Ele considerava, ainda, o jornal (imprensa escrita) como o fator mais
importante na formação e expressão da opinião pública, pois este instrumento
era não somente um órgão apropriado do "tribunal" da opinião pública, mas o
único a ter uma ação regular e constante.
Bentham explicitou a correlação da opinião pública com o princípio da
publicidade:
"Num povo que por longo tempo teve assembléias públicas, o espírito
geral(general feeling, esprit général) estará afinado num tom mais alto;
as idéias sãs se tomam mais universais, os preconceitos prejudiciais, combatidos publicamente, não pelos retóricos, mas pelos estadistas, perdem a sua força... Razão e discernimento tornar-se-ão costume em
todas as classes".21
Ele entendia os debates públicos do Parlamento como parte dos debates
abertos do público em geral e, para tanto, a publicidade dentro e fora dessa
instituição asseguraria a continuidade do raciocínio político e a sua função,
ou seja, a de "transformar a dominação, de umamatter of wi/l em uma matter
ofreason".
O conceito de esfera pública politicamente atuante já havia amadurecido
na Inglaterra e na França bem antes de "ser importado" para a Alemanha. Os
autores alemães da época, sob influência dos ideais da Revolução Francesa,
admitiam que a frase por eles empregada para expressar a opinião pública
(ôfferulich Meinung) tinha o mesmo conceito e significado da frase em
francês (opinion publique), e que ela seria a base das regras da lei com o Estado.
Hegel, no início do século XIX, concebia a opinião pública como tendo
um caráter contraditório. Dialeticamente, o verdadeiro e o falso estavam presentes, e a grande tarefa do homem era descobrir a verdade. Marx, via a opinião pública como "falsa consciência", como ideologia, escondendo de si mesma o seu verdadeiro caráter de máscara do interesse de classe burguês.
N a segunda metade do século XIX, o conceito de opinião pública passou
a ter importância corrente na teoria política. A opinião pública é então
considerada como um fenômeno de grande força e significado na vida
política.
Guizot faz a seguinte formulação, mais próxima de uma definição clássica do termo:
" é característico do sistema, que não admite de jeito nenhum a legitimidade do poder absoluto, obrigar todos os cidadãos a procurar incessantemente e em toda ocasião a verdade, a razão e a justiça, que devem regular o poder de fato. É isto o que faz o sistema representativo: 1. Pela discussão que obriga aos poderes procurar em comum a verdade; 2. Pela publicidade que põe os poderes encarregados dessa busca sob os olhos dos cidadãos; 3. Pela liberdade de imprensa que estimula os cidadãos a procurarem eles mesmos a verdade e a dizê-la ao poder."22
oJogo Político no Espaço Público emSão Paulo 28
Ao mesmo tempo surgiram divergências filosóficas sobre as virtudes e a
competência da opinião pública. A esfera pública tinha se modificado com o
amadurecimento do capitalismo. A expansão dos direitos de igualdade
política para outras classes sociais transformou-a em uma esfera pública
ampliada que, entretanto, "não levou fundamentalmente à superação daquela
base, sobre a qual o público das pessoas privadas tinha inicialmente
intencionado como uma soberania da opinião pública" . A idéia de
racionalização da dominação política tinha como pressuposto a existência de
uma esfera pública politicamente ativa, cuja base natural deveria garantir um
transcurso autônomo e harmônico da reprodução social, reduzir conflitos de
interesses e decisões burocráticas, submetendo-os "a critérios confiáveis de
julgamento público". A opinião pública deveria poder decidir, então, sobre as
regulamentações necessárias ao interesse geral.
Os socialistas demonstravam que para atender a esses pressupostos, a
esfera pública deveria ser colocada em outras bases, não intermediando mais
uma sociedade de proprietários privados para o Estado, e cuja autonomia não
mais se baseasse na propriedade privada, e sim fundamentada na própria
esfera pública com a expansão dos direitos de igualdade política para todas as
classes sociais.ê '
Os liberais, entretanto, eram céticos quanto a sua competência, e
clamavam pela necessidade de se impor limites ao seu poder. Stuart Mill e
Alexis de Tocqueville também defendiam a ampliação da esfera pública
burguesa permitindo o acesso das classes trabalhadoras, sem propriedades e
não-educadas, com o objetivo de limitar o poder de coerção da opinião
pública. Ela já não está mais "sob o signo da dissolução do poder; muito mais
ela deve servir para distribuí-lo; opinião pública torna-se mera limitação de
poderes". "Àmedida que os cidadãos se equiparam entre si e se tomam mais
parecidos, restringe-se em cada um a tendência a acreditar cegamente em um determinado homem ou numa determinada classe. Cresce a tendência de
acreditar na massa ..." .24
Ambas as visões, entretanto, reconheciam a imprensa e a publicidade como fatores de grande importância na formação e expressão da opinião
pública.
Do fmal do século XIX para cá, a conceituação de opinião pública passou
a ser objeto de estudo de outros ramos da ciência, como a antropologia, a sociologia e a psicologia social, que estudam os fatores culturais-racionais,
emocionais-não racionais e ambientais-sociais que estão presentes na sua formação e expressão, e que a reconhecem como um fenômeno do processo
de grupos.
A tendência da ênfase de se encarar o envolvimento de forças não . racionais na formação ou manipulação da opinião pública foi intensificada
com o advento da Primeira Guerra Mundial, o que aprofundou e difundiu o
ceticismo quanto à validade da teoria democrática em geral e da competência
da opinião pública em particular.
Considerando-se a abordagem das diferentes épocas descritas, podemos observar a introdução de novos elementos em cada uma delas, cuja análise é indispensável à compreensão tanto do conceito de opinião pública quanto da evolução pela qual passou.
Partindo dessa premissa, Tupã Gomes Corrêa analisa a natureza, características e funções da opinião pública, segundo a definição de público e de opinião. Segundo ele, defme-se público " ...como sendo uma reunião de indivíduos devidamente organizados, munidos de suficientes informações
oJogo Político no Espaço Público emSão Paulo 30
sobre determinado assunto, em permanente discussão sobre o mesmo, na
busca de um acordo comum"; e opinião " ...como arbítrio de consciência (...) é a exteriorização de idéia sobre determinado objeto de interesse coletivo". 25
Desta forma, a natureza da opinião pública está relacionada "com um
ingrediente cultural-racional, responsável pelo estabelecimento da controvérsia". A sua característica se relaciona "com um ingrediente
emocional-não racional, responsável pela deflagração do debate". E a sua função refere-se a "um ingrediente ambiental-social, responsável pelo seu último produto, ou seja, o próprio acordo".
Para Habermas, público não pode estar separado da idéia de "vontade
política" da sociedade, pois tanto esta expressa uma conduta social quanto exerce pressão sobre os mecanismos de controle da sociedade.ts
Assim, a opinião pública toma a forma de "instância crítica ao exercício
do poder político", devendo ser avaliados outros elementos constitutivos de
sua formação, quais sejam, as informações existentes e o papel dos meios de comunicação como difusores de informações e idéias.27
Outros fatores também relevantes e que merecem atenção são o interesse público e o interesse privado, como determinantes e condicionantes da opinião pública.
Segundo Corrêa,
" ...0 interesse público é meta e objetivo primordial da opinião pública.
Todavia, a capacidade e o potencial de articulação do interesse privado, nas diversas formas que assume política e socialmente, acaba orientando, muitas vezes não apenas a formação de públicos, como a elaboração da própria opinião pública em sentido favorável aos
25CORRÊA, Tupã Gomes. Contato imediato com a opinião pública: os bastidores da ação política. São Paulo: Símbolo, 1990. p.43-6.
26HABERMAS, 1. Op.cit., passim.
propósitos que lhe são peculiares. E, com isto, podendo desvirtuar a verdadeira compatibilização entre a opinião pública e o interesse público que lhe sucede, em favor do interesse privado".
o
interesse privado, ou os "interesses privados" que se acumulam no decorrer das reivindicações por parte de setores da sociedade afastados dointeresse público, "podem se converter em um dos mais nefastos ingredientes
da argumentação política". Corrêa aponta, ainda, que nesse sentido pode-se observar que o ordenamento jurídico institucional possibilita uma articulação em seis níveis de interesses privados distintos, "voltados para a permanente
perseguição e arrebatamento do interesse público". São eles:
1. o latifúndio - pois a propriedade da terra projeta uma relação histórica entre este e a estrutura de poder. Écomum, no caso brasileiro, encontrarmos
seus representantes políticos nos assentos do Poder Legislativo, e é bastante conhecido o poder que a bancada ruralista exerce sobre o poder central,
embora, hoje em dia não tão acentuado como no passado recente
("coronelismo");
2. osistema financeiro - que neste mesmo passado recente foi fortemente vinculado ao latifúndio; hoje, pela estrutura do sistema capitalista, tomou-se auto-suficiente e busca, de igual forma, caminhos que o levem ao controle do poder político. Também são conhecidos os representantes desse setor tanto no Legislativo como no exercício de postos-chave do Executivo, com poder de decisão.
oJogo Político noEspaço Público emSão Paulo 32
necessidade dos demais interesses privados em controlar as ações junto ao
poder legal.28
4. o sistema produtivo - formado pelos setores da indústria, da
distribuição e comercialização de mercadorias e serviços, muitas vezes
aparece associado aos três elementos citados anteriormente, com mandatários
de cargos públicos ou dirigentes políticos e partidários. Este se caracteriza
pelas iniciativas de promoção, defesa e garantia de seus interesses, "nem
sempre compatíveis com o interesse público".
5. as redes de comunicação - que representam uma incorporação bastante
recente no contexto dos demais, são produtos da expansão econômica e
tecnológica dos setores que agregam a maior concentração de riquezas e
converteram-se de instrumento em área de interesse propriamente dito.
Também visualizam-se seus representantes em altos cargos ou mandatos
políticos.
6. o procedimento jurídico - integrado pelos diferentes segmentos dos
interesses privados, compreende a viabilização de políticas impingidas pelos
demais interesses privados.
"O distanciamento praticado por tais níveis do interesse privado, com relação ao interesse público, por sua vez, acabou garantindo êxito ao primeiro, em detrimento dos verdadeiros objetivos sociais consagrados
pelo interesse público, em razão de uma aliança existente entre os que
controlam as redes de comunicação e os que detêm as formas do procedimento jurídico do país (...). Desse modo, a opinião pública, embora inconformada muitas vezes, não encontra mecanismos para reagir com eficácia suficiente, a ponto de conseguir reverter a realidade
atual dos fatos")9
28Fernando Henrique Cardoso trata detalhadamente deste fenômeno quando analisa a existência
dos "anéis burocráticos".
Podemos entender opinião pública, então, como uma resultante do
processo de comunicação, pois revela-se como uma "reação a estímulos que
agregam entre SI objetos de interesse social", evidenciando uma
vulnerabilidade de manipulação e podendo, mercê de sua natureza e
característica, transformar-se em poderoso instrwnento de poder.
Ora, as ações governamentais buscam respaldo no grau de concordância
social para com elas e, para isso, são utilizadas campanhas governamentais no
intuito de ratificar, na sociedade, tais ações tomadas unilateralmente pelo
governo. Aqui, os meios de comunicação acabam por desempenhar papel
fundamental não somente por difundir as mensagens específicas das
campanhas governamentais, mas também por "traduzir", em menor ou maior
escala, a expectativa favorável da sociedade em eventos de definida
importância governamental.
Desta forma, ações primárias adotadas pelo governo podem despertar,
segundo o autor, entusiasmo na sociedade fazendo com que se valha desse
entusiasmo como forma de homologar decisões que deveriam ser tomadas em
comum acordo com a sociedade. Aqui reside o primeiro problema de
descaracterização da opinião pública, chamado deexpropriação.
A expropriação da opinião pública "...é produto de uma circunstância
psicossocial, com função política, na medida em que tende a ampliar o
espectro da opinião pública matriz. Ela ocorre em face da vulnerabilidade das
opiniões e contribui, depois, para a própria mistificação".30
A segunda condição do problema da descaracterização da opinião
pública, chamada de exploração, refere-se a uma forma artificial de se gerar
opiniões favoráveis, aproveitando-se de determinado fato que possa
"...redundar na simpatia de muitos em favor de poucos, ou na concordância,
oJogo Político noEspaço PúblicoemSão Paulo 34
aprovação ou aumento da credibilidade, a partir de um dado qualquer que possa ser utilizado't '! A exploração da opinião pública " ...decorre de uma
situação social relacionada à função dos meios de comunicação, que possibilita a reprodução de uma opinião pública matriz como base de
elevação do respectivo índice".
Por fim, a terceira condição reside no problema da mistificação, que se
refere à utilização indevida da opinião pública expressando uma circunstância que nada tem de comum com ela, como se esta circunstância fosse própria da
opinião pública. Tudo se faz e tudo se executa em nome dela. Esta condição está intimamente ligada às demais (expropriação e exploração), e comumente
percebe-se a utilização de técnicas mercadológicas convencionais (notadamente em campanhas eleitorais), como sendo "instrumento operativo da irracionalidade coletiva", objetivando a persuasão da massa.
Analisando práticas políticas, percebemos que os setores que controlam o
poder intentam promover-se e consolidar-se. A postura mantida diante da opinião pública, "expropriando-a quando oportuno, explorando-a quando
necessário, e valendo-se das mistificações que ocasionalmente se lhe
atribuem", é tão comumente utilizada que acaba por influenciar aqueles setores que, alijados do poder, intentam disputá-lo. Portanto, essa postura também é observada nos setores oposicionistas, distintos daqueles citados como níveis do interesse privado, que intentam tomar o poder para modificar sua estrutura em nome do interesse público.V
31 A utilização das pesquisas de opinião à época das campanhas eleitorais, que "exploram" o fato de
um candidato qualquer estar em primeiro lugar na preferência popular, em detrimento de outros. tentando induzir o eleitor a votar "em quem está ganhando", é um exemplo dessa condição.
3. Considerações sobre meios de comunicação
A informação é um elemento de fundamental importância para a
formação e expressão da opinião pública. Ela é indispensável à vitalidade da sociedade, pois agrega opiniões favoráveis ou desfavoráveis sobre
determinado tema de interesse público.
Sendo os meios de comunicação um instrumento por excelência para veiculação da informação, e sendo a informação a diretriz orientadora das
decisões, certo é que o controle desses meios tende a ficar sob o domínio do poder.
Os meios de comunicação exercem uma função de intermediação entre os fatos e a mensagem até que esta atinja o alvo [mal junto ao público (visto o
ciclo praticado pela informação que vai do pólo gerador até o leitor final,
passando pela redação do jornal ou de outro veículo). Essa intermediação está sujeita a um risco de precisão da informação, pois, quem a decodifica (jornalistas, editores e outros comunicadores) realiza a sua interpretação do fato. Ela poder ser entendida, segundo Corrêa, como um dos instrumentos de controle da opinião pública; pode se tomar um meio eficaz para "orientar" o
ponto de vista do público.
O jornalismo, entretanto, pode ser considerado como expressão concreta da notícia (causa e efeito) segundo critérios de interesse social. Porém, a simples divulgação de fatos não determina o papel e o objetivo do próprio jornalismo ou dos meios que o veiculam, visto ser considerado c c ••• um
oJogo Político no Espaço Público emSão Paulo 36
opiniões da sociedade, e que impliquem o risco da modificação indesejada
(por parte dos grupos que a controlam) por setores dessa sociedade". 33
Tal fator diz respeito ao modo como essas informações se processam no ciclo de produção. Partindo-se do pressuposto de que toda informação
processada sobre o ciclo de produção se toma parte integrante dele, pode-se entender que a informação, desta forma, converte-se também em um bem de
consumo.
Segundo o autor, essa dinâmica tem conduta específica, pois,
" ...em face da circunstância ou do espaço onde se estabelece o ciclo de produção, segundo o modo determinado pelo padrão de desenvolvimento adotado, quando o objetivo social indica o que deve ser produzido, a respectiva dinâmica da comunicação indica o nível de interesse para com o processo". 34
Em outras palavras, a circulação de informações e a utilização dos meios de comunicação para que essa circulação surta efeito, constitui-se num
"modelo específico para a ocorrência do debate social", intimamente ligado
aos interesses investidos na interpretação dos fatos.
Augras-> aborda o problema do ponto de vista do domínio dos meios de comunicação por setores que dispõem de vultosos recursos financeiros, haja vista os custos elevados de composição e manutenção desses meios. E afirma que, " ... embora o ideal da democracia seja o controle das ações do governo pela opinião pública, na realidade o problema está colocado em termos de
controle da opinião, através do controle dos meios de informação".
A autora agrupa em dois pólos as diversas modalidades de controle da opinião, segundo o tipo de governo de cada país. No primeiro pólo, o liberal,
os grupos teriam a liberdade para criar jornais ou montar veículos (rádio,
33 CORREA, Op.cit., p.107." 34 Idem, ibidem. p.102-3.
televisão ), e o controle do Estado sena remoto, indireto (por meio de
impostos, censura, subvenção do papel de imprensa). No segundo, o
autoritário, o próprio governo seria o organizador, distribuidor e controlador dos meios.
Chafee= apresenta fatores que demonstram uma forte tendência do
governo no sentido de controlar a distribuição de notícias e opiniões, por intermédio da propaganda governamental e de vários tipos de informação e publicidade que enfatizam e estimulam o interesse público a reagir em certas direções, em detrimento de outros interesses e idéias; e, também, pela da regulamentação das empresas de comunicação e da concessão de emissoras de rádio e televisão.
Pode-se afirmar que a comunicação, como função pública, deve ser
analisada sob dois prismas:
1. o da exploração dos meios de comunicação que, no sistema capitalista, têm como meta a obtenção do lucro e, portanto, torna-se um produto de consumo do qual se espera o imediato retomo do capital investido em sua produção; o que significa dizer que o poder que os explora encontra-se nas mãos da iniciativa (esfera) privada;
2. o controle dos meios de comunicação que reflete não apenas a natureza da fmalidade subjetiva quanto a seu efeito sobre o meio social em que se instala e ao qual se destina. Esse controle está relacionado com a política de comunicação vigente, cuja natureza estaria constituída tanto pelos recursos técnicos disponíveis, quanto pelos elencos de metas a serem atingida. 37
Os meios de comunicação desempenham um duplo papel. Por um lado propiciam o controle social e a estabilidade, visto que tendem a prover os
36CHAFEE, Zechariah. Govemment and mass communications. In: BERELSON. B. &
JANOWITZ, M. (org.) Reader in public opinion and communications. Illinois: The Free Press. 1953.
oJogo Político noEspaço Público emSão Paulo 38
CAPÍTULO 11
A Gestão Jânio Quadros (1986-1988)
A primeira parte deste capítulo destina-se a traçar um perfil político-ideológico de Jânio Quadros. Livros e teses para explicar o fenômeno político
Jânio Quadros e o janismo não faltam. Vasta bibliografia existe a respeito deste que foi, talvez, um dos mais polêmicos políticos da história brasileira, e que teve sua vida analisada por estudiosos de diversas áreas do conhecimento
como historiadores, sociólogos e psicólogos. Esta dissertação, para efeito de síntese, utiliza a abordagem feita pela prof', Vera Lúcia Michalany Chaia, em tese de doutorado apresentada ao Departamento de Ciência Política da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, em 1991.38
Neste trabalho, a autora examina acuradamente a bibliografia existente, classificando-a em três grupos, a saber: 1) bibliografia "laudatória",
aquelas obras que trazem um posicionamento favorável à personagem; 2) "político-ideológica", com os autores assumindo posicionamento contrário ao de Jânio; e, 3) "analítica", que fazem abordagens conjunturais ou estruturais, fundamentando a relação entre teoria e história."
38 CHAIA, Vera, A liderança política de Jânio Quadros - 1947 a 1990. Tese de Doutorado. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, USP, 1991.
39Entre os autores do primeiro grupo, são apontados, na obra de Chaia: MELLÃO Neto. João. Jânio Quadros - 3 histórias para 1 história. São Paulo: Ed.Enovação, 1982: CABRAL. Castilho. Tempos de Jânio e outros tempos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1962: VICTOR. Mário. 5 anos que abalaram o Brasil (de Jânio Quadros ao Marechal Castello Branco). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965.
oJogo Político noEspaço Público em SãoPaulo
A ênfase do estudo, entretanto, recai sobre o estilo de liderança desenvolvido por Jânio desde o início de sua carreira, analisando o fenômeno
político nascido do discurso e da atuação deste personagem, e levantando os componentes que caracterizaram, mantiveram e possibilitaram a continuidade dojanismo.
1) Características político-ideológicas
a) o perfil da liderança e seu staf!administrativo
Jânio da Silva Quadros surgiu na cena política brasileira em 1947, eleito vereador por São Paulo. Com o passar dos anos construiu um estilo de
liderança que foi baseado tanto na imagem de integridade quanto num discurso moralizador.
Com uma trajetória vitoriosamente ascendente, em 1960 chegou à
Presidência da República. Sofreu suas duas únicas derrotas eleitorais quando concorreu ao Governo do Estado de São Paulo: em 1962, quando foi vencido por Adhemar de Barros, e vinte anos mais tarde, vencido por André Franco
E, entre os do terceiro grupo: PELLEGRlNI, Virgínia M. Cristina. O PTB em São Paulo - 1945-1964. Tese de Mestrado. São Paulo: PUCSP, 1989; BENEVIDES, Maria Victória. O governo Jânio Quadros. São Paulo: Brasiliense, 1981; WEFFORT, Francisco C. Raízes Sociais do Populismo em
São Paulo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, n.? 2; LAMOUNIER Bolívar (org.). 1985: O voto
em São Paulo. São Paulo: IDESP, 1986; BANDEIRA, Moniz. A renúncia de Jânio Quadros e a crise pré-64. São Paulo: Brasiliense, 1979; LABAKI, Amir. 1961 - A crise da renúncia e a solução parlamentarista. São Paulo: Brasiliense, 1986; HIPPOLITO, Lucia, PSD de raposas e reformistas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985; BENEVIDES, Maria Victória, O PTB e o trabalhismo - partido e sindicato em São Paulo (1945-1964). São Paulo: Brasiliense/CEDEC. 1989: BENEVIDES. Maria Victória, A UDN e o udenismo - Ambigüidades do Liberalismo Brasileiro (1945-1965). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981; SAMPAIO, Regina, Adhemar de Barros e o PSP. São Paulo: Global
Editora, 1982; IANNI, Octávio, O colapso do populismo no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1968; WEFFORT, Francisco c.,O populismo na política brasileira. Rio de Janeiro: Paz
Montoro.w Em 1985 venceu as eleições para a Prefeitura de São Paulo, com
a saúde abalada e com uma legenda partidária pouco expressiva no cenário político paulistano - o PTB.
Segundo Vera Chaia, de 1947 até o fmal da década de 1980 o país passou por profundas transformações políticas," sociais e econômicas, com a ampliação da participação popular que não mais se restringiu aos partidos políticos, estendendo-se aos sindicatos, movimentos populares e centrais
trabalhistas. Jânio conseguiu sobreviver a essas transformações, mantendo
inalterado o seu discurso e o seu estilo. Sua liderança reaparece na década de 1980, defendendo idéias e propostas que são assimiladas por uma parcela
significativa da população.
Chaia analisa fatores que sustentaram a continuidade da liderança de
Jânio. O primeiro deles está relacionado à base janista. Sua característica comum é a reverência e lealdade à figura de Jânio. Em 1947, essa base eleitoral
"...era formada por setores da classe trabalhadora que estavam se engajando no processo produtivo do sistema capitalista, e que possuíam motivações voltadas à moralização do sistema político e à concepção de um Estado imparcial voltado à aplicação da lei e da justiça. Já nas eleições de 1985, para a Prefeitura de São Paulo, Jânio Quadros contou com o apoio da classe média de tendência conservadora"; (Chaia, p.14)
40Em 1964 Jânio teve seus direitos políticos cassados, só retornando àvida pública em 1979 após a Anistia. Neste período ganhou manchetes de jornais polemizando com os partidos políticos
reestruturados a partir da reforma partidária.
oJogo Político noEspaço Público em SãoPaulo 42
Embora tenha sofrido alterações com o passar dos anos no que tange a sua composição social, a base eleitoral de Jânio permaneceu fiel à essência dos temas do janismo como o princípio da autoridade, a moralização
administrativa e dos costumes, e a critica a instituições e grupos políticos, entre outros. Seus integrantes podem ser caracterizados desde aqueles
cidadãos que simpatizam e defendem os valores morais contidos no discurso
político de Jânio Quadros, pois almejam reconquistar a dignidade, combater a corrupção e resgatar a autoridade governamental, até aqueles que buscam beneficios pessoais ou cargos no governo.
Analisando as bases sociais do janismo, Maria Tereza Sadek conclui que a base de Jânio:
"...desloca-se ao longo do tempo dos setores populares para as classes médias, tomando-se gradativamente distante da imagem do 'tostão contra milhão' cultivada no início de sua carreira". (Sadek apud Chaia, p.405)
Bolívar Lamounier identifica o fenômeno janista como:
"...um meio caminho para o fascismo, um ponto avançado do populismo sem a organização militar do fascismo. O janismo de hoje é, na verdade, um malufo-janismo, uma operação fortemente financiada que visa rearticular o lado conservador da sociedade, armá-lo com uma base eleitoral poderosa com vistas à Constituinte e à sucessão
presidencial., Ele contém um ideário que sensibiliza a classe média
periférica, desinformada, que repudia e despreza a inteligência" .42
Em depoimento, na mesma matéria da Folha de S. Paulo, Moacir Longo, ex-vereador pelo PSB, cassado em 1964, afirma que Jânio:
"...fundou seu eleitorado na periferia da cidade, formada há 30 anos pelos bairros da Moóca, Penha, Vila Prudente, Vila Maria, nas zonas Leste e Norte, onde vivia a população mais pobre. Vinte e quatro anos depois da renúncia, ele volta, montado na mesma base eleitoral, que hoje forma uma classe média atrasada, que não evoluiu politicamente mas que possui algum patrimônio e se sensibiliza com o discurso da falta de segurança. A esse contingente se somou o lúmpen e o sub empregado da nova periferia, na mesma região".43
Nas eleições de 1985, a candidatura janista não só arregimentou uma
legião de janistas históricos (como veremos adiante) como também foi
reforçada por um bloco partidário composto de partidos conservadores (coligação PTB- PFL), e por personalidades políticas da elite tradicional do porte de Olavo Setúbal (ministro das Relações Exteriores, e presidente de honra do PFL em São Paulo), Aureliano Chaves (ministro das Minas e
Energia, e presidente nacional do PFL), Antonio Carlos Magalhães (ministro das Comunicações); Delfun Netto e Calim Eid (este último considerado braço
direito de Maluf - e que garantiram apoio político-frnanceiro do PDS à candidatura); de alguns empresários e de militares que ocuparam cargos
quando Jânio foi presidente da República, como o general Leônidas Pires Gonçalves (Ministro do Exército do governo Sarney).
Segundo o deputado federal Herbert Levy (PFL-SP), principal artífice do apoio do seu partido a Jânio, a vinculação declarada dos partidos (PTB-PFL) e de seus líderes deu a "coloração democrática e centrista à candidatura de Jânio Quadros", já que o PFL, como partido de centro, "não admite qualquer vinculação com a direita ou com a esquerda radical", e o PTB "é um partido democrático e popular, que também nada quer com os extremados". 44
43LONGO, idem.
oJogo Político no Espaço Público emSão Paulo
Para esse grupo, a eleição de Jânio vinha ao encontro de objetivos
pragmáticos: Sarney, segundo os janistas, estaria livre da tutela do PMDB; Setúbal teria maiores chances de eleger-se governador do Estado em 1986; e, o PFL, com o apoio de Jânio a Setúbal, adquiriria uma identidade em São Paulo."
Apesar de todo esse estratagema, e sem um programa de governo claramente defmindo - "o programa sou eu", declarou à imprensa - Jânio
contou consigo mesmo, deixando que os interessados se acercassem, e venceu sozinho.
o
segundo fator de continuidade do janismo, segundo Chaia, dizrespeito ao staff administrativo, sempre presente e atuante desde o início da
carreira de Jânio. Esse staff teve como principal papel a intermediação entre Jânio e a sociedade, permitindo que o líder não necessitasse de qualquer tipo de vinculação partidária. Acrescente-se a isso o papel que esse grupo de apoio tinha na elaboração de uma plataforma política que, por um lado, assegurava a autonomia frente aos partidos e, por outro, que qualquer legenda sem
programa pudesse abrigar sua candidatura.
Os integrantes desse grupo foram selecionados entre os seguidores ou simpatizantes de Jânio, e o acompanharam durante toda a sua carreira, mesmo no período de cassação e afastamento do cenário político. Sua composição sofreu alterações durante os períodos, mas sua homogeneidade se deu "pela crença na liderança pessoal de Jânio". (Chaia, p.I5) Alguns membros que se destacaram foram: Augusto Marzagão, José Aparecido de Oliveira (governador do Distrito Federal e depois ministro da Cultura do governo Sarney, foi secretário particular de Jânio na Presidência da República), Fauze