• Nenhum resultado encontrado

Ética e pesquisa biomédica em sociedades indígenas no Brasil.

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2017

Share "Ética e pesquisa biomédica em sociedades indígenas no Brasil."

Copied!
6
0
0

Texto

(1)

Ét ica e pesquisa biomédica em sociedades

indígenas no Brasil

Ethics and b io me d ical re se arch in Ame rind ian

so cie tie s in Brazil

1 Escola Nacion al de Saú de Pú blica, Fu n d ação Osw ald o Cru z , Ru a Leop old o Bu lh ões 1480, Rio d e Jan eiro, RJ 21041-210, Brasil. 2 Departam en to de An trop ologia, Mu seu N acion al, Qu in ta d a Boa Vista s/no,

Rio d e Jan eiro, RJ 20940-040, Brasil.

Carlos E. A. Coim bra Jr.1 Ricard o Ven tu ra San tos 1,2

Abst ract Th is p ap er d iscu sses th e eth ics of biom ed ical research in Am erin d ian p op u lation s of Braz il, focu sin g on th e obtain m en t of in form ed con sen t in field w ork in volvin g th e collection of biological sam p les. Th e au th ors em p h asize th at th e cu rren t legislation d oes n ot sp ecifically regu lat e biom ed ical research in t h ese p op regu lat ion s. From an an t h rop ological st an d p oin t , t h e aregu -th ors d iscu ss som e of -th e d ifficu lties in obtain in g a "tru ly" in form ed con sen t. Th e relevan ce of th e d iscu ssion on research eth ics is of grow in g im p ortan ce d u e to th e p ossibility of com m ercial u se of h u m an biological sam p les, as illu strated by th e on goin g d ebate on th e gran tin g of p aten ts to h u m an gen etic m aterials.

Key words Eth ics; Research ; Biom ed icin e; Gen etics; Am erin d ian s

Resumo Este trabalh o d iscu te qu estões relativas à ética d a in vestigação biom éd ica em p op u -lações in d ígen as brasileiras, em p articu lar n o qu e tan ge à obten ção d e con sen tim en to p ós-in for-m acion al efor-m p esqu isas qu e en volvafor-m a coleta d e afor-m ostras biológicas. En fatiz a-se qu e n ad a h á d e esp ecífico n a legislação atu al com resp eito à p esqu isa biom éd ica n estas p op u lações. A p artir d e u m a p ersp ect iv a a n t rop ológica , os a u t ores a n a lisa m a lgu m a s d a s d ificu ld a d es p a ra a obten ção d o con sen tim en to "realm en te”in form ad o. Ch am a-se aten ção p ara a im p ortân cia d as d iscu ssões sobre ética em p esqu isa face a p ossibilid ad e d e u tiliz ação com ercial d e am ostras biológicas, com o exem p lificad o p elo atu al d ebate sobre p aten team en to d e m aterial gen ético h u -m an o.

(2)

Introdução

Qu estões d e ord em ética en volven d o p esq u isa b iom éd ica em seres h u m an os têm receb id o ca-d a vez m ais aten ção n o Brasil. Em p arte resu l-tan te d e u m a n ova p ostu ra d a p róp ria com u n i-d a i-d e cien tífica , m a s ta m b ém i-d eco rren te i-d e p ressões exercid as p or agên cias fin an ciad oras, com itês d e ética vêm se organ izan d o em in stitu to s d e p esq u isa e u n iversid a d es. O la n ça -m en to d a revista Bioética, p u b licad a p elo Con -selh o Fed eral d e Med icin a a p artir d e 1993, as-sim com o o n ú m ero crescen te d e p u b licações qu e lid am com tem as ligad os à ética d a p rática m éd ica p ro p ria m en te d ita e d a a p lica çã o d e tecn ologias em saú d e, refletem o grau d e p reo-cu p ação e in teresse d os p rofission ais d as m ais d istin ta s á rea s p elo tem a (Ga rcia & Ch a m a s, 1996; Ga rra fa , 1995; Neves, 1996; Sch ra m m , 1995).

No sso o b jetivo n este texto é refletir so b re certa s q u estõ es rela tiva s à ética d a p esq u isa b iom éd ica em p op u lações in d ígen as n o Brasil, em p a rticu la r n o q u e se refere a o tra b a lh o d e cam p o en volven d o a coleta d e am ostras b iológicas. Com o é sab id o, estes gru p os n ão com u n -gam d os m esm os valores e sistem a d e cren ças e p ráticas m éd icas d as d itas socied ad es d e cu l-tu ra ocid en tal. Ap esar d isso, n ad a h á d e esp ecífico n a legisla çã o, q u er seja n a cio n a l o u in -tern a cio n a l, co m resp eito à ética d a p rá tica m éd ica e/ ou d a p esq u isa b iom éd ica en tre es-tas p op u lações. Este é u m d eb ate im p ortan te, p articu larm en te p or estar em p rocesso d e revisão a resolu ção d o Con selh o Nacion al d e Saú -d e qu e n orm atiza a p esqu isa b iom é-d ica em se-res h u m an os n o Brasil.

Ét ica, Pesquisa Biomédica e Sociedades Indígenas

No p la n o in tern a cio n a l, n ã o h á u m co rp o d e regra s esp ecífica s e d e a m p la a ceita çã o p elo s d iverso s p a íses q u e regu le q u estõ es liga d a s à ética d a p esq u isa em b io m ed icin a . Os p rin cí-p ios b ásicos cí-p elos q u ais se cí-p au tam com itês d e ética e in vestiga d o res d eriva m d o Có d igo d e Nu rem b erg (1947), d a Decla ra çã o d e Helsin ki (1964 e em en d a d a em 1975) e d a s Diretrizes Éticas In tern acion ais p ara Pesq u isas Biom éd i-cas En volven d o Seres Hu m an os, p rop osta p elo Con selh o p ara Organ izações In tern acion ais d e Ciên cia s Méd ica s e Orga n iza çã o Mu n d ia l d a Saú d e em 1993 (An ôn im o, 1995).

No Bra sil, a p esq u isa em sa ú d e é n orm a ti-za d a a tra vés d a Resolu çã o 01/ 88 d o Con selh o Nacion al d e Saú d e (CNS, 1995). Esta resolu ção reza q u e p esq u isa en volven d o seres h u m a n os

d eve "con tar com o con sen tim en to [p ós-in for-m a cio n a l]d o in d ivíd u o objeto d a p esqu isa ou seu rep resen tan te legal" (Ca p. II, Art. 5o). Con sen tim en to p ó sin fo rm a cio n a l é d efin id o co -m o "... o acord o p or escrito m ed ian te o qu al o in d ivíd u o objeto d a p esqu isa ou ...seu rep resen -tan te legal, au toriz a su a p articip ação n a p es-qu isa, com plen o con h ecim en to da n atu reza dos p rocedim en tos e riscos a qu e se su bm eterá, com a cap acid ad e d e livre arbítrio e sem qu alqu er coação" (Cap. II, Art. 10o). O con sen tim en to d e-ve ser a ssin a d o p elo p róp rio in d ivíd u o ou seu rep resen tan te legal. No caso d e n ão alfab etiza-d os, a Resolu ção p revê q u e o in etiza-d ivíetiza-d u o etiza-d everá im p rim ir su a im p ressão d igital.

Nã o h á q u a lq u er ca p ítu lo o u a rtigo n a Re-so lu çã o 01/ 88 q u e se refira esp ecifica m en te à p esq u isa em p o p u la çõ es in d ígen a s. O q u e se p od eria con sid erar com o m ais p róxim o é o Ca-p ítu lo IV, q u e tra ta d a Ca-p esq u isa em situ a çõ es o n d e n ã o h a ja "co n d içõ es d e co m p reen sã o ", p o r se tra ta r d e m en o res d e id a d e o u n o ca so d e in d ivíd u os qu e, p or razões várias, n ão se en con trem em con d ições d e d ar “con scien tem en -te” seu con sen tim en to. Nestes casos, o p esqu i-sa d o r d everá o b ter "con sen tim en to escrito d e p articip ação ap rovad o p elo Com itê d e Ética d a in stitu ição...e assin ado pelo respon sável legal".

Se p or u m lad o a Resolu ção d o CNS é om issa em relação às p op u lações in d ígen as, p or ou -tro a legislação in d igen ista é om issa em relação à s p esq u isa s b io m éd ica s. So m en te a p o rta ria no745 d e 1988 d a Fu n d ação Nacion al d o Ín d io

(Fu n ai), q u e n orm atiza a con cessão d e au tori-zação p ara o in gresso em área in d ígen a, d isp õe sob re a realização d e p esq u isa cien tífica (Gu i-m a rã es, 1989). Neste ca so, reza a p en a s q u e o p ed id o p a ra rea liza çã o d e p esq u isa "...só será an alisado p ela Fu n ai à vista de p arecer favorá-vel d o Con selh o Nacion al d e Desen volvim en to Cien tífico e Tecn ológico"(CNPq), n ad a in d ican -d o sob re a p esqu isa b iom é-d ica em si e/ ou seu s d esd ob ram en tos p ara as com u n id ad es. No âm -b ito d o CNPq , a resp on sa-b ilid ad e p ela an álise d o s p ro jeto s en ca m in h a d o s p ela Fu n a i é d a área d as ciên cias sociais. Não en volve, p ortan -to, as áreas d e saú d e ou d e ciên cias b iológicas.

(3)

As Sociedades Indígenas e o Consentimento Pós-Informacional

Com o in d ica a resolu ção d o CNS, u m elem en to cen tra l a ser con sid era d o n a p esq u isa d iz res-p eito à ob ten ção d o con sen tim en to res-p ós-in for-m a cio n a l. A segu ir p ro b lefor-m a tiza for-m o s esta qu estão n o qu e tan ge às socied ad es in d ígen as, ch am an d o aten ção p ara algu m as d ificu ld ad es d e ord em ética e op eracion al en volvid as n a ob ten çã o d e u m con sen tim en to "rea lm en te" in -form ad o.

Estim a-se em ap roxim ad am en te 220.000 a p op u lação in d ígen a n o p aís, com cerca d e 60% d este con tigen te viven d o n a Am azôn ia. Um as-p ecto a ser d esta ca d o é a gra n d e d iversid a d e sócio-cu ltu ral. São m ais d e 170 etn ias, com sis-tem as sociais e p olíticos p róp rios, viven d o em a ld ea m en to s, p o sto s in d ígen a s, m issõ es reli-giosas e até m esm o n a p eriferia d e cid ad es. Do p on to d e vista lin gü ístico, o p an oram a é igu al-m en te co al-m p lexo, co al-m u al-m n ú al-m ero su p erio r a 150 lín gu as. Deve-se ain d a ch am ar aten ção p ra a h eterogen eid ad e qu an to à h istória e situ a-ção d e con tato d estes gru p os com a socied ad e n a cio n a l. En q u a n to a lgu n s a in d a m a n têm -se relativam en te m ais isolad os, ou tros p articip am com d iferen tes grau s d e en volvim en to n a econ o m ia d e m erca d o. Ta m a econ h a d iversid a d e im -p lica qu e a categoria "socied ad e in d ígen a" é al-go com p lexo e m u ltifacetad o, en glob an d o p o-p u lações com características sócio-cu ltu rais e tra je tó ria s h istó rica s d ive rsa s. Isto co n stitu i, p o r si, gra n d e d esa fio à a p lica çã o d e p ro ced i-m en tos n ori-m atizad os a p artir d e u i-m con ju n to d e p rin cíp ios éticos e ju ríd icos fu n d am en tad os em u m "eth os" ocid en tal.

A o b ten çã o d o co n sen tim en to p ó s-in fo r-m a cio n a l b a seia -se n o p rin cíp io segu n d o o qu al o in d ivíd u o, ap ós ter sid o in form ad o acer-ca d os ob jetivos e p roced im en tos d a in vestiga-ção, d ecid irá, in d ivid u alm en te, an u ir ou n ão à p esq u isa . Desn ecessá rio d izer q u e o s có d igo s d e ética são estru tu rad os a p artir d e u m a con -cep çã o d e in d ivíd u o co n stru íd a a p a rtir d e u m a ótica ocid en ta l. Nesta a cep çã o, exa lta -se u m a verten te in tern a d e in d ivíd u o segu n d o a q u a l o p rin cíp io d e livre a rb ítrio e d e esco lh a in d ivid u al são cen trais. Aqu i resid e im p ortan te co n tra ste co m a s so cied a d es in d ígen a s, n a s q u a is, co m u m en te, p rio riza se u m a co n stru -ção coletiva d e in d ivíd u o (Seeger et al., 1979). Estritam en te falan d o, a ob ten ção d o con sen ti-m en to p ós-in forti-m acion al in d ivid u al é revesti-d a p or certa revesti-d ose revesti-d e etn ocen trism o, já qu e sig-n ifica ap licar categorias gerad as e valorizad as em u m d eterm in ad o con texto sócio-cu ltu ral a o u tro s q u e n ã o n ecessa ria m en te co m p a

rti-lh a m d o s m esm o s va lo res. En tre o s Xa vá n te, p or exem p lo, d ificilm en te u m m em b ro d a co-m u n id ad e d ecid irá, in d ivid u alco-m en te, qu an to a su a p a rticip a çã o em u m p ro jeto d e p esq u isa sem qu e, an tes, a qu estão seja d iscu tid a n o w a-rã, im p ortan tíssim a in stân cia d ecisória d a so-cied a d e Xa vá n te co n stitu íd a p elo s h o m en s m a is velh o s. Este exem p lo é ilu stra tivo, p o is su gere qu e a in stân cia coletiva d e d ecisão p od e ser m ais im p ortan te qu e a in d ivid u al.

Com o ob ter u m a certificação d e qu e o in d i-víd u o co n co rd a em p a rticip a r d a p esq u isa ? Mais u m a vez, n ão h á com o fu gir d e esp ecifici-d aecifici-d es cu ltu rais e as op ções ecifici-d isp on íveis u su al-m en te lial-m ita al-m -se a a ssin a tu ra o u ial-m p ressã o d igital, e d estas em p articu lar, já qu e a m aioria d os in d ígen as n ão são alfab etizad os. Mu ito ce-d o n o p ro cesso ce-d e so cia liza çã o n a so ciece-d a ce-d e ocid en tal ap ren d e-se qu e o ato d e im p regn ar a p on ta d os d ed os com tin ta e im p rim ir u m a cer-ta característica m orfológica em p ap el está relacion ad o a associar su a p essoa (su a in d ivid u a -lid ad e) a u m a id éia, a u m d ocu m en to. Se o ato d e m arcar u m p ap el com a im p ressão d igital é m ecan icam en te sim p les, sociologicam en te ar-ticu la-se com u m a com p lexa rede de elem en tos ju ríd ico s e filo só fico s. Um a im p ressã o d igita l só é u m rea l a testa d o d e a p rova çã o se, p a ra o in divídu o, estiver clara a vin cu lação en tre o bio-lógico (i.e., o d erm atóglifo) e o social e ju ríd ico (i.e., o valor d a im p ressão com o id en tid ad e).

A resolu ção d o CNS tam b ém p revê a p ossib ilid ad e d o p esq u isad or oossib ter o con sen tim en -to p ara a realização d a in vestigação n ão d ireta-m en te d o in d ivíd u o eireta-m a p reço, ireta-m a s d e seu "resp on sável". Neste caso, rem ete-se a qu estão a o p a p el exercid o p elo órgã o tu tor – a Fu n a i – q u e, co m o rep resen ta n te lega l d o s in d ígen a s, p od eria d ar o con sen tim en to p ara a p esq u isa. No en tan to, o órgão n ão con ta com u m com itê d e b io ética p a ra a va lia r o s p ro jeto s q u e lh es são en viad os e, além d isso, d ep en d e d e p arecer d o CNPq p ara au torizar o p rojeto d e p esq u isa q u e, co m o já vim o s, é a n a lisa d o p ela á rea d e ciên cias sociais d aqu ele Con selh o.

(4)

m ais d ireta p ara se atin gir o foco d a d oen ça situ ad o n o in terior d o corp o ou n o p róp rio san -gu e. En tre o s Wa rí (Pa ca á n ova ), p o r exem p lo, Co n klin (1994) rela ta a p referên cia p o r m ed i-cam en tos in jetáveis p or serem estes con sid era-d os m ais fortes e eficazes. Proceera-d im en tos tera-p êu tico s en vo lven d o a elim in a çã o d e sa n gu e, seja através d e escarificações ou in cisões d iretas sob re p eq u en os vasos, tam b ém são com u -m en te d escritos n a literatu ra etn ográfica. Des-te m od o, em certos con Des-textos cu ltu rais, p roce-d im en to s "p ro p eroce-d êu tico s" roce-d a m eroce-d icin a o ci-d en tal p oci-d em ser in terp retaci-d os com o atos "te-rap êu ticos". Esta é u m a d as razões p elas q u ais ra ra m en te o s p esq u isa d o res rela ta m m a io res d ificu ld ad es n a ob ten ção d e am ostras d e san -gu e. Se, p or u m lad o, a rep resen tação in d ígen a fa cilita o tra b a lh o d e coleta d a s a m ostra s, p or ou tro im p õe u m a d ificu ld ad e ad icion al p ara o p esq u isa d o r: d eixa r cla ro q u a is sã o o s "rea is" in tu ito s q u e n o rteia m o tra b a lh o. A o b ten çã o d o con sen tim en to p ós-in form acion al q u e faça u so u n icam en te d e con ceitos in d ígen as d e en -ferm id ad e e cu ra n ão é ética, p ois su gere u m a in ter ven çã o m éd ico -tera p êu tica q u a n d o, n a realid ad e, trata-se d a coleta d e am ostras b ioló-gica s q u e, p o sterio rm en te, p o d erã o vir a ser p rocessad as p ara os m ais variad os fin s.

Não é in com u m n a rotin a d a p esq u isa b io-m éd ica eio-m á rea s in d ígen a s a "p erio-m u ta " d e am ostras d e m aterial p or assistên cia m éd ica e in su m o s (va cin a s e/ o u m ed ica m en to s). Será esta u m a b ase d e "troca" válid a? Em n ossa op i-n iã o, o s term o s d o "a co rd o " d evem a lm eja r a com p reen são d o in d ígen a acerca d a p ersp ecti-va (ocid en tal) qu e n orteia a in vestigação e qu e, a lon go p razo, d eterm in ará o qu e se p od erá fa-zer com o m aterial.

As con sid erações acim a su gerem qu e, p ara-d oxalm en te, qu an to m ais isolaara-d a ou ara-d istan cia-d a for u m a sociecia-d acia-d e cia-d o m ocia-d elo ocicia-d en tal, talvez m a is fá cil seja o b ter certifica çõ es d e co n -sen tim en to. Aqu i, con tu d o, h á d e se d iferen ciar en tre a d im en são "m ecân ica" qu e reveste o ato d e con sen tir (rep resen tad a, p or exem p lo, p ela a p osiçã o d e im p ressões d igita is sob re u m d o-cu m en to) e esferas cogn itivas m ais p rofu n d as, n a s q u a is a m ecâ n ica d o p ro cesso a rticu la -se com a com p reen são d e seu s sign ificad os e im -p licações n o -p lan o ocid en tal.

Do imaginário ao concret o

A esta altu ra o leitor d eve estar se p ergu n tan d o se n ã o esta m o s n o ca m p o d e filigra n a s a n tro -p ológicas, in com -p atíveis com as d em an d as d o m u n d o "rea l", n o q u a l a s p esq u isa s p recisa m ser realizad as e o fator tem p o n ão p erm ite q u e

o s in vestiga d o res p a ssem , d iga m o s, sem a n a s ou m eses em u m a a ld eia p a ra só en tã o com e-ça r a co m p reen d er a s ca tego ria s n a tiva s e, a í, ob terem o con sen tim en to d e u m a form a cu ltu -ra lm en te m a is a d eq u a d a . Em p a rte, o leito r tem ra zã o : o p o n to a ser a tin gid o é o d e u m eq u ilíb rio en tre tra n sp a rên cia e resp eito p a ra com o "ou tro" e op eracion alid ad e.

Exem p los con cretos aju d am -n os a m aterializa r teo riza çõ es. Po r m eio d e u m a rá p id a in -cu rsã o n o ca m p o d a gen ética verem o s q u e o s p on tos levan tad os acim a n em sem p re são ap e-n as filigrae-n as. São qu estões coe-n cretas qu e p re-cisa m (e p rere-cisa rã o ) ser en fren ta d a s ca d a vez m ais freqü en tem en te, tan to p elos p esqu isad o-res com o p ela socied ad e em geral.

As p op u lações in d ígen as am azôn icas estão en tre a s m a is b em gen etica m en te estu d a d a s n o m u n d o. A coleta d e am ostras d e san gu e tem sid o fu n d am en tal a estas p esqu isas, qu e até re-cen tem en te b aseavam -se p rim ord ialm en te n a a n á lise d a s freq ü ên cia s d e vá rio s m a rca d o res san gü ín eos p ara caracterizar o p erfil gen ético d as p op u lações. Destas p esqu isas n ão se esp era va m p ro d u to s co m ercia lizá veis. Os resu lta -d os eram em in en tem en te aca-d êm icos, p rin ci-p alm en te artigos em revistas esci-p ecializad as, li-vros e/ ou d issertações.

Ava n ço s técn ico s a lca n ça d o s n o s ú ltim o s an os p erm itiram aos gen eticistas m u d ar o en -foqu e d e su as an álises, qu e agora resid em cad a vez m ais n o estu d o d o p róp rio m aterial gen éti-co (DNA). Esta tra n sfo rm a çã o m eto d o ló gica veio acom p an h ad a p or u m im p ortan te d esd ob ra m en to : a s a n á lises gen ética s co n tem p o râ -n ea s p erm item id e-n tifica r e d elim ita r ge-n es e estes, n a legislação d e certos p aíses, p od em vir a ser p aten tead os. Ou seja, se até n u m p assad o recen te o va lo r in trín seco d e u m a a m o stra d e sa n gu e resid ia em seu p o ten cia l d e a d icio n a r ao con h ecim en to cien tífico n o sen tid o lato, n o p resen te p od e levar tam b ém a lu cros d a ord em d e m ilh ões d e d ólares n o caso d a "d escob erta" d e u m gen e p aten teável. Por exem p lo, Dickson (1996) m en cion a qu e, n o an o p assad o, foi ven -d i-d o n os E.U.A. o -d ireito -d e exp loração com er-cia l d e u m gen e rela cion a d o com a ob esid a d e p or 70 m ilh ões d e d ólares. Obviam en te, a id en -tificação d e u m gen e d e valor com ercial é m e-n os regra qu e exceção.

(5)

im p ortan te, geralm en te d escen d em d e u m p e-q u en o n ú m ero d e fu n d ad ores, sen d o p ortan to gen etica m en te m a is h o m o gên ea s. Po r exem -p lo, n u m a com u n id ad e Xaván te com a qu al te-m os tra b a lh a d o q u a se te-m eta d e d os 500 in d iví-d u os são iví-d escen iví-d en tes iví-d iretos ou in iví-d iretos iví-d e u m ú n ico h om em falecid o n a d écad a d e 70.

É im p o rta n te d eixa r cla ro q u e a d iscu ssã o acerca d o p aten team en to d e p rod u tos b iológicos oriu n d os d e p esqu isas realizad as em p op u -la çõ es in d ígen a s n ã o é n ovid a d e. Ha ja vista , p o r exem p lo, a s p o lêm ica s q u e en vo lvem a id en tificação e com ercialização d e su b stân cias ativas com p oten cial farm acológico, assim co-m o d e varied ad es locais d e p lan tas cu ltiváveis resisten tes a p ragas ou com características fe-n o típ ica s d e ife-n teresse eco fe-n ô m ico, id efe-n tifica-d as a p artir tifica-d e p esqu isas etn ob otân icas (Boom , 1990; Gra y, 1995; Klo p p en b u rg, 1988; Po sey, 1990). A q u estã o d o p a ten tea m en to e co m er -cia liza çã o d e gen es h u m a n o s o b tid o s a p a r tir d e in d ígen a s é a in d a m a is d elica d a . Isto p o r-qu e, n este caso, o p rod u to p aten tead o p od e vir a ser d iretam en te traçad o ao corp o d e u m in d i-víd u o.

O cen ário d e id en tificação e p aten team en -to d e gen es h u m a n o s, q u e h á a lgu n s a n o s era q u a se q u e sin ô n im o d e ficçã o, a p roxim a -se m a is e m a is d a rea lid a d e. Um recen te a rtigo p u b licad o n a revista Natu re ch am a aten ção p ara a p ossib ilid ad e d a segu in te situ ação se m a -teria liza r: "u m gru p o d e in d ivíd u os – [p or exem p lo] ín d ios d a Am érica d o Su l p articip an -d o -d e u m p rojeto em an trop ologia...con cor-d a em p rover am ostras d e san gu e p ara u m gru p o

de p esqu isa. Na ocasião, os term os do 'con trato' são relativam en te in form ais. Os ín dios aceitam algu m m aterial biom éd ico e aju d a n a con stru -ção d a u m a escola local... Três an os d ep ois, os d ireitos p ara ex p loração d e m aterial gen ético iden tificado a partir das am ostras são ven didos p elos p esqu isad ores p ara u m a gran d e com p a-n h ia farm acêu tica p or, d igam os, 20 m ilh ões d e dólares" (Dickson , 1996:11).

No sso in tu ito n ã o fo i esgo ta r a d iscu ssã o sob re as qu estões d e ord em ética en volvid as n a p esqu isa b iom éd ica em p op u lações in d ígen as. In clu sive n os d etivem os m ais em ap en as u m a d as facetas d a q u estão, q u al seja, o d ilem a éti-co en volvid o n a éti-coleta d e am ostras b iológicas. Ou tras qu estões n ão m en os im p ortan tes d izem resp eito a o reto rn o p a ra o in d ivíd u o e/ o u co -m u n id a d es n o ca so d e lu cro s d eco rren tes d a exp loração com ercial d o m aterial coletad o. Os p esq u isa d o res d a á rea b io m éd ica gera lm en te estã o tã o en vo lvid o s co m a s co m p lexid a d es técn icas e teóricas d as várias etap as d e coleta e an álise d as am ostras, q u e p ou ca aten ção con -ferem as n ão m en os com p lexas qu estões d e or-d em sócio-cu ltu ral e p olíticas in eren tes à p es-qu isa.

(6)

Referências

ANÔNIMO, 1995. Dire trize s é tica s in te rn a cio n a is p ara p esqu isas b iom éd icas en volven d o seres h u -m an os. Bioética, 3:95-136.

BOOM, B. M., 1990. Eth ics in eth n op h arm acology. In :

Eth n obiology: Im p lication s an d Ap p lication s (D. A. Posey & W. L. Overal, orgs.), vol. 2, p p. 147-153. Belém : Mu seu Paraen se Em ílio Goeld i.

CNS (Co n se lh o Na cio n a l d e Sa ú d e, Bra sil), 1995. Re so lu çã o No. 01/ 88: n o rm a s d e p e sq u isa e m Saú d e. Bioética, 3:137-154.

CONKLIN, B. A., 1994. O siste m a m é d ico Wa rí (Pakaan óva). In : Saú de e Povos In dígen as (R.V. San -to s & C.E.A. Co im b ra Jr., o rgs.), p p. 161-186. Rio d e Jan eiro: Ed itora Fiocru z.

DICKSON, D., 1996. Wh o se ge n e s a re th e y a n ywa y?

Natu re, 381:11-14.

GARCIA, E. S. & CHAMAS, C. I., 1996. Gen ética m ole-cu la r: Ava n ço s e p ro b lem a s. Cad ern os d e Saú d e

Pú blica, 12:103-107.

GARRAFA, V., 1995. A Dim en são d a Ética em Saú d e Pú blica. São Pau lo: Facu ld ad e d e Saú d e Pú b lica, Un iversid ad e d e São Pau lo.

GRAY, A., 1995. O im p a cto d a con serva çã o d a b iod i-versid ad e sob re os p ovos in d ígen as. In : A Tem áti-ca In dígen a n a Escola (A.L. d a Silva & L.D.B. Gru

-p ion i, orgs.), -p -p. 107-124. Brasília: Min istério d a Ed u ca çã o e d o De sp o rto / Sã o Pa u lo : Gru p o d e Ed u cação In d ígen a, Un iversid ad e d e São Pau lo. GUIMARÃES, P. M., 1989. Legislação In d igen ista

Brasileira. São Pau lo: Ed ições Loyola.

JAYARAMAN, K.S., 1996. Ge n e -h u n te rs h o m e in o n In d ia. Natu re, 381(May 2):13

KLOPPENBURG, J., 1988. First th e Seed : Th e Political

Econ om y of Plan t Biotech n ology, 1492-2000.

Cam b rid ge: Cam b rid ge Un iversity Press. NEVES, M. C. P., 1996. A fu n d am en tação an trop

ológi-ca d a b ioétiológi-ca. Bioética, 4:7-16.

POSEY, D. A., 1990. Th e a p p lica tion of eth n ob iology in th e co n se rva tio n o f d win d lin g n a tu ra l re -so u rce s: Lo st kn owle d ge o r o p tio n s fo r th e su r-vival of th e p lan et. In : Eth n obiology: Im plication s an d Ap p lication s (D. A. Po se y & W. L. Ove ra l, o rgs.), vo l. 1, p p. 47-60. Belém : Mu seu Pa ra en se Em ílio Goeld i.

SEEGER, A.; DA MATTA, R. & VIVEIROS DE CASTRO, E., 1979. A con stru ção d a p essoa n as socied ad es in d ígen as b rasileiras. Boletim do Mu seu Nacion al

(An tropologia), 32:1-37.

Referências

Documentos relacionados

8 Ladislau Dowbor (2017) nomeou essa atividade de economia de pedágio. Ele identificou a existência de traders que, beneficiando-se de posição vantajosa na cadeia

Quando contratados, conforme valores dispostos no Anexo I, converter dados para uso pelos aplicativos, instalar os aplicativos objeto deste contrato, treinar os servidores

A análise por linha de crédito concentra-se no impacto de um aumento de 1% na oferta de crédito rural municipal do Pronaf e Pronamp - associados aos pequenos e médios

Comparando as leveduras, a aguardente produzida pela destilação do mosto fermentado pela levedura BG-1 apresentou a maior acidez volátil (47,14 mg 100 mL -1 de AA), que é o

O Processo Seletivo contará com três fases sendo a 1ª a Análise Curricular, a 2ª a Dinâmica de Grupo, Prova Escrita e Teste de Informática e a 3ª a

Os estudos iniciais em escala de bancada foram realizados com um minério de ferro de baixo teor e mostraram que é possível obter um concentrado com 66% Fe e uma

De acordo com estes resultados, e dada a reduzida explicitação, e exploração, das relações que se estabelecem entre a ciência, a tecnologia, a sociedade e o ambiente, conclui-se

Para finalizar, um assunto importante para o associado: no próximo dia 9 de dezembro, haverá eleição para a constituição da nova Diretoria Executiva e do Conselho Deliberativo