UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
-
FENÓTIPO NEUROPSICOLÓGICO DE ADOLESCENTES COM
SÍNDROME DE DOWN
Rosália Carmen de Lima Freire
Rosália Carmen de Lima Freire
FENÓTIPO NEUROPSICOLÓGICO DE ADOLESCENTES COM SÍNDROME DE DOWN
Dissertação elaborada sob orientação da Profª.
Drª. Izabel Hazin e apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Psicologia da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, como requisito
parcial para a obtenção do título de Mestre em
Psicologia.
“E aprendi que se depende sempre. De tanta,
muita, diferente gente. Toda pessoa sempre é a marca das lições diárias de outras tantas pessoas. E é tão bonito quando a gente entende que a gente é tanta gente onde quer que a gente vá. E é tão bonito quando a gente sente que nunca está sozinho, por mais que pense estar.”
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora Izabel, a quem muito admiro, por ter acreditado e confiado
no meu potencial, e por ser para mim um exemplo de competência, ética e dedicação
com a vida acadêmica. Obrigada pela orientação, paciência, apoio e incentivo ao longo
desses anos!
Aos adolescentes com Síndrome de Down, participantes da pesquisa, e à suas
mães, pela disponibilidade e convivência durante os meses de realização do estudo, e
por me proporcionarem diversas aprendizagens que levarei ao longo da minha vida.
Às instituições onde foram realizadas as avaliações, APAE e CRI, e à seus
profissionais, em especial à Suely de Andrade Freire e à Cristina Barbalho, pela
recepção e auxílio na concretização da pesquisa.
Ao NANI, pela ajuda com a correção dos questionários do CBCL, em especial à
professora Cláudia Berlim de Mello e à André Luiz Sousa.
À meus pais, Jozilda e Hermano, por serem meu alicerce, por acreditarem em
mim e por me darem forças nos momentos de maiores dificuldades. Obrigada por todo o
suporte, emocional e financeiro, indispensáveis para que eu pudesse chegar até aqui.
Agradeço também aos meus irmãos, Renata e Raphael pelo apoio oferecido. “Saber que
tenho vocês, me faz continuar”. Amo vocês!
À minha eterna “Psicoturma” (Cibele, Diogo, Hermes, Isabelle, Mayra e Olívia),
pelo inúmeros momentos de alegrias (e tristezas) compartilhados desde o início da
minha graduação até aqui, e por me mostrarem que apesar da distância física os laços de
amizade sempre estarão presentes. “Não foi só ontem, é hoje e depois...”.
À Cibele e Olívia, pela amizade sincera e fiel ao longo de todos esses anos, e
pelo apoio, incentivo e paciência que me ofereceram ao longo desta e de outras
Às amigas Georgia, Heloísa e Olívia pelo incentivo e por terem tornado Natal
um lugar bem mais prazeroso de se viver.
Aos colegas do Laboratório de Pesquisa e Extensão em Neuropsicologia
(LAPEN), pelos aprendizados e contribuições para o desenvolvimento da pesquisa, em
especial à Nietsnie, com quem tive o prazer de compartilhar a trajetória de mestrado.
Às professoras Pompéia Villachan-Lyra e Symone Fernandes de Melo por terem
aceitado a leitura da dissertação e pelas contribuições dela advindas.
À CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior),
SUMÁRIO
LISTA DE TABELAS...viii
LISTA DE FIGURAS...x
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS...xiv
RESUMO...xv
ABSTRACT...xvi
Introdução...17
1. CAPÍTULO I: SÍNDROME DE DOWN: ASPECTOS GERAIS E DESENVOLVIMENTAIS...20
1.1 Síndrome de Down: Aspectos Gerais...21
1.2 Aspectos Neurodesenvolvimentais da SD...27
2. CAPÍTULO II: FENÓTIPO NEUROPSICOLÓGICO DE ADOLESCENTES COM SD...35
2.1. Fenótipos Comportamentais e Neuropsicológicos...36
2.2. Fenótipo Neuropsicológico de Adolescentes com SD...39
2.2.1. Nível Intelectual...41
2.2.2. Linguagem...42
2.2.3. Memória...45
2.2.4. Atenção...51
2.2.5.Funções executivas...52
2.2.6.Aspectos Comportamentais e Sócio-afetivos...53
2.3. Objetivos...57
2.3.1.Objetivo geral...57
2.3.2.Objetivos específicos...57
3.1. Considerações Iniciais...59
3.2. Fundamentos da Avaliação Neurosicológica Luriana...61
3.3. Operacionalização...67
3.3.1. Participantes...68
3.3.2. Instrumentos e Técnicas para a coleta de dados...69
3.3.3.Procedimento...84
4. CAPÍTULO IV: RESULTADOS...89
4.1. Considerações Iniciais...90
4.2. Adolescente 1 – Pseudônimo Lucas...91
4.3. Adolescente 2 – Pseudônimo Larissa...124
4.4. Adolescente 3 – Pseudônimo Thaís...146
4.5. Adolescente 4 – Pseudônimo Marcelo...170
4.6. Adolescente 5 – Pseudônimo Gabriela...193
4.7. Adolescente 6 – Pseudônimo Diogo...215
5. CAPÍTULO V: DISCUSSÃO...237
6. Considerações Finais...274
7.Referências...278
8.Anexos...292
LISTA DE TABELAS
1 Perfil dos adolescentes com SD participantes da pesquisa...68
2 Instrumentos utilizados para avaliação neuropsicológica...69
3 Resultados Quantitativos de Lucas nos Subtestes do WISC III...92
4 Resultados Quantitativos de Lucas nos Índices de QIs do WISC III...93
5 Valores de Referência...93
6 Resultados Quantitativos de Lucas para o teste MPCR...101
7 Resultados Quantitativos de Lucas para o teste Figuras Complexas de Rey...104
8 Resultados Quantitativos de Lucas para o teste RAVLT...109
9 Resultados Quantitativos de Lucas para o TAC...113
10 Resultados Quantitativos de Lucas para o Teste de Fluência Fonológica...114
11 Resultados Quantitativos de Lucas para o Teste de Fluência Semântica...114
12 Resultados Quantitativos de Larissa nos Subtestes do WISC III...125
13 Resultados Quantitativos de Larissa nos Índices de QIs do WISC III...126
14 Resultados Quantitativos de Larissa para o teste MPCR...129
15 Resultados Quantitativos de Larissa para o teste Figuras Complexas de Rey...132
16 Resultados Quantitativos de Larissa para o teste RAVLT...135
17 Resultados Quantitativos de Larissa para o teste TAC...137
18 Resultados Quantitativos de Larissa para o Teste de Fluência Fonológica...138
19 Resultados Quantitativos de Larissa para o Teste de Fluência Semântica...138
20 Resultados Quantitativos de Thaís nos Subtestes do WISC III...148
21 Resultados Quantitativos de Thaís nos Índices de QIs do WISC III...148
22 Resultados Quantitativos de Thaís para o teste MPCR...151
23 Resultados Quantitativos de Thaís para o teste Figuras Complexas de Rey...155
25 Resultados Quantitativos de Thaís para o teste TAC...160
26 Resultados Quantitativos de Thaís para o Teste de Fluência Fonológica...161
27 Resultados Quantitativos de Thaís para o Teste de Fluência Semântica...161
28 Resultados Quantitativos de Marcelo nos Subtestes do WISC III...172
29 Resultados Quantitativos de Marcelo nos Índices de QIs do WISC III...172
30 Resultados Quantitativos de Marcelo para o teste MPCR...176
31 Resultados Quantitativos de Marcelo para o teste Figuras Complexas de Rey...178
32 Resultados Quantitativos de Marcelo para o teste RAVLT...181
33 Resultados Quantitativos de Marcelo para o teste TAC...184
34 Resultados Quantitativos de Marcelo para o Teste de Fluência Semântica...185
35 Resultados Quantitativos de Gabriela nos Subtestes do WISC III...194
36 Resultados Quantitativos de Gabriela nos Índices de QIs do WISC III...195
37 Resultados Quantitativos de Gabriela para o teste Figuras Complexas de Rey...200
38 Resultados Quantitativos de Gabriela para o teste RAVLT...202
39 Resultados Quantitativos de Gabriela para o teste TAC...206
40 Resultados Quantitativos de Gabriela para o Teste de Fluência Semântica...208
41 Resultados Quantitativos de Diogo nos Subtestes do WISC III...217
42 Resultados Quantitativos de Diogo nos Índices de QIs do WISC III...218
43 Resultados Quantitativos de Diogo para o teste MPCR...220
44 Resultados Quantitativos de Diogo para o teste Figuras Complexas de Rey...222
45 Resultados Quantitativos de Diogo para o teste RAVLT...224
46 Resultados Quantitativos de Diogo para o teste TAC...226
LISTA DE FIGURAS
1 Cariótipo de cromossomo com trissomia do 21 por não-disjunção...24
2 O método de diagnóstico e intervenção neuropsicológica de Luria...64
3 Erro cometido por Lucas ao montar o Item 1 (menina) do subteste Armar Objetos....97
4 Extrato do problema B8 do MPCR...102
5 Extrato do caderno de Lucas (cópia do quadro)...104
6 Cópia de Lucas da Figura Complexa de Rey...107
7 Reprodução de memória de Lucas da Figura Complexa de Rey...107
8 Protocolo do TAC (Parte 3) de Lucas...114
9 Resultados de Lucas para a Escala de Competências Sociais...116
10 Resultados de Lucas para a Escala de Síndromes...117
11 Resultados de Lucas para a Escala de Problemas Internalizantes, Escala de Problemas Externalizantes e Problemas Totais...117
12 Resultados de Lucas para a Escala Orientada pelo DSM-IV...118
13 Resultados de Lucas para a Escala Orientada pelo DSM-IV...118
14 Desenho de Lucas de tema “Eu e meus amigos”...122
15 Desenho de Lucas de tema “Eu e minha escola”...124
16 Item 20 do subteste Completar Figuras do WISC III...128
17 Extrato do subteste Código do WISC III feito por Larissa...129
18 Extrato do problema B5 do MPCR...130
19 Extrato do caderno de Larissa...132
20 Cópia de Larissa da Figura Complexa de Rey...133
21 Reprodução de memória de Larissa da Figura Complexa de Rey...133
22 Resultados de Larissa para a Escala de Competência Social...139
24 Resultados de Larissa para a Escala de Problemas Internalizantes, Escala de
Problemas Externalizantes, e Problemas Totais...140
25 Resultados de Larissa para a Escala Orientada pelo DSM-IV...141
26 Resultados de Larissa para a Escala Orientada pelo DSM-IV...141
27 Desenho de Larissa de tema “Eu e minha escola”...144
28 Desenho de Larissa de tema “Eu e minha família”...145
29 Desenho de Larissa de tema “Eu e meus amigos”...146
30 Erro cometido (e após corrigido) por Thaís ao armar o Item 1 do subteste Armar Objetos...150
31 Extrato do problema Ab4 do MPCR...153
32 Cópia da Figura Complexa de Rey feita por Thaís...156
33 Reprodução de memória da Figura Complexa de Rey feita por Thaís...156
34 Resultados de Thaís para a Escala de Competências Sociais...162
35 Resultados de Thaís para a Escala de Síndromes...162
36 Resultados de Thaís para a Escala de Problemas Internalizantes, Escala de Problemas Externalizantes, e Problemas Totais...163
37 Resultados de Thaís para a Escala Orientada pelo DSM-IV...163
38 Resultados de Thaís para a Escala Orientada pelo DSM-IV...164
39 Desenho de Thaís de tema “Eu e minha escola”...166
40 Desenho de Thaís de tema “Eu e minha família”...167
41 Desenho de Thaís de tema “Eu e meus amigos”...169
42 Extrato do Subteste Código do WISC III feito por Marcelo...175
43 Extrato da avaliação de Marcelo cedida pela sua mãe...177
44 Cópia da Figura Complexa de Rey de Marcelo...179
46 Resultados de Marcelo para a Escala de Competências...187
47 Resultados de Marcelo para a Escala de Síndromes...187
48 Resultados de Marcelo para a Escala de Problemas Internalizantes, Escala de Problemas Externalizantes, e Problemas Totais...188
49 Resultados de Marcelo para a Escala Orientada pelo DSM-IV...188
50 Resultados de Marcelo para a Escala Orientada pelo DSM-IV...189
51 Desenho de Marcelo de tema “Eu e minha escola”...192
52 Desenho de Marcelo de tema “Eu e minha família”...193
53 Desenho de Marcelo de tema “Eu e meus amigos”...194
54 Extrato do subteste Código do WISC III feito por Gabriela...198
55 Extrato do caderno de Gabriela...201
56 Cópia da Figura Complexa de Rey de Gabriela...202
57 Reprodução de memória da Figura Complexa de Rey feita por Gabriela...202
58 Extrato de Gabriela da Parte 1 do TAC...205
59 Extrato de Gabriela da Parte 2 do TAC...205
60 Resultados de Gabriela na Escala de Competências Totais...207
61 Resultados de Gabriela para a Escala de Síndromes...208
62 Resultados de Gabriela na Escala de Problemas Internalizantes, Escala de Problemas Externalizantes, e Escala de Problemas Totais...209
63 Resultados de Gabriela na Escala Orientada pelo DSM-IV...209
64 Resultados de Gabriela na Escala Orientada pelo DSM-IV...210
65 Desenho de Gabriela de tema “Eu e minha escola”...213
66 Desenho de Gabriela de tema “Eu e meus amigos”...214
67 Desenho de Gabriela de tema “Eu e minha família”...215
69 Cópia de Diogo da Figura Complexa de Rey...223
70 Reprodução de Memória da Figura Complexa de Rey de Diogo...224
71 Extrato do Protocolo do TAC - Parte 1 executado por Diogo...227
72 Resultados de Diogo para a Escala de Competências Totais...229
73 Resultados de Diogo para a Escala de Síndromes...229
74 Resultados de Diogo na Escala de Problemas Internalizantes, Escala de Problemas Externalizantes, e Escala de Problemas Totais...230
75 Resultados de Diogo na Escala Orientada pelo DSM-IV...230
76 Resultados de Diogo na Escala Orientada pelo DSM-IV...231
77 Desenho de Diogo de tema “Eu e minha escola”...233
78 Desenho de Diogo de tema “Eu e minha família”...234
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
APAE Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais
CBCL Child Behavior Checklist
CRI Centro de Reabilitação Infantil
CV Índice Compreensão Verbal do WISC III
DI Deficiência Intelectual
DSM-IV Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - 4º Ed.
DT Desenvolvimento Típico
FE Funções Executivas
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
LAPEN Laboratório de Pesquisa e Extensão em Neuropsicologia - UFRN
MPCR Matrizes Progressivas Coloridas de Raven
OMS Organização Mundial de Saúde
OP Índice Organização Perceptual do WISC III
QI Nível intelectual
QIt QI total
QIv QI verbal
RAVLT Teste de Aprendizagem auditivo-verbal de Rey
RD Índice Resistência à distração do WISC III
SD Síndrome de Down
SN Sistema Nervoso
SNC Sistema Nervoso Central
TAC Teste de Atenção por Cancelamento
VP Índice Velocidade de Processamento do WISC III
RESUMO
A presente pesquisa teve como objetivo contribuir para a caracterização de um fenótipo neuropsicológico de adolescentes com Síndrome de Down (SD). Foi realizado um estudo multicasos de seis adolescentes diagnosticados com SD, sendo três do sexo masculino e três do sexo feminino, na faixa etária de 13 e 14 anos, atendidos em duas instituições da cidade de Natal. Os participantes foram avaliados a partir da metodologia desenvolvida por Luria, sendo esta constituída de quatro etapas complementares. A primeira teve como objetivo a investigação qualitativa do impacto da SD no cotidiano escolar e social dos adolescentes. Foram investigadas as dimensões do comportamento e dos aspectos sócio-afetivos dos integrantes do estudo. Na segunda etapa, os participantes realizaram uma bateria de testes neuropsicológicos com o intuito de identificação de pontos fortes e fragilidades em seu funcionamento cognitivo. A terceira etapa foi incorporada à segunda e teve como objetivo central analisar a qualidade da atividade dos participantes ao longo da avaliação quantitativa, destacando estratégias utilizadas, erros produzidos dentre outros indicadores. Por fim, a quarta etapa refere-se à intervenção junto aos participantes. Apesar desta não ser um objetivo específico do estudo, defende-se que o resultado final desta pesquisa subsidiará a prática significativa de diferentes profissionais que atuam junto a este grupo clínico. Os resultados da primeira etapa ressaltam a presença de dificuldades nos relacionamentos sociais e no cotidiano escolar deste subgrupo. Por sua vez, as etapas dois e três apontam para a presença de dificuldades em tarefas que envolvem o pensamento lógico e abstrato, bem como prejuízos significativos na linguagem expressiva. Em relação à memória visual, observou-se um desempenho melhor em atividades de menor complexidade, ou seja, com menos interferência do funcionamento executivo, notadamente em termos das funções de planejamento e iniciativa. Por fim, destaca-se a presença de lentificação motora e mental, repercutindo significativamente no desempenho de diferentes áreas cognitivas. Nesse sentido, os resultados aqui destacados podem ser considerados enquanto subsídios para intervenções futuras, sugerindo a necessidade do desenvolvimento de projetos que levem em consideração os diferentes aspectos constituintes do sujeito humano, envolvendo não apenas o indivíduo com alterações desenvolvimentais, como também suas famílias, professores, escolas e a sociedade em geral.
ABSTRACT
This research aimed to contribute to the characterization of a neuropsychological phenotype of adolescents with Down Syndrome (DS). A multicases study of six adolescents (three males and three females, aged 13 to 14 years) diagnosed with DS and treated at two institutions in the city of Natal (Brazil), was conducted. Participants were assessed using the methodological approach developed by Luria, which is composed by four complementary stages. The first one aimed to investigate the qualitative impact of DS in school life and social development of the adolescents; dimensions of behavior and social-affective aspects of the members of the study were investigated. In the second stage participants performed a battery of neuropsychological tests in order to identify strengths and weaknesses in their cognitive functioning. The third stage was incorporated into the second in order to analyze the quality of the activity of the participants along the quantitative evaluation, highlighting strategies used, errors produced among other indicators. Lastly, the fourth stage refers to the intervention with the participants. Although this is not a specific objective of the study, it is argued that the outcome of this research will subsidize the practice of different professionals working with this clinical group. The results of the first stage emphasized the presence of difficulties in social relationships and in school life of observed adolescents. In turn, the second and third stages pointed out to the presence of difficulties in tasks involving logical and abstract thinking, as well as difficulties in expressive language. In relation to visual memory, we observed a better performance in activities of lower complexity, ie, with less interference of executive functioning, particularly in terms of the functions of planning and initiative. Finally, it was found motor and mental retardation, affecting significantly the performance related to different cognitive areas. The results highlighted here can be considered as subsidies for future interventions, suggesting the need for developping projects that take into account different aspects constituents of the human subject, involving not only the individual with developmental changes, as well as their families, teachers, schools and society in general.
Introdução
A Síndrome de Down (SD) é a causa genética mais comum de deficiência
intelectual, com incidência aproximada de um para cada 600 a 800 nascimentos vivos
(Brasil – Ministério da Saúde, 2012). Na grande maioria dos casos, esta síndrome está
associada à “trissomia do 21”, que se refere à presença de três cromossomos 21, ao invés de dois, em todas as células do organismo (Rondal, 1993; Silverman, 2007). Esta
alteração na dosagem gênica, por sua vez, é responsável por uma série de
comprometimentos no desenvolvimento neurológico desta população, evidenciado pelo
atraso no desenvolvimento neuropsicomotor e presença de prejuízos variados em suas
funções cognitivas (Schawartzman, 2003).
Alterações no domínio da linguagem são acentuadas nesta população e terminam
por comprometer as trocas sociais (Martin, Klusek, Estigarribia & Roberts, 2009). Além
disto, dificuldades em manter a atenção e deficiências no campo da memória ocasionam
prejuízos diversos na aprendizagem (Lott & Dierssen, 2010). Por outro lado, do ponto
de vista comportamental são descritas como crianças alegres e sociáveis, embora na
adolescência apresentem grande tendência à depressão (Hodapp & Dykens, 2004).
Os aspectos supracitados constituem um padrão de alterações motoras,
cognitivas, linguísticas e sociais característicos da SD que têm sido denominado
fenótipo comportamental (Garzuzi, 2009). Ressalta-se que estudos vêm sendo
realizados com o intuito de estabelecer os fenótipos comportamentais associados a
quadros clínicos específicos (Silverman, 2007). No entanto, identifica-se ainda uma
carência no tocante à realização de investigação mais detalhada do perfil
neuropsicológico destes subgrupos clínicos, notadamente em termos das funções
Neste sentido, o presente estudo tem como objetivo contribuir para a
caracterização de um fenótipo neuropsicológico específico de adolescentes com SD.
Salienta-se, contudo, que a busca pela delimitação de tal fenótipo não exclui a
consideração das dimensões sócio-histórico-culturais que participam da estruturação e
organização das funções cognitivas complexas, mas defende-se aqui que subgrupos
clínicos específicos compartilham entre si características específicas, que podem ter
como base, dentre outras, o domínio biológico.
Conforme ressalta Vygotsky (1997) e Luria (1992), a avaliação da pessoa com
algum tipo de deficiência não deve se limitar, no entanto, apenas aos seus problemas
biológicos, mas abarcar as formas de vida social nas quais estas estão imersas. Na
perspectiva deste estudo, os adolescentes com SD não se reduzem à alteração genética
que apresentam; pelo contrário, as dimensões sócio-históricas, contextuais, familiares e
afetivas interagem dialeticamente com esta, produzindo formas de reorganização e
equilíbrio, de maneira a superá-lo, compensá-lo ou adaptar-se a ele (Anunciação, 2004).
Desta forma, foram igualmente consideradas as dificuldades apresentadas, bem como
aquelas habilidades nas quais os adolescentes com SD atingiram desempenhos
satisfatórios, além de considerarmos os aspectos comportamentais e sócio-afetivos
característicos, e que também influenciam em seus desempenhos.
Geralmente, pesquisas sobre o fenótipo comportamental ou neuropsicológico
concentram-se apenas em uma dimensão (memória, atenção, linguagem) do fenótipo.
Estas descrições detalhadas de um domínio específico de funcionamento são
importantes, porém também podem ser enriquecedoras explorações do desenvolvimento
destas áreas em conjunto, considerados como sistemas integrados, tal como a proposta
Ressalta-se, ainda, o quanto podem ser importantes as descobertas feitas em
relação ao fenótipo neuropsicológico da SD, não apenas para o melhor entendimento
desta síndrome, como também para a oferta de subsídios necessários para o
desenvolvimento de intervenções mais eficazes, a serem utilizadas pelos diferentes
profissionais (médicos, psicólogos, fonoaudiólogos, psicopedagogos, etc.). Somente
com a compreensão deste fenótipo será possível o estabelecimento de intervenções que
focalizem áreas de potencial e minimizem áreas em defasagem, considerando para tanto
o indivíduo como um todo, e não simplesmente um aspecto particular da pessoa
estudada (Fidler, Hepburn & Rogers, 2006).
A seguir, será apresentada a fundamentação teórica do presente estudo. No
primeiro capítulo serão discutidos os aspectos gerais da SD, assim como os aspectos
neurodesenvolvimentais da síndrome. No segundo capítulo, serão introduzidos ao leitor
informações sobre os chamados fenótipos comportamentais e neuropsicológicos,
seguido da descrição do fenótipo neuropsicológico específico de adolescentes com SD.
Posteriormente, serão apresentados os objetivos do estudo e descrito o método,
CAPÍTULO I
–
SÍNDROME DE DOWN: ASPECTOS GERAIS E
1.1. Síndrome de Down: Aspectos Gerais
Os primeiros trabalhos científicos sobre a SD são datados do século XIX,
embora existam especulações de que esta síndrome esteja presente desde os primórdios
da humanidade. Achados arqueológicos dos Olmecas, por exemplo, tribo que viveu na
região do Golfo do México, de 1500 AC à 300 DC, demonstra a existência de
esculturas, gravações e desenhos de crianças e adultos com características muito
semelhantes a de portadores da síndrome. Registros antigos também mostram crianças
com SD retratadas por pintores, como Andrea Mantegna (1431-1506) e Jacobs Jordaens
(1539-1678) (Schwartzman, 2003).
As primeiras referências à SD em documentos médicos são de 1838, quando
Esquirol mencionou a síndrome em um dicionário. Outros registros podem ser
encontrados no livro de Chambers, de 1844, no qual a síndrome é denominada “idiotia
do tipo mongolóide”, e na descrição de Edouard Seguin, entre 1846 e 1866, o qual se
referiu à SD como um subtipo de cretinismo classificado como “cretinismo furfuráceo”
(Schwartzman, 2003; Silva & Dessen, 2002).
Apesar destas descrições iniciais, o reconhecimento da SD como uma entidade
clínica particular somente pode ser estabelecido a partir do ano de 1866, quando John
Langdon Down, no seu conhecido artigo “Observations on an Ethnic Classification of
Idiots” descreveu sistematicamente as características desta síndrome (Schawartzman,
2003). Porém, de acordo com Schawartzman (2003), influenciado pelas escolas
evolucionistas de sua época, em especial a Teoria da Degenerescência, Langdon Down
acabou associando erroneamente a SD com caracteres étnicos, denominando-a
mongolismo, devido a sua semelhança com a raça Mongol (Moreira, El-Hani &
No seu artigo, Down defendia a existência de raças superiores a outras, sendo a
deficiência intelectual característica das raças inferiores (Silva & Dessen, 2002). Em
concordância com o pensamento evolucionista da época, ele acreditava que os
fenômenos patológicos estariam ligados a regressões das raças mais primitivas da
história (Wuo, 2006). Somente em meados do século XX, com o avanço nas pesquisas
genéticas, se reformulou o conceito da SD, mostrando-se que esta não tinha relação com
qualquer degeneração racial. Até isto ocorrer, cientistas de várias nacionalidades,
durante décadas, tentaram encontrar as causas da SD, associando-a à infecções, sífilis,
casamentos consanguíneos, tentativas de aborto, efeitos dos raios-X e fortes emoções
vivenciadas pelas mães ao longo da gestação (Pessotti, 1984).
Em 1932, um oftalmologista holandês chamado Waardenburg sugeriu que a SD
pudesse ser causada por uma aberração cromossômica. Dois anos mais tarde, nos
Estados Unidos, Adrian Bleyer supôs que essa aberração poderia ser uma trissomia.
Contudo, foram necessárias mais de duas décadas para que a causa genética da SD fosse
finalmente esclarecida, quando em 1959, o Dr. Jerome Lejeune e Patricia A. Jacobs, e
seus respectivos colaboradores, descobriram, quase que simultaneamente, a existência
de um cromossomo extra (o cromossomo 21) em indivíduos com SD (Schwartzman,
2003).
A denominação “Síndrome de Down” foi proposta por Lejeune como forma de
homenagear o Dr Langdon Down. Entretanto, antes de receber esse nome, várias outras
denominações foram usadas, tais como imbecilidade mongolóide, idiotia mongolóide,
cretinismo furfuráceo, acromicria congênita, criança mal-acabada, criança inacabada.
Atualmente, recomenda-se a não utilização de nenhum destes termos, visto as suas
das publicações da Organização Mundial de Saúde (OMS), a partir de 1965,
prevalecendo a denominação Síndrome de Down (Silva & Dessen, 2002).
Hoje é bem estabelecido que a SD é um tipo de cromossomopatia que ocasiona
um conjunto de manifestações físicas, clínicas e mentais específicas, e que pode afetar
indivíduos de diferentes raças, etnias e classes socioeconômicas (Schawartzman, 2003).
Atualmente, é considerado um dos distúrbios genéticos mais investigados na literatura
mundial, principalmente pela sua alta incidência na população: 1 para cada 800
indivíduos nascidos vivos. No Brasil, estima-se que cerca de 300 mil pessoas sejam
portadoras desta síndrome (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE],
2000).
Geralmente, a SD é ocasionada pela não-disjunção, ou seja, uma falha na
separação correta de um par de cromossomos durante a meiose. Como se sabe, metade
dos cromossomos de cada indivíduo são derivados do pai, e a outra metade da mãe.
Portanto, as células germinativas (espermatozóides e óvulos) possuem apenas a metade
do número de cromossomos (23) encontrados normalmente nas outras células do corpo.
Na não-disjunção, uma célula-filha durante a meiose recebe 24 cromossomos e a outra
22. Uma célula com apenas 22 cromossomos não consegue sobreviver. Por outro lado,
um óvulo ou espermatozóide com 24 cromossomos consegue sobreviver e ser
fertilizado. Quando isso ocorre, o zigoto resultante tem 47 cromossomos, em vez dos 46
usuais. Se este cromossomo extra for o cromossomo 21, condição denominada de
Figura 1. Cariótipo de cromossomo com trissomia do 21 por não-disjunção (Kozma, 2006)
A trissomia do 21 ocorre em cerca de 95% dos casos de SD. No entanto, esta
síndrome também pode ser associada a outros dois grupos de anomalias genéticas: a
translocação e o moisacismo. Na translocação, observa-se a presença de material
cromossômico extra 21 em todas as células do corpo. Porém, este material é ligado a
outro par cromossômico que não o par 21 (muitas vezes, ao cromossomo 14). Este tipo
de anomalia é verificado em cerca de 4% dos casos de SD. Já no mosaicismo, ocorre
uma variação no número extra de cromossomos 21 em determinadas células, sendo
outras consideradas normais. Há comprovações de que 1% dos casos de SD refere-se a
este subgrupo de anomalias (Fávero & Oliveira, 2004; Rondal, 1993).
Embora a causa genética da SD seja conhecida desde 1959, o mecanismo pelo
qual a cópia extra cromossomo 21 (ou de regiões críticas dele) resulta na interrupção do
desenvolvimento típico ainda não é bem estabelecido. Uma das hipóteses que tem sido
de certos produtos biológicos. Assim, o desbalanço de dose global ou num pequeno
número de genes do cromossomo 21 seria o responsável pela emergência do fenótipo da
SD (Moreira et al., 2000).
Ainda hoje se busca descobrir quais seriam os genes que estariam envolvidos no
fenótipo da SD. Depois de anos de pesquisa foi descoberto que apenas uma pequena
porção do cromossomo 21 realmente precisa estar duplicada para gerar os efeitos
verificados: esta é denominada a Região Crítica da SD. Esta região tem sido relatada
como a trissomia da banda cromossômica 21q22, referente ao terço final desse
cromossomo. No entanto, vale ressaltar, que como um modelo de interrupção da
homeostasia gênica que é, a SD afeta não apenas os produtos do cromossomo
trissômico, mas também os de outros cromossomos, ou seja, as contribuições ao
fenótipo provêm de todo o conjunto do genoma não balanceado (Moreira et al., 2000).
Embora ainda não se tenha estabelecido as possíveis causas que levariam ao
nascimento de uma criança com SD, o principal fator de risco, que tem sido
comprovado através de diversas pesquisas, é a idade materna avançada. Observa-se um
aumento exponencial da incidência da SD em mães a partir dos 35 anos, chegando em 1
para cada 30 nascidos vivos em mães com mais de 45 anos (Brito Júnior, Guedes,
Noronha & Silva Júnior, 2011; Schawartzman, 2003). Contudo, cabe ressaltar que estes
dados não descartam a possibilidade de incidência da síndrome em crianças com mães
mais jovens (Silva & Dessen, 2002).
Schawartzman (2003) atenta que grande parte das concepções que envolvem
formações trissômicas, entretanto, não chegam a se desenvolver, ocorrendo
frequentemente abortos espontâneos. Após o nascimento, dados recentes sugerem que
Quando a morte ocorre, ela é associada a malformações congênitas que são comuns
nesta população, principalmente as malformações cardíacas e infecções respiratórias.
Apesar das frequentes alterações em diversos sistemas do organismo, nos
últimos anos tem sido observado um aumento significativo na expectativa de vida desta
população. Isto se deve, principalmente, à ampliação das intervenções médicas com a
oferta de melhores tratamentos clínico-cirúrgicos, que têm sido responsáveis pelo
aumento da expectativa de vida destes indivíduos, possibilitando que esta passasse de
uma média de 12 anos de idade em 1940 para 60 anos ou mais na atualidade
(Contestabile, Benfenati & Gasparini, 2010; Lott & Dierssen, 2010).
Comumente, os médicos são capazes de identificar bebês com SD
imediatamente após o seu nascimento. Eles costumam apresentar expressões fenotípicas
específicas, tais como fissuras palpebrais oblíquas, orelhas pequenas, prega palmar
única, pregas epicânticas, etc. Além das expressões fenotípicas, é comum que crianças e
adolescentes com SD apresentem uma série de comprometimentos clínicos, que
incluem, dentre outros, alterações cardiovasculares, oftalmológicas, auditivas,
gastrointestinais, imunológicas, respiratórias, problemas na tireóide, hipotonia muscular
e distúrbios no sono. Nem todos os indivíduos, no entanto, apresentam estas alterações,
existindo uma enorme variação no que diz respeito aos comprometimentos clínicos
(Moreira et al., 2000; Schawartzman, 2003).
Além das complicações citadas, indivíduos com SD também apresentam
algumas alterações estruturais e funcionais no desenvolvimento do seu sistema nervoso
(SN). Luria e Tskvetkova (1964, citado por Silva & Kleinhans, 2006) já observaram em
sua época que existe uma lesão difusa, assim como uma comunicação neuronal peculiar
no desenvolvimento cognitivo desta população, o que afeta a instalação e as
mecanismos da atenção, memória, capacidade de correlação e análise e do pensamento
abstrato (Macêdo, Lima, Cardoso & Beresford, 2009).
Segundo Lefévre (1988), a SD pode ser enquadrada no grupo das chamadas
encefalopatias não progressivas, ou seja, quadros nos quais à medida que o tempo passa
não se observa acentuação da lentidão do desenvolvimento, e nem agravamento do
quadro. Uma das características mais importantes dessa síndrome é a desaceleração no
desenvolvimento do Sistema Nervoso Central (SNC). O tamanho do cérebro é reduzido,
principalmente o lobo frontal (diretamente envolvido em processos como o pensamento
abstrato, linguagem, comportamento), tronco cerebral (diretamente envolvido em
processos como atenção, vigilância) e cerebelo (diretamente envolvido em processos
como o controle motor). No tópico seguinte, serão discutidos alguns dos aspectos
neurodesenvolvimentais característicos desta síndrome e que contribuem para a
emergência do fenótipo neuropsicológico desta população.
1.2. Aspectos Neurodesenvolvimentais da SD
Como se sabe, o desenvolvimento do Sistema Nervoso (SN) e das funções
neuropsicológicas da criança e do adolescente não é um processo contínuo e
homogêneo, pois depende da interação de variados fatores. O SN constitui-se a partir de
processos complexos, que envolvem programações genéticas, o curso de
desenvolvimento intrauterino, o crescimento neuronal diferenciado das diversas áreas
cerebrais, comunicações celulares, graus de mielinização das estruturas, assim como
interações dialéticas entre o indivíduo e o contexto sócio-histórico-cultural no qual se
encontra inserido. Todos estes aspectos podem auxiliar o cérebro em desenvolvimento a
se reorganizar funcionalmente, mesmo após a ocorrência de lesões (Muszkat & Mello,
Na SD, a presença do cromossomo extra 21 (ou de regiões críticas dele)
associada a esta síndrome, e a consequente alteração na dosagem gênica, acabam
ocasionando diversas alterações no desenvolvimento do SN desta população. A
alteração genética reflete-se, portanto, em modificações nos processos maturacionais
específicos do SN. No entanto, como citado anteriormente, é importante observar que a
constituição cerebral não se reduz apenas à consideração de um determinado aspecto
(determinismo genético), visto que outros fatores (como as experiências com o
ambiente) poderão influenciar o desenvolvimento cerebral e cognitivo destes
indivíduos.
A avaliação das funções neuropsicológicas de crianças e adolescentes com SD
requer, contudo, uma compreensão inicial de como se dá o processo ontogenético destas
e do SN ao longo dos diversos estágios. Isto porque, a SD implica em repercussões para
a organização e estruturação do SN. Nesse sentido, a expressão clínica das disfunções
deverá ser analisada considerando-se os períodos distintos de crescimento neuronal,
mielinização e maturação sequencial das diversas regiões cerebrais. Além disto, as
disfunções neuropsicológicas em crianças e adolescentes sofrem influência de fatores
diversos, fatores estes que também devem ser levados em consideração no diagnóstico e
tratamento (Muszkat & Mello, 2008).
As diferentes fases de desenvolvimento cerebral são caracterizadas, portanto,
por fases rápidas de desenvolvimento, e fases mais lentas, onde há consolidação das
funções que foram desenvolvidas nestas fases mais rápidas. Em crianças de três a dez
meses de idade, as áreas subcorticais são as que possuem um maior desenvolvimento,
assim como as relacionadas com o cerebelo. A partir do décimo mês de vida, estas
últimas terão maior consolidação, mas os circuitos subcorticais ainda serão
crescimento rápido de áreas cerebrais relacionadas a circuitos associativos das regiões
de confluência cerebral e do lobo parietal. Já no que diz respeito às regiões mais
anteriores, como as áreas pré-frontais do cérebro, um maior desenvolvimento se dá
somente a partir dos 10 anos de idade; e a partir dos 14 anos, ocorre maior associação
entre estas e as áreas límbicas (Muszkat & Mello, 2008).
O desenvolvimento neurológico não se limita, no entanto, ao estudo pós-natal. O
desenvolvimento fetal também é essencial, visto que muitos distúrbios neste período
podem desorganizar a sequência de crescimento e maturação desde a 4ª semana de vida
fetal até o nascimento. Mudanças importantes ocorrem a partir do terceiro mês de vida
intra-uterina, como por exemplo, a formação dos ventrículos. A constituição do
hipocampo já está desenvolvida por volta do 4° ou 5° mês pré-natal, como também os
gânglios da base. Por outro lado, no córtex cerebral, somente as áreas correspondentes
ao giro pré-central começam a tomar forma (Muszkat & Mello, 2008).
Poucos foram os estudos que se dedicaram a investigar o desenvolvimento
pré-natal do SN na SD. Os que realizaram este intuito observaram diferenças discretas no
peso encefálico destas crianças. Estes achados também já foram observados em
recém-nascidos, destacando-se que a forma do encéfalo constituía-se similar a das crianças
sem a síndrome, porém, o peso situava-se em faixas inferiores aos da normalidade.
Além disto, observou-se também que entre três e seis meses de idade ocorria uma
desaceleração do crescimento do encéfalo nas crianças com SD, fazendo com que o
peso encefálico destas, em 69% dos casos, fosse situado abaixo dos valores normais
(Schawartzman, 2003; Wisniewski, 1990).
Após o nascimento, as alterações no SN em crianças com SD tornam-se ainda
mais evidentes. Em crianças com desenvolvimento típico (DT), o peso do encéfalo ao
vida, quadruplicando por volta dos quatro anos e, algumas vezes, chegando a
quintuplicar aos 12 anos. Em indivíduos com SD, observou-se uma redução de cerca de
10%-50% do peso encefálico (Schawartzman, 2003; Wisniewski & Rabe, 1986).
Os estudos autópsicos e de neuroimagem, como os de ressonância magnética,
demonstram, portanto, que diversas áreas cerebrais encontram-se reduzidas na SD,
especialmente o lobo frontal, lobo temporal, tronco cerebral, cerebelo e hipocampo
(Contestabile et al., 2010; Ma´ayan, Gardiner & Iyengar, 2006; Menghini, Costanzo &
Vicari, 2011; Pennington, Moon, Edgin, Stedron & Nadel, 2003; Pinter, Eliez, Schimitt,
Capone & Reiss, 2001; Vicari, 2006). Por outro lado, áreas subcorticais, tais como o
núcleo lenticular, e áreas como a substância cinzenta do cortéx parietal posterior e do
cortéx occipital, possuem volumes cerebrais relativamente normais nesta população
(Lott & Dierssen, 2010; Vicari, 2006).
Além da diminuição do volume de áreas cerebrais, relata-se que a citoarquitetura
cortical também se encontra frequentemente irregular em indivíduos com SD. Diversas
camadas não são facilmente definidas, e existem áreas de baixa densidade neuronal que
contrastam com áreas com grande quantidade de neurônios, porém com elementos
celulares de aspecto imaturo. Tais anormalidades estruturais costumam ser
particularmente evidentes na 3ª camada cortical, e em alguns casos mais observadas no
lobo frontal, enquanto que em outros casos, observa-se que os giros pós e pré-centrais
são mais comprometidos (Schawartzman, 2003).
Algumas pesquisas relatam também que a cópia extra do cromossomo 21 pode
afetar o ciclo celular de precursores neuronais durante o desenvolvimento cerebral em
fetos com SD. Como se sabe, o desenvolvimento do SN tem início na vida
intra-uterina, a partir de poucas células do embrião, denominadas células-tronco neurais.
de se dividir milhares de vezes, e serem multipotentes, pois geram as células-mãe
(precursoras neuronais) que por sua vez originam todos os tipos de neurônios e de
células gliais do SN. Assim, ainda no útero, a partir de sucessivas, rápidas e precisas
divisões mitóticas, o SN desenvolve-se chegando a atingir centenas de bilhões de
células (Kolb &Whishaw, 2002; Lent, 2008). Na SD, parece ocorrer, portanto, uma
alteração no “timing” do ciclo da mitose e da taxa de proliferação celular destes
precursores neuronais, o que é evidenciado pela diminuição do processo de neurogênese
que ocorre no cérebro de fetos com esta síndrome (Bhattacharyya, McMillan, Chen,
Wallace & Svendsen, 2009; Contestabile et al., 2010; Guidi et al., 2008).
Cabe ressaltar que o controle preciso do processo de neurogênese é de
fundamental importância para a maturação, assim como o funcionamento do SN.
Durante o desenvolvimento, alterações nesse processo podem ocasionar frequentemente
abortos espontâneos. De acordo com Suzuki, Pereira, Janjoppi e Okamoto (2008), esta
inibição do processo de neurogênese, (acompanhada de apoptose excessiva de
progenitores neurais), que pode ocorrer em cérebros de crianças com SD está
relacionada com a hipoplasia hipocampal comumente observada.
Além da diminuição do número de neurônios, a maneira como estes se
organizam em diversas áreas do SN também é afetada na SD, existindo alterações não
só na estrutura formada pelas redes neuronais, como também nos processos funcionais
de comunicação de um com o outro. Estas alterações podem exercer diversos efeitos
sobre o desenvolvimento inicial nos circuitos cerebrais, prejudicando, por exemplo, a
instalação e consolidação das conexões de redes nervosas necessárias para o
estabelecimento de mecanismos como a atenção, memória, capacidade de correlação e
Outro aspecto importante no desenvolvimento cerebral e que também tem sido
observado com alterações em indivíduos com SD diz respeito à formação de sinapses. A
sinapse é um mecanismo extremamente fino; qualquer desarranjo na quantidade de
neurotransmissores, e na forma e quantidade de receptores podem levar a quadros
cerebrais patológicos. No cérebro de crianças e adolescentes é grande a quantidade de
sinapses, visto a importância dos neurônios estabelecerem conexões entre si, pois
somente a partir da formação das redes neurais é possível o aprendizado (Pinheiro,
2007).
Alterações características podem ser observadas na morfologia das sinapses de
indivíduos com SD. O comprimento sináptico médio, por exemplo, apresenta
modificações durante o desenvolvimento pós-natal do encéfalo, observando-se que a
superfície média por contato sináptico parece ser 20% a 35% menor em indivíduos com
SD do que em controles (Schawartzman, 2003). Como discutido no parágrafo anterior,
o estabelecimento de sinapses anormais pode culminar com o comprometimento das
funções corticais e, consequentemente, da aprendizagem desta população.
O desenvolvimento alterado de estruturas dendríticas tem sido frequentemente
associado a diversas formas de deficiência intelectual, incluindo-se a SD. Como se sabe,
os dendritos constituem-se como as principais estruturas receptivas dos neurônios. De
fato, foi observada uma diminuição no comprimento das ramificações dendríticas em
cérebros de crianças com SD, com anormalidades que são progressivamente adquiridas
durante o desenvolvimento (Contestabile et al., 2010; Macêdo et al., 2009). Como as
espinhas dendríticas são estruturas essenciais para a conectividade cerebral e
plasticidade sináptica dos circuitos, alterações nestas estruturas podem ter impactos
Uma mielinização tardia também tem sido descrita em cérebros de crianças e
adolescentes com SD. Considera-se que a mielinização faz parte dos estágios finais de
maturação ontogenética do SN, se iniciando ainda no útero (sexto mês de vida
intra-uterina), intensificando-se após o nascimento (por volta dos dois anos), e prosseguindo
às vezes até a terceira década de idade. Sabe-se que as diferentes áreas do córtex não
possuem mielinização homogênea. Regiões corticais de mielinização precoce controlam
movimentos relativamente simples ou análises sensoriais, enquanto as áreas com
mielinização tardia controlam as funções mentais superiores. Pode-se afirmar, portanto,
que a mielinização funciona como um índice aproximado da maturação cerebral (Kolb
& Whishaw, 2002).
O atraso no processo de mielinização na SD tem sido observado principalmente
em regiões que apresentam mielinização tardia, como por exemplo, as fibras longas de
associação e fibras intercorticais dos lobos frontais e temporais (Schawartzman, 2003).
Este fato pode estar relacionado, portanto, ao maior atraso no desenvolvimento que
estas crianças e adolescentes apresentam em funções intelectuais superiores, como a
linguagem e memória.
Apesar de atualmente entendermos melhor as diversas alterações nos cérebros de
crianças e adolescentes com SD, a relação entre estas e os prejuízos cognitivos ainda
não é bem compreendida. Tem-se especulado que as dificuldades relatadas de
indivíduos com SD em tarefas linguísticas podem ser explicadas em termos do
comprometimento de estruturas fronto-cerebelares envolvidas na articulação e memória
de trabalho verbal (Vicari, 2006). Já a redução da capacidade da memória de longo
prazo pode estar relacionada com a disfunção temporal e à disfunção do hipocampo, que
parece ser uma das características mais marcantes da SD (Rachidi & Lopes, 2007;
Além disto, a hipoplasia cerebelar (que é associada principalmente com a
hipotonia) e a disfunção motora, também podem ter um papel importante no
desenvolvimento ineficaz de habilidades de aprendizagem (Lott & Dierssen, 2010;
Menghini et al., 2011). Por outro lado, a preservação que é observada na substância
cinzenta do lobo parietal na SD é consistente com a força relatada em tarefas
2.1. Fenótipos Comportamentais e Neuropsicológicos
Ao se estudar a maneira como determinados distúrbios genéticos afetam o
comportamento, estamos abordando uma questão que tem sido denominada fenótipo
comportamental. O termo fenótipo pode ser entendido como o conjunto de
características físicas, morfológicas, fisiológicas e comportamentais de um determinado
organismo. Ele seria a expressão observável da herança genética – genótipo – de um indivíduo. O estudo de fenótipos comportamentais tem como objetivo identificar as
ligações genuínas entre genótipo e fenótipo que terão reflexo direto no comportamento
dos indivíduos (Hodapp & Dykens, 2004; Skuse, 2000).
A hipótese de que existiriam padrões de comportamento geneticamente determinados foi levantada pela primeira vez em 1963, por Money, ao descrever os
déficits visuoespaciais característicos da Síndrome de Turner. No mesmo caminho de
investigação, em 1971, Belmont descreveu algumas características da SD que seriam
específicas para indivíduos com esta síndrome. Em 1976, Nyhan, apresentou o
comportamento de automutilação como sendo típico da síndrome de Lesch Nyhan,
tendo sido o primeiro autor a utilizar o termo “Fenótipo Comportamental” (Artigas -Pallarés, 2002; Artigas--Pallarés, Gabau-Vila & Guitart-Feliubadaló, 2006).
Desde então, diferentes abordagens têm sido utilizadas para estudar os fenótipos comportamentais. As primeiras abordagens definiam os fenótipos como
aspectos comportamentais gerais (cognitivos e sociais) relacionados a uma síndrome
específica de etiologia genética (Courtenay, Soni, Strydom & Turk, 2009). No entanto,
alguns autores preferem relacionar os fenótipos comportamentais com distúrbios
biológicos em geral que, embora possam ser genéticos, não o são exclusivamente. É
possível falar, portanto, de fenótipos comportamentais em doenças não genéticas, como
Atualmente, uma das definições mais bem aceita dos fenótipos comportamentais é a de O'Brien & Yule (1995), que o definiram como um padrão
característico de observações motoras, cognitivas, linguísticas e sociais,
consistentemente associada a um distúrbio biológico. Ao se caracterizar o fenótipo
comportamental de uma síndrome torna-se possível determinar a presença de
comportamentos específicos que juntos, formam uma tipicidade própria daquela
síndrome. No entanto, outros pesquisadores preferem adotar um ponto de vista mais
cauteloso a este respeito, partindo de uma visão probabilística dos fenótipos
comportamentais (Dykens, 1995).
Esta outra abordagem ressalta que os fenótipos comportamentais precisam ser
compreendidos em termos de uma maior probabilidade que indivíduos com uma
síndrome específica possuem de apresentarem comportamentos característicos desta
síndrome, dependendo da interação de fatores genéticos e ambientais (O’Brien, 2006;
Dykens, 1995; Hodapp & Dykens, 2004). Desta forma, como destaca Dykens (1995),
apesar de muitas pessoas com uma síndrome específica apresentarem um
comportamento ou comportamentos característicos da síndrome, como no caso da SD, é
raro observar indivíduos que mostrem todos estes comportamentos típicos. Ao mesmo
tempo, os que os apresentarem não possuirão no mesmo grau ou no mesmo estágio de
desenvolvimento.
Ao constatar que nem todo o indivíduo que tem uma doença genética particular apresentará todos os comportamentos característicos deste transtorno, aplicamos para a
área do comportamento alguns princípios genéticos que há muito têm sido aplicados
para as características físicas. Tanto os profissionais, como aqueles que não são, por
exemplo, consideram as pregas epicânticas como a característica facial por excelência
SD apresentam esta característica. Assim, de modo semelhante, dificilmente
observaremos que todos os indivíduos com uma síndrome particular possuem
igualmente todas as características comportamentais associadas àquela síndrome
(Hodapp & Dykens, 2004).
Desde os anos 90, o número de relatos de fenótipos comportamentais tem aumentado consideravelmente em associação com os avanços no campo da genética.
Contudo, comumente nestes relatos predominam informações sobre nível intelectual e
as manifestações comportamentais mais evidentes, como hiperatividade ou sinais de
autismo. Descrições mais detalhadas sobre alterações de funções corticais superiores,
como memória, atenção, percepção ou habilidades visoconstrutivas, com base em
resultados de avaliações neuropsicológicas, ainda são escassas.
Sabe-se, que para poder determinar o comportamento o gene tem que ter um
impacto estrutural ou bioquímico no SN. Muitas das mudanças moduladas pelos genes
repercutem nos mecanismos básicos do funcionamento cognitivo, os quais, por sua vez,
modelam o comportamento. Dentre as funções cognitivas que podem ser moduladas
pelos genes destacam-se o raciocínio verbal, raciocínio global, capacidades
visuoespaciais, atenção, memória visual, memória auditiva e cognição social
(Artigas-Pallarés et al., 2006).
Desta forma, é de primordial importância a integração de avaliações
neuropsicológicas nas investigações sobre o fenótipo comportamental, a fim de que se
compreenda as bases biológicas da cognição e do comportamento. Uma das principais
razões para o interesse em estudar os fenótipos comportamentais é a esperança que eles
poderiam nos guiar para a compreensão do papel dos genes em padrões
comportamentais especificamente humanos. Não há dúvida de que a partir de pesquisas
desvendados muitos mistérios, ainda ocultos, das chaves do comportamento humano
(Artigas-Pallarés et al., 2006).
2.2. Fenótipo Neuropsicológico de Adolescentes com SD
Nos últimos anos, inúmeras pesquisas têm permitido a caracterização de um
fenótipo neuropsicológico específico para indivíduos com SD. Estes estudos têm como
objetivo realizar uma descrição do perfil de capacidades destes indivíduos, apontando as
suas áreas de forças e de fraquezas (Silverman, 2007). Na medida em quem buscam
descrever estas características, estes estudos se afastam daqueles que buscavam
identificar apenas deficiências no desenvolvimento desta população, procurando, por
sua vez, realizar uma análise minuciosa dos seus processos cognitivos, através de
comparações com outras síndromes genéticas, ou entre a SD e indivíduos com
desenvolvimento típico (DT) (Tsao & Kindelberger, 2009).
O conceito de fenótipo neuropsicológico da SD implica na defesa da existência
de um perfil de desenvolvimento cognitivo específico para esta população (Silverman,
2007). Este perfil, que é provavelmente atribuível a uma super-expressão de um
conjunto de genes que residem no cromossomo 21, inclui, de maneira geral, pontos
fortes em determinadas habilidades, tais como as visuoespaciais, bem como déficits em
outros conjuntos, como as habilidades de linguagem expressiva, memória verbal,
memória explícita, dentre outros (Kogan et al., 2009; Menghini et al., 2011; Tsao &
Kindelberger, 2009; Wang, 1996).
No entanto, quando se faz referência ao fenótipo neuropsicológico da SD, não
significa que se pressuponha a existência um padrão estereotipado e previsível de
desenvolvimento para os indivíduos que possuem esta síndrome. Isto porque, como se
cromossômicas que são observadas, mas também do restante do potencial genético, e de
modo fundamental, das importantes influências do ambiente sócio-cultural
(Schawartzman, 2003). Deste modo, fatores como programas de intervenção precoces,
medicamentos para o tratamento, estilos familiares, acesso aos dispositivos da cultura,
dentre outros, acabam propiciando uma enorme variabilidade no desenvolvimento
cognitivo desta população (Lott & Dierssen, 2010; Silverman, 2007).
Ao se buscar caracterizar o fenótipo neuropsicológico da SD, não se pretende,
portanto, massificar quadros clínicos nem tampouco rotular prognósticos, mas oferecer
informações que estimulem a reflexão sobre as dificuldades que esta população
apresenta com uma maior frequência, bem como as habilidades que elas desempenham
satisfatoriamente (Schawartzman, 2003). Ressalta-se que, a partir deste conhecimento,
será possível o desenvolvimento de estratégias de intervenção cada vez mais eficazes.
Conforme atentam Silva e Kleinhans (2006), as descobertas em relação ao
fenótipo comportamental da SD, incluindo aspectos neuropsicológicos, são
determinantes na organização do trabalho a ser desenvolvido pelos diversos
profissionais que acompanham e promovem intervenções junto a este subgrupo clínico.
Apenas com a compreensão deste fenótipo será possível o estabelecimento de
intervenções que focalizem áreas de potencial e minimizem áreas em defasagem. Na
grande maioria das intervenções que têm sido implementadas é feito o contrário, pois
são trabalhados somente os déficits característicos do fenótipo. Sugere-se então, a
importância da compreensão do fenótipo neuropsicológico como uma conjunção de
forças e como padrão compensatório que deve se constituir de áreas de maior
competência que promovam adaptação.
A seguir, será apresentada uma revisão das pesquisas que têm sido
para caracterizar o fenótipo neuropsicológico de adolescentes com esta síndrome. Serão
discutidos achados neuropsicológicos encontrados em diferentes domínios, tais como
nível intelectual, linguagem, memória, atenção, funções executivas, assim como
aspectos comportamentais e sócio-afetivos.
2.2.1. Nível Intelectual
A deficiência intelectual tem sido descrita como uma das características mais
marcantes do fenótipo neuropsicológico da SD. Geralmente, o nível intelectivo (QI)
destes adolescentes situam-se na faixa classificada entre moderada e grave retardo
mental (QI = 25-55) (Tsao & Kindelberger, 2009; Vicari, 2006). No entanto, é
importante frisar a grande variabilidade que é encontrada nos escores de QI, podendo
variar entre 50 até 60 pontos entre os diferentes indivíduos (Turner & Alborz, 2003).
Um dado que merece atenção e que precisa ser discutido, a fim de se evitar
interpretações errôneas, refere-se ao aparente declínio no QI que pode ser observado à
medida que os indivíduos com SD vão envelhecendo. De acordo com Schawartzman
(2003), este declínio pode ser resultado da forma como o QI tem sido avaliado. Isto
porque, nestas avaliações as crianças e adolescentes com SD são comparadas com
indivíduos de DT da mesma idade, o que não seria o mais adequado, visto que é
necessário que se leve em consideração que o desenvolvimento na SD é mais lento,
sendo esperado que os seus QIs resultem mais baixos se comparados àqueles de pessoas
com DT. Este tipo de comparação, segundo o mesmo autor, acaba desprezando
importantes ganhos que os adolescentes com SD podem estar apresentando em vários
aspectos de seu funcionamento cognitivo.
Ludlow & Allen (1979) ao estudarem dois grupos de crianças com SD (um que
significativas que favoreciam o desenvolvimento das crianças estimuladas. Eles
verificaram um QI médio de 82,7 no grupo estimulado e 66,4 nos controles. Além disso,
de acordo com um acompanhamento escolar posterior, eles verificaram que as crianças
estimuladas foram mais facilmente integradas na escola, sendo que uma proporção
considerável continuou os estudos em escolas regulares (40% em detrimento dos 29%
do grupo controle). Estudos como estes chamam a atenção para a importância da
estimulação precoce na melhoria do desenvolvimento de crianças e adolescentes com
SD, exemplificando a importância de considerar-se a integração entre aspectos
genéticos e sócio-culturais no desenvolvimento humano.
2.2.2. Linguagem
O campo da linguagem tem sido amplamente descrito como uma das áreas que
mais apresenta prejuízos na SD. É comum que crianças, adolescentes e adultos com esta
síndrome possuam dificuldades variadas nas habilidades linguísticas, em especial
devido ao atraso na aquisição e desenvolvimento das habilidades básicas da linguagem
oral. Problemas de acuidade visual e discriminação auditiva, hipotonia da musculatura
orofacial, além de dificuldade de estruturação sintática e atraso no desenvolvimento
motor e cognitivo também contribuem para as dificuldades que são observadas no
desenvolvimento da linguagem desta população (Oliveira, 2010).
Indivíduos com SD possuem um perfil anatômico específico que pode afetar a
produção da fala (Cleland, Wood, Hardcastle, Wishart & Timmins, 2009). A capacidade
de criar as articulações necessárias para a elaboração do discurso, por exemplo, é
prejudicada pela menor cavidade bucal (que frequentemente dá uma impressão de uma
controle motor na produção da fala também dificultam a capacidade de comunicação
(Marder & Cholmáin, 2006; Martin et al., 2009).
Embora o comportamento vocal pré-linguístico pareça ser normal nos bebês,
foram encontrados graves déficits no desenvolvimento da linguagem em crianças e
adolescentes com SD no que diz respeito a aspectos fonológicos e sintáticos (Martin et
al., 2009). Conforme atenta Silverman (2007) padrões de comunicação qualitativamente
atípicos estão associados com a SD a partir de uma tenra idade, sendo encontrados
diversos níveis abaixo do que é observado em crianças de DT com a mesma idade
mental (Contestabile et al., 2010).
A gravidade de comprometimento da linguagem é altamente variável, estando os
diversos componentes do sistema linguístico afetados em um grau diferente. Em geral, a
linguagem expressiva encontra-se mais prejudicada quando comparada com a
linguagem receptiva e/ou compreensão da linguagem (Ypsilanti & Grouios, 2008;
Lanfranchi, Jerman & Vianello, 2009; Menghini et al., 2011; Rondal & Comblain,
1996; Silverman, 2007). Alguns estudos sugerem também uma força relativa na área do
vocabulário receptivo, enquanto o desenvolvimento do processamento sintático e
morfossintático, por outro lado, encontram-se particularmente afetados (Cleland et al.,
2009; Silverman, 2007).
Normalmente, em crianças com SD a emissão das primeiras palavras ocorre em
torno dos 18 meses de idade (o que significa um atraso de quatro meses em relação a
crianças de DT). Segundo Marder e Cholmáin (2006), como estas crianças ao longo do
seu desenvolvimento linguístico apresentam maiores dificuldades em expressar-se
(dificuldades caracterizadas por uma menor clareza de seus discursos e uso simplificado
compreensão da linguagem. Crianças e adolescentes com SD parecem compreender
adequadamente o que é dito, embora o senso comum subestime esta capacidade.
As perdas auditivas que ocorrem em cerca de dois terços das pessoas com SD
também têm sido associadas às dificuldades cognitivas encontradas nestas crianças e
adolescentes (Mantin et al., 2009; Roberts, Price & Malkin, 2007). Quando presentes,
estas perdas podem dificultar a aquisição da linguagem e o desenvolvimento intelectual,
sendo, portanto, imprescindível o seu devido tratamento. No entanto, não se pode
afirmar que estas perdas determinam as dificuldades na linguagem, já que não existem
provas definitivas que o prejuízo nesta área seja consequência da audição
diminuída. Alguns estudos especificamente conduzidos, não encontraram uma
associação entre a perda auditiva e distúrbios linguísticos na SD ou, quando a
encontraram, esta representou apenas uma pequena porcentagem (Vicari, 2006).
Pesquisas vêm indicando que crianças e adolescentes com SD apresentam
preferência, e empregam mais o meio comunicativo gestual em detrimento do meio
verbal, devido às suas dificuldades na linguagem oral (Almeida & Limongi, 2010;
Cunha & Limongi, 2008; Ypsilanti & Grouios, 2008; Vicari, 2006). Os gestos possuem
um papel importante já que funcionam não apenas como elementos de transição de
ações motoras para a linguagem falada, mas também como facilitadores do processo de
produção da fala. Eles fornecem à criança recursos cognitivos extras que permitem que
elas representem e comuniquem ideias mais complexas quando ainda não foram capazes
de fazê-las por meio oral (Almeida & Limongi, 2010).
Nos indivíduos com SD, os gestos possuem uma função social importante, já
que oferecem a estes maiores possibilidades de interação. A utilização dos gestos como
principal meio de comunicação ocorre durante longos períodos em indivíduos com SD,