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As novas caras da arte hoje

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Academic year: 2017

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m 1984, no Parque Laje no Rio de Janeiro, 123 jovens artistas apresentavam suas obras, mui-tos dos quais se destacam hoje no cenário brasileiro de artes plásticas. Eram jovens artistas desco-nhecidos, como Beatriz Milhazes, Da-niel Senise, Leda Catunda, Leonilson, apenas para citar alguns. Coincidindo com o pluralismo político que nascia no Brasil a partir do início da década de 80, esses jovens artistas representaram em suas obras o grito reprimido da arte durante o período militar.

Em outubro de 2008, o Centro Cul-tural Banco do Brasil apresentou no Rio de Janeiro a mostra Nova Arte Nova, atualmente em exibição em São Paulo até 5 de abril, um panorama da arte atu-al com uma seleção de 63 artistas jovens de diversas regiões do país. Embora a geração de hoje não comemore a liber-tação de um inimigo declarado, como era o regime político há 25 anos, vive in-quietações semelhantes, ainda que sob limitadores de liberdade disfarçados e talvez mais complexos.

Ser artista jovem é por si só uma arte, tendo em vista as adversidades que enfrentam para sua formação e exi-bição de trabalhos no Brasil. Há uma carência de obras contemporâneas em museus, que parecem não ter estraté-gia ou política para novas aquisições, o que leva à concentração da relevante produção desses jovens talentos em co-leções particulares. Neste contexto em que a ordem privada domina, cria-se um distanciamento do novo artista e a sociedade em geral, de um público que ica sem acesso a essa produção que não

é exibida e promovida. O desequilíbrio entre o poder do Estado, que se traduz na ausência de uma política cultural democrática, e o poder do mercado faz com que a arte nova ique restrita a uma elite, já que a falta de proissionalização das instituições, de programas educa-tivos e de uma infraestrutura cultural estabelecida não permite que suas obras circulem para um público maior. Com um mercado mais receptivo a novos ar-tistas, com galerias comerciais em bus-ca de revelações, passou a existir outro espaço para os novos artistas. Muitos já saem da faculdade representados por galerias – e elas participam de feiras internacionais e de exposições locais. Com isso, ainda que o público interes-sado seja uma minoria, passa a ser in-citado a considerar o novo como forma de sua integração social e compreensão do tempo em que vive.

O novo nos induz a reconhecer as manifestações atuais, regra que se aplica à arte nova. A cena artística atual apre-senta um recorte plural e heterogêneo de como vive a sociedade global. Nesse sentido, a produção desses jovens artis-tas relete o mundo em que vivemos. A exposição do Centro Cultural Banco do Brasil oferece um panorama do que se produz no âmbito das artes plásticas, mas não esgota a diversidade de propos-tas da arte contemporânea brasileira. Livre de discursos – antropofágico ou concretista – e de uma temática regio-nal ou folclórica, essa produção artísti-ca mais recente se destaartísti-ca no cenário internacional globalizado. As marcas características da cultura brasileira de improvisação, dinamismo e diversidade

AS NOVAS CARAS

DA ARTE HOJE

Um panorama sobre as inquietudes de três artistas da nova

safra, todos com trabalhos em exibição em São Paulo: Chiara

Banfi, Tatiana Blass e Henrique Oliveira

Por Maria Rita Drummond

Dois trabalhos em exposição na mostra Nova Arte Nova, no Centro Cultural

Banco do Brasil, em São Paulo. Acima, Alexandre da Cunha: Public Sculpture.

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contribuem para que essa arte transite

sem passaporte pelo mundo. Dessa for-ma, esta geração de jovens artistas entra simultaneamente no circuito nacional e internacional.

Em destaque, a produção de três artistas Os três escolhidos para a abordagem desta reportagem, todos na faixa dos 30

anos, são representados por galerias e já participaram de exposições internacio-nais. São eles Chiara Bani, pela ria Vermelho; Tatiana Blass, pela Gale-ria Box4, do Rio de Janeiro, e pela Ga-leria Milan, em São Paulo; e, Henrique Oliveira, pela Box4, no Rio, e pela Baró Cruz, em São Paulo. Os três estão atual-mente com trabalhos em exposição em São Paulo, Chiara na Galeria Verme-lho e Tatiana Bass e Henrique Oliveira na mostra Nova Arte Nova, no CCBB. Apesar de estilos diferentes, o trabalho dos três renuncia à iguração, utilizando a tridimensionalidade do espaço e uma riqueza de materiais e texturas. Ainda que detentores de estilos próprios e in-comparáveis, suas obras tornam visível o que Kant havia pensado acerca do belo. A forma livre de expressão artís-tica dos três é de uma beleza emocio-nante, universalmente comunicável e necessária. Como explicava o ilósofo alemão, no juízo de gosto suspendem-se a moralidade, as considerações sobre a utilidade do objeto e as expectativas de vantagens pessoais. O público ica livre para usar de sua intuição e

criati-vidade, sem precisar recorrer a nenhum pré-conceito. A beleza na obras desses três artistas é perene, por ser profunda e elevada, estimulando nosso sentido de plenitude da realidade. Apesar de muitos argumentarem a subtração da beleza como padrão da arte, discussão sobre ética e estética que não cabe neste espaço. É inegável o poder e a comuni-cabilidade universal das obras baseados na intuição sensível do espectador.

O traço fluido de Chiara Banfi

O trabalho de Chiara Bani é de uma sensibilidade comovente, capaz de nos capturar com sua luidez, harmonia e musicalidade. A serenidade descon-traída do mundo visual de Chiara é contraposta por sua força e personali-dade, muito presentes em suas obras.

O traço luido, em busca de algo, ultrapassa os limites do papel, da tela, da parede, do teto, do chão, ampliando o espaço de sua obra e dos sentidos. O espectador se sente parte da obra, en-volvido por seu ritmo, livre para fazer parte do movimento musical que pulsa de seus trabalhos.

Friedrich Nietzsche acreditava que a música era a mais poderosa de todas as artes, por causar e fazer emergir emo-ções, sem buscar representações diretas e óbvias da realidade. Chiara, por meio de formas abstratas, gentilmente nos re-tira no mundo do observável para nos conduzir, como em uma dança, ao ima-ginável e lírico. Desde os primeiros

tra-balhos de faculdade, sua sensibilidade e busca por um novo sentido de espaço estão presentes. Com a maturidade, o trabalho icou mais reinado, com mais ritmo e energia. Seu trabalho parte da colagem de diversos materiais, para construir imagens abstratas. Inicialmen-te utilizava a casa de amigos para pro-duzir suas obras diretamente na parede, com o uso de adesivos de vinil e pintura, experimentando formatos e materiais.

Não é difícil se relacionar com sua obra, que traduz o desejo comum de busca em direção a um encontro. Os desenhos de Chiara envolvem o espaço com naturalidade e delicadeza, ganhan-do vida própria ao percorrer as paredes. A partir das condições criadas por suas criações, ela nos provoca a vivenciar uma realidade inventada, que existe no âmbito do universo por ela formado.

Em 2005 Chiara realizou na Ga-leria Vermelho a mostra individual intitulada Viga Mestra, em que, além de trabalhar com os desenhos nas pa-redes, pintou a viga-mestra do teto de verde e a prolongou pelas paredes até o chão, criando um portal de 2 metros de altura. A artista ressalta que a na-tureza sempre fez parte de sua vida e que a observação de sua força e poesia inluenciou seu trabalho. Com efeito, elementos da natureza estão presentes no trabalho de Chiara.

Recentemente essa artista de 29 anos foi ao Japão para a exposição coletiva Blooming Brasil-Japão, no Toyota

Mu-ARTES PLÁSTICAS

ARTES PLÁSTICAS

Na escultura Patas (2007), de Tatiana Blass, a figura de um cavalo é seccionada, permanecem apenas as pernas com cortes em diferentes alturas.

Foto/Ding Musa.

Foto/Everton Ballardin.

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nicipal Museum of Art, na província de

Aichi. A viagem e o contato com a cul-tura japonesa inluenciaram sua obra, como pode ser visto em seu mais novo trabalho, em exposição na Galeria Ver-melho, na mostra p.H Neutro. Matisse sempre desejou que suas obras tivessem a leveza e a alegria da primavera. Ainda que esse não seja o desejo precípuo de Chiara, é o que o público vê e sente.

As principais exposições de Chiara incluem: Viga Mestra, Galeria Ver-melho (2005); Rumos Itaú Cultural (2005/2006); Fundação Cartier, em Paris (2005); na Boston Arts Academy (2006); DNA Galerie, Berlim (2006); Toyota Museum of Art, Japão (2008),

Tatiana Blass: o óbvio em xeque Gertrude Stein dizia que chamar uma obra de arte de bela signiica di-zer que ela está morta. Ao contrário do tipo de beleza efêmera e cansativa a que se referia a escritora americana, a obra de Tatiana Blass não apenas resiste ao tempo, como se revela aos poucos, com frescor e delicadeza, deslumbran-do cada vez mais o atento espectadeslumbran-dor. Seu trabalho não faz concessões, exige de fato um esforço do observador.

Alguns dos trabalhos de Tatiana põem o óbvio em xeque, impondo-se de uma forma rara e diferenciada. A cada novo olhar, a beleza da criação se revela de forma diferente e com mais força. Com uma mistura improvável de cores e texturas, a obra de Tatiana Blass é de uma beleza surpreendente.

Tatiana começou seu trabalho com desenho, colagens e pintura. Com o passar do tempo, a pintura começou a sair da tela e escorrer pelo chão, gerando instalações e objetos. O desprendimen-to do plano veio da colagem, que estava presente em todo o processo. As várias camadas de tinta sobrepostas mostram a habilidade de Tatiana em lidar com contrastes cromáticos. Depois de selado o acordo entre as cores que compõem sua obra, as diferentes texturas ganham densidade. A artista se recusa a qualquer

referência à estética do momento em que vive. Ainda que sua obra cause uma estranheza inicial, há um ar de atem-poralidade nos trabalhos. A maioria das pinturas são dípticos ou trípticos monta-dos com um pequeno espaço divisor. A escultura Cerco (2007) é composta o um

faisão que, ao levantar voo, desloca o quadrado desenhado com as barras de latão, criando um dúbio movimento de caça e fuga. Outras esculturas da artista são Páreo (2006) e Patas (2007), em que

a igura de um cavalo é seccionada, per-manecendo apenas as patas com cortes em diferentes alturas.

 Tatiana Blass já participou de mais de 40 coletivas e 10 individuais: Gale-ria Milan, Centro Universitário MaGale-ria Antônia, São Paulo (2007), Galeria Box 4 (2006), Centro Cultural São Paulo (2003). Entre as principais coletivas es-tão Rumos Artes Visuais 2006 do Itaú Cultural, Centro Cultural Parque de España, em Rosário, na Argentina e o XV Salão de Arte Ibero-Americano em Washington (2006). Há trabalhos seus nas coleções do MAM-SP, Pinacoteca Municipal de São Paulo, Itaú Cultural e Fundação Joaquim Nabuco.

A fragmentação em Henrique Oliveira À primeira vista o trabalho de Hen-rique Oliveira impacta pela dissolução das formas e pela escolha de cores vivas que compõem suas pinturas. O espec-tador não encontra uma narrativa ou um tema que determine um ponto de partida. Sua pintura é formada por frag-mentos que lembram colagens, com referências a uma iguração que não existe. Mas talvez por isso o público se sente sugado pela força e pela beleza de suas obras.

Na época de faculdade, sua relação com as artes se iniciou pelo desenho, os quais já continham traços que apon-tavam para a direção que tomou seu trabalho hoje. Com o passar do tem-po, a abstração, dentre outros procedi-mentos pictóricos, foi sendo utilizada para compor a estrutura fragmentada

de suas pinturas. Da mesma maneira como a fragmentação iniciada pela obra de Cézanne levou às posteriores experimentações como as formas feitas por Picasso, a fragmentação no proces-so das pinturas de Henrique Oliveira levou a experimentações no campo tridimensional. Além das pinturas, ele trabalha com esculturas e instalações feitas com lascas de madeira retiradas de chapas de compensados, usados na construção civil. Ele recolhe esse mate-rial nas ruas, colando uns pedaços sobre os outros. Em suas pinturas como na instalação, o processo de construção é realizado por espessas camadas de pintura. Desse modo, as pinturas são formadas pela sobreposição de diversos planos de cores marcantes, como se tivessem sido colados, embora sejam, na verdade, o resultado de pinceladas, empoçamentos, gotejamentos e escor-ridos de tinta. A fragmentação é muito presente no trabalho de Henrique e nos remete à própria fragmentação da sociedade em que vivemos, repleta de conlitos e contradições.

Na obra Turbilhãopara Turner,

tra-dução tridimensional do quadro Snow Storm, de William Turner, Henrique

transportou a essência da obra do artista inglês para uma instalação construída com materiais colhidos por São Paulo. Essa obra é de uma força e beleza des-lumbrante. Em 2005, em sua exposição individual Tapumes, Henrique utilizou lâminas de madeira, cujo resultado es-tético se assemelha às suas obras no campo da pintura.

As principais exposições de Henri-que incluem: Nova Arte Nova, Cen-tro Cultural Banco do Brasil (2008), Seja Marginal, Seja Herói, na Galerie Vallois e na Galerie Seroussi, de Paris, na França (2008); Something from No-thing, no Contemporary Arts Center de Nova Orleans, nos EUA (2008); Exposi-ção de Verão. na Galeria Silvia Cintra/ Box4, no Rio de Janeiro; e Tapumes, na Casa de Cultura da América Latina, Brasília (2005).

ARTES PLÁSTICAS

ARTES PLÁSTICAS

A fragmentação é algo muito presente no trabalho de Henrique

Oliveira e nos remete à própria fragmentação da sociedade em que

vivemos, repleta de conflitos e contradições

Foto/Divulgação.

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