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Os cursos de enfermagem da cruz vermelha brasileira e o início da enfermagem profissional no Brasil.

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Academic year: 2017

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DOCUMENTÁRIO

OS CURSOS DE ENFERMAGEM DA CRUZ VERMELHA BRASILEIRA E O INíCIO DA

ENFERMAGEM PROFISSIONAL NO BRASIL 1

TH E BRAZILlAN REO CROSS TRAINNING SCHOOLS FOR NURSES ANO THE ORIGINS OF PROFESSIONAL NURSING lN BRAZIL

LOS CURSOS DE ENFE RMERíA DE LA CRUZ ROJA BRASILENA Y EL INICIO DE LA ENFERMERíA PROFESIONAL EN BRASIL

Maria Lúcia Mott2 Maria Alice Tsunechiro3

RESUMO: O artigo discute as origens da enfermagem profissional no Brasil e o papel das escolas de enfermagem da Cruz Vermelha Brasileira, criadas no Rio de Janeiro, no período da década de 1 9 1 0 . A pesquisa baseia-se na análise de diferentes tipos de documentos como artigos, manuais de enfermagem, estatutos , relatórios, entre outros. Aponta para a necessidade de se repensar afi rmações crista lizadas n a bibl iografia da H i stória da E nfermagem Brasileira , com rel ação à vinculação entre a chegada ao Brasi l das enfermeiras da M issão Rockefeller e a profissional ização da enfermagem no país e o papel de precursora na formação de e nfermei ras atri bu ído à Escola de Enfermeiras Dona An na Nery, fu ndada no Rio de Janeiro, em 1 923.

PALAVRAS-CHAVE: história da enfermagem , escolas de enfermagem, profissão de enfermagem , Cruz Vermelha Brasileira

ABSTRACT: This article d i scusses the generation of professional nursing i n Brazil and the role of Brazilian Red Cross Training School for N u rses, fou nded in Rio de Janeiro , in 1 9 1 0 . The analysis is based on d iferent sorts of documents such as articles published i n med i cal journals and advertisements published in daily newspapers, n u rsing manuais, statutes, minutes of meeti ngs. It d iscusses recurrent crystallized statements presented i n the H istory of B razilian N u rsing, such as the relation between the profissionalization of n u rsing in Brazil to the arrival of the Rockefeller M ission , and the importance attributed to Dona Anna Nery School of N u rsing, founded in 1 923 in Rio de Janeiro, as the precursor of nursing education i n this country.

KEYWORDS: n u rsing h istory, schools of n u rs i n g , n u rsing profession , B razilian Red C ross

RES U M E N : EI artículo discute los orígenes de la enfermería profesional en Brasil y el papel de las escuelas de enfermería de la Cruz Roja Brasilena, creadas en Rio de Janeiro , en la década d e 1 9 1 0 . La i nvestigación se basa en el análisis de d iferentes ti pos de documentació n , como artículos, manuales de enfermería , estatutos y relatorios. Apu nta la necesidad de repensar afi rmaciones cristalizadas en la b i bliografía d e la H i storia de la E nfermería B rasilena, respecto a la vinculación entre la lIegada ai Brasil de las enfermeras de la Misión Rockfeller y la profesionalización d e la e nfermería en el país y el papel de precu rsora en la formación de las enfermeras atri buido a la Escuela de E nfermeras Dona Anna Nery, fu ndada en Rio, en 1 923.

PALAB RAS CLAVE: h i storia de la enfermería , escuelas de enfermería , profesión d e enfermería , Cruz Roja Brasilena

Recebido em 1 2/06/2002 Aprovado em 22/1 0/2002

1 Uma primeira versão deste trabalho foi apresentada em 2000, no Primeiro Colóquio Latino-Americano de História da Enfermagem, na Escola de Enfermagem Anna Nery, com o título "História da Enfermagem: novas fontes, novas perspectivas".

2 H istoriadora. Doutora em História pela U niversidade de São Paulo, Docente de H istória da Enfermagem na Faculdade Adventista de Enfermagem, São Paulo. Desenvolveu o projeto de Pós-Doutorado sobre os cursos para formação de parteiras e enfermeiras em São Paulo ( 1 880- 1 97 1 ), no Departamento de Enfermagem Materno-I nfantil e Psiquiátrica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo ( 1 999-2000), com financiamento da FAPESP, tendo como supervisora a Profa. Dra. Maria Alice Tsunechiro .

3 Enfermeira . Doutora em E nfermagem p e l a U n iversidade de São P a u l o . Professor Doutor do Departamento d e Enfermagem Materno-Infantil e Psiquiátrica da Escola de Enfermagem d a Universidade de S ã o Paulo.

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INTRODUÇÃO

No Brasil, assim como em outros países, o processo de profissional ização da enfermagem não se deu somente com base na i n corporação e d ivulgação da enfermagem moderna ou "anglo-americana"4. N o entanto, essa é a versão encontrada na quase totalidade dos trabalhos sobre a História da Enfermagem Brasi leira , nos últimos 80 anos.

N a virada do século XIX, os méd icos brasileiros discutiram sobre a necessidade de formação de enfermeiras e enfermeiros , elaboraram projetos e criaram cursos , dada a necessidade que sentiam de pessoal treinado que estivesse a eles subordi nados, que os substitu íssem em determi nadas tarefas e os auxil iassem no atendimento cl í n i co e cirú rgico, em domicílio, hospitais civis e m i l itares, asilos e hospícios, bem como nas campanhas de saneamento organizadas pelo govemo.

Desse modo, no Rio de Janeiro , em novem bro de 1 890, foi criada a Escola Profissional de E nfermei ras e Enfermeiros, no Hosp ício Nacional dos Alienados, desti nada a formar enfe rm e i ros e e nfe rm e i ras para o serviço de hospícios e hospitais civis e m i l itares.

Na década de 1 9 1 0 , a C ruz Vermelha iniciou cursos para formação de enfermeiras voluntárias e profissionais. Em 1 9 1 7 , a Pol i cl ín ica do B otafogo inaugurou u m curso para enfermeiras patrocinado por médicos que funcionou por vários anos (CU RSO PARA E N F E R M E I RAS, 1 9 1 9 , p . 683-4).

Houve, ainda, outras tentativas de criação de cursos de enfermagem, mas ao que parece , só no i n ício da década de 1 920, a idéia foi con cretizada (SANTO S , 1 9 1 6 , p . 8 , BATISTA; BARREI RA, 1 997, p . 3 5 ) . Neste período em q u e o Departamento N acional de Saúde Pública trouxe enfermeiras vinculadas à Fundação Rockefeller, de Nova York, para fundar no Rio de Janeiro uma esco l a , seg u n d o o modelo norte­ americano.

Na França, homens e mulheres empenharam-se na formação de enfermeiras e na abertu ra de diferentes ti pos de cursos .

Segundo Daniéle Senoti er, no i n ício do século XX, havia naquele país, enfermeiras formadas pela Cruz Vermelha. As alunas eram proven i entes da e l ite, o curso era pago e rece b i a m u m a fo rmação m o ra l , com d esta q u e para o devotamento, d isciplina e obediência aos médicos.

Havia, também, as enfermeiras formadas por escolas privadas, em gera l , confessi o n a i s , como a do hospital protestante , de Bordeaux, fu ndada pela Doutora H a m i lton ,

inspirada no modelo das nurses inglesas. As alunas dessas escolas eram moças p rovenientes da burguesia, com sólida fo rmação i n t e l e ctu a l , i d e n tifica d a s com a fi l a n trop i a . Possu íam a u m s ó tempo o d evotamento das religiosas e o conhecimento das práticas científicas.

Além d isso, havia as enfermeiras formadas no setor p ú b l ico (Assistência P ú b l i ca e cursos patrocinados pelos m u n icípios), cujas a l u nas era m recrutadas em um meio socia l e cu ltural mais modesto, recebiam uma formação orga n izada pelos méd icos e d i p lomavam-se em cursos de d u ração variada (oito meses ou dois anos). A autora rel ata que a rel ação e ntre essas e nfermei ras não era cord i a l , em razão de muita rivalidade, troca de insultos, referiam-se umas às outras como "Ies putains", d a Assistência Pública ; "Ies vaches", da Cruz Vermelha. N ão existia apenas diferença na formação profissional e n a origem social , havia ta mbém na remuneração e nas condições de trabalho (SENOTI ER, 1 992 , p .29-3 1 , KN I B I L l ER, 1 984).

D i ferente d a F ra n ç a , o i n í c i o d a enferm a g e m profi s s i o n a l n o B ra s i l , anterior à criação da Escola de E nfermeiras Dona Anna N e ry, é u m tema pouco explorado pelos estud iosos d a H i stória da Enfermagem Brasileira . C rista l izou-se, assim , a i magem q u e esta seria a primeira e ú n ica esco l a d e e nfe rm a g e m capacitada para fo rmar profissionais nas primeiras décadas do século X5. A pesquisa em d iferentes tipos de documentos - artigos publicados em jornais e revistas , anais de cong ressos , correspondênci a , necrológios, regulamentos, currículos e manuais, entre outros - apontou, porém, para a existência de uma série de escolas, destacan do-se , entre elas, a d a Cruz Vermelha Brasileira6. Os pri n cipais objetivos deste artigo são: fornecer elementos para se repensar os pri mórdios da enfermagem profissional no Bras i l ; contri b u i r para o con heci mento das Escolas de Enfermeiras Cruz Vermelha Brasileira, sobretudo, a do Rio de Janeiro .

A análise de u m l ivro didático foi privilegiada, dado o papel q ue essas obras têm na propagação dos pri ncípios considerados fu ndamentais para a formação do aluno, n a u n i formização d o co n h e c i m ento e n a criação de u m a determ i nada tradição d e ensino. Trata-se de "O Livro do Enfermeiro e d a E nfermei ra para uso das pessoas que se destinam à profissão de enfermeiro e das pessoas que cuidam de e nfermos" , de a utoria do médico Getú lio dos Santos, publicado em 1 9 1 6 , que pode ser considerado o primeiro manual para o ensino de enfermagem profissional conhecido,

4 Enfermagem modern a , profissio n a l , nightingaliana e anglo-america na são termos, freqüentemente, usados como sinônimos nos textos escritos por autores brasileiros .

5 Exceção seja feita aos trabalhos de CARVALHO, 1 968, p . 1 5 1 - 1 56, TELLES, 1 963, p . 1 53-1 59, MORE I RA, 1 990, MOTT,

1 999.

6 As pesquisadoras não tiveram acesso aos arquivos da Cruz Vermelha de São Paulo e do Rio de Janeiro. A documentação para este artigo foi pesq uisada na Biblioteca Nacional, no Arquivo e Biblioteca da Escola Anna Nery, no Rio de Janeiro; nas Bibliotecas da Escola de Enfermagem, da Faculdade de Medicina, da Faculdade de Saúde Pública e da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, no Arquivo do Estado, no Arquivo do Jornal «O Estado de São Paulo», na Biblioteca Municipal Mário de Andrade, em São Paulo; e via internet, no arq uivo do Comitê I nternacional da Cruz Vermelha, em Genebra/Suíça. Aproveitamos para agradecer ao Comitê I nternacional pela documentação que nos foi enviada pelo correio.

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Os cursos de enfermagem .. .

escrito por autor brasileiro7.

A CRUZ VERMELHA N O B RASIL

A Cruz Vermelha B rasi leira (CVB ) foi fundada em 1 908, autorizada a iniciar as atividades pelo Decreto nO 2 .380, 31 de dezembro de 1 9 1 0, e recon hecida pela Cruz Vermelha I nternaci onal em 1 9 1 28. A entidade ti n h a , e ntre outros objetivos , presta r d i retamente, ou em auxílio ao G overno, socorros a feridos e enfermos e proteção aos necessitados em caso de calamidade públ ica , quando fossem i nsuficientes os recursos de defesas san itárias habituais. Com petia à diretoria promover e d i ri g i r a i n strução de seus auxi liares e fu ndar escolas de enfermeiras vol u ntárias e profissionais.

Em São Paulo, sob o patrocín io da méd ica Maria Rennotte, a Cruz Vermelha Brasileira fundou , ainda em 1 9 1 2 , cursos para formação de enfermeiras. N o Rio de Janeiro, conforme já foi mencionado, foram criados na mesma década dois cu rsos para o sexo fem i n i n o . O primeiro deles i n iciou­ se em 1 9 1 4 (a aula inaugura l foi proferida no dia 20 de outubro), desti nava-se à formação d e volu ntárias, recebia, em especial, alunas provenientes d a el ite. A duração era de um ano, as aulas eram teóricas e práticas, com estágio nos hospitais e serviços nos dispensários da entidade. Recebiam noções da anatomia, fisiologia, higiene, primeiros socorros, vaci nação , moléstias em gera l , inclusive , sobre epidemias, serviços de rouparia e cozi n h a . Ali estudara m , entre outras personalidades de destaque, Idália Ara újo Porto Alegre e Ed ith de Magalhães Fraenke l .

O segundo começou a fu ncionar oficial mente em 20 de março de 1 9 1 6 , ti nha por objetivo a formação de "enfermeiras profissionais" para trabalhar nos hospitais, casas de saúde e no domicilio (serviço privado) e desti nava­ se a moças, entre 1 8 e 35 anos, proven ientes das camadas menos favorecidas.

As candidatas deveriam apresentar atestado de boa cond uta , atestado médico , declarando não sofrer nenhuma moléstia contag iosa , passar por u m exame de português (leitura e ditado) e de aritmética (quatro operações ). O curso era gratu ito , ti nha a d u ração de dois anos. As aulas eram teóricas e práticas, m i n i stradas por médicos, com exceção de economia domésti ca . No p ri m e i ro a n o , ensinava-se anatom ia, fi siologia, higiene, assistência aos enfermos da

cl ín ica médica ; no segundo, assistência aos enfermos de cl í n ica cirúrg i ca , assistência às m u l h e res e aos recém­ nascidos, administração hospitalar e economia doméstica . As aulas práticas era m dadas em vários lugares, como no dispensário da CVB, na Santa Casa , no Hospital do Exército, na Policl í n i ca M i l itar, n a Santa Casa de Misericórdia, no I n stituto d e P roteção à I nfância e n a Matern idade das Laranjeiras. As a l u nas eram responsáveis por inúmeras ativi dades (servi ços ) , como esteri l ização, l i mpeza dos objetos usados pelos doentes, curativos, costura e tudo mais que fosse determinado pelos médicos (CRUZ VERMELHA BRAS I L E I RA, 1 9 1 8).

Por cerca d e 30 a nos (entre 1 9 1 7- 1 945), a Escola de Enfermeiras d a CVB do Rio de Janeiro foi dirigida por médicos9. Getú l i o dos S a ntos ( 1 88 1 - 1 928) foi um dos pri ncipais professores e d i retor da Escola por vários anos. Natural do Espírito Santo, tinha formação militar, era tenente­ coronel e médico, formado pela Faculdade de Medicina do Rio d e Janeiro com especi a l i zação n a Europa. Foi um batalhador pela causa d a CVB . Além de ensinar nos dois cursos, foi Secretário Geral e D i retor do I n stituto Médico, tendo participado d e d u as Conferências Pan-Americanas patroci nadas pela entidade ( 1 924 e 1 926)'°.

Segundo Getú l i o dos Santos, o motivo que o levou a escrever "O Livro do E nfermeiro e da Enfermeira ( . . . )" foi a falta de l iteratu ra sobre o tema , bem como a inexistência no p a í s de e n fe rm e i ro s e e n fe r m e i ra s c a p a ze s , c o m conhecimentos técn icos e práticos. O livro destinava-se aos alunos e professores, bem como a todos que fossem auxiliar o médico no tratamento dos doentes . Teve boa acolhida do público, visto ter sido reeditado três vezes, entre 1 9 1 6 e 1 928. Vale destacar que, antes de publicar o referido livro, o médico publicou um texto d i rigido às a l u nas do curso Enfermei ras Vol u ntárias d a Cruz Vermelha que, i nfelizmente , não foi localizado" .

A I MAG E M DA E N F E R M E I RA SOB A PERSPECTIVA DO MÉDICO

Para o médico, a profissão de enfermeira não existia no Brasil. Afi rma q u e , até então, praticamente nada tinha sido feito a esse respeito. Expl ica que o título de enfermei ro era empregado para a designar qualquer indivíduo que

7 Outro manual foi publicado quatro anos mais tarde, para os alunos da Escola Profissional de Enfermeiras e Enfermeiros do Hospício Nacional dos Alienados: POSSOLO ( 1 920). O livro também teve boa repercussão, sendo reeditado cinco vezes: 1 920, 1 930, 1 936, 1 939, 1 942. Adolpho Posso lo possuia formação médica e militar, foi chefe do serviço de Cirurgia do Ambulatório Rivadavia Corrêa , livre-docente de Clínica Cirúrgica da Faculdade de Medicina do Rio de Janeíro, capitão médico do Regimento Policial do Estado do Río ( 1 892- 1 893), cirurgião efetivo da Associação dos Empregados do Comércio do Rio de Janeiro (1 903-1 9 903-1 0), cirurgião e diretor da Colônia e Cirurgião de Vargem Alegre. Participou dos estudos e construção do primeiro automóvel ambulância do Rio de Janeiro. Segundo ele mesmo afirma, seu interesse pela formação de enfermeiras datava de muitos anos, desde 1 905, tendo até mesmo feito uma conferência sobre o tema na Associação da Escola de Comércio do Rio de Janeiro.

S A entídade foi fundada em 1 863, em Genebra, na Suíça, a partir do empenho de Henri Dunant, que participou da batalha de Solferino na Itália, com o objetivo de providenciar socorro não partidário para feridos de guerra . Posteriormente, o programa de atividades ampliou-se, incluindo a ajuda a vítímas de desastres e calamidades públicas ( 1 907) e prisioneiros de guerra ( 1 929). 9 Uma questão que merece ser investigada é se a exclusão ou pouca importância dada à Escola da Cruz Vermelha, pelas enfermeiras norte-a meri ca nas da Missão Parsons, não esta ria relacionada, em parte, ao fato da d i reção estar na mão de médicos.

1 0 Ele também se interessou pela pol ítica, tendo se candidatado, algumas vezes, inclusive para presidência do Estado (N ECROLOGIA, 1 929, p.22-3).

"Na bibliografia, verifica-se que o livro tinha o titulo de Lições do Curso Prático de Enfermeiras Voluntárias (SANTOS, 1 9 1 6, p.407).

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t ra b a l h a s s e e m h o s p i ta i s , "a l g u n s d otados d a m a i o r dedicação, outros mu ito a bnegados e todos s e m a menor instrução que a carreira requer" (p.8). "Outros, pela audácia e intevenções contra-ind icadas, concorriam para agravar os males, retardavam a cura , concorrendo, incl usive, para desfechos fatais" (p . 1 1 ). N o exército, embora houvesse o títu lo e o cargo, não havia escolas, o recrutamento era feito por concurso, concurso esse que não tinha cond ições de ser rigoroso dada a d eficiência de estudo dos candidatos.

Apresenta u m a i m agem bastante desfavorável do tra b a l h o das e nfe rm e i ra s tra d i c i o n a i s e d a s I rmãs d e Caridade, que p o d e ser l i d a c o m o reflexo das mudanças que vinham ocorrendo n a prática méd ica e nos hospitais. Na cl ínica civil e privada, diz o médico, a profissão era exercida por m u l heres mad u ra s , curiosas , antigas serventes ou mulheres inválidas, imprestáveis para qualquer outro serviço, s e m n oções de h i g i e n e p e s s o a l , p o s s u i n d o a p e n a s rudimentos da p rática d e cuidar de enfermos. N ão eram enfermeiras na acepção do termo. Eram velhas, "falta-lhes o viço e a fortaleza da mocidade" (p.8) o que acabava por colocar em risco a reputação do médic01 2 •

Quanto às I rmãs de Caridade, que desempenhavam atividades administrativas e de enfermagem nos hospitais, ele se mostra veementemente contra, considerando o trabalho falho. Embora as religiosas se incumbissem de fazer cumprir à risca as determ i n ações que l h es e ram feitas, como a d i sci p l i n a da e nfe rm a ri a , a d i stri b u ição das d i etas, d e medicamentos, das roupas, do trabalho d a s serventes, etc. , não as considerava como enfermeiras pela falta de formação. Mesmo assim - indignava-se o médico -, elas atuavam como enfermeiras! "Não raro é se ouvi r nos nossos hospitais a revelação surpreendente de que a I rmã tal aj uda a anestesia, assiste as operações, etc." (p.225). Mas, a falta de formação, segundo os novos pri n c í pios não era o ú n ico problema apontado. O fato de fazerem voto d e obediência à congrega­ ção, de não terem independência face à religião, comprometia a lealdade que deveriam ter aos méd icos (p.224-5 ).

Ainda que o títu l o do l ivro se destinasse à formação de enfermeiros e enfermeiras, o sexo feminino era preferido, e m razão da c r e n ç a em u m a n a t u re z a e s p e c ífi ca , determinando qual idades i n erentes a cada u m dos sexos. P a ra e l e , os h o m e n s só d everi a m s e r a d m it i d o s nos manicômios e hospitais militares. Atribuía aos representantes do sexo mascu l i n o u m a a m b ição s e m l i m ites, o q u e faci l mente poderia l evar a extra polarem suas fu nções. A educação teórico-prática , mesmo que modesta, era fornecida aos alu nos, e a posse d o d i ploma d e e nfermeiro acabaria por fomentar, desenvolver e facilitar a prática do curandeirismo e o n ú mero d e charlatães. A m u l h e r, d iferentemente do homem, era vista como "mais modesta em suas aspi rações", tendo campos de ação bem mais l i m itados e por ser de natu reza passiva, era capaz de exercer a profissão sem sair de suas atribuições . Outro motivo, para sua preferência pelas enfermeiras, era por considerar a assistência dos que sofrem como sendo uma atri buição fem i n i na "desde sem pre" , uma vocação natural das m u l heres, "como mãe e fi l h a , e a única

compatível com a a bnegação, o zelo e a fidelidade das representantes do sexo fraco" ( p . 1 1 ) . O médico esperava recruta r e nfe rme i ra s e ntre as m u l heres com formação elementar e que precisassem ganhar a vida honestamente ( p . 1 4 , 2 1 ) .

Ao lado das q u a l i dades vistas como femini nas que fariam das m u l heres mel hores e nfermeiras, Getú lio dos Santos traça o perfil físico, i ntelectual e moral da enfermeira ideal. Deveria ser rob usta "a fi m de suporta r o trabalho sem prejud icar a saúde e suportar trabalhos, às vezes, fatigantes, como vig í l i a s p rolongadas" e ter aspecto saudáve l ; ter i n strução suficiente para que compreenda facilmente os ensinamentos que lhe forem ministrados, de maneira a poder a p l icar i ntel i g entemente o q u e l h e for determi nado pelo médico; ter verdadeiro g osto pela profi ssão e não apenas curiosidade de pequenos deta lhes para prestar cuidado aos que sofrem (p. 1 5). Do ponto de vista moral, deveria ter calma, preci são, atenção, espírito de observação, reg ularidade, rapidez de conteúdo, atitude reservada e afetuosa , coragem e devotamento, vencer a repulsa em relação à morte. Deveria acostu mar-se "a ver sangue, freqüentar sala de operação nos hospita i s e h a bitua r-se com as pequenas misérias repugnantes a fim de l ibetar-se da cara de nojo e compaixão". Deveria ter asseio e honestidade, disciplina, obediênci a , respeito aos superiores, n unca extrapolar suas funções, bem como adquiri r con h ecimentos técnicos, educar-se e apurar o espírito de observação (p . 1 9-20).

O médico ensina os mandamentos que deveriam fazer parte da carti lha da boa enfermeira (p . 1 7 -1 8):

1 . Ter bom temperamento , esforçar-se por ter bom gênio, paciência e cal m a ;

2 . S e r amável e del icada, d esvelada , corajosa e d i sposta a supota r sacrifícios e d i ssabores, por vezes, i n evitáveis n a presen ça d e enfermos, cujas i m perti nências são sempre justifi cávei s ;

3 . J u nto dos enfermos não mostrar ind iferença na expressão d a fisionom i a ; eles são impressionáveis e sabem ler nos o l h o s dos q u e os cerca m , tudo o que l hes d i z respeito . . .

4 . M ã o l eve e fi rme, caráter decisivo, obed iente , respeitosa e pontu a l ;

5 . N ã o falar ao enfermo como chefe ou superior, e s i m , como g u i a amigo e bondoso; uma palavra amáve l , u m sorriso, evitam , às vezes, a cólera e a explosão d e violências; 6 . Evitar o excesso de familiaridade ou a i ntimidade d e m a s i a d a com o s e nfe rmos, ser sua serv i d ora com autoridade e afeto;

7 . N ã o ser m u ito apressada nem mu ito vagarosa e d esajeita d a , más q u a l idades q u e dão ao e nfermo uma im pressão dolorosa;

8. Sendo d iscreta em relação ao doente, falar sempre a verdade para merecer a confiança de todos;

9. Não fal a r demais, não tratar de sua saúde com os e nfermos, respeitar os com p a n h e i ros de trabalho e guardar o segredo profissiona l ;

1 0 . Mostrar sempre satisfação em prestar qualquer

12 ° perfil das enfermeiras tradicionais, conforme apresentado pelo Getúlio dos Santos deve ser repensado. Nas últimas duas décadas, "os tempos negros da enfermagem" e "Sarah Gamp" vêm merecendo uma revisão na bibliografia internacional . Veja-se, por exemplo, o trabalho de Dingwall, Raferty e Webster ( 1 99 1 ).

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Os cursos de enfermagem .. .

s e rv i ç o a o s e n fe rm o s , a te n d e r c o m i n d u l g ê n c i a a s reclamações, tendo e m consideração que "deixamos d e ser os mesmos quando a dor física nos domina".

Os defeitos q u e poderi a m manchar a i magem d a b o a enfermeira conforme alertava , era m a pretensão, a i n d i s cri ç ã o , o excesso d e i n t i m i d a d e c o m o d o e n t e . Condenava as sabichonas, as faladeiras e aquelas que recebiam gorjetas (p.228).

o CURSO DE ENFERMAGEM

Os e n s i n a m e ntos p ro postos p o r m e i o d o s 1 2 capítulos do l ivro estão em consonância com o programa da Escola Profissional d e Enfe rm e i ra s d a CVB do Rio d e Janeir01 3• A destacar: considerações sobre a profissão d o enfermeiro e higiene; noções de a n atomia e de fisiolog i a ; temperatura , pulso, respiração e exame de urina; instrumen­ tos cirú rgicos e proced imentos n a cirurg i a ; esteri lização e anestesia; cu rativos e aparelhos; administração hospitalar; p rescrições m é d i c a s ; c u i d a d o s g e r a i s aos e nfe rm o s ; socorros méd ico-ci rúrgicos de u rgência; cuidados c o m a s mul heres grávidas; cuidados c o m e nfermos de doenças mentais14•

P a ra G etú l i o dos S a ntos , essas i n formações deveriam ser transmitidas de forma prática. O curso deveria ser teórico-prático, nunca somente teórico "para não resultar num proissional divagador e abstrato". Tanto nas aulas quanto nos l ivros , professores e autores d everiam ser o mais claro poss ível para se fazer entender (p. 1 4).

Grande atenção era dada à higiene seja pessoa l , n o c u i d a d o d o d o e n t e , c o m o d o h o s p i ta l , e m g e ra l (enfermarias, salas, i n stru m e ntos , etc . ) ( p . 2 1 -37). Se olharmos a partir de u m referencial atu a l , algumas noções de hig iene corporal propostas seriam consideradas básicas, como por exemplo, a necessidade de tomar banho todos os dias, a descrição dos tipos de banho (chuveiro, banheira ) , o uso de sabonete , a troca regular de roupa de cama. N ão se pode esquecer que, até o i n ício do século, o banho era ainda utilizado de forma terapêutica e não higiên ica , visto acreditar­ se que a água tirava as forças, a energia do corpo. Por outro lado, muitos bens de con s u m o , hoj e de fácil acesso e baratos , tais como: o sabonete e pasta d e dente eram desconhecidos pela grande maioria da população. Até mesmo alguns médicos n ão aderiram à medicina "pasteuriana" de imediato, rel utaram em acred itar no papel dos micróbios como agente causador das doenças e incorporar pri ncípios de assepsia e a nti-sepsia em sua prática .

No que diz respeito à anatomia e à fisiolog i a , o médico alertava ao professor para que houvesse melhor aproveitamento por parte dos alunos, era necessário restringir as l ições a i nformações básicas . O enfermeiro preci sava , s e g u n d o o m é d i c o , a p e n a s d e a l g u m a s n o ç õ e s , o

indispensável para compreender de forma i nteligente as determinações clínicas. Em outras palavras, para que o aluno ao ouvir falar de fratura do temporal, por exemplo, não ficasse imaginando uma lesão nas pernas e, soubesse, que o temporal era u m osso par do crâ n i o . . . U m estudo mais extenso poderia desvirtuar a finalidade do curso, lembrando que os e nfermei ros n un ca deveriam ser "su bstitutos dos médicos, e sim, seus auxi l iares e colaboradores" (p. 39-40 ). Vale destacar que a anál ise das i l u strações, certamente, reflete a maneira de pensar do médico: das 1 43 incl u ídas no livro, apenas três referem-se à anatomia e fisiologia do corpo humano, as 1 40 restantes privi legiam o i nstrumental e os procedimentos utilizados.

O s e n fe rm e i ro s e e nfe rm e i ra s deve r i a m s e r preparados para atuar em várias áreas, sempre de acordo com a orientação do médico . Além da h igiene do paciente, eram responsáveis por uma série de atividades, restritas até pouco tempo antes aos médicos, como a verificação de sinais vitais (temperatura , pulso, respiração e pressão arterial pelo tato ) . N a é poca , não l h es era facultado o uso do e stetoscó p i o . R e a l i za v a m d eterm i n a d o s exames de laboratório , como verificar a presença de albumina na urina. Fazi a m e d i stri b u ía m d i eta - d a í a i m p o rtâ n c i a d o s conhecimentos adquiridos pelas mulheres no la r - , aplicavam diferentes tipos de medica mentos ( internos e externos) -p í l ulas, -poções, i nj eções h i -podérm i cas e intravenosas. Rea lizavam curativos, lavagens, fomentações, sinapismo, ped i l úv i o , ventosas, vomitivos , s a n g u essugas (prática anteriormente real i zada por pessoas especializadas e por barbeiros - p.258) e colocavam sonda vesical.

Getú lio dos Santos afi rma que muitas senhoras, mesmo q u a n d o esse p roce d i m ento e ra fe ito por uma e n fe rm e i ra , t i n h a m um p u d o r q u e ele con s i d e rava "desmedido". Exigiam que a sondagem fosse feita pelo tato, tendo um lençol a cobri-Ias completamente. Alertava que essa sondagem às cegas poderia ser feita , mas dependia de muita prática, mesmo assim corria-se o risco de machucar e contu n d i r a paciente. No q u e se refere à son d agem masculina, deveria ser feita por enfermeiros. A enfermeira só deveria fazê-Ia em caso de m u ita urgência e em uretras normais (p.283-285).

Nas ciru rg i a s , e nfermei ros e e nferme i ras era m responsáveis pela assepsia do doente; pelo preparo e assepsia do material cirúrgico e do local onde ia ser realizada a operação, tanto no hospital como no domicilio; pelo controle d o s i n stru mentos e a rt i g o s u sa d o s na c i r u rg i a ; p e l o suprimento das necessidades da eq u i pe. Eram eles e elas que eram encarregados de transportar o paciente à sala de operações , auxi liar n a anestesia e controlar o anestesiado, bem como acompanhar o pós-operatório (p.308-323).

Nos partos , o papel d a enfermeira estava restrito a arrumar o local onde a m u l her daria à luz, já que a maioria

1 3 Programa do Curso de Enfermeiras Profissionais: 1 ° ano, 1 " cadeira Anatomia, Fisiologia; H igiene, 2" cadeira Assistência aos enfermos de Clínica Médica; 2° ano, 3" cadeira Assistência aos enfermos na Clínica Cirúrgica, 4" cadeira -Assistência às mulheres g ràvidas e aos recém-nascidos, 5" cadeira - Administração hospitalar e economia doméstica (CRUZ VERMELHA BRASILEIRA, 1 9 1 8, p.9).

14 Comparando-se o programa da Escola e o índice do livro pode ser verificado que, embora Getúlio dos Santos reconheça a importância da Economia Doméstica na formação de enfermeira, esta recebeu pouca atenção em seu livro. Talvez pelo fato da cadeira não dizer respeito aos médicos, mas às atribuições domésticas femininas, da alçada das mulheres, tanto assim que era ministrada na Escola, por uma professora .

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dos partos era real izado em domicílio, a preparar a parturiente (dar b a n h o e lavar os g e n i ta i s ) , b e m como d a r apoio emocional. Sua atuação estava subord inada ao médico ou à parteira , devendo atuar como auxiliar. N o entanto, era a enfermeira quem deveria cuidar da m u l her parida n o pós­ parto e permanecer a seu l ad o nos dias seg u i ntes. Os cuidados das crianças pequenas, i n cl u sive, dos recém­ nascidos ta mbém fazia m parte d e suas atribuições (dar o banho, retirar a mucosidade da boca , lavar os ol hos e pingar suco de l i mão ou n itrato d e prata , cuidar da amamentação) (p.361 -377).

Explica Getúlio dos Santos que seu l ivro ti nha como pri ncipal objetivo a i n strução do e nferme i ro profiss ional e como este "natu ralmente iria sevir nos hospitais", acreditava ser necessária a inclusão de informações sobre administração hospitalar. Assi m , era m consideradas como atri buições d a e nfe rmeira : o reg i stro e matrícu l a d o a c i d e ntado c o m trau matismo ou coma; o controle d a roupa do enfermo que entrava no hospital e o envio para a estufa de desinfecção; a escritu ração dos serviços da e nfermari a ; o preenchimento dos mapas do movi mento da e nfermaria (o n ú mero d e doentes existentes, d o s que tiveram alta, d o s falecidos), dos l i vros de regi stro , d a s p a p e l et a s ( re ce i t u á ri o , d i eta , d i a g n ósti co , i nterve nções rea l i z a d a s n o p a c i e n t e ) ; a verificação da necessidade de reposição de material (p.224-233).

Ao enfermeiro , competia também acompanhar o médico na visita d iária, segundo u m ritua l pré-determ inado, prestando-lhe as necessárias i nformações. Deveria atuar como uma espécie de "olho do médico" e da administração (p.233), seja no controle dos si ntomas e marcha da doença , como de vários aspectos d o coti d i a n o do hospita l . Era sua função percorrer as enfermarias para observar detidamente os doentes , manter a d isci p l i n a e l evantar o mora l dos deprimidos.

N o caso de qualquer pertu rbação da ordem ou d i stú rbio, competia à enfe rm e i ra com u n icar p ri m e i ro à enfermeira-chefe ou ao enfermeiro-mor, depois à religiosa ou ao médico i nterno. Nos dias de visita , era recomendado que ficasse atenta a tudo o que ocorresse no hospita l , para que nada entrasse fora de seu controle e fosse dado ao doente. Nenhum instrume nto, medica mento, espécie de a l i mento, nem peça de roupa poderia ser retirada sem o competente reci bo. Deveria ta mbém exercer a vig i l â ncia do serviço dos serventes de limpeza .

Esperava-se q u e a enfermeira acom panhasse os moribu ndos nos ú ltimos momentos. Deveriam evitar que outros enfermos ficassem i m p ressionados com as mortes ocorridas no hospita l , providenciar a transferência para o necrotério e prestar os ú ltimos cuidados aos mortos (p. 354-5).

No que se refere à prevenção, deveriam atuar como educadores , d ivulgando os perigos da s ífi l i s , tubercu lose e álcool . Cita Getú l i o dos Sa ntos: "Aos enfermeiros, depois do médico, é que cabe essa missão dignificante e humanitária d e a c o n s e l h a r m e d i d a s h i g i ê n i c a s n e s s e p a rti c u l a r, lem brando aos i n experi entes e leigos os perigos a que se acham expostos e a que expõem a sua prole em gerações subseqüentes" (p. 240) .

Para o autor, a enfermeira era u m a auxiliar do médico e não poderia extrapolar suas fu n ções , devendo a e l e

obediência absoluta , bem como lealdade. E m determinadas cond ições, no e ntanto - como mudança da sintomatolog i a , ou em casos d e u rgência - poderia agir, de acordo com os seus conhecimentos e tom a r a l g u mas i n iciativas até a chegada do médico. Médico e enfermeira são apresentados como sendo igual mente necessários para a cura do doente , h avendo, poré m , u m a n ítida d ivisão de tarefas. Ao médico , competia o trabalho i ntelectu a l , ou sej a , o diagnóstico e a cura - considerados a parte mais d ifícil ; e à enfermeira, cabia os trabalhos manuais, tais como a aplicação do tratamento e os cuidados "mais íntimos do enfermo". (p. 1 7) .

N o q u e se refere ao reg ime de trabalho, o autor i nforma que havia variações de acordo com os hospitais, sendo obrigação da e nfermeira conhecer o reg imento d a i n stitu ição. Relata q u e havia uma tendência que chama de " m o d e r n a " em " e stafa r o m e n o s p o s s í v e l a p e s s o a encarregada da guard a de enfermos". O ideal seria um regime de trabalho de q uatro a cinco horas seguidas no máxi mo, d u rante o dia. À noite, a enfermeira poderia repousar em u m leito colocado n a própria enfermaria, e o s hospitais possu íam serventes d e ron d a para q u alquer chamado de serviço. O médico ensina a i n d a q u e a enfermeira deveria respeitar o segredo profissional "sobre tudo que vir e ouvi r no recesso dos hospitais", sob pena de ser punido pelas leis do Código Penal (p.229).

Como, então, seria esse novo enfermeiro que o professor da Escola de Enfermeira Profissional da Cruz Vermelha pretendia formar? Seria mulher entre 18 e 35 anos; sem vínculo com q u a l q uer congregação religiosa, pois não desejava enfermeiras que tivessem outro referencial que não o prescrito pelo médico ; d e origem modesta , das camadas de pouco prestígio social - diga-se de origem diferente, inferior da maioria dos méd icos; com instrução elementar, formação teórico-prática , seg undo os critérios estabelecidos pelos médicos; impregnada de princípios de higiene, un iformizada, disci p l i nada, atenta , con hecedora dos l i m ites de atuação, submissa ao médico, d e u ma fidelidade e devota mento a toda prova , a ponto de jamais questionar h ierarquia e poder, treinada, enfi m , para trabalhar como auxiliar do médico, nos hospita i s , casas d e saúde, asilos, hosp ícios e domicílio.

CONTRIBUiÇÃO PARA A ENFERMAGEM BRASILEIRA

Alg u n s a utores i d entificam diferentes etapas n o processo de profissional ização, destacando-se , entre elas, a formação específica, prática e teórica , obtida em uma i nstitu ição d e ensino; o exercício em tempo i nteg ra l ; a existência de u m suporte legal; e a formação de associação de classe (SOAR E S , 1 997, p . 1 7-8). O curso de Enfermeiras Profissionais da CVB do Rio de Janeiro não foi uma tentativa efêmera , fu ncionou por d écadas e formou um contingente considerável de enfermei ras. N o biênio 1 924- 1 926, ti nha 52 a lunas matriculadas. Segundo I rmã Mata Telies, entre 1 9 1 7 e 1 960, d i plomaram-se 427 alunas. Possu ía u m programa e um cu rrículo explicitando as finalidades, objetivos, matérias, metodolog i a , conteúdos e formas de avaliação . H avia um m a n u a l p a ra a p o i o , com i nformações s i ste matiza d a s destinadas às a l unas e professores. Val e lembrar q u e o tipo de formação d e e nfermeira profissional fornecido às alunas j á t i n h a u m a t ra d i ç ã o n a e n fe rm a g e m , esta n d o e m consonância com o d e m u itas escolas criadas e d i rigidas

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Os cu rsos de enfermagem .. .

por médicos, e m outros países, como n a Argentina, Portugal e França ' 5.

Há informações que, no período, não faltou trabalho para as enfermeiras formadas pela escola d a CVB (CRUZ VERME LHA B RAS I L E I RA, 1 923, p . 3 1 2 ) . N u ma publicação da entidade, diz o autor:

As a s s i stentes q u e a tu a l m e n te d i p l o m a m o s e a s especial izadas em d etermi nados ramos de cura r, a o contrário, têm sempre trabalho, pois além d o s vários hospitais e casas de saúde que utilizam seus serviços, há o trabalho a domicílio que é cada vez mais intenso.

Ressalta ainda o papel da escola na formação de uma mão de obra mais qualificada, elog ia a fel iz in iciativa da CVB ao fundar a Escola de Enfermeiras Profissionais no Rio de Janeiro, afi rmando que foi "a mais seg u ra propaganda para a extinção das a ntigas comadres ou entendidas que atendiam aos doentes em domicílio como auxiliares dos médicos" (CRUZ VERMELHA B RAS I L E I RA, 1 923, p . 1 2-3).

A documentação também aponta para a importância das ex-alunas. Pode-se afi rmar q ue algumas, entre elas, tiveram recon heci mento nacional e i nternacional, sendo inclusive incorporadas pela Escola de E nfermeiras Dona Anna Nery, como Ed ith de Magalhães Fraenkel . N ascida no Rio de Janeiro, em 1 889, pertencia a uma fam ília de el ite, tendo vivido vários anos na Europa, onde i niciou os estudos. No Bras i l , formou-se professora e, em 1 9 1 8 , ingressou no curso de Enfermeiras Vol untárias d a CVB do Rio de Janeiro e colaborou na assistência aos doentes, durante a epidemia de gri pe espanhola. E m 1 920, engajou-se como visitadora na campanha desenvolvid a pelo Departamento de Saúde Públ ica para a profilaxia da tuberculose. Em 1 922, foi para a Fi ladélfi a , nos Estados U n i d o s , o n d e fez u m cu rso d e enfermagem de três a n o s . De volta ao Brasi l , entre outras atividades, foi instrutora e coordenadora da Escola Anna Nery, presidente por vários anos d a Associação Brasileira de Enfermagem , enfermei ra-chefe do Departa mento N acional de Saúde Pública , e , no fin a l da década d e 1 930 e i n ício da de 40, foi escolhida para organizar a Escola de Enfermagem da U n iversidade de São Paulo e o Serviço de Enfermagem do Hospital das Clín icas (CARVALH O , 1 980, p. 37-40 ).

Já Idália Araújo Porto Alegre é u m nome menos con hecido. N ascida no Rio de Janeiro no d i a 24 de janeiro de 1 888, estudou na Inglaterra e Bélgica. De volta , participou da fundação da Seção Fem i n i n a da CVB do Rio de Janeiro , inscreveu-se na Escola de Enfermeiras Voluntárias. Recebeu o diploma em 1 9 1 5 ; em 1 9 1 7 , foi nomeada professora da Escola de E nfe rmei ras P rofi s s i o n a i s . Tra b a l h o u pelos soldados feridos na G uerra ( 1 9 1 4- 1 9 1 8), angariando fundos e remetendo donativos, recebendo por isso a Medalha Rainha

Elizabeth . Dura nte a epidemia da g ripe espanhola em 1 9 1 8 , trabalhou no hospital provisório criado pela entidade. Em 1 92 1 foi requisitada pelo governo para criar um dispensário de tuberculose, quando contraiu a doença . Ao se recu perar, voltou a trabalhar n a entidade. Foi Enfermei ra-chefe da Policlínica do Instituto Médico Cirúrg ico da CVB e, em 1 927, recebeu a importante Medalha Florence Nightingale, atri buída pela primeira vez a u ma enfermeira da América do Sul , pelo Comitê I nternacional d a Cruz Vermelha, em Genebra'6.

Por i nterméd i o d a documentação, verifica-se ainda q u e a CVB n ã o esteve a l h e i a à l uta pela mel horia e u n iformização do ensino, pelo recon hecimento da Escola pelo govern o , bem como pela criação de um órgão de classe'7. N o d i a 7 de outu bro de 1 9 1 8 , O Estado de São Paulo trouxe uma n otícia que merece uma pesq uisa mais detalhada. Naquela data , o jornal i nformava que, no dia 25 de setembro , tinham se reu n i d o na sede da CVB, em São Paulo, cerca d e 1 5 e nferm e i ras d i pl omadas e práticas "tomando-se a decisão de se fu ndar uma sociedade para a defesa dos i nteresses d a classe". U m a semana depois, foi real izada uma nova reu n i ão quando elegeram as seg ui ntes enfermeiras para a direção da nova sociedade: Fanny Geise, para presidente, Elizabeth Sutherland, para vi ce e, Henriqueta dos Santos , para secretária . Teria sido a primeira entidade d e c l a sse d e e n fe rm a g e m do B ra s i l ? Q u a nto tempo funcionou? Que conq uista alcançou?

As Escolas d e E nfermeiras da CVB contri bu íram de forma efetiva para o p rocesso de profissionalização da e n fe r m a g e m no B ra s i l , t e n d o d e i x a d o um l e g a d o importantíssimo. C riara m cursos para formação d e mão de obra especializada que forneceram profissionais capacitadas para um mercado de trabalho em expansão, i nclusive , para as campanhas desenvolvidas pelo governo e aos serviços criados em períodos críticos, como o da gri pe espanhola ( 1 9 1 8). Suas escolas forma ra m profissionais consideradas qual ificadas, algumas, entre elas, d e prestígio nacional e i ntern a c i o n a l . As a l u n a s e o s p rofessores da esco l a preocu param-se c o m a i n stitucional ização do ensino e a criação de uma organização de classe para defesa dos interesses d a categori a .

Para terminar, gostaríamos de mencionar mais uma i nfo rmação o m i ti d a , ta l vez por ser desconheci d a , na bibliografia sobre os primórdios d a enfermagem profissional no Brasil . Por meio das pág inas d a Revista Syn iatrica (A M E DALHA F L O R E N C E N I G HT I N GALE, 1 927, p . 86-7) verifica-se que a Escola de E nfermeiras da CVB , do Rio de Janeiro, pelo menos, no i n ício dos anos 1 920, chamava-se An na Nery. Escreveu o red ator que o Brasil possuía uma heroína a altura de Florence N ighthingale. Tratava-se de Anna Nery.

15 Esta afirmação baseia-se nas referências bibliográficas utilizadas por Getúlio dos Santos, bem como na análise dos manuais feita por Knibilier em 1 984, Colliêre em 1 989 e Soares em 1 997.

1 6 Esta medalha foi atribuída pela primeira vez em 1 9 1 2 pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha (DOLAN et aI., 1 983,

p . 1 85). Sobre a premiação de Idália Araújo Porto Alegre, ver: A MEDALHA FLORENCE N I GHTINGALE, 1 927, p. 86-7; Correspondência entre A. Ferreira do Amaral da Cruz Vermelha Brasileira e Gustave Ador, do Comitê I nternacional da Cruz Vermelha, Genebra,

datadas de 9 de março de 1 927 e 24 de agosto de 1 927 (Arquivo do Comitê I nternacional da Cruz Vermelha, Genebra). Vale

destacar que mais uma aluna, I rene de Miranda Cotegipe Milanez, recebeu a Medalha Florence Nighthingale (TELLES, 1 963, p. 1 57).

1 7 "A Sociedade da Cruz Vermelha procu rará obter a confirmação do governo a confirmação oficial sobre os diplomas

expedidos pela Escola" (LIBERO, 1 9 1 8, p.94-1 01 ); Sobre a uniformização de ensino das Escolas da cv. ver: SANTOS, 1 926.

(8)

Cruz Vermelha Brasileira deu o seu nome à Escola de Enfermeiras que mantém, e a 26 de maio de 1 925 em sessão solene em sua glorificação, inaugurou no salão de honra do edificio que ora está levantando na praça Vieira Souto ( . , , ) o culto desta heroína já institu ído em São Paulo.

Ou seja, no Rio d e J a n e i ro , num mesmo período teriam existido duas escolas com o mesmo nome?

Esta i nformação e outras q uestões levantadas no d ecorrer d a pesq u i s a , ce rta mente, poderiam ser m a i s aprofundadas s e n o s tivessem s i d o franqueados o s arquivos da CVB do Rio de Janeiro e de São Paulo. Segundo relato obti do j u nto à d i reto ri a , este ú lt i m o desapareceu n u m incêndio. Acreditamos q u e a preservação d o s acervos d a CVB e a socialização de seus conteúdos n ã o d izem respeito somente à história quase secu lar da entidade no país, mas à H i stória da E nfermage m , d a P rática Médica, d a Saúde Públ ica e da Filantropia no Bras i l . Daí a necessidade de que a l g o s ej a fe i t o o m a i s r á p i d o p o s s í v e l p a ra q u e a documentação não seja devorada por fu ngos, ba ratas e cupins e, o que é pior, destru ída pela negligência humana 1 B•

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1 8 Pelas informações do trabalho de TELLES , 1 963, p . 1 53-9, verifica-se que os arquivos da entidade, no Rio de Janeíro,

contin ham informações preciosas sobre suas escolas.

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