1200102993gfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
1111111111111111111111111111111111111111 !ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
A C R I S E D A D Í V I D A S U B N A C I O N A L B R A S I L E I R A N O S A N O S 1 9 9 0 : U M A A B O R D A G E M I N S T I T U C I O N A L I S T A
B a n c a E x a m i n a d o r azyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Prof Orientador: Marcos Fernandes Gonçalves da Silva Prof Amaury Patrick Gremaud
AGRADECIMENTOS
Devo a própria possibilidade de estar apresentando este trabalho a muitos colegas, amigos e pessoas queridas. Com o professor orientador Marcos Fernandes Gonçalves da Silva, terei uma dívida eterna pelo fato de me ter apresentado a nova economia institucional. Assistindo os seus cursos pude compreender como a história e a política podem ser integradas na análise econômica mantendo-se os padrões de rigor formal exigidos em qualquer área que se pretenda científica. Agradeço também aos meus professores e colegas da Escola de Administração de Empresas de São Paulo - EAESP da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo - FGV/SP, onde pude aprofundar meus conhecimentos, preparo técnico e desfrutar de um ambiente intelectual estimulante. A EAESP, ou a "Escola" como a chamamos, foi nos últimos anos uma segunda casa que freqüentei com muito prazer e orgulho (a ponto mesmo de o pavor sentido em algumas semanas de exames me parecerem, hoje, quase nada). A todos os membros da banca sou grato pelas inúmeras sugestões e comentários. Cláudio Couto apresentou valiosas sugestões e Eduardo Guardia foi muito gentil quando precisei do seu apoio para obter e compreender dados.
Ao longo da confecção deste trabalho, o Prof Paulo Arvate apresentou questões e reflexões que, em vários momentos, exigiram pesquisa adicional e reorientação de curso. Tenho certeza de que, sem a sua paciente e rigorosa revisão, a qualidade deste
trabalho não teria sido a mesma.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAÀ Patrícia Helena Cunha e Demerval Polizelli
agradeço pelas leituras cuidadosas, sugestões e estímulo. À Celina Ramalho cabe uma
lembrança pelo apoio mútuo durante a fase dos créditos e de pesquisa. Sou grato a Pedro Paulo Ciseski e Nelson Carvalheiro que ofereceram-me todo opoio necessário para compreender como o Banco Central produz os dados. Pedro Paulo apresentou-me sugestões muito valiosas. Ita Rocha desenhou algumas das figuras aqui apresentadas. Adriana Salinas ajudou-me a observar a revisar o texto.
domínio em diferentes campos do conhecimento e por seu saudável e invejável ecumenismo intelectual.
Este trabalho também não poderia ter ocorrido sem o apoio dos meus financiadores. Ao Conselho Nacional de Ensino e Pesquisa - CNPQ serei sempre grato pela concessão da bolsa de estudos que financiou os quatro primeiros, do total de cinco anos, que investi
neste doutorado.
A
Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de NívelSuperior - CAPES agradeço o financiamento de um semestre de bolsa sanduíche na University of Texas at Austin. O apoio do Conselho de Ensino e Pesquisa - CEPE da
Pontificia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP foi de fundamental
importância no último ano deste trabalho.
Minha dívida é imensa com o Departamento de Economia da PUC-SP. Lá comecei a estudar e a gostar de economia e sou grato a todos os colegas professores por tudo o que aprendi e pela possibilidade de pesquisar e ensinar, bem como pelo apoio que me foi dado durante meu doutoramento.
Devo muito desta pesquisa à Lyndon Johnson School of Public Affairs e ao Brazil Center da University of Texas que me permitiram um semestre muito proveitoso. Desejo agradecer a estas instituições nas pessoas dos meus professores Chandler Stolp e Robert Wilson e da coordenadora do Brazil Center, Michelle Zweede. Com meus colegas doutorandos da University of Texas, Kevin e Lori Schroeder pude trocar informações de pesquisa e desfrutar de uma parte do imenso carinho que eles têm pelo Brasil. A Pedro Jacobi e Brian Wampler devo a oportunidade dos debates calorosos e das polêmicas.
FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS
ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS DE SÃO PAULOZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
P A U L O F E R N A N D E S B A I A
A CRISE DA DÍVIDA SUB NACIONAL BRASILEIRA NOS ANOS
1990: UMA ABORDAGEM INSTITUCIONALISTAgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
F u n d a ç ã o G e t u lio V a r g a s
E s c o la d e A d m in is tr a ç ã oPONMLKJIHGFEDCBA G V d e E m p r e s a s d e S ã o P a u la .
B ih lio te c a
Tese apresentada ao Curso de
Pós-Graduação em Economia de
Empresas como requisito para
obtenção do título de Doutor em Economia de Empresas
1200102993
Orientador: Prof Marcos Fernandes Gonçalves da Silva
BAIA, Paulo Fernandes. A CRISE DA DÍVIDA SUBNACIONAL BRASILEIRA NOS ANOS 1990: UMA ABORDAGEM INSTITUCIONALISTA. São Paulo: EAESPIFGV, 2001. 183 p. (Tese de Doutorado apresentada ao curso de Economia de Empresas da EAESPIFGV)
Resumo: O endividamento subnacional brasileiro na década de 1990 não pode ser explicado sem o recurso a variáveis institucionais. Do ponto de vista teórico, a dívida subnacional é determinada por variáveis macroeconômicas e institucionais. Entre as últimas, as mais importantes são a natureza das relações fiscais intergovernamentais, que, por sua vez, são determinadas pelas relações federativas, pelo sistema de governo, pelo sistema partidário-eleitoral e pelo regime fiscal, todos subconjuntos do regime político. No caso brasileiro, o quadro de estagflação do início da década de 1990, associado ao nível elevado dos juros reais, foi um fator influente na expansão da dívida. Entretanto, o papel maior coube à existência, entre 1987 e 1998, de uma restrição
institucional fraca ao endividamento. O relaxamento das restrições foi uma
conseqüência da forma como ocorreu o processo de mudança do regime político. A imposição de limites fiscais só começou a ser feita a partir de 1994, quando a transição política já havia se completado e ressurgia um governo federal com força suficiente para retomar a função estabilizadora.
"Government is the solution to some
problems and the source of others. "zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
rZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
S U M A R I O
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA2- A TEORIA DA DÍVIDA SUBNACIONAL 18
2.1 - Os elementos para uma teoria da dívida pública subnacional , 18
2.2 - A teoria dos bens públicos 25
2.3 - A teoria da dívida pública 37
2.4 - A teoria do federalismo 53
2.5 - Quadro teórico 79
3.1 -Introdução 88
3.2 - Análise dos dados do endividamento subnacional brasileiro 89
3.3 - A evolução das taxas de juros e os incentivos econômicos ao processo de
endividamento 93
3.4 - Uma simulação das condições de estabilidade da dívida subnacional 100
3.5 - A situação fiscal dos estados nos anos 1990 104
4 - RELAÇÕES FISCAIS INTERGOVERNAMENT AIS E ENDIVIDAMENTO
SUBNACIONAL BRASILEIRO NOS ANOS 1990 114
4.1 - Introdução 114
4.2 - Restrições legais ao endividamento dos estados e municípios 115
4.3 - Bancos estaduais: o estado como credor de si mesmo 127
4.4 - As rolagens da dívida dos estados 131
4.5 - Conclusões 137
5 _ ABERTURA, DESCENTRALIZAÇÃO E RESTRIÇÃO ORÇAMENTÁRIA
FRACA 143
5.1 -Introdução 143
5.2 - A decisão de redemocratizar e a descentralização de recursos fiscais 144
5.3 - A transição prolongada, a crise inflacionária e a era dos presidentes fracos 148
5.4 - Pacto político, estabilização e transição para o reequilíbrio federativo 151
5.5 - Conclusões 154
ANEXOS 167
L I S T A
D E T A B E L A S
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBATabela2.1 - Resultados previstos pelas teorias 23
Tabela2.2 - Condições para o controle do endividamento subnacional 75
Tabela3.1 - Dívida líquida do setor público 1982 - 1989 (saldos médios,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA%doPIB) ..90
Tabela3.2 - Dívida líquida do setor público 1991 - 2001 (3l1dezembro, %do PIB) ..90
Tabela 3.3 - Dívida pública estadual e municipal (estoque 31.12 -%PIB) 93
Tabela 3.4 - Necessidade de Financiamento do Setor Público - 94
Administração direta dos estados e municípios 94
Tabela 3.5 - Taxa de juros real 96
Tabela 3.6 - Simulação para trajetória estável da dívida 103
Tabela 3.7 - Receita líquida disponível dos estados (sem privatização) 106
Tabela3.8 - Arrecadação do ICMS 108
Tabela 3.9 - Despesa líquida dos estados 109
Tabela3.10 - Resultado primário dos estados I 10
Tabela 3.11 - Gastos reais com pessoal e juros dos estados 111
L I S T A
D E F I G U R A S
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAFigura 2.1 - Produção e utilidade do indivíduo 1.. 26
Figura 2.2 - Possibilidade de consumo e utilidade do indivíduo 2 27
Figura 2.3 - Bens publicamente ofertados 28
Figura 2.4 - Escolha do tamanho ótimo da jurisdição 58
Figura 2.5 - Transferências em um federalismo simétrico 68
Figura 2.6 - Transferências em um federalismo assimétrico 69
Figura 2.7 - Modelo Teórico da Determinação da Dívida Subnacional.. 86
Figura 2.8 - Fatores Determinantes das Relações Fiscais Intergovernamentais 87
Figura 5.1 - Redemocratização, Descentralização e Endividamento 156
1 -
gfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAIN T R O D U Ç Ã O
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAo
objetivo deste trabalho é investigar as causas que explicam licrise da dívida dosestados e de alguns grandes municípios brasileiros. O fato chama atenção pela
magnitude: no conceito de Dívida Líquida do Setor Público. o endividamento
consolidado apenas das administrações diretas dos estados e municípios brasileiros
passou de 6,2 %do PIB em dezembro de I'J'J 1para 16,6 %em junho de 200 I', Em
várias ocasiões o mercado recusou-se a rolar essa dívida e o governo federal teve que
intervir em socorro das unidades subnacionais.
As razões dessa escalada são ainda motivo de muita controvérsia, ainda mais porque o
tema é politicamente sensível. Os intérpretes menos sofisticados da questão
freqüentemente adotam duas posturas simetricamente opostas e, ambas, simplistas, Para
uns, a responsabilidade maior coube às taxas de juros praticadas no período e, sendo
assim, a "culpa" deveria ser atribuída à política macroeconômica que, como sabemos, é
de responsabilidade do governo federal. Para outros, os problemas foram de gestão, Os
responsáveis maiores teriam sido os próprios governos locais, alguns dos quais seriam
maus administradores ou mesmo corruptos, Essas posições são criticáveis por duas
razões essenciais: a falta de um quadro teórico abrangente capaz de dar conta da
questão e a não verificação das evidências empíricas disponíveis.
No capítulo final do seu manual de economia do setor público, intituladozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBADéficitponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
finance,o agora Prêmio Nobel Joseph STIGLITZ (1999) afirmou que:
"This chapter represents a bridge between lhe two branchcs of cconomics, macroeconomics, which is concerned with national llggá;go/('s likc O U IP U /.
employment, and inflation, and microeconomics, which is conccrncd with lhe
individual decisions of households andfirms .: (p. 77.W
, Série histórica da Dívida Liquida do Setor Público em <www. hll""11 p ••v hl '. "111,,,111•• ,'" !nnl
2"Este capítulo representa uma ponte entre dois J'HIlIOS <1111'''<1''<11111:1 " 111111·1\1<'.·••11•• 111111.'I'''' 1IIIIa ,'.0111
agregados, tais como produto, emprego einflação, c 11 lIIi"n'I'l'''"''IIIlI. 'I'U' ""'110111 01•.• '1:"""" IIld"'ldllllis de
10
De fato, este é o ponto de partida da nossa abordagem. O nível da dívida de um estado
ou município qualquer é um resultado econômico que passa pela decisão de governos
estaduais e municipais. Os governantes, quando decidem, não o fazem no vácuo. Claro
que sua maior ou menor capacidade administrativa conta, bem como sua honestidade
ou desonestidade, mas há, também, um conjunto de variáveis econômicas e políticas
que não estão sob seu controle e que influem na decisão a ser tomada. Essas variáveis
são como um ambiente, um ecossistema, que deve ser considerado na análise dos
resultados, uma vez que diferentes ambientes geram incentivos diferentes e, portanto,
decisões e resultados diversos. As variáveis que influenciam nas tomada de decisão
com relação a assuntos fiscais por governantes locais são de duas categorias:zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
A- Variáveis macroeconômicas:
(i) O nível de atividade da economia: em geral espera-se que, se o nível de
atividade cai, aumenta a demanda por serviços públicos ao mesmo tempo
em que a arrecadação cai, provocando déficit fiscal e endividamento,
devendo o contrário ocorrer nos momentos de crescimento da economia.
(ii) A taxa de inflação: como se sabe, essa taxa tem impacto tanto sobre a
receita quanto sobre a despesa fiscal, mas seu resultado líquido é incerto,
variando conforme estejam indexadas as receitas e despesas.
(iii) A taxa de juros real: esta variável tem impacto sobre o estoque da dívida
pública e, dessa forma, influi no resultado fiscal.
B - Variáveis políticas e institucionais: a natureza das restrições legais e informais
ao endividamento; as relações federativas; o sistema político e outros aspectos
políticos, históricos e culturais.
Este trabalho buscará algum avanço teórico e também a aplicação do modelo
desenvolvido para um estudo de caso relativo ao Brasil. Assim, nossos objetivos
centrais são:
(i) No plano teórico: desenvolver uma teoria sobre a influência dos incentivos
institucionais nas tomadas de decisões coletivas queponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAafetam a dívida
11
do cenário macroeconômico no nível da dívida pública. O mesmo não se
pode dizer com relação às variáveis de natureza institucional. Na medida em
que a própriazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAeconomia institucional é um campo relativamente novo,
grande parte da teoria está por ser estabelecida. Avançar nessa direção é um
dos nossos objetivos.
(ii) No plano da pesquisa empírica: aplicar a teoria desenvolvida para o estudo
de caso da divida dos estados brasileiros nas últimas duas décadas do século passado.
A ênfase da pesquisa teórica em torno dos aspectos institucionais não pretende negara
influência dos fatores macroeconômicos. Porém, conforme já argumentamos, com
relação aos últimos, a teoria está bastante bem estabelecida.
No estudo do caso brasileiro, pretendemos demonstrar que o cenário macroeconômico
~influenciou, como não poderia deixar de ser, a trajetória da dívida, mas, a escalada do
endividamento local não tem como ser explicada apenas a partir de variáveis
macroeconômicas. Por outro lado, as interpretações que se restringem à crítica
puramente moral dos "maus políticos" são também insuficientes na medida em que não
apresentam um modelo teórico que mostre a racionalidade do comportamento dos
governantes locais.
A importância de se obter uma perspectiva correta do problema tem uma dimensão
prática. Para quem supõe que tudo o que aconteceu em termos de crise fiscal dos
estados e municípios pode ser explicado pela macroeconornia, a solução do problema
se resumiria a uma mudança da política federal. Assim, poderia ser evitada toda a
complicação que reside em formular leis e instituições para restringir práticas fiscais
equivocadas, sendo suficiente um nível adequado de accountabiltty para impedir a
corrupção. Parece ser esta a opinião dos que julgam dispensável ao país uma Lei de
Responsabilidade Fiscal. Já os que imaginam que tudo se deve aos "maus políticos",
supõem que o problema poderia ser resolvido com algum tipo de reforma moral da
12
Evidentemente, não pretendemos negar a utilidade de uma boa política
macroeconômica, nem o papel dos bons políticos e de um eleitorado esclarecido. Mas,
o que se pretende discutir é quezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAmesmo com boa politica macroeconômica, ainda que a
situação fiscal seja favorável e que os governadores e prefeitos não sejam corruptos, existe a possibilidade da ocorrência de resultados fiscais indesejáveis, particularmente o desenvolvimento de divida subnacional com trajetória explosiva, devido a falhas na
estrutura institucional. Este fato toma necessário o estabelecimento de restrições
formais e informais ao comportamento dos governantes para evitar tais resultados.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
* * *
Para dar conta desses objetivos, o trabalho está organizado em quatro capítulos
intermediários além desta introdução e da conclusão, sendo o primeiro deles dedicado
ao desenvolvimento da teoria Nossa preocupação foi desenvolver uma teoria
tnstituctonaltsta da escolha. Ou seja, verificar quais são os critérios adotados por
eleitores e governantes para a tomada de decisões, como o ambiente institucional afeta
essas decisões e que resultados podem provocar com relação ao endividamento
subnacional.
Como vimos em STIGLITZ (1999), o problema do financiamento do déficit é a um só
tempo macro e micro econômico. Porém, adotando-se uma perspectiva institucionalista,
teremos que lidar também com conceitos da ciência política, da história e do direito.
Afinal, ninguém poderá negar que as leis vigentes, as instituições fiscais e as relações
políticas entre eleitores e governantes dos vários níveis, só para citar alguns aspectos,
influenciam o montante da dívida subnacional. Desta forma, se pretendêssemos olhá-lo
por todos os ângulos, teríamos um problema analítico de dimensões fantásticas dada a
quantidade de variáveis micro e macroeconômica, legais, políticas, históricas e culturais
que condicionam o problema. Claro que o desejo utópico de escreverponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAalgo monumental,
um novoAnel dos Nibelungos pode, a qualquer momento, passar por nossas fantasias.
Mas, na qualidade de economistas e pessoas sensatas, somos obrigados a reconhecer
que uma tese de doutorado também é um exercício de maximização sob a restrição da
13zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Assim sendo, compete ao autor, antes de mais nada, estabelecer uma heurística e
comunicá-la, sem rodeios, ao leitor, que saberá, então, o que esperar. Agradou-nos,
sobremaneira, a definição de heurística que lemos no Cambridge Dictionary of
Philosophy:zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA"a ru/e or solution adopted to reduce lhe comp/exity of computational
tasks, thereby reducing demands on resources such as time, memory, and attention. " 3(RICHARDSON, 1999).
Portanto, convem esclarecer alguns objetivos aos quais este trabalho não se propõe.
Antes de mais nada, não é um trabalho de macroeconomia, Não vamos explorar a teoria
da dívida pública desde um ponto de vista macroeconômico. Não temos a intenção de
definir qual seria o steady-state da economia brasileira, nem discutir alternativas de
políticas macroeconômicas. Para nós o cenário macroeconômico é dado.
Incorporamos, por exemplo, os resultados de ARVATE (1999) mostrando que as taxas
de juros reais pagas pela dívida pública federal passaram de negativas nos anos 1970 e
1980 para positivas em 1990. Esta mudança teve impacto na trajetória do
endividamento subnacional. Entendemos que esse aumento nas taxas de juros reais foi
como um preço que o país pagou para estabilizar a sua moeda. Adotamos esta idéia
como um postulado. Ela não será discutida nem avaliada ao longo do trabalho porque,
embora relacione-se com nosso objeto, é uma questão claramente distinta da que
estamos investigando.
Da mesma forma, partimos da convicção de que a dívida subnacional no Brasil tinha
trajetória explosiva. O nível das taxas de juros reais comparado ao das taxas de
crescimento do PIB pode dar essa impressão mesmo na ausência de um estudo rigoroso.
Há um trabalho econométrico realizado por PIRES e BUGARIN (2000)4, mostrando
que a dívida dos estados caminhava para a explosão, cujos resultados aceitamos.
Para compreendermos os motivos do endividamento, tivemos que olhar para os dados
orçamentários e fazer algumas análises sobre o comportamento das receitas e das
3 "Uma regra ou solução adotada para diminuir a complexidade das tarefas computacionais, reduzindo a
demanda de recursos como tempo, memória e atenção" Tradução livre do autor.
14
despesas dos estados. Entretanto, desejamos esclarecer que estezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAnãoé um trabalho sobre
o orçamento dos estados, sua arrecadação, natureza da despesa ou suas razões de ser. O
que fizemos, neste terreno, foi apenas um exercício contábil com o único objetivo de
esclarecer aquela que foi a nossa obsessão permanente ao longo do trabalho: descobrir
qual a lógica que liga instituições e decisões e como ela pode ser aplicada para entender como os estados foram levados ao endividamento crescente.
Esta também não é uma tese sobre direito administrativo ou tributário, ou sobre a
história política recente. Teremos que passar por esses assuntos, jáque são áreas afins e
subsidiárias. Para que fique claro o nosso propósito e compromisso, reiteramos que
nosso objetivo é desenvolver uma teoria que explique como os governantes locais
tomam decisões sobre endividamento e aplicá-la para um estudo de caso envolvendo os
estados brasileiros na década de 1980 e 1990.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
* * *
Para dar conta desse objetivo a estrutura do trabalho é muito simples. Como já
apresentado, o capítulo seguinte, de número 2, está voltado para a teoria e divide-se em
cinco sessões. A primeira mostra porque é relevante rever aspectos da teoria dos bens
públicos, da teoria da dívida pública e da teoria do federalismo para se construir um
modelo teórico para a endividamento subnacional. Esta primeira sessão vai estabelecer
o quadro analítico a ser seguindo no restante do capítulo. As três sessões seguintes estão
dedicadas ao estudo das teorias mencionadas, ou seja, a sessão 2.2 trata do teoria dos
bens públicos, a seção 2.3 da teoria da dívida pública e a sessão 2.4 da teoria econômica
do federalismo. Na sessão 2.5 vamos estabelecer as variáveis relevantes para Uma teoria
do comportamento dos governantes subnacionais.
o
capítulo 3 analisa os determinantes macroeconômicos da evolução do endividamentoatravés dos dados disponíveis sobre a evolução da situação fiscal dos estados
brasileiros. Ao longo de todo o nosso trabalho, os dados para toda a década são
agregados para o conjunto dos estados. Só muito recentemente têm surgido indicadores
desagregados por estado. As séries de dívida mobiliária são as únicas que estão
15
a 1998 são precários. As Necessidades de Financiamento do Setor Público (NFSP) por
estado nunca foram publicadas, ou seja, os dados abaixo da linha s6 são disponíveis
agregados por estados e municípios. Mesmo a separação entre estados e municípios
como categorias diferentes, na publicação dos dados das NFSP, s6 começou a ser feita
em 1998. A obtenção de dados para toda a década da Execução Orçamentária dos
estados também envolve complicações práticas consideráveis e seriam pouco úteis se
não sabemos corretamente o estoque da dívida, que afinal, é o nosso objeto de estudo.
Considerando essas limitações, optamos por desenvolver a análise da performance dos
estadoszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAtomados em conjunto, já que os melhores dados disponíveis são agregados para
toda a federação. Desta forma, as conclusões são relevantes para a compreensão dos
problemas do federalismo brasileiro, mas não podem ser extrapoladas para nenhum
estado considerado individualmente. Na medida em que estamos buscando estabelecer
um modelo teórico e testar a sua validade para o Brasil, interessou-nos mais a
generalidade do que a particularidade. Certamente, nos próximos anos, a
disponibilidade de dados tomará possível e necessário estudar diferenças entre os
estados, particularmente após a Lei de Responsabilidade Fiscal, quando uma série de
procedimentos foi padronizada.
o
capítulo 4 estará dedicado às variáveis institucionais mais diretamente relacionas aoendividamento. A seção 4.1 apresenta brevemente essas variáveis. Na seção 4.2,
trataremos das normas que disciplinaram o endividamento nacional desde a entrada em
vigor da Constituição de 1967. A seção 4.3 mostra como os bancos estaduais puderam
ser utilizados como agentes fornecedores de crédito farto e fácil sem que houvesse
nenhum tipo de resistência por parte das corporações desses bancos. Na seção 4.4,
vamos apresentar um histórico das três renegociações da dívida subnacional que
provocaram a federalização de quase todo o seu estoque. Finalmente, na seção 4.5,
mostramos como o nível das taxas de juros e a restrição orçamentária fraca
combinaram-se para gerar o crescimento acelerado da dívida subnacional nos anos
1990.
No capítulo 5, vamos mostrar como a evolução das regras formais que disciplinavam o
16
a evolução do regime político. A forma como se deu a abertura democrática, a partir de
1974, implicou um fortalecimento contínuo dos governadores, tanto em termos políticos
como fiscais e um enfraquecimento da Presidência. As condições em que ocorreu a
descentralização fiscal foram responsáveis pelo incentivo crescente ao endividamento.
Mostraremos, também, como a emergência de eleições nacionalmente orientadas, a
partir de 1994 ensejou a formação de outro tipo de alianças e a volta de presidentes
fortes, capazes de prover estabilidade macroeconômica. A partir desses fatos, iniciou-se
o processo de imposição de restrições institucionais à acumulação de dívidas, que
finalmente foi completado entre os anos de 1998 e 2000.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
* *
*
A idéia deste trabalho surgiu a partir da leitura de um artigo do Prof Marcos Fernandes
Gonçalves da Silva publicado na Revista de Economia Politica em abril/junho de 1998
discutindo aspectos morais da dívida pública. Seu ponto de partida era a constatação de
que "...zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA0 problema da divida pública não é somente econômico stricto sensu Na
verdade, por detrás da divida pública, ocultam-se duas dimensões que lhe são
constitutivas, a politica e a moral. "(SILVA, 1998, p.31).
Neste artigo seminal, SILVA (1998) resenhou criticamente as posições de Buchanan,
mostrando que um dos fatores determinantes para o comportamento da dívida pública
são os valores praticados numa ordem moral. Assim, Buchanan criticava no
keynesianismo o caráter corrosivo da velha moralidade fiscal vitoriana cujos valores
eram baseados na prudência quanto ao endividamento. Com a nova moral keynesiana,
esses valores rigorosos teriam sido perdidos. De fato, em muitos países, o período do
pós-guerra foi de endividamento público progressivo, muitas vezes em nome do pleno
emprego, do crescimento e das necessidades da boa gestão macroeconômica.
Após analisar a irrelevância do chamado teorema da equivalência ricardiana como
descrição do mundo real, SILVA (1998) chamou a atenção para a sua importância como
17zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
seu artigo encerra-se com um jogo descrevendo o problema federativo' e propondo uma
agenda de pesquisa para o Brasil:zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
"O objetivo deste artigo foi mostrar que, do ponto de vista normativo, a dívida pública envolve problemas de ordem moral. Dentro de uma abordagem que pode ser definida num sentido amplo como neo-tnstttuctanalista { ..} procurei precisar as ligações entre dívida pública, sua dimensão moral eas estruturas de
incentivos que emergem das instituições. Desta forma, indiquei que o
estabelecimento de regras de prudência fiscal exige a mudança não das pessoas, da racionalidade dos agentes públicos ou privados, mas sim das regras do jogo
que criam incentivos para o comportamento dos individuos e grupos [ .ponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA.J
{ ..] Portanto, como a dívida pública e a crise fiscal do estado brasileiro, em todas as suas esferas, não são fatos desprezíveis, tanto do ponto de vista
econômico stricto sensu, como da economia pollttca, urge a análise dos temas
citados de acordo com esta perspectiva reformista. Na academia nacional há uma carência de estudos em economia política aplicada, que poderiam fornecer
subsídios à análise do tema." (SILVA, 1998, p. 45-45)
Este trabalho buscou seguir por esta trilha No aspecto teórico, retomamos todas as
fontes utilizadas por SILVA (1998) e acrescentamos uma série de novos aspectos
teóricos relativos ao federalismo. Incorporamos em nossa apreciação toda a moderna
literatura sobre descentralização, bem como várias contribuições do Banco Mundial
sobre a evolução do setor público. Avançamos, também, no sentido de revisar toda a
literatura sobre federalismo fiscal no Brasil para elaborarmos um modelo teórico
bastante mais completo do que os até então disponíveis. Por fim, realizamos uma
análise dos dados disponíveis, coisa que também não havia ainda sido feita de forma tão
completa. Por último, apresentamos uma interpretação institucionalista sobre a evolução
do federalismo fiscal brasileiro e seu processo de mudança institucional. Pensamos,
assim, ter dado uma modesta contribuição ao avanço dos estudos de economia
institucional no Brasil.
2 -
gfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAA T E O R IA D A D íV ID A S U B N A C IO N A L
2 .1 - O s e le m e n to s p a ra u m a te o ria d a d ív id a p ú b lic a
s u b n a c io n a l
o
objetivo deste capítulo é construir uma teoria capaz de explicar um processo deendividamento público subnacional num país federativo). A construção desta teoria,
porém, envolve um amplo conjunto de questões de natureza muito diferente. Em
primeiro lugar, como qualquer processo de endividamento é o resultado da
capitalização de uma série de défícits, seria necessário considerar quais fatores podem
provocar uma sucessão de défícits. Mas, como déficits sucessivos correspondem a uma
situação de gastos maiores do que as receitas, caberia, então, procurar os motivos que
poderiam justificar a existência de gastos excessivos. Desta forma, os principais
problemas associados ao esclarecimento da questão da dívida subnacional poderiam ser
descritos assim:
(i) Existirá ou não alguma tendência ao gasto público excessivo e, caso haja,
que fatores o provocam? Em outros termos, é necessário considerar se azyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
teoria dos bens públicos pode explicar um processo de decisão com respeito
à quantidade e natureza do gasto público que comportasse um viés para o
déficit.
(ii) Será a dívida pública, como mecanismo de financiamento, um fator
alimentador de um possível gasto excessivo? Cabe, então verificar como
esta questão é respondida pela teoria da dívida pública.
(iii) Qual será a contribuição da organização descentralizada do governo para o
equilíbrio ou desequilíbrio fiscal? Esta resposta seria dada por umateoria doponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
federalism o que explicasse como o processo de decisão da despesa e do
financiamento dos bens públicos acontece no interior de uma federação.
Este capítulo considerará a contribuição que 'cada um destes três grandes conjuntos
teóricos subsidiários - a teoria dos bens públicos, a teoria da dívida e a teoria do
federalismo - pode fornecer para a realização do nosso objetivo central, que é azyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
IDefinimos endividamento público subnacional como a totalidade das dívidas das administrações direta e
indireta dos estados, municípios e distrito federal, inclusive das empresas estatais e agências
19
construção de uma teoria institucionalista para o endividamento subnacional num país
federativo. Lidaremos, portanto, com quatro teorias, três delas (bens públicos, dívida
pública e federalismo) subsidiárias para a construção de um modelo teórico explicativo
do comportamento da dívidasubnacionâl. Evidentementé, não seria possível, dentro do
escopo deste trabalho, apresentar uma visão completa e detalhada de todos os aspectos
que envolvem teorias tão complexas como a teoria dos bens públicos e a teoria da
dívida pública Felizmente, isso também não é necessário. Na revisão destas teorias
vamos nos ater apenas aos pontos que consideramos essenciais para a construção do
nosso modelo. Quanto à teoria do federalismo, devido à sua proximidade com a nossa
questão, deverá ser tratada com um pouco mais de detalhe.
A forma de abordar cada uma destas três teorias subsidiárias será verificar como foram
tratadas respectivamente pela abordagem neoclássica convencional, pela escolha
pública e pela nova economia institucional. Há uma razão para começarmos pela
abordagem neoclássica. A teoria dos bens públicos e a teoria da dívida pública
receberam atenção já dos primeiros economistas, entre eles Hume, Smith, Ricardo e
Malthus, enquanto a teoria do federalismo também se desenvolvia, desde o século
XVIII, no campo da ciência política. Porém, foi apenas no século XX que as três teorias
.
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBApuderam ser abordadas no interior de um mesmo campo e sob o mesmo paradigma - o
neoclássico.
Os ganhos analíticos da economia neoclássica foram imensos, porém, tiveram um custo
de oportunidade. A construção de modelos de alta generalidade implicou na adoção de
muitas hipóteses simplificadoras e provocou perda da perspectiva das circunstâncias
concretas. Na medida em que se contruíam modelos cada vez mais gerais, os aspectos
institucionais, históricos ou culturais tinham que ser desconsiderados. A teoria
resultante apresentava intuições poderosas, mas, por vezes, os resultados obtidos no
"vácuo institucional" não aderiam muito bem ao mundo real.
Essas insuficiências da abordagem neoclássica convencional foram se tomando cada
vez mais claras e percebeu-se a necessidade de aprimorar os modelos com a inclusão de
variáveis relativas ao comportamento político e às instituições que o governam. A
20
escola dazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAescolha pública. Ela estendeu os métodos analíticos da economia para o
estudo da política, e, dada a existência de uma metodologia comum, tomou-se possível
a incorporação das decisões políticas nos modelos econômicos.
Com a revolução daescolha pública abriu-se o caminho da economia neoclássica para
a incorporação das instituições. Esse movimento, porém, esteve inicialmente restrito,
em grande parte, às questões que podiam ser tratadas com os métodos analíticos mais
convencionais da economia. Buscou-se, assim, uma abordagem mais universalizante e
os aspectos históricos e culturais ainda permaneceram sem um status de cidadania
plena entre os economistas. Em grande parte, esta limitação deveu-se às deficiências
inerentes a uma adesão muito estrita às hipóteses da escolha racional.
Finalmente com anova economia institucional tivemos a segunda grande ampliação do
paradigma neoclássico. Sua contribuição maior foi recuperar a importância dos
aspectos históricos dentro dos estudos econômicos, não mais em oposição ao
conhecimento que se pode obter dos modelos matemáticos abstratos, mas como seu
complemento. O livro seminal de NORTIf (1990) começa com esta palavras:
"History matters. It matters notponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAjust because we can learn from the past, but
because the present and thefuture are connected to lhe past by lhecontínuity of
a society 's instituttons. Today's and tomorrow 's choices are shaped by the pasto And the past can only be made intelligible as a story of institutional evolution. Integrating tnstituttons into economic theory and economic history ts an
essential step in improving that theory and history. ,,2(NORTIf, 1990, p. vii)
Pode-se dizer que hoje contamos com três abordagens possíveis para as três teorias de
que vamos tratar. De um lado, temos a abordagem neoc/ássica convencional,
entendendo-se aqui por convencional o fato de ser livre de instituições. Ela permitiu
desenvolver uma série de princípios microeconômicos de grande validade, mas não
apresentou respostas definitivas às questões que colocamos. As teorias desenvolvidas
para os bens públicos permitem que se pense num eventual viés para o super-consumozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
2"A história éimportante. A história éimportante não apenas porque nós podemos aprender do passado,
mas porque o presente e o futuro estão conectados ao passado pela continuidade das instituições sociais. As escolhas atuais e futuras são condicionadas pelo passado. E o passado somente pode ser entendido
como relato da evolução institucional. Integrar instituições na teoria e na história econômicas éum passo
21
de bens públicos. As teorias da dívida pública geram resultados diferentes quer se
aceite ou não a relevância da chamada equivalência ricardiana e do modelozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
tax-smoothing. Apenas a teoria do federalismo parece não ser controversa, não havendo
contestadores ao modelo que o apresenta como regime capaz de produzir a alocação
mais eficiente.
Assim, numa abordagem neoclássica convencional, as conclusões irão depender das
premissas que adotamos. Se postulamos a existência de uma alocação eficiente para os
bens públicos, a relevância do modelo tax-smoothing e o federalismo como regime
ótimo, simplesmente não haveria explicação para um acúmulo de endividamento a não
ser como resultado de choques exógenos. Por outro lado, se aceitamos a existência das
falhas de mercado e rejeitamos o modelo tax-smoothing, então um crescimento da
dívida pública pode ser imaginado, mas seus motivos ainda não ficam totalmente
esclarecidos. Permaneceria a questão de se saber porque em algumas épocas e em
alguns lugares a dívida pública explode enquanto em outras situações ela se mantém
sob controle. Em suma, não há, ainda, uma teoria para determinar claramente quais
seriam as variáveis explicativas do endividamento.
Uma segunda abordagem poderia estar embasada em modelos analíticos a-históricos na
tradição da escolha pública. Esta abordagem expandiu muito o modelo neoclássico ao
revisar algumas de suas premissas mais simplificadoras e irrealistas. Os políticos e
burocratas não foram mais modelados como agentes benevolentes maximizadores do
bem comum, mas como pessoas auto-interessadas e com uma função de utilidade
própria Os políticos e burocratas têm seus interesses melhor atendidos quando gastam
mais. O eleitorado não tem informação perfeita e sofre de ilusão fiscal. Haveria, então,
nas democracias, na ausência de restrições, um viés para o déficit e para a dívida. O
federalismo é visto como a melhor forma de governo por introduzir competição, mas as
unidades federadas podem apresentar comportamento rent-seeking diante do governo
central, induzindo à ampliação do desequilíbrio fiscal.
Na perspectiva da escolha pública, a dívida subnacional pode ser explicada com base
no comportamento racional maximizador dos agentes, portanto, endogenamente e não
22
a-histórica, como explicar as diferenças existentes entre os casos de federalismo bem
sucedido, sem desequilíbrios financeiros e os casos de crise de endividamento? Dado
que o comportamento maximizador é universal e independe de condições culturais ou
históricas, as diferenças no nível do endividamento subnacional entre diferentes países
e diferentes épocas ficariam inteiramente por conta da natureza das restrições. Assim,
os fatores institucionais entram no modelo na qualidade de restrições constitucionais ou
legais. Sem dúvida, esta abordagem é muito mais promissora do que a neoclássica
convencional, mas os fatores políticos, históricos e culturais ainda aparecem apenas
como fatores exógenos que atuam muito mais como restrição do que como argumento
explicativo da questão.
Finalmente, temos azyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAnova economia institucional que, sem discordar de nenhuma das
conclusões que se pode obter com os métodos neoclássicos ou da escolha pública,
acrescentou uma visão histórico-institucional do problema Uma parte substancial do
século XX teria sido caracterizada por uma ampliação significativa da ação do Estado.
Mudanças tecnológicas, políticas, culturais e demográficas fizeram aumentar
continuamente os gastos públicos e, conseqüentemente, as dívidas e os déficits. A crise
desse Estado hipertrofiado, que explodiu de forma definitiva na década de 1990,
induziu a um processo de descentralização. Embora positiva em sua essência, a
descentralização envolve riscos de desequilíbrio fiscal, principalmente no curto prazo.
Vários países que descentralizaram seu setor público enfrentaram problemas de
desequilíbrio nas finanças locais e os conseqüentes impactos macroeconômicos.
o
que vamos desenvolver neste capítulo é um mapeamento teórico de como cada umdesses três enfoques encarou cada uma das teorias que mencionamos. Uma síntese do
que vamos apresentar pode ser vista na Tabela 2.1. Um esclarecimento prévio,
entretanto, é de extrema importância. A divisão que fazemos entre as abordagens
neoclássica convencional, escolha racional e histórico-institucionalista é mero
instrumento analítico, um dispositivo que permite comparar teorias e não tem a
preocupação de fazer justiça com relaçãozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAà história das idéias, nem apresentar uma
profunda discussão metodológica. As relações paradigmáticas entre economia
neoclássica, escolha pública e economia institucional são complexas demais para
23
claras entre essas três vertentes. AzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAescolha pública e aeconomia institucional
encaram-se muito mais como continuidade ampliada da economia neoclássica do que como
ruptura paradigmática fundamental.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
T a b e l a 2 . 1 - R e s u l t a d o s p r e v i s t o s p e l a s t e o r i a s
A b o r d a g e m A b o r d a g e m A b o r d a g e m
n e o c l á s s i c a b a s e a d a n a n e o
-c o n v e n -c i o n a l e s c o l h a p ú b l i c a i n t i t u c i o n a l i s t a
T e o r i a d o s b e n s Possível viés Viés positivo na Viés positivo:
p ú b l i c o s positivo por quantidade ofertada mudanças
imperfeições dos e demandada de tecnológicas e
mercados ou bens públicos demográficas ~
transferência de aumento das
renda funções do Estado;
intergeracional welfare state;
Keynesianismo; desenvolvimentismo
T e o r i a d a Trajetória smooth Viés positivo. Viés positivo:
d í v i d a p ú b l i c a (equiv. Ricardiana) Trajetória depende "Religião
ou viés positivo das restrições keynesiana";
(rejeitando-se a econômicas e mudanças
equiv. Ricardiana) institucionais tecnológicas e
demográficas
T e o r i a d o Regime alo cativo Melhor regime, por Regime mais
f e d e r a l i s m o ótimo introduzir democrático, induz
concorrência, mas à participação e
contém reduz a corrupção,
imperfeições mas envolve riscos
C o n s e q ü ê n c i a s Resultaria de Resultaria Resultaria do
p a r a u m a choques exógenos essencialmente de sistema de
t e o r i a d a d í v i d a ou de políticas de fatores internos ao incentivos e das
s u b n a c i o n a l transferência de modelo, podendo restrições
renda explicar-se, econômicas e
intergeracional ocasionalmente por institucionais.
choques exógenos Aumenta em casos
de descentralização sob pressão de baixo
frente a governos federais fracos
24
Para reforçar a idéia de que a fronteira entre as vertentes não é clara, podemos
apresentar alguns breves exemplos. Em primeiro lugar, os neoclássicos convencionais
não são tão rigorosamentezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAtnstituttonal-free como poderia parecer à primeira vista, uma
vez que na teoria neoclássica do federalismo há uma solução institucionalista para os
custos de congestionamento'. Por outro lado, Buchanan, um dos nomes mais
importantes da escolha pública, quando falou em "religião keynesiana" para explicar o
gasto público da segunda metade do século passado, estava apontando uma causa
tipicamente histórica, cultural e circunstancial para um resultado econômico, numa
prova de que o seu pensamento não ficava preso nas fronteiras do que podia ser tratado
analiticamente. Por último, sabemos que os institucionalistas aceitam a maior parte das
conclusões que os modelos analíticos apresentam. Apesar destas considerações, o
quadro da Tabela 2.1 pode ser muito útil para o fim ao qual se propõe: relacionar
teorias afins, mas muito diferentes entre si.
A alternativa mais satisfatória para um estudo de caso é, sem dúvida, a abordagem
institucionalista que pode, sem renunciar a nenhuma das conclusões analíticas
relevantes dos modelos neoclássicos e de escolha racional, incorporar também os
fatores especificamente históricos e culturais. Por isto mesmo, consideramos que
constitui parte importante do esclarecimento teórico a revisão dos modelos neoclássicos
e de escolha pública, assim como a definição precisa das circunstâncias históricas do
problema. Através dos modelos mais abstratos podemos entender certas conexões
lógicas entre categorias e verificar como as relações ocorreriam num "vácuo
institucional" ou num momento "fora da história". Como num exercício de estática
comparativa, conclusões podem ser tiradas da comparação entre as previsões desses
modelos "puros" e os resultados econômicos reais verificados em circunstâncias
histórico-institucionais concretas.
Assim, este capítulo está estruturado da seguinte forma: a seção 2.2 discute os aspectos
da teoria dos bens públicos que são relevantes para a nossa pesquisa, a seção 2.3 faz o
mesmo com a teoria da dívida e a seção 2.4 com a teoria do federalismo. Em cada uma
dessas seções a estrutura é a mesma: primeiro apresenta-se a concepção neoclássica
25
convencional, a seguir são comentadas as suas limitações, expõe-se, então os modelos baseados na escolha racional e os avanços teóricos já estabelecidos pela economia institucional. Finalmente, na seção 2.5 vamos propor o quadro teórico que desenvolvemos para a análise do problema.gfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
2 .2 - A te o ria d o s b e n s p ú b lic o s
2.2.1 -zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAA abordagem neoclássica convencional dos bens públicos
Na medida em que nosso objetivo não é investigar em profundidade o estado atual da teoria dos bens públicos, vamos precisar as questões cujo esclarecimento julgamos essencial para construir uma perspectiva institucionalista para a questão da dívida subnacional. Se entendemos por abordagem neoclássica convencional aquela que modela o governo como um agente benevolente que conhece a função de utilidade social e a maximiza, então os problemas essenciais que nos interessam na teoria dos bens públicos são:
(i) É possível encontrar alguma alocação Pareto-eficiente ou existem falhas de mercado na provisão de bens públicos?
(ii) Se há falhas de mercado, então quais seriam os possíveis impactos dessas falhas na formação do déficit e da dívida?
A hipótese de uma alocação Pareto-eficiente foi explorada pelo modelo de Samuelson. Na sua versão mais simples, podemos supor dois indivíduos e dois bens: um bem
público puro, ou seja de consumo totalmente não-rival e um bem privado, de consumo
rigorosamente rival. Supondo constante a utilidade de um dos indivíduos, podemos construir algo como uma restrição orçamentária para o outro e deduzir qual seria sua escolha ótima. O conceito pode ser facilmente explicado pelas figuras 2.1 e 2.2.
Seja, na figura 2.1, a curva côncava com relaçãozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAàorigem a fronteira de possibilidade de produção e a curva convexa um dado nível de utilidade para o indivíduo 1. Supondo,
26zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
como rigorosamente não-rival. Dado esse nível arbitrário para sua utilidade (a curva
vermelha), o indivíduo 1 consumiria a quantidadeZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAP I do bem privado, deixando para o
indivíduo 2 a quantidade (P2 - P I ) . Mantendo-se a utilidade de 1 constante, podemos
relacionar cada nível de consumo do bem público com uma dada quantidade do bem
privado que restaria para o indivíduo 2. Nos pontos a e b, por exemplo, o consumidor 2
não estaria consumindo quantidade alguma do bem 2.
F i g u r a 2 . 1 - P r o d u ç ã o e u t i l i d a d e d o i n d i v í d u o
Publ. P1
Privo
P2zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
p'
Elaboração própria com base em SANDMO (1998)
Com estas informações, pode-se construir uma curva de reação, ou uma fronteira de
restrição para o indivíduo 2, conforme a figura 2.2. A curva inferior mostra a fronteira
de possibilidade de consumo do indivíduo 2 e a curva superior e convexa àorigem
representa o maior nível de utilidade que pode ser atingido. Assim, a alocação (P*, Pl e
P2) resultante do modelo seria Pareto-eficiente uma vez que não seria possível
aumentar a utilidade de nenhum dos indivíduos sem redução da utilidade do outro.
Entretanto a teoria desenvolvida posteriormente questionou se tal bem público puro
existe de fato:
1~
27zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
"The pure good concept ...has been subject to sharp criticism beca usettfails to
characterize those acttvtties actually carried out by modern governments. For one, it is argued thatponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAfew services are equally consumed by all members of society. Others complain that most public services are subject to congestion in contrast to the zero marginal user cost of the pure public good. Moreover, a wide class of government services involves private goods which generate externai ef!ects when consumed - a mixture ofprivate and public goodelements.
Ftnally, many government services have the characteristics of intermediate goods - i.e. production inputs - as opposed to the final consumption goods
treated in the statementofthe pure theory ...4 (OAKLAND, 1987 p. 491-492)ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
F i g u r a 2 . 2 - P o s s i b i l i d a d e d e c o n s u m o e u t i l i d a d e d o i n d i v í d u o 2zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Priv
p' b
P2
a
Publ
Elaboração própria com base em SANDMO (1998)
Os desenvolvimentos posteriores insistiram no fato de que a rivalidade e a
exclusão deveriam ser diferenciadas na análise dos bens, uma vez que há bens
não-rivais que apresentam facilidade de exclusão e bens não-rivais para os quais a exclusão é
4"O conceito de bem público ...'tem estado sujeito àpesada crítica porque tem falhado em caracterizar as
atividades efetivamente implementadas pelos governos modernos. Algtlllsargumentam que poucos
serviços são consumidos igualitariamente por todos os membros da sociedade. Outros afirmam que muitos serviços públicos estão sujeitos a congestionamento em contraste com custo marginal zero no uso do bem público puro. Mas, acima de tudo, uma grande classe de serviços oferecidos pelo governo envolvem bens privados que geram uma externai idade quando consumidos - uma mistura de elementos dos bens públicos e privados. Finalmente, muitos serviços governamentais têm as características de bens intermediários, ou seja, insumos, em oposição aos bens de consumo final abordados na demonstração da
28zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
muito dificil ou cara. A idéia pode ser explicada na figura 2.3, onde se correlaciona o
custo marginal do uso de um beme a facilidade de exclusão. O ponto B corresponde ao
bem público puro, ou seja, ao bem não-rival e não-exclusível. O ponto C corresponde
aos bens privados puros, mas que são fornecidos pelo governo, como saúde e educação.
O ponto A representa os bens rivais porém de dificil exclusão, como as vias públicas.
Neste tipo de bem temos a possível ocorrência de congestionamentos. Finalmente, o
ponto D representa bens com baixo custo marginal de uso, mas passíveis de exclusão,
como o combate a incêndios.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
F i g u r a 2 . 3 - B e n s p u b l i c a m e n t e o f e r t a d o s
FEzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
A c
CMU
B D
CMU=Custo marginal do uso FÉ=Facilidade da exclusão Elaboração própria com base em STIGLITZ (1999)
Para cada tipo de bem, as condições de equilíbrio microeconômico seriam diferentes.
No caso dos bens não-rivais com possibilidade de exclusão, a teoria prevê dois tipos de
falhas de mercado: o sub-consumo ou a sub-oferta. Na hipótese de que se coloque um
preço para o uso do bem, de forma a financiá-lo, algumas pessoas deixarão de
utilizá-lo. Desta forma, perde-se um beneficio adicional cujo custo marginal de produção é
zero, caracterizando uma ineficiência. Por outro lado, se não há cobrança pelo uso do
11
1)
"zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
29zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
bem, não há como financiá-lo, o que implica numa sub-oferta. Evidentemente, o bem
poderia ser financiado através dos impostos, mas como eles não são do tipozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAlump-sum,
pode-se esperar umadistorção.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
"c ..
11No caso dos bens privados oferecidos pelo setor público, como saúde e educação, resta
sempre o problema de como racioná-los. Se o custo de produção do bem é
relativamente baixo comparativamente aos custos de transação, o estado pode fornecer
gratuitamente o bem, mas nesse caso estaria induzindo ao excesso de consumo. Outra
alternativa de racionamento que tende a gerar um super-consumo é a provisão uniforme
do bem. Nesse caso, os que demandam uma quantidade maior do que a uniformemente
estabelecida, irão consumir a quantidade uniforme e, eventualmente, comprar a
quantidade restante no mercado. Já aqueles que demandam quantidade menor do que a
uniforme, se tiverem que pagar o preço do bem, acabarão por consumir uma quantidade
maior já que o Custo marginal de aumentar a quantidade até a quantidade uniforme é
zero. Em termos líquidos, no caso de provisão uniforme, a quantidade consumida será
maior do a que se verificaria se o bem fosse oferecido pelo mercado.
Aprofundar o assunto aqui está além dos nossos objetivos, entretanto, é relevante
demarcar as principais conclusões que, para nossos fins, podemos retirar da teoria
neoclássica dos bens públicos:
(i) Dadas as falhas de mercado, pode-se esperar um consumo excessivo ou um
sub-consumo dos bens fornecidos pelo governo com relação à quantidade
ótima, a depender das características do bem.
(ii) Assim seria possível que um excesso na provisão de bens públicos
explicasse parcialmente uma sucessão de déficits e um processo de
endividamento.
(iii) . Entretanto, seria mesmo uma explicação bastante parcial pois não se poderia
compreender períodos de equilíbrio fiscal seguidos por períodos de
desequilíbrio ou diferenças entre países a não ser como resultado da
modificação das condições de mercado ou das preferências.
(iv) Sendo assim, a teoria neoclássica convencional dos bens públicos fornece
conclusões importantes sobre porque há demanda forte por bens fornecidos
30
de caso de desequilíbrio fiscal certamente exige uma abordagem mars
completa e o concurso de outras teorias.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
2.2.2 =Abordagem com base na escolha racional para os bens públicos
As teorias neoclássicas convencionais têm em comum a modelagem do governo como
um agente benevolente interessado em maximizar o bem público. Duas hipóteses estão
subjacentes a esse modelo:
(i) Existe um sistema político capaz de revelar as preferências dos cidadãos;
(ii) O governante pode conhecer essas preferências e buscará respeitá-las.
Estas hipóteses foram colocadas em questão na segunda metade do século passado,
quando se aventou a possibilidade de haver falhas de racionalidade no sistema político.
O primeiro problema consiste, desde logo, em saber se é possível haver algum processo
de revelação de preferências coletivas que produza um resultado que faça sentido. O
teorema da impossibilidade de Arrow pretende mostrar que, dada a intransitividade das
preferências agregadas, não é possível construir maiorias estáveis e, portanto, teremos
ciclos políticos. Se as preferências pudessem ser ordenadas num contínuo
unidimensional, o problema teria solução aplicando-se o teorema do eleitor mediano.
Porém, se as opções se dão em várias direções e as representamos num plano
pluri-dimensional, tal equilíbrio não pode ser encontrado.
Em termos matemáticos, não havendo equilíbrio estável, os resultados seriam
randômicos. Na vida real, isto não ocorreria porque existem agentes políticos que têm
controle sobre a agenda, ou seja, sobre a ordem em que as questões devem ser
definidas, o que acaba por determinar o resultado. Entretanto, Tulock nos adverte:
"In my optnton, the indeterminance thrown into lhe outcome by these
propositions of social choice theory is actually qutte small in practical terms { ..] The majority. although ir ts deeply concerned about these problems, tends to ignoreponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAim plications of its point of view on lhe desirability of democracy as a
31zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
[ ..] The problem is difficult and subtle and in the present state or our knowledge must be left forponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAfurther research. Meanwhile, we ali go on with faith that lhe
voting process produces an acceptable outcome even though mathematical
investtgatton raises graves doubts. ,,5 (TULLOCK, 1998, p. 1042)
••
Seguiremos por este caminho. Entendemos que o processo democrático não é um
mecanismo perfeito de revelação de preferências. Entretanto, por opção ética e
filosófica, faremos a consideração normativa de que a democracia é o regime menos
imperfeito que a humanidade já produziu. Ou seja, o resultado dos processos eleitorais
democráticos gera uma revelação de preferências que é mais próxima das preferências
reais do que aquela que se obtém em qualquer outra forma de regime político. Isto toma
a democracia o mais desejável dos regimes políticos, o que não significa que não
existam distorções e que um aperfeiçamento contínuo não seja necessário e desejável.
Também, ao dizer que, na ausência de restrições adicionais, a democracia tem um viés
para o desequilíbrio fiscalnão estamos dizendo que outros regimes têm uma tendência
ao equilíbrio. Evidentemente, uma ditadura dirigida por um grupo corrupto muito
dificilmente terá viés para o equilíbrio fiscal. Por outro lado, um regime despótico onde
o tesouro nacional confunda-se com o patrimônio do governante pode ter um viés para
o equilíbrio ou até para o superávit, se o soberano for previdente e avesso ao risco.
Mas, é óbvio que tais regimes jamais serão preferíveis à democracia.
O regime democrático pode perfeitamente resolver o problema do equilíbrio fiscal
através do aumento da participação popular, do melhor conhecimento pelos eleitores
sobre o funcionamento do sistema e do estabelecimento de instituições para restringir o
gasto. A única coisa que queremos dizer, é exatamente o que dissemos, ou seja: a
democracia, embora seja o regime político mais desejável entre todos os já criados, na ausência de restrições, apresenta um viés para o excesso de gasto em bens públicos, em razão das falhas de mercado e das falhas do sistema político.
5"Na minha opinião, a indeterminação dos resultados dessas proposições da teoria da escolha pública tem
uma importância reduzida em termos práticos [...] A maioria, embora esteja profundamente envolvida
com esses problemas, tende a ignorar suas implicações quanto à desejabilidade ou não da democracia
como forma de governo.
[... ] O problema é dificil e sutil e, no presente estado do nosso conhecimento, deve ser deixado para
32
Partindo destas considerações, podemos, então, passar a considerar as falhas que o
processo político democrático pode apresentar quanto à revelação de preferências no
consumo de bens públicos. Os modelos baseados na escolha racional dos agentes
mostraram que, na ausência de restrições adicionais, o regime democrático comporta
um viés para que a quantidade ofertada e demandada de bens públicos seja superior à
que seria Pareto-eficiente. Note-se que a suposição de umazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAquantidade maior não só
não implica utilidade maior do ponto de vista do equilíbrio dos consumidores, como
sequer faz qualquer juízo sobre aqualidade desses bens públicos.
Vamos analisar, primeiramente, os motivos que induzem à uma oferta de bens públicos
acima da quantidade eficiente. Uma das principais contribuições da escolha pública
para a teoria econômica foi a de considerar que os políticos profissionais, como todos
os outros agentes econômicos, são auto-interessados. Em geral, seu objetivo é a
maximização da própria carreira e, portanto, eles desenvolvem uma agenda própria
Assim, do ponto de vista dos governantes, quanto maior o orçamento que possam
comandar, melhores serão as condições que possuem para desenvolver sua carreira
política.
WEINGAST et aI. (1981) apresentaram uma interessante formalização do problema.
Inicialmente, vamos considerar que, numa análise custo-benefício tradicional, se
recomendaria implementar todos os projetos nos quais os beneficiosponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAB superassem os
custos C, de forma que:
B-C>O
(2.1)Supondo um único bem público homogêneo, podemos imaginar que seu beneficio
marginal seria decrescente e o seu custo de produção crescente (ao menos a partir de
um certo ponto). Teríamos, então, a quantidade ótima do bem no ponto em que o
33zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
8B(Q) > O
8Q
8C(Q) >0 8Q
e
e (2.2)
Q* ~ 8B(Q)
=
8C(Q)8Q 8Q
Porém, do ponto de vista do político ou da burocracia estatal, a avaliação poderia ser
outra. O custo do projeto pode ser dividido em três elementos diferentes: o custo dos
insumos adquiridos no interior da economia em questão, o custo dos insumos
importados e os custos não financeiros, como a degradação ambiental, por exemplo.
Isto poderia ser escrito assim:
(2.3)
Do ponto de vista do político, os gastos realizados no interior, representados porzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBACy'
podem ser encarados como benefícios políticos pois geram atividade econômica e,
portanto, renda e emprego para os eleitores. Assim, seria relevante para a contabilidade
política que:
B(Q)+Cy >Cy +Cm +Ce
B(Q) >Cm +Ce
(2.4)
As condições de equilíbrio do problema seriam diferentes e a quantidade ofertada, na
ausência de restrições institucionais, ultrapassaria o nível Pareto-eficiente. Outros casos
podem ser modelados de maneira parecida. Também à burocracia estatal interessa
maximizar a oferta de bens públicos pois isso significa aumento potencial da sua renda.
Com o aumento da oferta de bens públicos, um maior número de funcionários públicos
pode ser necessário, o que significaria promoção com maiores vencimentos e aumento
34
Mesmo os insumos importados poderiam ser contabilizados também como beneficio na
hipótese de que o político receba financiamento de campanha da empresa que os
fornece e, com os recursos, empregue grande quantidade de eleitores como cabos
eleitorais, gerando um beneficio percebido por eles.
Por último, cabe acrescentar outra motivação para um aumento da oferta dos bens
públicos acima do nível Pareto-eficiente. Um dado governo pode desejar comprometer
a gestão futura com determinado tipo de gasto público. Pode, também, suspeitar que a
nova gestão investirá menos num bem público que é da sua preferência Por exemplo,
um governo belicoso que acha que pode ser sucedido por pacifistas tende a aumentar o
gasto militar no presente supondo que ele será reduzido no futuro. Ou pode assinar
contratos de fornecimento futuro para comprometer o novo governo. Neste caso, temos
uma motivação estratégica para a super-oferta de bens públicos.
Passemos, então à análise da demanda de bens públicos. Ela poderia ser maior que a
Pareto-eficiente por vários motivos que podemos classificar da seguintes forma:
(i) existência de ilusão fiscal
(ii) redistribuição inter-geracionalzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
{iii) dispersão geográfica de interesses
(iv) conflito distributivo
As duas primeiras categorias nos remetem ao problema de alocação inter-temporal e,
assim, serão tratadas na seção 2.4, destinada ao estudo da teoria da dívida. O item (iii)
diz respeito diretamente a uma organização federalista e, por esse motivo, será tratado
na seção 2.5. Aqui, discutiremos, portanto, apenas o último dos itens, relativo ao
conflito distributivo.
Podemos supor uma comunidade com distribuição de renda extremamente concentrada
e com tributação progressiva. O eleitor mediano seria um eleitor de renda baixa e ainda .
\f:~ 'j
dentro da faixa de isenção tributária. Seria racional que tal eleitor entendesse a despesa \
pública como um fator que pode aumentar o nível de emprego e renda na economia
sem que ele tenha que pagar um preço por isso, na forma de impostos. Sendo