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Do vestibular ao concurso público? A ADPF nº 186/DF como um precedente para a expansão das ações afirmativas raciais no Brasil

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Academic year: 2017

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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS ESCOLA DE DIREITO FGV DIREITO RIO

GRADUAÇÃO EM DIREITO

CHRISTINE GENEVEVE SILVA BRADFORD

Do Vestibular ao Concurso Público? A ADPF nº 186/DF como um precedente para a expansão das ações afirmativas raciais no Brasil

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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS ESCOLA DE DIREITO FGV DIREITO RIO

GRADUAÇÃO EM DIREITO

CHRISTINE GENEVEVE SILVA BRADFORD

Do Vestibular ao Concurso Público? A ADPF nº 186/DF como um precedente para a expansão das ações afirmativas raciais no Brasil

Trabalho de Conclusão de Curso, sob orientação do professor Diego Werneck Arguelhes apresentado à FGV DIREITO RIO como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito.

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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS ESCOLA DE DIREITO FGV DIREITO RIO

GRADUAÇÃO EM DIREITO

Do Vestibular ao Concurso Público? A ADPF nº 186/DF como um precedente para a expansão das ações afirmativas raciais no Brasil

Elaborado por CHRISTINE GENEVEVE SILVA BRADFORD

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à FGV DIREITO RIO como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Comissão Examinadora:

Nome do orientador: _______________________________ Nome do Examinador 1: _______________________________ Nome do Examinador 2: _______________________________

Assinaturas:

__________________________________________________ Professor Orientador

__________________________________________________ Examinador 1:

__________________________________________________ Examinador 2:

Nota Final: ____________________________

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TERMO DE COMPROMISSO DE ORIGINALIDADE

Eu, CHRISTINE GENEVEVE SILVA BRADFORD, estudante, portadora do RG nº 20.385.683-6, na qualidade de aluna da Graduação em Direito da Escola de Direito FGV DIREITO RIO, declaro, para os devidos fins, que o Trabalho de Conclusão de Curso apresentado em anexo, requisito necessário à obtenção do grau de bacharel em Direito da FGV DIREITO RIO, encontra-se plenamente em conformidade com os critérios técnicos, acadêmicos e científicos de originalidade.

Nesse sentido, declaro, para os devidos fins, que:

O referido TCC foi elaborado com minhas próprias palavras, ideias, opiniões e juízos de valor, não consistindo, portanto, PLÁGIO, por não reproduzir, como se meus fossem, pensamentos, ideias e palavras de outra pessoa;

As citações diretas de trabalhos de outras pessoas, publicados ou não, apresentadas em meu TCC, estão sempre claramente identificadas entre aspas e com a completa referência bibliográfica de sua fonte, de acordo com as normas estabelecidas pela FGV DIREITO RIO.

Todas as séries de pequenas citações de diversas fontes diferentes foram identificadas como tais, bem como às longas citações de uma única fonte foram incorporadas suas respectivas referências bibliográficas, pois fui devidamente informada e orientada a respeito do fato de que, caso contrário, as mesmas constituiriam plágio.

Todos os resumos e/ou sumários de ideias e julgamentos de outras pessoas estão acompanhados da indicação de suas fontes em seu texto e as mesmas constam das referências bibliográficas do TCC, pois fui devidamente informada e orientada a respeito do fato de que a inobservância destas regras poderia acarretar alegação de fraude.

O Professor responsável pela orientação de meu trabalho de conclusão de curso (TCC) apresentou-me a presente declaração, requerendo o meu compromisso de não praticar quaisquer atos que pudessem ser entendidos como plágio na elaboração de meu TCC, razão pela qual declaro ter lido e entendido todo o seu conteúdo e submeto o documento em anexo para apreciação da Fundação Getúlio Vargas como fruto de meu exclusivo trabalho.

Data: _____ de junho de 2016.

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Dedico este trabalho ao meu Deus, todo poderoso, por todas as bênçãos que me proporcionou ao longo desses cinco anos de faculdade, e que não me deixou faltar nada.

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AGRADECIMENTOS

Meu primeiro agradecimento será dirigido à Deus. À Ele seja dada toda glória, toda honra e todo louvor, pois eu nunca teria chegado até aqui se não fosse pela misericórdia de Deus na minha vida. Estudar na FGV foi um presente de Deus no qual serei eternamente grata, principalmente por ter me sustentado a cada ano de estudo e dado forças para conseguir ter a tão sonhada graduação em direito e em uma instituição conceituada que, pelos meus recursos financeiros, nunca teria a oportunidade de adquirir.

À minha querida mãe Maria Aparecida Silva Bradford. Te agradeço por absolutamente tudo! Pelo amor incondicional, pela confiança, por toda educação, principalmente por todos os sacrifícios que não foram poucos. Obrigada por me permitir sonhar e estar do meu lado sempre! Ser sua filha é o maior orgulho que eu tenho e te levarei comigo por toda a vida.

À minha querida tia Mila Gintner que nos deixou para viver na eternidade ao lado do Senhor Jesus, mas enquanto esteve viva me ensinou muito, orgulhando-se dos meus passos.

Às pessoas da família Dale Louise, Christopher, Rute, Nair, Daniele, Alexandre, Graça, Gabriel, Eliana, Thatiane e Jonathas; Solange, Maria Isabel e Marta, que considero mais importantes e como se fossem de meu próprio sangue.

Às minhas melhores amigas de uma vida inteira Gabrielle Costa, Jaqueline Blanco, Isabelle Vargas e Layla Monçores pelo companheirismo e confidencias.

Aos amigos Maitê K. Bittencourt, Maisa Bernachi, Gabriela Maciel, Larissa Costa, Suzana Novais, Helena Sequerra, Giulia Marinho, Amanda Muniz, Julia Rahal, Helena Dobler, Herminia Maia, Luis André Moreira, Breno Botelho, Eduardo Magalhães, Gabriel Dias e Eduardo Campello, que tive oportunidade de conhecer na faculdade e espero que durem a vida toda.

À Fundação Getúlio Vargas, pela oportunidade que me ofereceu de poder estudar nesta instituição de maior excelência do país por meio de uma bolsa de estudos, por toda sua preocupação com os alunos, pela perfeita infraestrutura e serviços prestados.

Ao meu coordenador Thiago Bottino, por absolutamente tudo que fez por mim, seja do momento em que coloquei os meus pés na faculdade até meus últimos meses. Muito obrigada por toda a atenção e créditos que me foram direcionados.

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aos professores Luiz Guilherme Migliora, Márcio Guimarães, Carlos Roberto Jatahy, Melina Rocha, Antônio Maristrello Porto, Danielle Borges, Gustavo Kloh, Sérgio Branco, Luiz Roberto Ayoub, que juntos compõem o corpo docente de maior qualidade que eu já presenciei e que foram fundamentais para a minha formação.

Por fim, mas não menos importante, um agradecimento especial ao meu orientador de excelência Diego Werneck Arguelhes, que aceitou me ajudar nesse trabalho e conduzir meus estudos, permitindo que eu tivesse a oportunidade de trabalhar conjuntamente com ele, profissional de tamanha competência e conhecimento no mundo jurídico.

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“O Senhor é a minha rocha, a minha fortaleza e o meu libertador; o meu Deus é o meu rochedo, em quem me refúgio. Ele é o meu escudo e o poder que me salva, a minha torre alta”.

(9)

RESUMO

O objetivo do presente trabalho é apresentar um breve estudo sobre a análise da constitucionalidade do sistema de cotas raciais implantadas pela Universidade de Brasília a Luz da ADPF 186. Será elucidado a posição inferiorizada da população negra na sociedade brasileira. Além disso, serão abordados: em primeiro lugar, quais foram as ratios decidendis adotadas pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal segundo o critério de Frederick Schauer e; em segundo lugar, analisar se esses fundamentos da decisão seriam suficientes para definir a constitucionalidade das cotas em concursos públicos estabelecidas pela Lei nº 12.990/2014. Por fim, o estudo trará quais os principais pontos que foram discutidos num sistema de ações afirmativas baseada num critério meramente étnico, e se as conclusões trazidas para os vestibulares também se aplicariam ao ingresso na administração pública.

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ABSTRACT

The goal of this paper is to present a brief study on the analysis of the constitutionality of the racial quota system implemented by the University of Brasilia through ADPF 186. It will elucidate the inferiorized position of black people in the Brazilian society. Furthermore, the paper will address: firstly, what were the rationes decidendi adopted by the Ministers of the Supreme Court at the discretion of Frederick Schauer and; secondly, it will examine whether those reasons for the decision would be sufficient to generate the constitutionality of quotas in public servant exams by the law 12.990/2014. Finally, the study will present which were the main points discussed in an affirmative action system based on a purely ethnic criteria, and if the findings brought to the university's admissions exams do also apply to enroll in public administration.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 11

2 ADPF Nº 186/DF: O QUE O SUPREMO DE FATO DECIDIU? ... 16

2.1 ENTENDENDO O OBJETO DA ADPF Nº 186/DF ... 17

2.2 ENTENDENDO UMA RATIO DECIDENDI NA VISÃO DE FREDERICK SCHAUER ... 21

2.3 RATIO DECIDENDI NO STF: PROBLEMAS NA IDENTIFICAÇÃO ... 22

2.4 A RATIO DECIDENDI DE CADA MINISTRO NA ADPF Nº 186/DF ... 24

2.4.1 Ministro Ricardo Lewandowski ... 24

2.4.2 Ministro Luiz Fux ... 27

2.4.3 Ministra Rosa Weber ... 29

2.4.4 Ministra Cármen Lúcia ... 31

2.4.5 Ministro Joaquim Barbosa ... 33

2.4.6 Ministro Cezar Peluso ... 33

2.4.7 Ministro Gilmar Mendes ... 35

2.4.8 Ministro Marco Aurélio de Mello ... 39

2.4.9 Ministro Ayres Britto ... 40

2.5 HOUVE UMA ÚNICA RATIO DECIDENDI NOS VOTOS DOS MINISTROS DO STF? SE NÃO, QUANTAS FORAM POSSÍVEIS DE SE IDENTIFICAR? ... 42

3 LEI Nº 12.990/2014: A NOVA LEI DE COTAS É COMPATÍVEL COM A DECISÃO DA ADPF Nº 186/DF DO STF? ... 45

3.1 ANÁLISE DA LEI Nº 12.990/2014 ... 46

3.2 COTAS RACIAIS EM CONCURSOS: ARGUMENTOS CONTRÁRIOS À ESTA MEDIDA ... 48

3.3 A INSTITUIÇÃO DE COTAS RACIAIS É CONSTITUCIONAL DE ACORDO COM A ADPF Nº 186/DF? ... 50

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 54

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho trata principalmente de questões desenvolvidas na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF nº 186 do Distrito Federal1, acerca da

constitucionalidade da implementação de cotas raciais em universidades. Naquela decisão, o Supremo Tribunal Federal propõe a discussão pautada apenas nas cotas para o ingresso em universidades públicas. Neste trabalho, porém, o objetivo é ir além disso, discutindo a constitucionalidade das ações afirmativas nos concursos públicos.

A partir da ADPF nº 186/DF, será apresentado ao leitor um novo problema: seria possível a instituição do sistema de cotas nos parâmetros trazidos pela ADPF nos concursos públicos?

A Constituição Federal de 1988 (CF/88)2 é a lei suprema e fundamental do Brasil,

trazendo normas e regras básicas que regem todo o ordenamento jurídico para construir um verdadeiro Estado Democrático de Direito3. A Constituição cidadã pode ser entendida como

uma norma dirigente, tendo em vista que, possui grandes linhas programáticas, traçando caminhos, tarefas e objetivos para o Estado e a sociedade4.

Sob esta ótica, a Constituição da República possui diversos princípios acoplados a seu texto que tem como objetivo a sua promoção e implementação social. Assim, logo no início, o art. 3º estabelece os “objetivos fundamentais da República” e, dentre eles, o inciso IV que busca evitar quaisquer meios que gerem preconceitos e discriminações5. Este artigo

demonstra a grande preocupação da Carta Magna em garantir valores do bem-estar da pessoa humana e, da dignidade como imperativo da justiça social6. Além desse artigo, é decisivo para

a presente pesquisa jurídica o caputdo art. 5º da Constituição7, sobre o princípio da igualdade.

1 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. STF. ADPF nº 186, do Distrito Federal. 2012a. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=6984693>. Acesso em: 08 ago. 2015. 2 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/>. Acesso em: 20 abr. 2016.

3 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2012.

4 BARROSO, Luís Roberto. Temas de direito constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 12. 5Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: [...] IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. (BRASIL, 1988, online, grifo do autor).

6 PIOVESAN, Flávia. A proteção dos direitos humanos no sistema constitucional brasileiro. Revista de Direito Constitucional e Internacional, RDCI 45/216, 2003. In:CLÈVE, Clèmerson Merlin; BARROSO, Luís Roberto.

Direito constitucional: teoria geral da Constituição.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 645.

(13)

O princípio da igualdade possui dois vetores: a igualdade formal e a igualdade material. No que tange ao ponto de vista formal, este princípio faz com que todos os cidadãos sejam tratados de forma idêntica perante a lei, dentro dos critérios do ordenamento jurídico brasileiro, sendo vedadas todas as diferenciações arbitrárias e discriminações absurdas8. Já a

isonomia material tem como principal busca a redução das desigualdades9. Neste sentido, é o

comentário de Barroso:

Aliás, a própria Lei Maior desequipara as pessoas com base em múltiplos fatores, que incluem sexo, renda, situação funcional, nacionalidade, dentre outros. Assim, ao contrário do que se poderia supor à vista da literalidade da matriz constitucional da isonomia, o princípio, em muitas de suas incidências, não apenas veda o estabelecimento de desigualdades jurídicas, como, ao contrário, impõe o tratamento desigual.10

A igualdade material (igualdade de fato) vai muito além da formal (igualdade de direito). Esta fica no mero plano normativo (dever ser), enquanto aquela busca se desenvolver também no plano da realidade (ser). A primeira igualdade, desse desenvolve em torno igualdade específica, isto é, busca um tratamento jurídico diferenciado para quem precisa, já a segunda é mera igualdade genérica, pois trata a todos de uma mesma maneira, ignorando o fato de que as pessoas são diferentes.

Ademais, o princípio da isonomia substancial exerce dois papéis fundamentais: a exigência de um tratamento igualitário, além de abranger também o pressuposto trazido pela igualdade formal, ou seja, a proibição de tratamentos discriminatórios11. Este princípio, para o

presente trabalho, é de suma relevância, tendo em vista que não é de hoje que a distribuição desigual de bens na sociedade gera vantagens demasiadas para uns, que só são beneficiados em razão da desigualdade de outros12. Estes “outros”, correspondem as diversas minorias que

integram a sociedade brasileira. No caso em estudo, será enfocado o grupo específico da população afrodescendente, pois mesmo após se passarem mais de 100 anos da abolição da escravatura, eles ainda pertencem à margem da sociedade brasileira.

8 MORAES, op. cit., p. 35.

9 VERUCCI, Florisa. Igualdade formal, igualdade material, ações afirmativas. Brasília: Instituto Teotônio Vilela, 1998, p. 5.

10 BARROSO, op. cit., p. 159.

11 MENDES, Gilmar Ferreira. Os direitos fundamentais e seus múltiplos significados na ordem constitucional.

Revista Jurídica Virtual, n. 14, jul. 2002.

12 ROTHENBURG, Walter Claudius. Igualdade material e a discriminação positiva: o princípio da isonomia.

(14)

De acordo com a última pesquisa realizada pelo IBGE, negros detém 59,2% dos salários dos trabalhadores brancos no ano de 201513. Consoante a isto, a taxa de analfabetismo

é duas vezes maior entre os negros; é o grupo mais atingido com o desemprego e fazem parte do ramo da população que lidera na necessidade possuir bolsa família14.

Inegavelmente são uma “minoria”, não em quantidade, mas em oportunidades, pois em que pese fazerem parte de 54% da população brasileira, são apenas 17% entre os mais ricos do país15. Assim sendo, os serviços de domésticos, empregos informais, e trabalhos

subalternos é o que resta aos “não-brancos” e, no mercado de trabalho a discriminação ainda permanece de forma velada, mas bastante eficiente16. A respeito, exemplifica Theodoro:

A evolução cultural brasileira e o empobrecimento gradativo das antigas famílias tradicionais levaram a mulher de classe média aos bancos escolares, às universidades, bem como às repartições públicas e aos cargos políticos. A mulher negra – empregada doméstica ou babá – possibilitou e possibilita hoje ainda a emancipação econômica e cultural da patroa, em cidades como as nossas, onde a organização dos serviços coletivos de creches é deficiente. E conclui; ‘até mesmo nas famílias que mantiveram a divisão de serviços entre marido e mulher, quem, em geral, executa as tarefas que caberiam à dona-de-casa é a mulher negra.17

Por este motivo, face ao princípio da igualdade, as diferenças de grupos consideradas vulneráveis servem para que haja a implementação de mecanismos que coloquem os negros no mesmo patamar daquela que não precisam de proteção18. É nesse contexto que são

necessárias a introdução das medidas afirmativas na sociedade brasileira.

13 DIFERENÇA cai em 2015, mas negro ganha cerca de 59% do salário do branco. In: UOL Economia. Empregos e Carreiras, publicado em 28 fev. 2016. Disponível em: <http://economia.uol.com.br/empregos-e- carreiras/noticias/redacao/2016/01/28/diferenca-cai-em-2015-mas-negro-ganha-cerca-de-59-do-salario-do-branco.htm>. Acesso em: 29 mar. 2016.

14 SOUZA, Beatriz. 8 dados que mostram o abismo social entre negros e brancos. In: Revista Exame, online, publicado em 20 nov. 2014. Disponível em: <http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/8-dados-que-mostram-o-abismo-social-entre-negros-e-brancos>. Acesso em: 29 mar. 2016.

15 NEGROS representam 54% da população do país, mas são só 17% dos mais ricos. In: UOL Economia. Disponível em: <http://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2015/12/04/negros-representam-54-da-populacao-do-pais-mas-sao-so-17-dos-mais-ricos.htm>. Acesso em: 29 mar. 2016.

16 DA COSTA SILVA, R. M. A Constituição de 1988 e a Discriminação Racial e de Gênero no Mercado de Trabalho no Brasil. International Law, Revista Colombiana de Derecho Internacional, n. 23, 2013, p. 244-247.

17 THEODORO, H. Mito e espiritualidade: mulheres negras. Rio de Janeiro: Pallas, 1996. In: DA COSTA SILVA, R. M. A. Constituição de 1988 e a Discriminação Racial e de Gênero no Mercado de Trabalho no Brasil. International Law, Revista Colombiana de Derecho Internacional, n. 23, 2013, p. 244-247.

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Consideram-se medidas afirmativas as políticas públicas (ou privadas) que têm o fulcro de concretizar o princípio da igualdade material, que visam combater os nefastos efeitos das discriminações raciais, étnicas e sexuais ainda enraizadas no Brasil19.

Portanto, tais ações vieram com um fim de implementar o direito à diferença, isto é, uma igualdade que estabeleça as diferenças entre as pessoas, por entender que todos têm o direito de viver uma vida digna por meio de medidas que os protejam20. A doutrina afirma que

existem duas principais correntes teóricas que explicam a implementação do sistema de cotas: a justiça compensatória, que busca a reparação de uma injustiça ocorrida no passado e a justiça distributiva, que entende que deve haver equidade entre os benefícios e encargos sociais21. Assim sendo, estas ações se materializam como a melhor maneira para a

instrumentalização de direitos fundamentais para todos22.

Inicialmente o sistema de ações afirmativas foi pioneiro na Índia, mas foi bastante desenvolvida nos Estados Unidos da América em meados do século XX, em resposta as manifestações de grupos organizados para o direito civil dos negros. Posteriormente, se espalharam por outros diversos países do mundo e, pela Europa, onde tomaram o nome de discriminação positiva23. No Brasil, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso iniciou este

debate em 1996 no seminário “Multiculturalismo e Racismo: o papel da Ação Afirmativa nos Estados Democráticos Contemporâneos” abordando a necessidade da implementação deste sistema no Brasil24.

Atualmente os principais debates acerca deste tema no Brasil estão pautados nas cotas para universidades, espécie das quais as ações afirmativas são o gênero25. Estão sendo

direcionados muitos debates constitucionais contemporâneos como uma forma de efetivar o direito à educação26 a grupos sociais minorizados27. Cursar o ensino superior é uma das

19 GOMES, Joaquim Barbosa. Ação afirmativa e princípio constitucional da igualdade. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

20 DIAS, op. cit., p. 43.

21 GORCZEVCKI, Clovis; TERRA, Rosane Beatriz Mariano da Rocha Barcelos. O princípio da igualdade na Constituição Brasileira e sua aplicabilidade nas ações afirmativas referentes ao ingresso no ensino superior.

Revista Direito e Justiça, reflexões sociojurídicas, ano VI, n. 9, nov. 2006, p. 121-122.

22 ANNONI, Danielle; LIMA, Fernanda da Silva. As políticas de ações afirmativas para a efetivação de

direitos da minoria negra no Brasil. Rio Grande do Sul: UNISC, 2009. Disponível em: <https://online.unisc.br/seer/index.php/direito/article/viewFile/1181/874>. Acesso em: 30 mar. 2016.

23 OLIVEIRA, Edmundo Alves. Políticas públicas sociais: ações afirmativas como instrumento jurídico para a concretização da igualdade e o acesso à educação. Nucleus, v. 11, n. 1, abr. 2014, p. 223.

24 ANNONI, loc. cit.

25 OLIVEIRA, op. cit., p. 224.

26“Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. (BRASIL, 1988, online).

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melhores maneiras de inclusão social, por isso muitas pesquisas permitem informar que uma pessoa consegue melhor inserção em todos os campos da cidadania, quando possui um maior grau de estudo28. Então, é por este motivo as cotas seriam fundamentais para aumentar o

ingresso dos negros nas universidades, o que automaticamente, ajudaria na diminuição das desigualdades que lhe são impostas há tantos anos.

É a partir de tudo isso que se pauta o primeiro capítulo deste estudo, a análise das percepções acerca da igualdade material; do papel dos afrodescendentes na sociedade e das ações afirmativas como principal remédio para a cura das desigualdades raciais no Brasil. Foi este o caminho que levou o STF julgar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 186, instrumento usado pelo Partido Democratas para declarar inconstitucional a reserva de 20% das vagas com base em critérios étnico-raciais na Universidade de Brasília. Mais do que isso, este capítulo estará focado em discutir os principais pontos da ADPF, bem como a ratio decidendi que direcionou a posição tomada por cada ministro da Suprema Corte.

Quanto ao segundo capítulo, o principal objetivo será traçar um outro parâmetro de aplicação das cotas raciais, isto é, a sua implementação nos concursos públicos. Assim sendo, neste momento do trabalho, será dada especial atenção ao teor da Lei nº 12.990/2014 que reserva aos negros 20% das vagas oferecidas em concursos públicos29 e sua real efetividade

no Brasil atual. Concomitantemente a isto, será tratado este novo problema, isto é, ações afirmativas no âmbito dos concursos a luz dos fundamentos desenvolvidos para ingresso em universidades na ADPF nº 186/DF.

28 PASCHE, Cristiane; SPAREMBERGUER, Raquel Fabiana Lopes. Um olhar para a inclusão: as cotas raciais nas universidades brasileiras e o princípio da isonomia. Novos Estudos Jurídicos, v. 11, n. 2, jul./dez. 2006, p. 241.

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2 ADPF Nº 186/DF: O QUE O SUPREMO DE FATO DECIDIU?

Atualmente o Brasil comporta dois sistemas de controle de constitucionalidade repressivo judicial: o sistema concentrado e o sistema difuso. Enquanto este, oferece a possiblidade de que qualquer juiz ou Tribunal possa realizar o controle; naquele, a competência é apenas do Supremo Tribunal Federal de fazê-lo30. Acresce que, o controle

concentrado possui cinco ações autônomas: Ação Direta de Inconstitucionalidade genérica (ADI)31; Ação Direita de Inconstitucionalidade Interventiva32; Ação Direta de

Inconstitucionalidade por Omissão (ADO)33; Ação Declaratória de Constitucionalidade

(ADC)34 e, por fim, o objeto do presente trabalho, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF)35.

A ADPF é uma das ações do controle concentrado de constitucionalidade que tem “por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público”36. Essa ação possui uma “cláusula de subsidiariedade”37, isto é, a ADPF é uma ação

residual do Controle Concentrado que só será admitida quando não couber nenhuma das outras quatro ações supracitadas38. O STF conceituou esta ação da seguinte forma:

É um tipo de ação, ajuizada exclusivamente no STF, que tem por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público. Neste caso, diz-se que a ADPF é uma ação autônoma. Entretanto, esse tipo de ação também pode ter natureza equivalente às ADIs, podendo questionar a constitucionalidade de uma norma perante a Constituição Federal, mas tal norma deve ser municipal ou anterior à Constituição vigente (no caso, anterior à de 1988). A ADPF é disciplinada pela Lei Federal

30 MORAES, op. cit., p. 744-759.

31 Cf. ADI: art. 102, inciso I, alínea “a” e §2ª da CF/88 e Lei nº 9.868/1999. (BRASIL, 1988; 1999a, online). 32 Cf. ADI Interventiva: art. 36, inciso III da CF/88. (BRASIL, 1988, online).

33 Cf. ADO: art. 103, §2º da CF/88. (BRASIL, 1988, online).

34 Cf. ADC: art. 102, inciso I, alínea “a” e §2ª da CF/88 e Lei nº 9.868/1999. (BRASIL, 1988; 1999a, online). 35 Cf. ADPF: art. 102, §1º da CF/88 e Lei nº 9.882/1999. (BRASIL, 1988; 1999b, online).

36Art. 1º. A arguição prevista no §1º do art. 102 da Constituição Federal será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público. Parágrafo único. Caberá também arguição de descumprimento de preceito fundamental: I - quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição; (Vide ADIN 2.231-8, de 2000); II – (VETADO)”. (BRASIL, 1999b, online, grifo do autor).

37“Art. 4º. [...] § 1º Não será admitida arguição de descumprimento de preceito fundamental quando houver

qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade”. (BRASIL, 1999b, online, grifo do autor).

38 COSTA, Aldo de Campos. A toda prova ADPF pode evitar ou reparar o dano a preceito fundamental.

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9.882/99. Os legitimados para ajuizá-la são os mesmos da ADI. Não é cabível ADPF quando existir outro tipo de ação que possa ser proposto.39

É importante ressaltar que a Lei nº 9.882/1999 não definiu o que seriam “preceitos fundamentais”, por isso, coube a jurisprudência e a doutrina complementar tal conceituação, que é importante para entender o próprio objeto da ADPF. De acordo o entendimento doutrinário majoritário, preceitos fundamentais são normas de valores superiores na Constituição. Alguns doutrinadores entendem que, fazem parte desses preceitos: os limites materiais decorrentes das cláusulas pétreas (art. 60, §4º da CF/88); os princípios sensíveis que permitem intervenção federal ou estadual caso sejam violados (art. 34, da CF/88); os direitos fundamentais (art. 5º da CF/88) e os princípios fundamentais (art. 1º a 4º da CF/88).40

2.1ENTENDENDO O OBJETO DA ADPF Nº 186/DF

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF nº 186 do Distrito Federal41, foi proposta pelo Partido Político dos Democratas (DEM), tendo em vista que é um

39 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. STF. Glossário Jurídico. Arguição de Descumprimento de Preceito

Fundamental (ADPF). Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/glossario/> Acesso em: 03 abr. 2016. 40 SILVA, Marcos Luiz da. A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental e o conceito de “preceito fundamental”. Biblioteca Digital Jurídica, Supremo Tribunal de Justiça, Brasília, 2011. Disponível em: <http://bdjur.stj.jus.br/jspui/bitstream/2011/63409/arguicao_descumprimento_preceito_silva.pdf>. Acesso em: 04 abr. 2016, p. 12.

41 EMENTA: ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. ATOS QUE

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ente ativo legitimado para propor esta determinada ação, conforme dispõe o art. 103, VIII da CF/88 e art. 2º, inciso I da Lei nº 9.882/1999. No entanto, em 26 de abril do ano de 2012 o relator Ministro Ricardo Lewandowski e os demais Ministros do Supremo Tribunal Federal julgaram, em Sessão Plenária, a total improcedência dessa ADPF42.

O legitimado ativo propôs a Arguição, com pedido de liminar, com fulcro de declarar inconstitucionais os atos da Universidade de Brasília (UNB), do Centro de Promoção de Eventos da Universidade de Brasília (CESPE) e do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da Universidade de Brasília (CEPE). Tais atos foram objeto de impugnação em uma ação objetiva porque estabeleceram um sistema de reserva de 20% (vinte por cento) das vagas do vestibular baseados no critério étnico-racial, isto é, apenas para negros e índios43. Para isso, o

arguente trouxe os seguintes argumentos para corroborar sua tese:

1. Os atos proferidos pelos órgãos da Universidade de Brasília trazem uma visão falaciosa acerca da discriminação no Brasil, pois, não está pautada num critério racial, é um problema social. Ademais, violam claramente os seguintes artigos da Constituição Federal: art. 1º, caput, III, 3º, IV, 4º, VIII, 5º, I, II, XXXIII, XLI, LIV, 37, caput, 205, 206, caput, I, 207, caput, e 208, V;

2. A constitucionalidade da implementação de um sistema de cotas para ingresso no ensino superior nunca teve uma posição majoritária e pacifica entre os julgadores de primeira e segunda instâncias;

3. Estas políticas afirmativas nos moldes que estão sendo implementadas pela UNB não são necessárias no Brasil. Além disso, geram um “racismo institucionalizado” nos moldes praticados na África do Sul, Ruanda ou Estados Unidos, o que não se enquadraria neste país. Existe um grande problema na importação de critérios usados pelos Estados Unidos ou pelos critérios usados em Ruanda, pois, tais modelos geraram vultuosas segregações entre os diferentes grupos raciais;

4. “Ninguém é excluído no Brasil, pelo simples fato de ser negro”. As cotas simplesmente baseadas em um critério racial ofendem o princípio da igualdade, tendo em vista que, discriminam os brancos e pobres, e beneficiam a classe média negra;

instituídas em prol de determinado grupo social, mas em detrimento da coletividade como um todo, situação – é escusado dizer – incompatível com o espírito de qualquer Constituição que se pretenda democrática, devendo, outrossim, respeitar a proporcionalidade entre os meios empregados e os fins perseguidos. VIII – Arguição de descumprimento de preceito fundamental julgada improcedente”. (STF, 2012a, online).

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5. As cotas raciais usam como fundamento a “Teoria da Justiça Compensatória” as injustiças cometidas no passado. Porém, tal teoria não pode ser utilizada dessa forma, pois, não é possível que as gerações atuais sejam responsabilizadas pelos desacertos do passado;

6. Não é possível adotar um juízo crítico “birracial” no Brasil, tendo em vista à realidade de intensa miscigenação no país. Assim, há clara manipulação dos dados que afirmam que só 3% dos negros estudam cursam o ensino superior, isso porque, incluem-se pardos somados aos negros para que se pareça que a população negra é quase metade da população, o que na verdade não é.44

Semelhantemente, os arguidos prestaram algumas informações no sentido de que a proibição da discriminação para ser efetiva deve vir atrelada a medidas que agenciem a igualdade. Além disso, mesmo que existam normas que vedem o racismo, isso, por si só não impede que a discriminação racial fosse difundida no Brasil de forma camuflada. As políticas de ações afirmativas, para negros, para o ingresso em faculdades seriam uma medida essencial para a promoção da democratização do ensino, visto que este grupo sofre discriminação pela sua cor de pele. Ademais, tais cotas são de suma importância para o país até que sejam eliminadas todas as restrições para um grupo que compõe quase 50% da população, mas apenas 2% dele está cursando a universidade.45

Posteriormente a Procuradoria-Geral da República proferiu parecer pela improcedência da ADPF, entendeu-se que “a Constituição de 1988 insere-se no modelo do constitucionalismo social, no qual não basta, para a observância da igualdade, que o Estado se abstenha de instituir privilégios ou discriminações arbitrárias”. Segundo o parquet se faz necessário a existência de políticas concretas afim de beneficiar grupos desfavorecidos para que se garanta a igualdade tal como prevista na Carta Constitucional.46

Em posicionamento análogo, a Advocacia Geral da União, argumentou no sentido de que não se pode ignorar o fato de que a discriminação racial no Brasil se dá de forma latente. Então, “a mera existência de outros meios mais brandos de possível adoção não é argumento apto a qualificar a sistema de cotas como desnecessário ou desmedido”. Assim sendo, defendeu a integral constitucionalidade das cotas baseadas em critérios étnicos-raciais.47

44 STF. 2012a, p. 11-12.

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Em consequência da enorme relevância social do assunto, diversos foram as participações de colaboradores como o amicus curriae. Foram estes: Educação e Cidadania de Afrodescendentes e carentes (EDUCAFRO); Fundação Cultural de Palmares; Movimento Negro Unificado (MNU); Movimento Pardo-Mestiço Brasileiro (MPMB); Fundação Regional do Índio (FUNAI); Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (IARA e outros); Movimento contra o Desvirtuamento do Espírito da Política de Ações Afirmativas nas Universidades Federais; Instituto de Direito Público e Defesa Comunitária Popular (IDEP); Associação Nacional dos Advogados Afrodescendentes (ANAAD); Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB) e Associação Direitos Humanos em Rede (Conectas – Direitos Humanos).48

Para finalizar, foram difundidos diversos pronunciamentos elucidados na audiência pública que foram trazidos ao caso. Grandes autoridades do governo mantiveram seus discursos a favor das medidas afirmativas, entendeu-se que “as cotas, antes de atentar contra o princípio da igualdade, elas realizam a igualdade material”, fala esta da vice-Procuradora-Geral, Débora Duprat. As ações afirmativas foram vistas de forma positiva para a maior integração de negros e índios na sociedade brasileira. Em observação interessante, o Ministro de Estado da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Edson Santos de Souza, entendeu que: “[...] ser branco pobre e ser negro pobre são conceitos muito diferentes. Este último é discriminado duplamente, tanto por sua situação econômica, quanto pela sua condição racial”. De acordo com ele, “o racismo não pergunta a suas vítimas a quantidade de sua renda mensal”.49

As ações afirmativas seriam fundamentais para uma maior equidade na área de educação, bem como, que as raças consideradas minorias possam estar representadas em todos os espaços de poder e autoridade. Indubitavelmente, para a promoção da igualdade de forma efetiva só com políticas públicas para dar direitos aos desiguais, tendo em vista que, ainda nos dias atuais o espaço acadêmico é muito segregado racialmente. Assim, “[...] onde houver desigualdade, é obrigação e dever moral, ético e constitucional do Estado agir de modo próprio, ainda que de forma extraordinária e excepcional, para a equalização das oportunidades”, é o que expressa José Vicente, pela Sociedade Afro-Brasileira de Desenvolvimento Sociocultural (AFROBRAS).50

48 STF. 2012a, p. 20-25.

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2.2ENTENDENDO UMA RATIO DECIDENDI NA VISÃO DE FREDERICK SCHAUER

Aqui explica-se a utilização de uma Ratio Decidendi em um Tribunal Superior. Neste momento, haverá duas preocupações principais a serem desenvolvidas, quais sejam: (i) o conceito de ratio decidendi – “razão de decidir” e (ii) como identificar uma ratio decidendi numa decisão auferida de um Tribunal. Vale ressaltar que toda interpretação sobre tal tema será analisada com base no capítulo três do livro “Thinking Like a Lawyer: A New Introduction to Legal Reasoning”51 escrito em 2009, pelo ilustre autor e professor de direito

da Universidade de Virgínia (EUA), Frederick Schauer.

De acordo com dicionário jurídico online, da definição inglesa The ratio decidendi is also known as the rationale for a decision”52, diz que,entende-se por precedente judicial toda decisão adotada a partir de um caso concreto que possa obter um núcleo essencial como diretriz para a análise e julgamento de casos similares no futuro53. Afirma-se que o direito é

uma área que, diferentemente das demais, busca basear suas decisões a partir de questões postas no passado. Assim sendo, em muitos momentos, as decisões de juízes devem procurar sempre se basear em decisões anteriores quando estiver diante de casos análogos.54

Neste sentido, espera-se que os tomadores de decisão, quando em um órgão colegiado, planejem escrever suas teses decisórias conforme ditam nos precedentes que foram desenvolvidos sobre o mesmo tema, ou seja, devem ser obedientes as decisões do passado. Segundo Schauer, existem dois tipos de vinculação por precedentes: os precedentes verticais e os precedentes horizontais. Enquanto os precedentes verticais se baseiam na obrigação que os Tribunais inferiores possuem de seguir as decisões dos Superiores; os horizontais demonstram a necessidade de um Tribunal seguir o seu próprio precedente decidido no passado.55

No caso dos precedentes horizontais, também conhecidos como stare decisis, há uma imposição entre o antes e o depois, em que uma decisão se torna superior a decisão atual pelo simples fato de ter sido proferida no passado. Shauer explica que esta obrigação de se utilizar de um precedente existe, não porque o tomador de decisão está convencido de que foi a melhor forma de resolver o caso, mas apenas porque ela é anterior a sua decisão. Entre as

51 SHAUER, Frederick. Thinking like a lawyer: a new introduction to legal reasoning. Harvard University

Press, Cambridge Massachusetts, London, England, 2009.

52 Cf. LEGAL DICTIONARY. The Free Dictionary. Ratio decidendi. Disponível em: <http://legal-dictionary.thefreedictionary.com/ratio+decidendi>. Acesso em: 25 mai. 2016.

53 TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 175.

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razões que poderiam justificar essa prática de seguir uma decisão anterior só por ela existir, o autor cita a eficiência decisória, a segurança jurídica e a estabilidade das decisões.56

A problemática que envolve na escolha de qual é o precedente relevante a ser usado como base está ligada principalmente ao conceito de ratio decidendi. Para Schauer, a ratio decidendi é o fundamento da decisão, o porquê, a razão de o Tribunal ter escolhido determinada tese ao invés de outra. Para o autor, todo precedente traz inerentemente ao seu conteúdo, as justificativas implícitas a conclusão firmada na decisão. Em muitos casos, o próprio Tribunal traz de forma explicita porque decidiu daquela maneira, ou seja, ele próprio explicita regra da decisão, que dessa forma é muito mais fácil de ser identificada.57

O problema ocorre quando a Corte não explicita qual foi a regra jurídica que gerou aquele resultado, deixando ao receptor – o tomador de decisão de hoje - a identificação da mesma. Assim, existem outras questões que também são discutidas ao longo dos votos, mas que possuem um nível de importância muito inferior ao fundamento principal que ocasionou o resultado. Dessa maneira, o professor norte-americano explica que, além da Ratio Decidendi da decisão, existem algumas observações feitas pelos julgadores que não tem importância para o resultado final sendo estas passagens chamadas de dictas. Assim, quando se estiver diante da leitura de um precedente é preciso saber separar o que é apenas dicta (observações por parte dos Ministros sobre questões que não são necessárias para se sustentar o resultado do caso) do que é o verdadeiro fundamento da decisão.58

Como base nas ideias do livro de Frederick Schauer, passa-se a analisar os votos extraídos da ADPF nº 186 do Distrito Federal, observando as posições adotadas por cada um dos Ministros nesta ação, a fim de identificar qual a razão de decidir por detrás delas.

2.3RATIO DECIDENDI NO STF: PROBLEMAS NA IDENTIFICAÇÃO

O Supremo Tribunal Federal vem analisando a cada dia matérias muito complexas e importantes para a sociedade brasileira. Assim sendo, a medida em que os anos passam, crescem em número e em potencial complexidade os processos que chegam para que haja uma resposta da Corte Suprema. É por isso que uma cultura de obediência aos precedentes

56 SHAUER, op. cit.

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seria de grande valia, com os Ministros fazendo seus votos com o intuito deliberado de entender e quem sabe estender suas conclusões para os casos futuros.59

O presente caso acerca das cotas raciais para ingresso da Universidade de Brasília coloca uma questão constitucional difícil, e os Ministros do STF buscaram trazer muitos argumentos através de votos bastante extensos. O presente trabalho buscará fazer uma leitura minuciosa dos votos, o que é fundamental para que se possa exercer um controle democrático mais profundo da atuação do Supremo na ADPF nº 186/DF e em outros casos importantes. Contudo, a busca de uma ratio decidendi nos votos dos ministros em casos difíceis nem sempre é um trabalho fácil.60

O fato de haver uma decisão final unânime, como no caso em questão, não significa, necessariamente, que há uma única ratio decidendi pelo Tribunal. Isso se dá porque, o fato de haver a identificação de um mesmo problema (a necessidade de haver cotas raciais em universidades) nem sempre leva mesma ratio decidendi por todos os Ministros, isto é, por vezes a linha argumentativa pode ser completamente diversa entre ministros que acabam convergindo no mesmo resultado. É o caso do voto do Ministro Gilmar Mendes, que foge quase que por completo das análises feitas pelo relator (Ministro Ricardo Lewandowski), muito embora vote com ele no resultado final.61 Nas palavras de Vojvodic, Machado e

Cardoso:

Note-se, dessa maneira, a dificuldade em se determinar, ainda que em um caso de decisão unânime, qual foi a decisão tomada pelo Tribunal como um todo. Ainda que se entenda que o voto do ministro relator, que guia a tomada de decisão dos demais ministros, tem um peso maior na fundamentação do caso, podendo-se entender que a partir dele seria possível extrair a ratio decidendi, não há como deixar de considerar o fato de que fundamentações conflitantes com o voto do ministro relator relativizam a adequação dessa ratio decidendi ao que foi efetivamente decidido pelo Tribunal. A unanimidade se dá tão-somente com relação ao dispositivo da decisão, o elemento questionado por meio da ADI, mas não se reflete no momento da justificação dessa solução dada pelo Tribunal.62

No caso em questão, será visto que, num processo de argumentação em casos de grande relevância, a linha de argumentação de cada Ministro, mesmo que siga o raciocínio desenvolvido pelo relator, é um processo proeminentemente individual, pois cada um faz a

59 VOJVODIC, Adriana de Moraes; MACHADO, Ana Mara França; CARDOSO, Evorah Lusci Costa. Escrevendo um romance em cadeia, primeiro capítulo: precedentes e processo decisório no STF. Revista Direito GV. São Paulo, jan./jun. 2009, p. 21.

60 Ibidem, p. 25. 61 Ibidem, p. 30.

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sua argumentação própria.63 Assim sendo, será discutido se foi possível identificar

rationes

claras para serem aplicadas a casos futuros que possam vir a ser levados ao STF, como por exemplo, a constitucionalidade de um sistema de cotas raciais no âmbito dos concursos públicos.

2.4A RATIO DECIDENDI DE CADA MINISTRO NA ADPF Nº 186/DF

A ADPF nº 186 do Distrito Federal, como já mencionado, tem como principal tema a ser resolvido a (in)constitucionalidade da implementação do sistema de cotas raciais para o ingresso no vestibular da Universidade de Brasília. O Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal foi o órgão julgador de tal ação. Por isso serão analisados os votos dos nove Ministros do STF: Ricardo Lewandowski (relator), Luiz Fux, Rosa Weber, Cármen lúcia, Joaquim Barbosa, Cezar Peluso, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Ayres Brito (Presidente da Corte em 2012).

No julgamento realizado em 2012, é possível analisar que os Ministros acompanharam por unanimidade o voto proferido pelo relator, tendo em vista seu fundamento de que estas ações afirmativas, proporcionais e razoáveis, seriam de grande importância para a superação das desigualdades histórias entre negros e brancos64. Ocorrendo o voto a favor da

improcedência da ADPF nº 186/DF por nove dos onze Ministros do STF. Não votaram os Ministros Celso de Mello, que cancelou seu voto, e o Ministro Dias Toffoli se declarou impedido sob o fundamento de que, quando era advogado-geral da União, já havia dado parecer favorável a implementação deste sistema.65

2.4.1 Ministro Ricardo Lewandowski

Para desenvolver seu voto, o Ministro fez uma divisão didática em doze tópicos diferentes. Cada um desses tópicos trouxe motivos distintos e relevantes para corroborar sua tese de que o sistema de cotas, tal como implantado na Universidade de Brasília, deveria ser considerado constitucional. Segundo Lewandowski, um tema com esta proeminência deveria

63 VOJVODIC, op. cit., p. 37.

64 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. STF. Publicado acórdão de ADPF sobre cotas raciais na UnB. Notícia

STF, 21 out. 2014. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/>. Acesso em: 06 abr. 2016.

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ser discutido de forma intensa tomando como base princípios de alto valor que são trazidos na Constituição da República do Brasil.66 Nas palavras do Ministro:

A adoção de tais políticas, que levam à superação de uma perspectiva meramente formal do princípio da isonomia, integra o próprio cerne do conceito de democracia, regime no qual, para usar as palavras de Boaventura de Sousa Santos, “[...] temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades.67

Em seu primeiro tópico, buscou trazer a importância observância da igualdade material em detrimento da formal. A mera “igualdade de todos diante da lei” não seria suficiente para lidar com situações em que os indivíduos são diferentes e pertencem a diversos grupos sociais. Para que haja a verdadeira e efetiva superação das desigualdades que permaneceram ao longo da história do Brasil, cabe ao Estado promover políticas e ações afirmativas que tenham base no ideal da igualdade material.68

Em segundo lugar, ideias acerca da justiça distributiva vieram à tona, ou seja, concomitantemente a igualdade material é necessário que haja uma igualdade de oportunidade, no que tange a “participação equitativa nos bens sociais”. De acordo com esta lógica de justiça, os bens devem ser realocados a ponto de que toda a sociedade tenha acesso amplo a eles de maneira igual. Assim sendo, todas minorias que foram colocadas à margem da sociedade, por questões históricas, passariam a ter a possibilidade serem incluídos numa sociedade sob a qual sempre foram excluídos69. Segundo o Ministro:

Ademais, essa metodologia parte da premissa de que o princípio da igualdade não pode ser aplicado abstratamente, pois procede a escolhas voltadas à concretização da justiça social. Em outras palavras, cuida-se, em especial no âmbito das universidades estatais, de utilizar critérios de seleção que considerem uma distribuição mais equitativa dos recursos públicos.70

Ao falar sobre ações afirmativas, o Ministro demonstrou em seu voto que, esta política vem sendo usada desde sua origem para promover igualdade de oportunidade à grupos que desde sempre sofreram com uma “estratificação social”, baseada na exclusão. Além disso, lembrou que em diversos assuntos discutidos pelo próprio STF, este veio sendo a favor destas

66 STF, 2012a, p. 49.

67 SANTOS, Boaventura de Sousa. Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitanismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 56.

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ações71, tendo em vista que, buscam trazer uma discriminação positiva no presente, para

que se alcance a verdadeira igualdade social no futuro.72

Neste contexto, analisou-se também a adoção do critério étnico-racial para as cotas. Segundo o ilustre professor de direito da Universidade de São Paulo, não se deve considerar um critério meramente biológico de raça, mas um conceito histórico-cultural que legitima a superioridade de alguns grupos em detrimento de outros73. Além disso, trouxe diversas fontes

para ratificar sua tese de que o fato de pertencer a determinada raça ou grupo é o que faz com que certos indivíduos sofram discriminação e, por este motivo que negros e pardos ocupam um número reduzido entre os mais altos graus de escolaridade e cargos no país.74

Assim, para autenticar seu entendimento acerca da constitucionalidade da medida adotada pela UNB, Lewandowski lembrou que as Universidades ainda possuem um papel extremamente integrador na sociedade brasileira. Isso porque, são o núcleo de desenvolvimento das altas classes sociais para a instauração de profissionais que certamente ocuparam os altos cargos do país.75 Por este motivo, nos Estados Unidos, mesmo após

diversas discussões, as cotas para ingresso nas Universidades norte-americanas foram consideradas constitucionais por poderem assegurar a plena diversidade cultural entre os estudantes, e o mesmo deveria acontecer no Brasil.76

Para o Ministro o critério adotado na UNB seguiu mecanismos da heterocomposição (analise por terceiros) e o da autodeterminação estão de acordo com a ótica constitucional.77

Além disso, a reserva de vagas em vestibulares também está de acordo com o teor da Constituição, tendo em vista o disposto no art. 37, inciso VIII que permite a reserva de vagas para “pessoas portadoras de deficiência”, logo, visam implantar os valores de igualdade e justiça dispostas no preâmbulo da Carta Magna78. Confirmou, ainda, a constitucionalidade

destas ações, ao dizer que elas são medidas transitórias, isto é, só vão durar dez anos até que a

71 STF, 2012a, p. 56. Também nas falas do Ministro “Lembro, por oportuno, que o Supremo Tribunal Federal, em diversas oportunidades, admitiu a constitucionalidade das políticas de ação afirmativa. Entre os vários precedentes, menciono a MC-ADI 1.276-SP, Rel. Min. Octávio Gallotti, a ADI 1.276/SP, Rel. Min. Ellen Gracie, o RMS 26.071, Rel. Min. Ayres Britto e a ADI 1.946/DF, Rel. Min. Sydnei Sanches e a MC-ADI 1.946/DF, Rel. Min. Sydnei Sanches”.

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distorções históricas possam ser dizimadas79; conforme a proporcionalidade da separação de

20% das vagas totais.80

Dado todo o exposto, é possível identificar que Ricardo Lewandowski argumentou pela constitucionalidade da medida adotada com base na seguinte regra de decisão: o sistema de cotas raciais da UNB é constitucional por força do princípio constitucional da igualdade material. Mais especificamente, como os negros teriam sofrido uma discriminação histórico-cultural no Brasil, essa diferenciação no acesso se justifica porque os integrantes desse grupo mereceriam, hoje, a oportunidade para ingressar na Universidade, considerando também que a universidade tem um papel integrador de desenvolvimento social. Além disso, o ministro ressalta que as cotas baseadas num critério meramente étnico só serão constitucionais a medida em que forem transitórias e proporcionais.

2.4.2 Ministro Luiz Fux

Professor, que a Universidade se pinte de negro, que se pinte de mulato, não só entre os alunos, mas também entre os professores. Que se pinte de operários e de camponeses, que se pinte de povo, porque a Universidade não é patrimônio de ninguém; ela pertence ao povo.81

O trecho acima transcrito está destacado na antecipação do voto do Ministro Luiz Fux e traz as falas vindas diretamente de estudantes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) que em 2012, já tinha dez anos que havia instituído as cotas raciais. Isso demonstra que os próprios alunos confirmam como as ações afirmativas são medidas que só tem a somar ao espaço acadêmico, fazendo com que haja um ambiente universitário mais democrático e justo82. O voto do Ministro vem a ser exposto no mesmo sentido adotado por Ricardo

Lewandowski, isto é, pela improcedência da ADPF ajuizada pelo partido dos Democratas (DEM).83

O magistrado começa suas elucidações por meio de quatro premissas básicas para o “correto enquadramento jurídico-constitucional das políticas de ação afirmativa”. A primeira premissa começa com a forte frase “no Brasil, a pobreza tem cor”, segundo o IBGE 50% da população brasileira é negra, mas são uma porcentagem muito menor no que diz respeito a oportunidades em nas áreas da saúde, da educação e de baixa renda. A segunda alegação

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reforça que não há mera consciência entre a cor da pele e a pobreza, mas isso decorre de uma origem histórica em que, ser negro mostra qual espaço você ocupa na sociedade, isto é, o da marginalização.84

Pela terceira diretriz, reforça a ideia de que a abolição da escravidão no final do século XIX tirou a discriminação institucionalizada, para transformá-la em um preconceito silenciado. Por fim, o quarto axioma do Ministro afirma que, pela a existência clara da diferenciação entre negros e brancos, políticas meramente universalistas, que não levam em consideração a diferença entres os dois grupos, nunca irão resolver o problema de desigualdade racial que é inerente à sociedade brasileira. É necessário que haja o emprego das estratégias de forma correta, pois, apenas as iniciativas racialmente conscientes equalizariam as relações étnicas no país.85

Da análise das medidas afirmativas por meio dos valores implícitos na Carta Magna, Fux deixou claro que o antigo conceito de igualdade formal não é satisfatório para resolver esta diversidade social. Assim, a dimensão substancial da igualdade admitiria a certas minorias a possibilidade de ter o seu “direito à diferença”86 assegurado da melhor maneira.

Além disso, é necessário que se observe o juízo crítico trazido pela justiça compensatória, conforme a redação do art. 3º, I da CF/88, de que cabe a todos os brasileiros a responsabilidade de tentar reparar os erros cometidos no passado, e neste sentido a política de cotas estaria tendo um importante papel.87

Ademais, tais ações afirmativas baseadas em um critério étnico-racial, de maneira nenhuma podem ser vistas como prejuízos aos brancos que dela não se beneficiam diretamente. Esta seria uma premissa deturpada, porque, o que ocorre é exatamente o contrário, o intercâmbio cultural dentro das universidades agrega muito valor aos alunos, que têm poderão conviver com pessoas de diferentes origens sociais e econômicas. Tais políticas, viriam com o objetivo de erradicar o “racismo institucionalizado”88 que desde sempre veio

criando um ambiente segregacionista e elitizado nas faculdades.89 Assim, nas falas do

Ministro Fux, as cotas teriam a seguinte função:

Eis a função da política de cotas: permitir que a universidade seja capaz de formar um corpo discente plural, capaz de abarcar pessoas oriundas de

84 STF, 2012a, p. 105-106. 85 Ibidem, p. 106.

86 PIOVESAN, Flávia. Ações afirmativas: a questão das cotas. In: FERREIRA, Renato (cood.). Ações

afirmativas no Brasil: desafios e perspectivas. Niterói: Impetus, 2011. p. 118-119. 87 STF, op. cit., p. 109-112.

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camadas carentes da população e de minorias desfavorecidas, construindo um futuro promissor em termos de integração e inclusão social.90

O sistema de cotas, tal como foi implantado pela Universidade de Brasília, está de acordo com o ideal de autonomia universitária trazido no art. 207 da Constituição Federal. Ademais, a Lei nº 9.394/96, Lei nº 10.172/01, Lei nº 10.558/02 e Lei nº 10.678/03, Lei nº 12.228/10 e o Decreto nº 65.810/69, trazem em seu teor a autorização de que hajam atos administrativos proferidos por universidades acerca de cotas baseadas no critério racial. Logo, não haveria qualquer vício formal nas medidas administrativas adotadas pela UNB.91

Por fim, Fux destacou nos momentos finais de seu voto que a ideia de raça concebida pela política de cotas não está ligada a uma categoria biológica do ser humano, mas tão somente, a fatores políticos, históricos e culturais que permitiram a criação da altivez de um grupo em detrimento de outro. São os fenótipos e os estereótipos criados e perpetuados ao longo do tempo que permitem a existência de tamanha discriminação para com a população negra, que acabam por serem grupos sempre marginalizados na sociedade. Assim, não haveria qualquer inconstitucionalidade na identificação de características físicas para as cotas em favor dos negros.92

A luz da exposição do voto de Luiz Fux é possível extrair que o fundamento de sua decisão é dizer que há total necessidade de haver um sistema de cotas que se baseie num critério racial, pois, no Brasil, a pobreza está diretamente relacionada com a cor da pele negra. Novamente, a justificativa constitucional da medida é a promoção de igualdade material. O ministro acrescenta ainda – como também já havia observado o ministro Lewandowski – que a medida seria um benefício direto aos negros, mas também um benefício indireto aos alunos brancos, tendo em vista que, a convivência com pessoas de diferentes origens é salutar para desenvolvimento educacional dos alunos.

2.4.3 Ministra Rosa Weber

Identificadas essas desigualdades concretas, a presunção de igualdade deixa de ser benéfica e passa a ser um fardo, enquanto impede que se percebam as necessidades concretas de grupos que, por não terem as mesmas oportunidades, ficam impossibilitados de galgar os mesmos espaços daqueles que desfrutam de condições sociais mais favoráveis. E, sem igualdade mínima de oportunidades, não há igualdade de liberdade. Inegavelmente as possibilidades de ação, as escolhas de vida, as visões de

90 STF, 2012a, p. 115.

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mundo, as chances econômicas, as manifestações individuais ou coletivas específicas são muito mais restritas para aqueles que, sob a presunção da igualdade, não têm consideradas suas condições particulares.93

São por estas palavras que a Ministra Rosa Weber traz seus primeiros posicionamentos acerca da necessidade da inauguração de um sistema de cotas baseadas num critério étnico-racial. Segundo a ilustre Ministra “Para ser livre, é preciso ser igual. Para ser igual, é preciso ser livre”, e esta igualdade só poderá ser plena quando for vista a luz da igualdade material, ou melhor dito da “desigualdade material”. Para ela, esta desigualdade que justifica a presença do Estado de forma positiva que se concretizada pelas cotas, a fim de que se evite que certos grupos sociais sejam beneficiados em detrimentos de outros.94

A Ministra entendeu que a necessidade de o Estado interferir por meio das cotas se move pelo fato de que os negros claramente possuem uma origem histórica que os colocou em uma condição social inferior aos brancos no quesito “oportunidades”. Isso ocorre pelo simples fato de que, segundo dados, negros estão alocados entre a população mais pobre do país e, por isso, não tem a mesma possibilidade de ingressar nas universidades como os brancos. Assim sendo, enquanto a quantidade de negros e brancos pobres for desigual em desfavor dos afrodescendentes haverá clara necessidade de haver um sistema de cotas para os vestibulares das faculdades públicas.95

Neste sentido, o sistema de cotas tal qual previsto na Universidade de Brasília está de acordo com os princípios da proporcionalidade e necessidade, tendo em vista que, o sistema é temporário e se está investindo em educação básica. Assim, o sistema deverá subsistir na medida em que existirem as desigualdades, então “quando o negro se tornar ‘visível’ nas esferas mais almejadas da sociedade, política compensatória alguma será necessária”. Portanto, contempladas pela autonomia didática dada pelo art. 207 de CF/88, as ações afirmativas adotadas pela UNB serviriam para que o Estado tentasse diminuir as desigualdades concretas efetivando o acesso de certas minorias nas universidades.96

Além disso, a Ministra entende que:

As cotas têm cumprido essas três tarefas: acesso ao ensino de grupo representativo que não se via significativamente presente no ensino superior; melhor compreensão da realidade brasileira e das suas condições de mudança; transformação dos meios sociais em que as universidades estão inseridas para propiciar melhores chances sociais para aqueles histórica e

93 STF, 2012a, p. 125.

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socialmente espoliados dessas oportunidades, de acordo com as condições concretas de cada localidade.97

Por fim Rosa Weber traz à tona o fato de que dentro os conceitos de preconceito de origem (discriminação baseada na ascendência) e preconceito de marca, o Brasil se finca neste último. Então, a aparência racial (o simples fato da pessoa ser negra) faz com que ela sofra discriminação, isto é, a pessoa “escura”, de acordo com Oracy Nogueira, sempre se apresentará em uma posição abaixo da pessoa mais clara, tendo em vista que, vive sobre um recorrente critério de preterição advindas de questões ligadas a mero fenótipo.98

Em virtude dos fatos mencionados, entende-se que a ratio decidendi desenvolvida no voto da Ministra em questão, possui como ponto forte o fato das cotas raciais só serem constitucionais a medida em que são provisórias, isto é, somente serão válidas enquanto os negros estiverem em desigualdade em relação aos brancos. Neste sentido, Rosa Weber corrobora seu argumento no fato de que há a necessidade de uma ação positiva por parte do Estado por meio das ações afirmativas universitárias, pois, a história brasileira colocou o negro em posição inferior em relação aos brancos desde a origem da sociedade. Trata-se de uma ratio decidendi bastante convergente com a do ministro Relator.

2.4.4 Ministra Cármen Lúcia

[...] Primeiro, iniciando pela constatação de que, muito cedo, descobre-se, melancolicamente, que a igualdade pode ter a espessura da pele, que isso pode ser um desvalor na vida, como se o critério da melanina fosse o dedal no qual se coteja a dignidade humana em pequenas doses para se vencer o mar do preconceito. E a igualdade, que é tantas vezes decantada, é o princípio mais vezes repetido na Constituição de 1988; vem posto no preâmbulo da Constituição. E como é difícil fazer com que ela se torne efetiva, plena e que tenhamos uma sociedade com igualdade para todos. Quem sofre qualquer tipo de preconceito - e a escolha do verbo é prévia, pois preconceito é sofrimento -, percebe que esses princípios constitucionais viram retóricas repetidas, consentidas na linguagem, mas iludidas na prática.99

A Ministra Cármen Lúcia traz como primeiro ponto do seu voto a ideia de que “a diferença faz parte da vida” e para isso é necessário que se faça uma distinção entre os conceitos de igualdade e igualação. Enquanto a igualdade é algo estático e formal, isto é, que garante os direitos daquele que já está igualado, a igualação, por sua vez, é um processo muito

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