KÁTIA LUCIANO PEREIRA MORAIS
A diversidade estrutural de peptídeos potenciadores da
bradicinina da
Bothrops jararaca
(
Bj
-BPPs) proporciona ações
sinérgicas no sistema cardiovascular.
Dissertação apresentada à Universidade Federal de São Paulo para obtenção do título de Mestre em Ciências.
São Paulo
KÁTIA LUCIANO PEREIRA MORAIS
A diversidade estrutural de peptídeos potenciadores da
bradicinina da
Bothrops jararaca
(
Bj
-BPPs) proporciona ações
sinérgicas no sistema cardiovascular.
Dissertação apresentada à Universidade Federal de São Paulo para obtenção do título de Mestre em Ciências.
Orientador:
Prof. Dr. Antonio Carlos Martins de Camargo
Co-orientadora:
Dra. Claudiana Lameu
São Paulo
Dissertação elaborada no Laboratório Especial de Toxinologia Aplicada (CAT-CEPID) do Instituto Butantan, durante o curso de Pós-Graduação em Biologia Molecular e apresentada à Universidade Federal de São Paulo como requisito para obtenção do título de Mestre em Ciências
Dedico esse trabalho ao Dú, meu marido, pelo
amor e apoio, pelas palavras de animo, pela
paciência, pela companhia e por tudo o que ele
A minha querida mãe e a minha adorada avó
Ao Criador graças por tudo o que Ele realizou
em minha vida durante essa etapa, o meu
coração transborda de alegria e gratidão a esse
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Antonio Carlos de Martins de Camargo pela oportunidade,
pelos ensinamentos, pelo incentivo a uma reflexão científica.
A Dra. Claudiana Lameu por toda ajuda, pela paciência, pela amizade, pelo respeito, pelo empenho para que esse trabalho se concretizasse.
A Dra. Daniele Ianzer e ao colega de laboratório José Rodolfo Miranda
pelos experimentos de avaliação de parâmetros cardiovasculares e potenciação de BK.
Ao Dr. Juliano Guerreiro pela ajuda no desenvolvimento desse trabalho. A Dra. Solange Serrano e a Dra. Vanessa Rioli pelas discussões sobre a expressão da proteína recombinante.
A Dra. Marina Assakura pela atenção e disposição em atender a todas as necessidades para realização desse projeto.
A Dra. Beatriz L. Fernandes pela revisão do texto.
Ao Dr. Robson Mello pela síntese e purificação dos peptídeos.
Ao Ms. Clécio F. Klitzke pelas análises no espectrômetro de massas. Ao Mr. Gabriel Benedetti pela amizade, pela companhia, pelas caronas, pela ajuda, pelas aulas, etc.
A todos os colegas do laboratório Bruno P, Bruno D, Joyce, Joana, Liliane, Eduardo, Juliana F, Juliana Y, Milene, André, Priscila, Amanda, Mara, Carlos.
A aquelas que ser tornam verdadeiras amigas Aparecida Siqueira (Cida), Erica, Michele, Mariana,Rosi.
A, Aparecida das Dores (Dadá), Vera Lúcia, Silvia Rossí, Neusa Lima,
Maria José que mesmo com sua simplicidade se tornaram muito importantes.
À FAPESP.
Lista de Figuras e Tabelas
Figura 1 - Ação da ECA sobre os: sistema renina-angiotensina (SRA) e sistema calicreína-cinina (SCC) e a interferência dos Bj-BPPs em ambos sistemas... 26
Figura 2 –Representação esquemática das funções da ASS em mamíferos. ... 32
Figura 3– Vasodilatação promovida pelo NO devido ao relaxamento da musculatura lisa do vaso ... 44
Figura 4– Representação esquemática da transdução de sinal induzida pelo Bj-BPP-10c. ... 45
Figura 5 –Representação esquemática da reação catalisada pela ASS. ... 59
Figura 6 –Efeito hipotensor da BK na pressão arterial de ratos Wistar anestesiados antes e após administração de Bj-BPPs.. ... 65
Figura 7 – Alterações nos parâmetros cardiovasculares de SHR durante 6 horas após a administração do Bj-BPP-5a ... 68
Figura 8 – Alterações nos parâmetros cardiovasculares de SHR durante 6 horas após a administração do Bj-BPP-9a ... 69
Figura 9 – Alterações nos parâmetros cardiovasculares de SHR durante 6 horas após a administração do Bj-BPP-10c ... 70
Figura 10 – Alterações nos parâmetros cardiovasculares de SHR durante 6 horas após a administração do Bj-BPP-11e. ... 71
Figura 11 – Alterações nos parâmetros cardiovasculares de SHR durante 6 horas após a administração do Bj-BPP-12b. ... 72
Figura 12 – Alterações nos parâmetros cardiovasculares de SHR durante 6 horas após a administração do BPP-13a. ... 73
Figura 13 – Alterações nos parâmetros cardiovasculares de SHR durante 6 horas após a administração do veículo. ... 74
Figura 14 –Perfil eletroforético em gel de agarose mostrando fragmentos de DNA. ... 77
Figura 15 –Perfil eletroforético da ASS recombinante humana em gel 10% de SDS-poliacrilamida. ... 78 Figura 16 –Análise por Western blot da ASS humana recombinante obtida pela expressão em E. coli. ... 78
Lista de Figuras e Tabelas
Figura 18 –Efeito do MDLA na atividade enzimática da ASS recombinante. ... 81
Figura 19 –Efeito de concentrações crescentes dos Bj-BPPs sobre a atividade enzimática de 1 g
de ASS recombinante. ... 83
Figura 20 – Produção de NO por células HEK293 estimuladas com concentrações crescentes (0,03 - 3 M) de BPPs ... 86
Figura 21 – Intermediação dos receptores B2 de cininas e muscarínico do subtipo M1 na produção de NO induzida pelo Bj-BPP-5a em células HEK293. ... 87
Figura 22 – Intermediação da ASS e do receptor muscarínico do subtipo M1 na produção de NO induzida pelo BPP-13a em células HEK293. ... 88
Figura 23 – Interferência dos inibidores na resposta de agonistas de receptores 2-adrenérgico, B2 de cininas, muscarínicos do subtipo M1, M2 e M3. ... 89
Figura 24 – Mobilização da concentração de cálcio intracelular ([Ca2+]i) em HEK293 estimuladas com concentrações crescentes dos Bj-BPPs 5a, 9a, 11e, 12b e 13a. ... 91
Tabela 1 - Peptídeos Potenciadores da Bradicinina (“Bradykinin Potentiating Peptides” - Bj-BPPs) do veneno da serpente Bothrops jararaca. ... 22
Tabela 2 - Atividade biológica dos Bj-BPPs I. ... 29
Tabela 3 - Ensaios in vivo de alguns Bj-BPPs encontrados no cérebro e veneno da Bothrops jararaca ... 75
Tabela 4 - Confirmação da identidade da ASS recombinante por espectrometria de massas. .... 79
Tabela 5 - Validação da atividade enzimática da ASS recombinante. ... 82
Abreviaturas
4-DAMP 4-Diphenylacetoxy-N-methylpiperidine methiodide
ACh acetilcolina
ACN acetonitrila
AMP adenosina mono-fosfato
ASL argininosuccinato liase
ASS argininosuccinato sintase
ATP adenosina tri-fosfato
BCIP 5-bromo-4-cloro-3-indolil fosfato
Bj Bothrops jararaca
BK bradicinina
BPF fatores potenciadores da bradicinina
BPPs peptídeos potenciadores da bradicinina
BSA albumina sérica bovina
[Ca2+]i concentração deCa2+ intracelular
CAT1 transportador de aminoácidos catiônico 1
CIRC liberação de cálcio mediada por cálcio
CNP peptídeo natriurético do tipo-C
cGMP monofosfato de guanosina cíclica
DMEN dulbecco’s modified eagle medium
ECA enzima conversora de angiotensina
EDHF fator hiperpolarizante derivado de endotélio
eNOS óxido nítrico sintase endotelial
FC freqüência cardíaca
HEK human embryonic kidney
Abreviaturas
iNOS óxido nítrico sintase induzível
IP3 inositol 1,4,5-trisfosfato
LB luria bertani
MALDI-TOF matrix-assisted laser desorption ionization-time of flight
MDLA ácido metil DL aspártico
NADPH nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato
NBT nitro blue tetrazolium
NO óxido nítrico
NO2 dióxido de nitrogênio
NOS óxido nítrico sintase
nNOS óxido nítrico sintase neuronal
NOx óxido nítrico total
PAM pressão arterial média
RAS sistema renina-angiotensina
SCC Sistema calicreínas-cininas
SDS dodecil sulfato de sódio
SHR ratos espontaneamente hipertensos
SNC sistema nervoso central
Sumário
1. INTRODUÇÃO ... 19
1.1 Descrição e definição dos Peptídeos Potenciadores da Bradicinina (Bj -BPPs) ... 20
1.2 Efeitos dos Bj-BPPS sobre o sistema calicreína-cininas e reninina-angiotensina ... 23
1.3 Bj-BPPs como modelo estrutural para o desenvolvimento do captopril. ... 26
1.4 Evidências de diferenças funcionais e de mecanismo de ação entre os BPPs ... 28
1.5 Participação da ASS em processos bioquímicos e seus impactos fisiológicos. ... 30
1.6 Produção de NO e sua participação na regulação da pressão arterial. ... 34
1.7 Sinalização por cálcio ... 37
1.8 Possíveis alvos e mecanismos de ação dos Bj-BPPs ... 41
2. OBJETIVOS ... 46
3. MATERIAIS E MÉTODOS ... 48
3.1 Síntese e purificação dos peptídeos (Bj-BPPs) ... 49
3.2 Potenciação do efeito hipotensivo da bradicinina pelos Bj-BPPs em ratos anestesiados ... 50
3.3 Aquisição dos parâmetros cardiovasculares de ratos acordados tratados com os Bj-BPPs. ... 51
3.4 Obtenção da ASS humana recombinante ... 52
Sumário
3.4.2 Expressão e purificação da proteína ASS ... 54
3.4.3 Eletroforese em gel de SDS-poliacrilamida e Western blot ... 55
3.4.4 Espectrometria de Massas ... 57
3.4.5 Determinação da atividade enzimática da ASS ... 58
3.5 Cultura de Células HEK 293 (human embryonic kidney 293) ... 59
3.6 Quantificação da concentração de NO ... 60
3.7 Medidas de variação da concentração de cálcio intracelular livre [Ca2+]i... 61
3.8 Análise Estatística ... 61
4.RESULTADOS ... 63
4.1 Potenciação da BK pelos Bj-BPPs sobre a pressão arterial de ratos Wistar anestesiados. ... 64
4.2 Efeitos cardiovasculares da administração intravenosa de Bj-BPPs em ratos espontaneamente hipertensos acordados ... 66
4.3 Clonagem e expressão da ASS recombinante humana ... 76
4.4 Efeito dos Bj-BPPs sobre a atividade catalítica da ASS ... 79
4.5 Efeito dos Bj-BPPs na produção de NO por células HEK293 ... 84
4.5 Mobilização de [Ca2+] i induzida pelos Bj-BPPs em células HEK 293 ... 90
5.DISCUSSÃO ... 92
5.1 Os BPPs apresentam efeitos diferenciados sobre o RAS e SCC ... 93
Sumário
5.3 A Produção de NO pode não ser o único mecanismo de ação dos Bj-BPPs
para promover vasodilatação ... 100
5.4 Os Bj-BPPs encontrados na proteínas precursora dos BPPs e do CNP no cérebro de serpentes são capazes de mobilizar de [Ca2+]i. ... 103
6.CONCLUSÃO ... 106
7.REFERÊNCIAS ... 111
RESUMO
Morais, KLP. A diversidade estrutural de peptideos potenciadores da bradicinina da Bothrops jararaca (Bj-BPPs) proporciona ações sinérgicas no sistema cardiovascular.
Nosso laboratório mostrou que um único gene codifica um precursor protêico, cujo processamento gera o peptídeo natriurético tipo C (CNP) e uma variedade de peptídeos ricos em prolina, conhecidos como peptideos potenciadores da bradicinina ou BPPs. Com pequenas diferenças, esse precursor é expresso na glândula do veneno e na região neuro-endócrina do cérebro da Bothrops jararaca.
Todos os produtos desse processamento têm como característica comum sua ação sob o sistema cardiovascular, levando à redução da pressão arterial e da frequência cardíaca. Esse fato intrigante levou-nos a questionar se esses diferentes peptídeos teriam mecanismo de ação semelhante. Surpreendentemente, esse trabalho mostrou que a resposta é negativa embora ainda não possamos explicar detalhadamente como cada um desses peptídeos atua no complexo mecanismo responsável pelo tônus vascular e pela frequência cardíaca.
Historicamente, a demonstração de que os peptídeos potenciadores da bradicinina da Bothrops jararaca (Bj-BPPs) eram inibidores naturais da enzima
conversora de angiotensina (ECA) teve ampla repercussão médica. Essa inibição parecia explicar a forte ação anti-hipertensiva desses peptídeos, dai servirem de modelo estrutural para o desenvolvimento de um inibidor sítio-dirigido, o Captopril, medicamento mundialmente utilizado para o tratamento da hipertensão arterial sistêmica humana. Contudo, recentes evidências experimentais sugerem que a atividade anti-hipertensiva dos Bj-BPPs não está relacionada somente com a
inibição da ECA. Nosso grupo demonstrou para o Bj-BPP-10c que sua ação
anti-hipertensiva se deve à ativação da geração de L-arginina, essencial para produção de óxido nítrico, potente vasodilatador, bem como pela regulação do barorreflexo arterial e pela sinalização de cálcio intracelular, ações que contribuem para a produção de NO em células endoteliais e neurais. Outros
Bj-BPPs derivados do mesmo precursor foram aqui analizados. Demonstramos que o mecanismo de ação do Bj-BPP-5a envolve receptores B2 da bradicinina, o
-BPP-9a que serviu de modelo para a síntese do Captopril, parece atuar predominantemente como um clássico inibidor da ECA. O Bj-BPP-11e deve ter
ação num receptor de membrana, assim explicando seus efeitos sobre parâmetros cardiovasculares. O mecanismo de ação do Bj-BPP-12b poderia ser
explicado pela potenciação da BK e/ou pela inbição da ECA e do Bj-BPP-13a por
ação em receptor muscarínico do subtipo M3 e sobre a ASS.
Adicionalmente, o presente trabalho mostrou, pela primeira vez na área de toxinologia, que toxinas de serpentes já se valem do recurso bem conhecido na geração de hormônio-peptídeos em mamíferos, isto é, utilizam o processamento de uma poliproteina para gerarem peptídeos de ação sinérgica.
SUMMARY
Morais, KLP. The structural diversity of the proline-rich oligopeptides from
Bothrops jararaca (Bj-BPPs) provides synergistic cardiovascular actions.
Our laboratory has shown that one gene codes for the protein precursor that yields the natriuretic peptide type C (CNP) after having been processed, along with a variety of proline-rich peptides, known as bradykinin-potentiating peptides or BPPs. Showing little differences, this precursor is expressed in the venom gland and the neuroendocrine region of the Bothrops jararaca brain. All processing
products have in common that they act on the cardiovascular system, lowering arterial blood pressure and heart frequency. This intriguing fact led us to question whether the different peptides display similar mechanisms of action. Surprisingly, the present study showed that the answer is negative, although we cannot, at the present time, explain in full detail how each peptide acts in the complex mechanism, responsible for vascular tonus and cardiac frequency.
Historically, the demonstration that the Bradykinin-Potentiating Peptides from
Bothrops jararaca (Bj-BPPs) were natural inhibitors of the angiotensin converting
enzyme (ACE) had a wide medical impact. In fact, this inhibition seemed to fully explain the strong anti-hypertensive action of these peptides, therefore being employed as structural models for the development of a site-directed inhibitor, Captopril, a drug used worldwide for the treatment of systemic human arterial hypertension. Recent experimental evidences, however, suggest that the anti-hypertensive activity of the Bj-BPPs is not due exclusively to the inhibition of the
ACE. Our group demonstrated that the antihypertensive action of Bj-BPP-10c, for
instance, is due to the activation of L-arginine generation, which is essential for NO production, a potent vasodilator. Moreover, it also regulates the arterial baroreflex and intracellular calcium signaling, which contribute to NO production in endothelial and neuronal cells.
In the present work we studied the mechanism of action of other Bj-BPPs found in
the above mentioned precursor. We showed that the mechanism of action of Bj
-BPP-5a involves bradykinin B2 receptor, the muscarinic receptor, subtype M1, and NO production. Bj-BPP-11e probably acts on a membrane receptor, thereby
explaining its effects on cardiovascular parameters. The mechanism of action of
-BPP-13a action on by muscarinic receptor subtype M3 and the ASS. Interestingly,
Bj-BPP-9a, which was the model molecule for the synthesis of Captopril, seems to
act predominantly as a classic ACE inhibitor.
Beside the pharmacological interest, our work also revealed, for the first time, that snake toxins also employ the well-known strategy in hormone-peptide generation, that is, they use the processing of a polyprotein to generate peptides which display a synergistic action.
Dissertação de Mestrado – Universidade Federal de São Paulo 19
Dissertação de Mestrado – Universidade Federal de São Paulo 20
1.1 Descrição e definição dos Peptídeos Potenciadores da Bradicinina (Bj
-BPPs)
O veneno das serpentes peçonhentas tem como principal função a
imobilização das presas para garantir sua alimentação e sobrevivência. Devido à
grande quantidade e diversidade de moléculas presentes em seus venenos,
esses animais tem cativado pesquisadores ao longo dos tempos. As toxinas
produzidas pelas glândulas de veneno são injetadas na corrente sangüínea das
vítimas causando inúmeros efeitos, como por exemplo, distúrbios na coagulação
sangüínea, efeitos citotóxicos, hemólise, hemorragia local e sistêmica, necrose
tecidual, efeitos neurotóxicos e hipotensão (Bjarnason e Fox, 1998; Walter et. al.;
1999; Tanen et. al.,2001).
O veneno das serpentes é constituído por uma mistura complexa de
proteínas e peptídeos biologicamente ativos (Bjarnason e Fox, 1998; Walter et.
al., 1999; Tanen et. al., 2001). Alguns desses peptídeos bioativos do veneno de
serpentes são sintetizados como proteínas precursoras que, após o
processamento proteolítico, geram o polipeptídeo maduro ativo (Kini, 2002). Esse
é o caso, por exemplo, para os peptídeos potenciadores de bradicinina
(“bradykinin potentiating peptides” – BPPs) presentes no veneno da Bothrops
jararaca (Bj-BPPs).
Os Bj-BPPs são moléculas capazes de potenciar algumas atividades
farmacológicas da bradicinina (BK), como a ação contrátil da musculatura lisa do
íleo isolado de cobaia, ex vivo (Ferreira, 1965) e in vivo no sistema nervoso
Dissertação de Mestrado – Universidade Federal de São Paulo 21
O isolamento dos primeiros Bj-BPPs produzidos pela glândula de veneno
de Bothrops jararaca aconteceu em meados dos anos 60, e foram inicialmente
chamados de fatores de potenciação da BK (Bradykinin potentiating factors -
BPFs) (Ferreira, 1965). Apenas em 1970, quando foram caracterizados como
moléculas peptídicas foram nomeados como Bj-BPPs (Ferreira et. al., 1970).
Desde então, outros peptídeos com característica estrutural de um BPP foram
isolados do veneno dessa serpente (Ondetti et al., 1971). Em 1997 Murayama et
al. (1997) clonaram o cDNA que codifica esses peptídeos e observaram que os
Bj-BPPs são produtos do processamento da proteína precursora do peptídeo
natriurético do tipo-C (Bj-CNP). A partir desse estudo duas novas seqüências com
características estruturais de Bj-BPPs foram identificadas. Como esse trabalho
sugeriu a existência de outros Bj-BPPs, Ianzer et. al. (2004) buscaram e isolaram
mais cinco novos peptídeos do veneno da Bothrops jararaca. O fato dos Bj-BPPs
serem produzidos na mesma proteína precursora do CNP, um hormônio, sugeriu
a expressão da proteína precursora dos Bj-BPPs e CNP em outros tecidos além
da glândula. Foi, então, clonado e seqüenciado o precursor de Bj-BPPs e CNP do
cérebro da serpente que continha duas novas seqüências de putativos Bj-BPPs
(Hayashi et. al., 2003) (Tabela 1).
Os Bj-BPPs são peptídeos de 5 a 14 resíduos de aminoácidos que
possuem como característica estrutural um resíduo piroglutâmico no N- terminal,
alto conteúdo de prolinas e um resíduo de prolina na posição C-terminal (Ferreira
et al., 1970; Ondetti e Cushmann, 1984). Os peptídeos contendo mais de sete
resíduos de aminoácidos terminam com o tripeptídeo Ile-Pro-Pro e possuem
vários resíduos de prolina nas suas regiões internas (Ferreira et. al., 1970; Freer e
Dissertação de Mestrado – Universidade Federal de São Paulo 22
resistência à hidrólise por aminopeptidases, carboxipeptidases e endopeptidases
(Cheung e Cushman, 1973; Ianzer, 2001).
Tabela 1 - Peptídeos Potenciadores da Bradicinina (“Bradykinin Potentiating Peptides” - Bj -BPPs) do veneno da serpente Bothrops jararaca. A nomenclatura dos Bj-BPPs é baseada no tamanho (número de resíduos) e na ordem cronológica de descoberta (letras) no veneno das serpentes. <E = ácido piroglutâmico
Sequência de aminoácidos Nomenclatura MW (Da) Potenciação da BK
<EKW AP BPP-5aa,c,d,e 611,7 +++
<EW PRP BPP-5be 665,8
+
<ESW PGP BPP-6aa,e 653,7 +
<EDGPIPP BPP-7ae 705,8 +
<EW PRPQIPP BPP-9aa,b,e 1101,3 +++
<ESW PGPNIPP BPP-10aa,b,c,e 1075,2 ++
<ENW PRPQIPP BPP-10bb,e 1215,4 ND
<ENW PHPQIPP BPP-10ca,b,c,d,e 1196,3 +++
<EW PRPTPQIPP BPP-11ab,e 1299,5 ND
<EGRAPGPPIPP BPP-11bc,e 1069,2 ++
<EGRAPHPPIPP BPP-11cd 1149,3 ++
<EGRPPGPPIPP BPP-11de 1095,3 ND
<EARPPHPPIPP BPP-11ed 1189,4 ++
<EGW AW PRPQIPP BPP-12a a,e 1415,6 +++
<EW GRPPGPPIPP BPP-12bd 1281,5 +++
<EW AQW PRPQIPP BPP 12ce 1485,8 ND
<EGGW PRPGPEIPP BPP-13ad,e 1370,5 +++
<EGGLPRPGPEIPP BPP-13ba,b,c,d,e 1297,5 +++
<EW AQW PRPTPQIPP BPP-14ae 1683,85 ND
Dissertação de Mestrado – Universidade Federal de São Paulo 23
1.2 Efeitos dos Bj-BPPS sobre o sistema calicreína-cininas e
renina-angiotensina
A BK, um nonapeptídeo (Arg-Pro-Pro-Gly-Phe-Ser-Pro-Phe-Arg)
identificado por Rocha e Silva et. al. (1949), pertence a um grupo de polipeptídeos
conhecidos como cininas, que são derivados de uma proteína mais complexa, o
cininogênio, pela ação da enzima calicreína (Meki et. al., 1995).
As cininas geradas através da cascata metabólica do sistema
calicreínas-cininas (SCC) estão envolvidas em vários processos fisiológicos e patológicos, e
podem causar vasodilatação, aumentar permeabilidade vascular, liberar o
ativador do plasminogênio de tipo tecidual, estimular a produção de óxido nítrico
(NO) e mobilização de ácido araquidônico. Resumidamente, podemos dizer que
as cininas participam fisiologicamente da regulação de pressão sanguínea,
funções renal e cardíaca e de processos patológicos como inflamação (Moreau et.
al., 2005).
As diversas atividades farmacológicas das cininas são mediadas através
de ligações com dois tipos de receptores específicos (receptores B1 e B2), antes
de serem metabolizadas por diversas peptidases (Marceau et. al., 1998;
Leeb-Lundberg et. al., 2005). As ações como vasodilatação e hipotensão são mediadas
pelo receptor B2, pela liberação de NO, prostaciclinas e fator hiperpolarizante
derivado de endotélio (EDHF) (Couture e Girolami, 2004). Enquanto as ações
mediadas pelos receptores B1 inclui uma importante função na angiogênese
(Campbell, 2003).
As peptidases (zinco metalopeptidases) são as principais responsáveis
pela degradação da BK, entre elas, a enzima conversora de angiotensina (ECA),
Dissertação de Mestrado – Universidade Federal de São Paulo 24
A ECA é uma enzima chave no sistema renina-angiotensina (RAS). Esse
sistema está envolvido no controle da pressão arterial e do balanço hídrico
corporal e tem seus efeitos mediados pela produção ou ativação de diversos
fatores de crescimento, substâncias vasoativas, peptídeos, receptores e enzimas,
induzindo vasoconstricção e hipertrofia celular.
A cascata representada pelo RAS inicia-se pela liberação de renina pelos
rins, que cliva o angiotensinogênio plasmático, produzido pelo fígado, formando
angiotensina I, que em seguida é clivada pela ECA, gerando angiotensina II (um
potente vasoconstritor. A angiotensina II tem suas ações mediadas pelos
receptores AT1 e AT2. A ligação da angiotensina II em receptor AT1 desencadeia
processos celulares produzindo vários efeitos, dentre eles, vasoconstrição,
síntese protéica, crescimento celular, regulação da função renal e do equilíbrio
hidroeletrolítico (Ardaillou e Michel, 1999; De Gasparo et. al., 2000).
A ECA possui dois sítios ativos homólogos, um localizado no seu
C-terminal e outro no N-C-terminal e ambos possuem um íon zinco ligado, essencial à
atividade catalítica. Assim, os inibidores da ECA competem com o substrato
natural pelo zinco(II) no sítio ativo e também através de ligações de hidrogênio e
interações hidrofóbicas.
Embora os dois sítios sejam capazes de hidrolisar angiotensina I e BK, o
C-terminal é mais efetivo na hidrólise desses peptídeos vasoativos. As evidências
experimentais sugerem que o N-terminal esteja mais envolvido com o
processamento de outros peptídeos bioativos (Coates, 2003), tais como o
hormônio-tetrapeptídeo (Ac-Ser-Asp-Lys-Pro-OH) envolvido na regulação
negativa da hematopoiese (Rieger et. al., 1993; Rousseau et. al., 1994; Azizi et.
Dissertação de Mestrado – Universidade Federal de São Paulo 25
domínio C-terminal (Deddish et. al., 1998). Dessa forma, a ECA é uma enzima de
fundamental importância na fisiologia cardiovascular, pois converte a angiotensina
I em angiotensina II (pontente vasoconstritor) e degrada a BK pela remoção do
dipeptídeo C-terminal (Turner e Hooper, 2002; Villard e Soubrier, 1996).
Os Bj-BPPs foram os primeiros inibidores naturais da ECA descritos, ou
seja, impedem tanto a degradação do peptídeo hipotensor, aumentando os seus
níveis no organismo (Stewart et. al., 1971), como a formação do peptídeo
vasoconstritor, o que ocasiona um forte efeito anti-hipertensivo.(Krieger et. al. ,
1971; Gavras et. al., 1974). Devido a ação inibitória dos Bj-BPPs sobre ECA, os
efeitos fisiológicos do RAS encontram-se diminuído, enquanto os efeitos do
Dissertação de Mestrado – Universidade Federal de São Paulo 26
Figura 1 - Ação da ECA sobre os: sistema renina-angiotensina (SRA) e sistema calicreína-cinina (SCC) e a interferência dos Bj-BPPs em ambos os sistemas. 1) Conversão da angiotensina I em angiotensina II; 2) Degradação da BK; 3) Inibição da ECA pelos Bj-BPPs.
Efeitos fisiológicos no SRA mediados pelos receptores AT1 incluem vasoconstrição, retenção de
água e sódio, liberação de aldosterona, aumento da atividade nervosa simpática entre outros; mediados pelos receptores AT2 incluem diferenciação celular, vasodilatação entre outros. Os
efeitos no SCC mediados pelos receptores B2 incluem vasodilatação e hipotensão através da liberação de NO, prostaciclinas e do EDHF. Devido a inibição da ECA pelos Bj-BPPs, os efeitos
fisiológicos do SRA estão diminuídos (não há formação de angiotensina II) e os efeitos fisiológicos do sistema SCC estão potencializados (inibição da degradação de BK).
(Adaptado de Burnett, 1999; Couture e Girolami, 2004; Santos et. al., 2005).
1.3 Bj-BPPs como modelo estrutural para o desenvolvimento do Captopril.
Após a descoberta da ação inibitória dos Bj-BPPs sobre ECA, houve
grande interesse nesses peptídeos, devido à importância da ECA no controle da
pressão arterial e a necessidade de desenvolvimento de uma terapia para
doenças cardiovasculares, assim como a hipertensão. Na época, dentre os
peptídeos identificados estavam o Bj-BPP-9a, sob o nome genérico de teprotide,
devido aos quatro resíduos de prolinas na sua estrutura, que apresentava potente
AT2 AT1 B2
ECA
Bradicinina
3 3
Renina
Cininogênio
Calicreína
Efeitos fisiológicos
1
Angiotensinogênio
Angiotensina I
Angiotensina II
Metabólitos
Inativos B
BPPPPss
Efeitos fisiológicos
2
Metabólitos
Dissertação de Mestrado – Universidade Federal de São Paulo 27
inibição da ECA e potenciação de BK in vitro (Ferreira et. al., 1970) e o Bj-BPP-5a
que também foi um dos primeiros Bj-BPPs a ter estrutura determinada e que foi
sintetizado e utilizado em ensaios que demonstravam a habilidade dessa
molécula em inibir a conversão de angiotensina I e a inativação de BK em pulmão
de rato (Stewart et. al., 1971).
Entretanto, ensaios utilizando esses dois peptídeos revelaram que o Bj
-BPP-9a era mais efetivo e tinha efeito mais duradouro que o do Bj-BPP-5a na
pressão arterial, tanto para a potenciação da BK como para a inibição da
conversão da angiotensina I (Greene et. al., 1972). Desse modo, O Bj-BPP-9a foi
utilizado na primeira demonstração clínica da utilidade dos Bj-BPPs no controle da
hipertensão, demonstrando um efeito anti-hipertensivo em humanos (Gavras et.
al., 1974; Gavras et. al., 1978).
No entanto, foi constado que a utilidade terapêutica do Bj-BPP-9a era
limitada pela ausência de atividade por administração oral, tanto em modelos
animais como em humanos e pelo alto custo de sua síntese (Krieger et. al., 1971;
Gavras et. al., 1974; Gavras et. al., 1975). Assim, tornou-se essencial para
aplicação farmacêutica o desenvolvimento de um inibidor não peptídico da ECA
efetivo por via oral.
Sendo assim, as estruturas dos peptídeos Bj-BPP-9a e Bj-BPP-5a,
(Ferreira et. al. 1970; Stewart et. al., 1971) foram estudadas por Cushman e
Ondetti que sugeriram que a prolina C-terminal dessas moléculas interagia
especificamente com sítio ativo da ECA (Cushman et. al., 1977). Assim, o Bj
-BPP-5a e Bj-BPP-9a serviram como base para o desenvolvimento do primeiro inibidor
Dissertação de Mestrado – Universidade Federal de São Paulo 28
quelador de metais a uma prolina (aminoácido carboxiterminal dos Bj-BPPs)
(Cushman et. al., 1977), e tem sido utilizado por via oral para o tratamento da
hipertensão arterial sistêmica humana desde os anos 80 (Ondetti e Cushman,
1981).
1.4 Evidências de diferenças funcionais e de mecanismo de ação entre os
BPPs
Apesar 1) da inibição da ECA ser um mecanismo relevante para explicar a
atividade dos BPPs e 2) da alta similaridade de seqüência de aminoácidos entre
moléculas peptídicas, tem sido sugerido que os diferentes Bj-BPPs apresentam
diferenças funcionais e de mecanismo de ação, tanto para explicar a atividade
potenciadora de BK como a atividade anti-hipertensiva (Cotton et. al., 2002;
Hayashi e Camargo, 2005; Guerreiro et. al., 2009; Lameu et al., 2010a; Mueller et.
al., 2005; Gomes et. al., 2007; Hayashi et. al., 2003).
Essas diferenças foram primeiramente observadas ao comparar a
seletividade dos Bj-BPPs codificados pelo precursor neuronal, Bj-BPP-5a, Bj
-BPP-10c, Bj-BPP-11e, Bj-BPP-12b e Bj-BPP-13a (Hayashi et. al., 2003) pelos
sítios ativos da ECA e a atividade dos peptídeos de potenciar o efeito contrátil da
BK em íleo isolado de cobaia. Por exemplo, o BPP-5a é muito menos eficaz em
inibir a ECA que o Bj-BPP-13a, no entanto é muito mais potente para potenciar a
BK. Em contrapartida, o Bj-BPP-10c é um excelente inibidor do sítio C-terminal da
ECA e tem efeito de potenciação de BK similar ao Bj-BPP-5a e ao Bj-BPP-12b
que tem seletividade pelo sítio N-terminal. O Bj-BPP-11e além de ser um fraco
potenciador da BK, também não está entre os melhores inibidores dessa enzima
Dissertação de Mestrado – Universidade Federal de São Paulo 29
Tabela 2 - Atividade biológica dos Bj-BPPs I. Efeito dos Bj-BPP-5a, Bj-BPP-9a, Bj-BPP-10c, Bj -BPP-11e, Bj-BPP-12b, Bj-BPP-13a na potenciação de BK em íleo de cobaia (ex vivo) e na inibição
dos sítios N e C da ECA (in vitro). Os dados são expressos pela média ± erro padrão (Adaptado de Hayashi e Camargo, 2005; Cotton et. al., 2002).
BPPs Sequência de
aminoácidos Potenciação de BK (nmol)
ECA Ki (nM)
Sítio-N Sítio-C
BPP-5a <EKWAP 0,36±0,03 400 1280
BPP-10c <ENWPHPQIPP 0,48±0,02 200 0,5
BPP-11e <EARPPHPPIPP 2,68±0,20 100 300
BPP-12b <EWGRPPGPPIPP 0,83±0,30 5 150
BPP-13a <EGGWPRPGPEIPP 1,50±0,20 50 50
Posteriormente, em 2007, estudos da atividade anti-hipertensiva do Bj
-BPP-7a e do Bj-BPP-10c trouxeram informações sobre o mecanismo de ação
desses peptídeos, já que ambos apresentam uma potente e sustentada atividade
anti-hipertensiva em ratos espontaneamente hipertensos (SHRs) acordados, mas
não impedem a formação de angiotensina II a partir da angiotensina I, ou seja,
não afetam a função fisiológica da ECA. Além disso, no caso do Bj-BPP-10c, a
dose que produz o efeito anti-hipertensivo é menor que a dose requerida para
inibir a ECA in vivo (Ianzer et. al., 2007), sugerindo a participação de outros alvos
para gerar esses efeitos farmacológicos.
Isso pode ser reforçado através do estudo de distribuição biológica do Bj
-BPP-10c marcado com I125 que demonstraram que esse peptídeo se acumulava
em vários órgãos como: cérebro, fígado, testículos e principalmente nos rins,
mesmo após a saturação dos sítios ativos da ECA com um inibidor específico
Dissertação de Mestrado – Universidade Federal de São Paulo 30
Dessa forma, foram realizados estudos visando identificar novos alvos para
o Bj-BPP-10c. Então, nosso grupo demonstrou que o Bj-BPP-10c tanto in vitro
como in vivo se liga a enzima argininosuccinato sintase (ASS) e aumenta sua
atividade (Guerreiro et al., 2009). A ASS é a enzima passo limitante no
fornecimento de substrato para óxido nítrico sintase (NOS) produzir NO (Shen et.
al., 2005; Flam et. al., 2007). Guerreiro e colaboradores demonstraram que a
vasodilatação promovida pelo BPP-10c em SHRs não resulta somente da
diminuição da concentração de angiotensina II e/ou aumento da BK, mas também
do aumento da biodisponibilidade de L-arginina para produção de NO (Guerreiro
et. al., 2009).
Outra evidência importante sobre o mecanismo de ação do BPP-10c surgiu
recentemente, quando foi demonstrado que o Bj-BPP-10c mobiliza [Ca2+]i em
células neuronais. Esses resultados contribuíram para entender o mecanismo de
ação do BPP-10c no sistema nervoso central, onde o peptídeo induz a liberação
dos neurotransmissores, GABA e glutamato, envolvidos no controle da pressão
arterial e diminui a sensibilidade do barorreflexo que está aumentada na
hipertensão (Lameu et. al., 2010a, Lameu et. al., 2010b).
1.5 Participação da ASS em processos bioquímicos e seus impactos
fisiológicos.
Há cerca de 60 anos, a ASS foi identificada (Ratner e Petrack, 1951), e
recentemente foi reconhecida como uma enzima presente em todos os
mamíferos. A ASS humana é um homotetrâmero, cada subunidade é composta
por 412 resíduos de aminoácidos e apresenta alta similaridade com as de outros
Dissertação de Mestrado – Universidade Federal de São Paulo 31
fisiológica desempenhada e pode ser encontrada no citoplasma, na mitocôndria e
na membrana plasmática (Husson et. al., 2003).
A ASS catalisa a reação de conjugação da citrulina com aspartato gerando
argininosuccinato com consumo de ATP. O argininosuccinato é substrato da
argininosuccinato liase (ASL) que o converte em arginina e fumarato. Ambas
enzimas agem de forma acoplada e fazem parte de vias metabólicas importantes
envolvendo a biodisponibilidade de L-arginina (Husson et. al., 2003; Flam et. al.,
2007).
A L-arginina é classificada como um aminoácido condicionalmente
essencial devido à habilidade do corpo de sintetizá-la em quantidades suficientes,
mesmo quando é extraída da dieta ou durante doenças ou traumas (Morris,
2004). O maior local de síntese de L-arginina em animais que possuem o ciclo da
uréia é o fígado, contudo, essa arginina não é secretada, pois é rapidamente
convertida a uréia e a ornitina pela arginase (ciclo da uréia) (Nussler et. al., 1994;
Shuttleworth et. al., 1995; Husson et. al., 2003). Nos rins, onde é sintetizada a
partir da citrulina, é liberada para circulação sanguínea, uma vez que esse órgão
não possui enzimas capazes de utilizá-la como substrato (Nagasaki et. al., 1996;
Gouta et. al.,1999).
No endotélio vascular a disponibilidade de L-arginina ocorre pela ação
conjunta da ASS e da enzima ASL, esta via é conhecida como ciclo da
citrulina-NO ou ciclo arginina-citrulina, onde a L-arginina é reciclada a partir da L-citrulina,
sendo disponibilizada como substrato da enzima NOS endotelial (eNOS) para
Dissertação de Mestrado – Universidade Federal de São Paulo 32
Dessa forma, a ação da ASS sobre o metabolismo da L-arginina contribui
para três grandes funções diferentes no organismo dependendo da célula ou
tecido, desintoxicação de amônia no fígado, produção de L-arginina no rim para
todo organismo e síntese de L-arginina para produção de NO em várias outras
células (Figura 2). Além dessas três grandes funções também foi sugerido que a
ASS desempenha um papel importante na neuromodulação através da produção
de argininosuccinato (Nakamura et. al., 1991).
Figura 2 – Representação esquemática das funções da ASS em mamíferos. As enzimas indicadas são: CPS-I, carbamil fosfato sintase; OTC, Ornitina transcarbamoilase (EC 2.1.3.3); ASS, argininosuccinato sintase (EC 6.3.4.5); ASL, argininosuccinato liase (EC 4.3.2.1); NOS, oxido nítrico sintase (EC 1.14.13.39) (Figura de Husson et. al, 2003)
Devido a sua participação em processos bioquímicos que geram impactos
fisiológicos no organismo, a ASS apresenta grande valor clínico, pois algumas
patologias podem ser associadas a sua deficiência ou excesso, tais como
Dissertação de Mestrado – Universidade Federal de São Paulo 33
sistêmica e possivelmente, a pré-eclâmpsia (Panza, 1997; Williams et. al., 1997;
Haller, 1997; Dusse et. al., 2007, Garg e Hassid, 1989) e doença de Alzheimer
(Haas et. al., 2002; Wiesinger, 2001).
A citrulinemia é uma doença hereditária rara do metabolismo, com
transmissão autossômica recesssiva, e que se deve a deficiência da ASS no ciclo
da uréia, resultando no aumento da concentração plasmática da citrulina e da
amônia, o que é tóxico para o organismo (Curis et. al., 2005). Essa disfunção
pode levar danos cerebrais com deficiência mental, geralmente levando à coma e
à morte.
Há também sugestão da ASS como alvo terapêutico para o tratamento da
pré-eclâmpsia e a hipertensão essencial humana. Em condições fisiológicas
ideais existe um equilíbrio entre a liberação de fatores relaxantes e fatores
contráteis pelo endotélio. Sabe-se que em condições patológicas, como a
hipertensão essencial humana, esse equilíbrio é alterado. Entre esses fatores o
NO desempenha um papel fundamental na regulação do tônus vascular e da
homeostasia (Harrison, 1996), entre outras condições, a diminuição na
disponibilidade ou a deficiência de L-arginina compromete a secreção de NO
(Higashi e Chayama, 2002). Uma vez que, a ASS participa da via de reciclagem
da L-arginina, o que contribui para a manutenção de substrato para eNOS, sendo
que a sua atividade catalítica é considerada o passo limitante para produção de
NO (Solomonson et al., 2003 e Goodwin et. al., 2007), a modulação positiva
dessa enzima poderia restabelecer o equilíbrio desse sistema, com conseqüente,
Dissertação de Mestrado – Universidade Federal de São Paulo 34
A doença de Alzheimer é caracterizada neuropatologicamente por
emaranhados neurofibrilares, por placas compostas de agregados de -amilóide e
degeneração neuronal (Haas et. al., 2002). O NO é um importante mediador da
degeneração neuronal e pode ser altamente neurotóxico quando gerado em
excesso em resposta a citocina. Observações recentes sugerem que essa
neurotoxicidade produzida pelo NO são induzidas na região das placas
características da doença de Alzheimer (Haas et. al., 2002). Dessa maneira,
considerando o ciclo citrulina-NO, a ASS funcionaria como marcador indireto, pois
indica contínua reposição de L-arginina e, assim, promoveria sustentação e
potencialização neurotóxica pela liberação de NO.
Sabendo que os Bj-BPPs são estruturalmente análogos, hipotetizamos que
outros peptídeos, além do Bj-BPP-10c, atuam sobre a ASS para ativá-la ou
inibi-lá. Dessa forma, esses peptídeos poderiam se tornar moléculas potenciais para
aplicações em outros casos clínicos, além da hipertensão. Por exemplo,
peptídeos que inibem a ASS podem ser testados em modelos experimentais de
Alzheimer, ou ainda, peptídeos que apenas se liguem a enzima podem ser
usados como biomarcadores de doenças associadas com ASS.
1.6 Produção de NO e sua participação na regulação da pressão arterial.
A biossíntese do NO é feita a partir da oxidação de L-arginina pela NOS,
que é uma enzima dimérica que contém um grupamento heme. Além do substrato
L-arginina, a reação catalisada pela NOS requer oxigênio molecular, NADPH, e
co-fatores, tais como tetrahidro-L-biopterina (H4biopterina), FMN, FAD, heme e
Dissertação de Mestrado – Universidade Federal de São Paulo 35
Há três isoformas de NOS que são codificadas por genes distintos: a NOS
neuronal (nNOS), encontrada em concentrações elevadas em tecidos neuronais e
alguns não neuronais (Davis et. al. 2001, Marleta, 1994, Murad, 1996); a NOS
induzível (iNOS) que apesar de originalmente ter sido encontrada em macrófagos,
existe em uma variedade de tipos celulares, incluindo hepatócitos, células
musculares lisas vasculares, fibroblastos e células epiteliais (Davis et. al. 2001,
Marleta, 1994, Murad, 1996) e a eNOS, foi identificada como a enzima que produz
fatores relaxantes derivados do endotélio (Davis et. al. 2001, Marleta, 1994,
Murad, 1996). Tanto a nNOS como a eNOS, são agrupadas como NOS
constitutivas, por serem geralmente expressas constitutivamente, e tem suas
atividades reguladas pela [Ca2+]
i via calmodulina. Por outro lado, a expressão da
iNOS é induzida por compostos, como endotoxina ou citocinas pró-inflamatórias
(incluindo a interleucina-1, IFN , e fator de necrose tumoral alfa) (Marleta, 1994,
Murad, 1996). A iNOS está ligada a calmodulina, mesmo em níveis basais de
Ca2+, assim, a sua função não é afetada pela concentração de desse íon. Além
disso, a iNOS pode produzir níveis muito mais elevados de NO e portanto tóxico
em comparação com as outras isoformas.
O NO produzido no endotélio possui ação vasodilatora por ação na
musculatura lisa dos vasos. Além disso, essa molécula atua em diversos tipos
celulares, tais como, células neurais, cardíacas, sanguíneas (plaquetas),
macrófagos e está implicado em um conjunto diversificado de funções fisiológicas
como inibição da ativação plaquetária (Albrecht et. al., 2003, Kubes et. al., 1991),
neurotransmissão, (Garthwaite e Boulton, 1995), além de estar associado com a
função cognitiva, com a manutenção da plasticidade simpática e com resposta
Dissertação de Mestrado – Universidade Federal de São Paulo 36
O NO produzido pelo endotélio vascular desempenha um papel
fundamental na regulação do tônus vascular promovendo vasodilatação. Efetores
circulantes, como a BK, ligam-se a receptores específicos na membrana das
células endoteliais, sinalizando uma liberação transiente de cálcio intracelular, o
qual se liga à calmodulina formando o complexo cálcio-calmodulina (Ca2+/CaM)
responsável pela ativação da eNOS. A ligação do Ca2+/CaM a NOS estimula a
transferência seqüencial de elétrons. Primeiramente ocorre a transferência de
elétrons do NADPH para as flavinas do domínio redutase, e então os elétrons das
flavinas são transferidos para o domínio oxigenase. Desse modo, a eNOS
torna-se ativada para produzir NO na pretorna-sença adequada de L-arginina (Bustorna-se e
Fleming, 1995), o que possibilita que essa enzima catalise duas reações
seqüenciais de oxidação da L-arginina em citrulina liberando o NO (Tarpey e
Fridovich, 2001).
O NO formado no endotélio difundi-se para a musculatura lisa do vaso
promovendo a ativação da guanilato ciclase e conseqüente produção de GMP
cíclico (cGMP). O cGMP atua sobre canais de K+ dependentes de voltagem
dificultando a despolarização destas células, além de promover diretamente a
diminuição da [Ca2+]
i, promovendo relaxamento muscular (Cawley et. al., 2007)
(Figura 3). Além disso, é sugerido também que o NO, no cérebro, está envolvido
na regulação cardiovascular central, através da redução da atividade simpática do
SNC (Lin et. al., 1999).
Um dos fatores limitante para a produção de NO é a viabilidade do
substrato para a NOS, a L-arginina. A NOS está localizada intracelularmente na
cavéola, o que permite uma estreita proximidade com o seu substrato, L-arginina
Dissertação de Mestrado – Universidade Federal de São Paulo 37
muito superiores ao valor de Km para NOS (Harrison, 1997), contudo a produção
de NO pode ser estimulada por uma fonte de L-arginina exógena (Vallance e
Chan, 2001). Este fenômeno conhecido como paradoxo da L-arginina sugere a
existência de um “pool” separado e exclusivo de L-arginina para a produção de
NO na célula (Solomonson et. al., 2003).
O transporte de L-arginina através da membrana das células é um possível
mecanismo de controle dos níveis de L-arginina intracelular. McDonald et. al.
(1997) mostraram que o transportador de aminoácidos catiônico 1 (CAT1) é
responsável por 60-80% do total de L-arginina transportada para o ambiente
intracelular, além de se co-localizar com a NOS na cavéola. Assim, a fonte de
arginina consumida pela NOS é mantida pelo CAT1 ou pela regeneração da
L-arginina através do ciclo citrulina-NO, sendo que a enzima passo limitante das
reações acopladas é a ASS (Hecker et. al.,1990, Xie et. al., 2000, Flam et. al.,
2001). Evidências clínicas sugerem que assim como a ativação da NOS pela
mobilização de Ca2+, a reciclagem de seu substrato são importantes para
produção de NO (Fakler, 1995; Scaglia et. al., 2004).
1.7 Sinalização por cálcio
A concentração extracelular de Ca2+ está na faixa de milimolar; já a [Ca2+]i
oscila entre 0,1 e 10 M. Apesar deste gradiente eletroquímico transmembranar
favorável, o Ca2+ tem a sua entrada na célula restringida, pois é mediada por
canais e transportadores específicos existentes na membrana plasmática. As
oscilações na [Ca2+]i devem-se não só à sua entrada ou saída da célula através
Dissertação de Mestrado – Universidade Federal de São Paulo 38
das reservas intracelulares pela ativação de receptores acoplados a proteína G
(Brown, 1999; Putney, 1999; Tran et. al., 2000; Putney et. al., 2001).
Os canais envolvidos na regulação do fluxo de cálcio podem ser abertos
por transmissores (agonistas), pela diferença de potencial da membrana celular
(canais dependente de voltagem), por estímulos mecânicos (canais
mecanosensíveis) ou térmicos (canais TRP) (Busse e Fleming, 1995; Putney,
1999; Putney et. al., 2001; Parekh e Putney, 2005; Vetter e Lewis; 2010).
Os receptores acoplados a proteína G que também estão envolvidos na
sinalização de cálcio são caracterizados por uma única proteína que transpassa a
membrana plasmática sete vezes, resultando em sete domínios hidrofóbicos
transmembrana conectados por três “loops” hidrofílicos extracelulares e três
intracelulares. A porção N-terminal reside no meio extracelular e a porção
C-terminal no citoplasma (Mahaut-Smith et. al., 2008; Hanson e Stevens, 2009).
As proteínas G podem ser dividas em Gs, Gi/0, Gq e G12 baseado nas
semelhanças na seqüência, seletividade de efetores e sensibilidade de inibidores.
As proteínas G existem como um heterotrímero contendo três subunidades: α, e
. Na sua forma inativa, a protéina G está complexada em α, e , com GDP
fixado à subunidade α. Uma vez estimulada por um receptor ativado por seu
ligante, a subunidade α troca seu GDP por GTP. Isso causa a dissociação de α
que se separadas subunidades e , interagindo com uma proteína efetora ou
canal iônico a fim de estimular ou inibir mensageiros intracelulares secundários.
(Felder, 1995).
As vias de mobilização de [Ca2+]i desencadeadas por receptores
associadas à proteína G, podem envolver a ativação da fosfolipase C (PLC),
Dissertação de Mestrado – Universidade Federal de São Paulo 39
(PIP2) em inositol 1,4,5-trisfosfato (IP3) e 1,2-diacilglicerol (DAG). O IP3 pode se
ligar a canais do retículo endoplasmático, gerando um aumento rápido e
transiente da [Ca2+]i. Esse tipo de sinalização pode ser ativada, por exemplo, pela
ligação de BK ao receptor B2 de cininas acoplado a proteína Gq que está
envolvido na estimulação da NOS e produção de NO, sendo um importante
mediador da atividade hipotensiva da BK (Busse e Fleming, 1995; Noda et. al.;
2004).
Outro mecanismo é o Ca2+ citoplasmático ativando a liberação de Ca2+ dos
estoques intracelulares através de receptores de IP3 e rianodina, conhecido como
liberação de Ca2+ induzida por Ca2+ (CICR - calcium-induced calcium release).
Essa via de mobilização de [Ca2+]
ifoi observada em estudos realizados com o Bj
-BPP-10c, que em células do sistema nervoso central mediava seus efeitos por um
receptor acoplado a proteína Gi/0, seguido de um mecanismo CICR. Uma vez
ativada, a proteína G ativaria canais de cálcio da membrana e permitiria a entrada
de Ca2+ na célula, ativando receptores rianodina, liberando mais Ca2+ dos
estoques intracelulares (Lameu et. al., 2010a) (Figura 4).
O Ca2+ é um importante segundo mensageiro que possui inúmeros efetores
intracelulares para funções específicas em diversos processos fisiológicos, assim
como, atividade cardíaca, coagulação do sangue, manutenção das membranas
celulares, adesão celular, transmissão de sinais às células nervosas, contração
muscular, ativação de enzimas, controle da expressão gênica, morte celular e a
regulação de funções musculares e nervosas (Berridge et. al., 2000; Garcia et. al.,
Dissertação de Mestrado – Universidade Federal de São Paulo 40
Dentro do contexto de controle da pressão arterial, o aumento da [Ca2+] i
ativa a NOS no endotélio e em células nervosas para a produção de NO e
provoca relaxamento dos vasos. Na musculatura lisa e esquelética o aumento da
[Ca2+]i tem efeito inverso. A contração muscular acontece quando há uma
interação das proteínas contráteis de actina e miosina, que ocorre na presença
Ca2+ intracelular e ATP. O Ca2+ é liberado pelo retículo sarcoplasmático quando
estimulado pela despolarização. A função do Ca2+ no músculo é expor um sítio de
ligação da miosina na proteína actina (Volpe et. al., 1986).
Em contrapartida, respostas celulares que diminuem a [Ca2+]i, no músculo
promovem vasodilatação, por exemplo, o NO difunde-se do endotélio vascular
para a musculatura lisa do vaso ativando a guanilato ciclase e conseqüente
produção de cGMP. O cGMP atua sobre canais de K+ dependentes de voltagem
dificultando a despolarização destas células, além de promover diretamente a
diminuição da [Ca2+]i, provocando relaxamento muscular. (Figura 3) (Solomonson
et. al., 2003; Wray e Burdyga, 2010).
No músculo cardíaco esse o íon é necessário para a geração da atividade
elétrica e do disparo e manutenção da atividade contrátil. Além disso, diversos
transportadores de Ca2+ existentes na célula cardíaca regulam as variações da
[Ca2+]i para a execução das diversas funções do coração. Embora as contrações
do músculo cardíaco sejam controladas pelo sistema nervoso autônomo, a
deficiência de Ca2+ pode ocasionar disfunções contráteis nas células cardíacas
levando a arritmia e insuficiência cardíaca (Ai et. al., 2005; Bassani e Bassani,
2007).
Além disso, o Ca2+ atua na liberação de neurotransmissores, na região
Dissertação de Mestrado – Universidade Federal de São Paulo 41
despolarização da membrana se abrem liberando Ca2+ para dentro da célula. Este
influxo de Ca2+ nas imediações da membrana pré-sináptica, causa por atração
iônica o movimento das vesículas com neurotransmissores na direção da
membrana pré-sináptica, onde os neurotransmissores são liberados na fenda
sináptica por exocitose. Esse mecanismo é importante para as funções do
sistema nervoso, entre as quais a manutenção da pressão arterial exercida pelo
sistema simpático e parassimpático (Burnashev, 1998; Putney, 1999; Michelini;
1999).
Há também evidências que o Ca2+ possa ter um efeito hipotensor
relacionado ao fato desse íon estar associado a excreção de sódio, tanto que
medicamentos diuréticos são utilizados na tratamento de hipertensão,
aumentando a diurese e natriurese (Frohlich et. al., 1995; McCarron, 1995).
Outra relação importante entre o Ca2+ e doenças cardiovasculares está
associada a sua participação no metabolismo de carboidratos, onde o influxo de
Ca2+ ativa a secreção de insulina. Entretanto, quando há o aumento excessivo
desse íon, pode ser citotóxico e promover uma disfunção ou destruição das
células β, contribuindo para o desenvolvimento de diabetes (Nakata et. al., 1λλ7).
Além disso, o Ca2+ estimula a exocitose de transportadores de glicose no músculo
esquelético, o que pode ser intepretado como efeito protetor contra a diabetes,
que é uma doença também relacionada com disfunções cardiovasculares (Nakata
et. al., 1997; Youn et. al., 1991).
1.8 Possíveis alvos e mecanismos de ação dos Bj-BPPs
Apesar do estudo da inibição ECA pelos Bj-BPPs ter sido muito importante
para a ciência e para saúde pública com o desenvolvimento do captopril, já tinha
Dissertação de Mestrado – Universidade Federal de São Paulo 42
o efeito sobre a pressão arterial não poderia ser inteiramente explicado pela
inibição de enzimas que degradam a BK (Camargo e Ferreira, 1971; Greene et.
al., 1972). Além disso, questionamentos sobre o mecanismo de ação dos Bj-BPPs
surgiram, principalmente quando confrontadas as informações sobre a atividade
biológica desses peptídeos (Tabela 2) sugerindo interações com outros alvos e
mecanismos de ação distintos para cada peptídeo.
O Bj-BPP-10c confirmou todas as hipóteses até então sugeridas. Esse
peptídeo apresenta um novo e importante alvo, a ASS (Guerreiro et. al., 2009)
com grande potencial de se tornar alvo terapêutico assim como aconteceu com a
ECA (Ondetti et. al., 1977; Cushman et. al., 1977; Ondetti e Cushman, 1981). O
Bj-BPP-10c além de possuir um efeito periférico controlando diretamente a
vasodilatação possui um efeito central regulando o sistema nervoso autônomo
(Lameu et. al., 2010b).
Desse modo, o fato do Bj-BPP-10c possuir outro alvo além da ECA e um
novo mecanismo de ação, surgiu a necessidade e a curiosidade de estudar a
atividade de outros Bj-BPPs. Portanto, esse trabalho teve como objetivo verificar
se a potenciação de BK, a ativação da ASS, indução da produção de NO e
mobilização [Ca2+]
i estão também envolvidos no mecanismo de ação do Bj
-BPP-5a, Bj-BPP-9a, Bj-BPP-11e, Bj-BPP-12b e Bj-BPP-13a. Além de verificar se esses
peptídeos, assim como o Bj-BPP-10c, possuíam atividade anti-hipertensiva em
ratos espontaneamente hipertensos.
O critério utilizado para a escolha dos peptídeos foi que o Bj-BPP-5a, Bj
-BPP-11e, Bj-BPP-12b e Bj-BPP-13a são peptídeos codificados pelo precursor dos
Bj-BPPs e Bj-CNP expresso no cérebro da serpente, e, portanto tem grande
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caso do CNP e de outras enzimas encontradas no veneno e outros tecidos da
serpente (Cho et. al., 1999; Hayashi et. al., 2003; Hayashi e Camargo; 2005;
Woodard e Rosado, 2007; Rubattu et. al., 2008). Estudamos também os
potenciais alvos de ação do Bj-BPP-9a, pois foi o único testado em humanos e
possui eficácia comprovada no controle da pressão arterial (Gavras et. al., 1974).
Dessa maneira, com esse trabalho esperamos contribuir na literatura com novas
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Figura 3– Vasodilatação promovida pelo NO devido ao relaxamento da musculatura lisa do vaso. Os agentes vasodilatores atuam em receptores localizados na membrana do endotélio vascular e desencadeiam respostas intracelulares gerando a entrada de Ca2+ pelos retículos
sarcoplasmáticos. O Ca2+ liga-se à calmodulina formando o complexo Ca2+/calmodulina. Este
complexo atua sobre a eNOS promovendo sua ativação e conseqüente formação de NO. O NO difunde-se do endotélio vascular para a musculatura lisa do vaso promovendo, nessas células, a ativação da guanilato ciclase e conseqüente produção de cGMP. O cGMP atua sobre canais de K+ dependentes de voltagem dificultando a despolarização destas células, além de promover diretamente a diminuição da concentração de Ca2+ intracelular provocando relaxamento muscular. A fonte de L-arginina utilizada pela eNOS pode ser oriunda do transporte direto através do CAT1 ou através do sistema de reciclagem da L-arginina. O Bj-BPP-10c atua modulando positivamente a
atividade catalítica da ASS, aumentando a sua afinidade por um de seus substratos, o ATP, com conseqüente aumento de disponibilidade de L-arginina, que é substrato da eNOS, estimulando a produção sustentada de NO, contribuindo para o relaxamento muscular.
(Adaptado de Solomonson et. al., 2003; Flam et. al, 2007;
http://www.mona.uwi.edu/fpas/courses/physiology/muscles/Endothelia_and_Smooth_Muscles.htm) BPP
-10c BPP
-10c BPP
-10c BPP
-10c BPP
-10c BPP
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Figura 4–Representação esquemática da transdução de sinal induzida pelo Bj-BPP-10c. O BPP-10c ativa um receptor metabotrópicos Gi/o com 7 porções transmembrana resultando na
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2.1 Objetivos Gerais:
Avaliar os potenciais alvos dos Bj-BPPs (Bj-BPP-5a, Bj-BPP-9a, Bj-BPP-11e,
Bj-BPP-12b, Bj-BPP-13a) envolvidos no mecanismo de ação anti-hipertensiva.
2.2 Objetivos Específicos:
a) determinar o efeito potenciador dos Bj-BPPs 9a, Bj-BPP-11e, Bj-BPP-12b, Bj
-BPP-13a sobre BK na pressão arterial de ratos normotensos anestesiados;
b) determinar os parâmentros cardiovasculares (pressão arterial média e
freqüência cardíaca) de SHRs tratados com o Bj-BPP-9a, Bj-BPP-11e, Bj
-BPP-12b e Bj-BPP-13a;
c) obter a enzima ASS humana recombinante em sistema procarioto;
d) determinar o efeito dos Bj-BPPs, sobre a atividade enzimática da ASS,
analisando sua interferência na atividade catalítica dessa enzima in vitro;
e) determinar/quantificar a produção de NO de células HEK293 tratadas com os
Bj-BPPs na ausência e/ou presença de antagonistas de receptores envolvidos
no controle da pressão arterial;
f) determinar a mobilização de [Ca2+]i induzida pelos Bj-BPPs em células
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3.1 Síntese e purificação dos peptídeos (Bj-BPPs)
Os peptídeos foram sintetizados no Laboratório de Pré-Formulação do
CAT-CEPID, segundo o método de síntese de fase-sólida pela estratégia Fmoc,
conforme descrito em Lameu et. al., 2010a. Os peptídeos foram purificados por
cromatografia de fase-reversa em sistema HPLC semipreparativo (Shimadzu)
com sistema binário de bombas LC-6AD e detector SPD-10AV UV-Vis, usando
uma coluna de fase-reversa (ODS-C18, Shimadzu, 20x250). A eluição foi feita
utilizando dois solventes: (A) ácido trifluoracético (TFA)/H2O (1:1000) e (B)
TFA/acetonitrila (ACN)/ H2O (1:900:100), sob fluxo de 5ml/min com gradiente de
10% para 60% do solvente B por 45min. Para as cromatografias de fase-reversa
em escala analítica foi utilizado um sistema de HPLC da Shimadzu com um
detector SPD-10AV UV-Vis e um detector de fluorescência RF-535, acoplado a
uma coluna Merck C18 (Merck KGaA, 4,6x30), previamente eluída com um
sistema de solvente A e B, sob fluxo de 1ml/min e um gradiente de 10%-80% de
solvente B por 20min. A eluição dos peptídeos foi monitorada por absorbância em
220nm. As amostras foram congeladas em nitrogênio liquido e liofilizadas
(Edwards Freeze Dryer Super Modulyo Pirani 1001, Thermo Fisher Scientific Inc.,
Waltham, MA) por 48h a -50ºC sob vácuo. A massa molecular e a pureza dos
peptídeos sintetizados foram confirmadas por espectrometria de massas
MALDI-TOF (Ettan MALDI-MALDI-TOF, GE Healthcare) com a colaboração do Dr. Robson Mello
do Laboratório de Síntese de Peptídeos – LETA – CAT/CEPID – Instituto