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Instituições prevalecentes, tradição e persistência no extrativismo da cera de carnaúba em Limoeiro do Norte -CE

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Academic year: 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES - CCHLA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS – PPGCS

MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

ÂNGELO FELIPE CASTRO VARELA

INSTITUIÇÕES PREVALECENTES, TRADIÇÃO E PERSISTÊNCIA NO EXTRATIVISMO DA CERA DE CARNAÚBA EM LIMOEIRO DO NORTE – CE.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES - CCHLA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS – PPGCS

MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

ÂNGELO FELIPE CASTRO VARELA

INSTITUIÇÕES PREVALECENTES, TRADIÇÃO E PERSISTÊNCIA NO EXTRATIVISMO DA CERA DE CARNAÚBA EM LIMOEIRO DO NORTE – CE.

Dissertação de Mestrado apresentada a Coordenação do Programa de Pós-Graduação em Ciências

Sociais- Mestrado Acadêmico- da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – PPGCS/UFRN, como requisito parcial para obtenção do grau de mestre.

Orientador: Fernando Bastos Costa

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ÂNGELO FELIPE CASTRO VARELA

INSTITUIÇÕES PREVALECENTES, TRADIÇÃO E PERSISTÊNCIA NO EXTRATIVISMO DA CERA DE CARNAÚBA EM LIMOEIRO DO NORTE – CE.

Dissertação de Mestrado apresentada a Coordenação do Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – PPGCS/UFRN, como requisito parcial para a obtenção do grau de mestre

Banca Examinadora

Prof. Dr. Fernando Bastos Costa - UFRN

Prof Dr. Aldenôr Gomes da Silva - UFCG

Prof Dr ª Cimone Rozendo de Sousa - UFRN

_____________________________________________________________ Prof Dr Wagner de Souza Leite Molina (Suplente) - UFRN

Aprovada em ____/______/______

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Aos meus pais, Helena e Ricardo, além da educação, do amor e da dedicação que requer toda e cumprida maternidade e paternidade e claro por ter me presenteado com o melhor dos legados: o gosto pelos estudos e pela instrução.

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AGRADECIMENTOS

Dedico esse trabalho aos meus irmãos, Geíza, Gisele e Nestor, pelo amor e apoio incondicionais, indispensáveis para enfrentar o dia-a-dia.

Agradeço a amiga e professora Ana Morais, pelas sugestões e por ter me recebido em sua casa, várias vezes. Estendo também esse agradecimento a toda a turma de mestrado, em especial a, David, Bruno, Virgínia, Pedro, Pablo, Renata e Thaís.

Ao grande amigo e sergipano Franklin, pelas saudosas e agradáveis conversas, sem rumo e pela sempre confortante companhia, em casa, no bar, na sala de aula, na praia, entre tantos recônditos em que nossa amizade esteve presente.

Aos meus conterrâneos e grandes amigos, Gledson e Kelson, irmãos, pela cumplicidade, parceria e verdadeira amizade, sem a qual certamente não teria a confiança para terminar esse trabalho, nesses 2 anos e 3 meses de curso

Agradeço a Marta e Gilcélia, amigas em que pude confiar, e contar, logo quando iniciei o curso de Mestrado. Obrigado pelas palavras de confiança e credibilidade.

Agradeço especialmente a você Janine Mara, namorada, amiga, parceira, límpida e clarividente no que sente, fulgurante nas expressões, bela, complicada, perfeitinha, surpreendente, chata, encantadora e singularmente amorosa.

Ao professor José Willignton Germano, pela lucidez, humanidade e eloqüência admiráveis, qualidades que sempre devem ser observadas por quem deseja (como eu) seguir a docência universitária. Sua fervorosa “militância” intelectual sempre servirá de estímulo.

Agradeço ao estimado professor, orientador, Fernando Bastos, pelas dicas, pelos conselhos, críticas, pelas riquíssimas sugestões, por sua humanidade, paciência e competência, importantíssimas para o desenvolvimento dessa pesquisa e pelos ensinamentos, que me incentivam a perseguir uma vida acadêmica fecunda.

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sua labuta diária, exaustiva, com perspicácia e lucidez, oferecendo dados relevantes, sem os quais esta pesquisa certamente não teria sido possível. Espero que esse trabalho, de certo modo seja um diário, o mais fidedigno possível, de suas vivências e biografias exemplares.

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RESUMO: A presente pesquisa visa entender os fatores que explicam a manutenção

dos aspectos artesanais no extrativismo da cera de carnaúba em Limoeiro do Norte. Justificamos a exploração desse tema pelo fascínio do autor pelo tema e por ser esse recurso ainda uma importante fonte de renda para produtores e trabalhadores rurais no respectivo município. Objetivamos nessa pesquisa identificar as razões pelas quais a atividade mantém seu padrão tecnológico intacto. Primeiro objetivamos uma descrição do processo produtivo da cera, tanto no passado, quanto no presente, comparando estes momentos e ressaltando o caráter artesanal da atividade, além de analisar a importância atual da atividade para aqueles que ainda lidam com esse tipo de produção, bem como procuramos revelar estrutura histórica e institucional que permeia a lógica e as escolhas destes produtores, a qual pode explicar a preservação destes aspectos artesanais. Utilizando o referencial teórico do institucionalismo, explicamos que a preservação destes aspectos artesanais, ocorre em virtude da prevalência de determinadas instituições, como a memória coletiva cultivada entre os rendeiros idosos e resistentes, a concentração fundiária, responsável pelo arrendamento e também as restritas possibilidades de investimento e poupança no processo produtivo, em face do baixo nível de renda de produtores, os quais com um produto pouco competitivo no mercado, pouco podem fazer para inovar tecnologicamente.

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ABSTRACT: To present research she seeks to understand the factors that explain the

maintenance of the handmade aspects in the extrativismo of the Brazil wax in Lemon tree of the North. We justified the exploration of that theme for the author's fascination for the theme and for being still that resource an important source of income for producers and rural workers in the respective municipal district. We aimed at in that research to identify the reasons for the which the activity maintains your intact technological pattern. First we aimed at a description of the productive process of the wax, so much in the past, as in the present, comparing these moments and pointing out the handmade character of the activity, besides analyzing the current importance of the activity for those that still work with that production type, as well as we tried to reveal historical and institutional structure that it permeates the logic and the choices of these producers, which can explain the preservation of these handmade aspects. Using the theoretical referencial of the institucionalismo, we explained that the preservation of these handmade aspects, happens by virtue of the persistence certain institutions, as the collective memory cultivated among the senior and resistant rendeiros, the concentration, responsible for the lease and also the restricted investment possibilities and saving in the productive process, in face of the low level of income of producers, the ones which with a little competitive product in the market, little they can do to innovate technologically.

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SUMÁRIO

Introdução... 11

CAPÍTULO I – Riqueza, Prosperidade e Decadência nas várzeas limoeirenses: O passado do extrativismo da cera de carnaúba em Limoeiro do Norte- CE...18

1.1 Antecedentes do extrativismo da cera de carnaúba: a pecuária e a cotonicultura na economia cearense e jaguaribana... 18

1.2 O Ciclo da Cera de Carnaúba... 19

1.3 A fase áurea do extrativismo da cera de carnaúba e o processo de mudança

social em Limoeiro do Norte (1929-1950): a elite extrativista e a modelação do espaço urbano... 27

1.3.1 Desenvolvimento urbano e mercantil (1920-1950)... 30

1.3.2 Mudanças sócio-culturais: Novos hábitos e o crescimento da Igreja Católica em Limoeiro do Norte... 31

1.4 Fim da euforia e nostalgia dos tempos de outrora: Crise e decadência do extrativismo da cera de carnaúba em Limoeiro do Norte...38

CAPÍTULO II – Presente e Passado entre homens e carnaubais: A atual organização do extrativismo em Limoeiro do Norte – CE...43

2.1 Empreendedores Tradicionais na extração cerífera em Limoeiro do Norte: Os rendeiros e sua importância no cenário atual do extrativismo...43

2.2 As relações de produção e a organização atual do extrativismo da cera de carnaúba em Limoeiro do Norte – CE...48

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CAPÍTULO III – Tradição e Persistência: As instituições prevalecentes no

Extrativismo da Cera de carnaúba em Limoeiro do Norte... 61

3.1 As Instituições e a Vida Social... 61

3.2 Instituições prevalecentes na persistente organização extrativa da cera de carnaúba em Limoeiro do Norte... 65

Conclusão... 78

Bibliografia... 83

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INTRODUÇÃO

A presente proposta de pesquisa tem o propósito de levantar quais as possíveis causas da persistência do modo artesanal de produção de cera de carnaúba em Limoeiro do Norte, cidade localizada na microrregião do Baixo Jaguaribe, no estado do Ceará, distante 204 km da capital Fortaleza. A questão principal do trabalho circunda sobre o fato de produtores, de condição sócio-econômica frágil, manter intacto o processo produtivo artesanal e obsoleto da cera. A nossa hipótese aponta que determinadas instituições prevalecentes são responsáveis pela preservação destes aspectos artesanais.

Justificamos a exploração desse tema, pelo interesse do pesquisador em aprofundar o trabalho monográfico elaborado para graduação em Ciências Sociais, na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, no período de 2004 a 2007. O trabalho monográfico teve o título de “Economia e Modernização: O extrativismo da cera de carnaúba e as mudanças sócio-culturais e econômicas em Limoeiro do Norte – CE (1920-1950)”, pesquisa despertada pela fascinação do autor, desde a infância, pelas narrativas de pessoas mais idosas que sempre apontavam e apontam que um suposto processo de progresso e modernidade no município esteve ligado a exploração dos carnaubais.

A importância do estudo dessa realidade também está no fato de que ela ainda representa a vida e o cotidiano de algumas famílias, as quais ainda sobrevivem à custa da atividade cerífera e em torno dela preservam sua identidade e seu modo de vida.

A carnaubeira, ou carnaúba (Copernicia Prunifera) é uma planta nativa do semi-árido nordestino brasileiro. Essa palmeira pode ser encontrada nos vales de rios e cursos de água nessa região, principalmente do rio Parnaíba e seus afluentes, do rio Jaguaribe, Acaraú e Cauípe, no Ceará, do rio Apodi no Rio Grande do Norte e do médio do São Francisco cumprindo um importante papel no bioma caatinga, relativo à conservação dos solos e na proteção dos rios, evitando assim a erosão e o assoreamento.

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estudiosos e pesquisadores que procuraram investigar a própria carnaúba, da qual se extraía esse recurso valioso.

Segundo Joaquim Bertino de Carvalho, em seus Ensaios sobre a Carnaubeira, a primeira investigação de cunho científico sobre a carnaúba ocorreu no ano de 1648, pela iniciativa de dois botânicos italianos, Marcgrave e Piso, que a classificaram como sendo uma planta do gênero Copernicia. Ela se distinguiria ainda de outras espécies, tal qual o carandá, devido à produção de uma pequena camada de cera que recobre a folha da palmeira e é explicada como uma forma de adaptação da planta ao meio ambiente. (apud, CARVALHO, 1982, p 07).

Contudo, tais estudos acerca da planta estavam restritos a uma abordagem física e botânica, ignorando outros aspectos, como o seu aproveitamento econômico. A primazia de um novo enfoque coube ao cearense Manuel Antônio Macedo, que em 1867 publica um pequeno ensaio, Notice Sur le Palmier Carnauba contendo inúmeros, dados sobre a anatomia da planta, o tipo de solo em

que ela se desenvolve, suas condições fenotípicas e a diversidade de sua exploração econômica. Macedo efetua um levantamento dos produtos oriundos do aproveitamento econômico da carnaúba, os quais eram utilizados na economia local, mas também valorizados pelo mercado internacional. Todas as partes da planta possuem certo valor econômico, visto que todas fornecem diversos produtos a serem aproveitados, daí referir-se a ela como a “árvore da vida”, devido não só a longevidade da carnaubeira, mas ao fato de que dela tudo se aproveita.

A raiz possui várias propriedades medicinais de onde se produz um chá utilizado como eficiente medicamento contra o reumatismo, sífilis, pele ressecada, depurativo, diurético e em alterações no ciclo menstrual, das cinzas de sua raiz pode se obter uma espécie de sal, que pode ser utilizado como substituto do sal de cozinha. (apud, CARVALHO, 1982)

O caule, por sua vez é bastante empregado na construção civil na forma de vigamentos, cata-ventos, mesas, portas, cobertas, caibros e ripas, currais, porteiras e lenha pra combustão. Devido a sua singular durabilidade, também é utilizado na construção de pequenas embarcações como jangadas e botes, além de utensílios como bengalas, caixas e as próprias prensas, máquinas simples utilizadas no fabrico da cera de carnaúba.

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frutos bastante apreciados pela população na alimentação, bem como de animais de criação.

A folha é o órgão de maior importância econômica, devido ao largo emprego que esta possui e à variedade de produtos que podem ser obtidos a partir de sua exploração. Sua resistente fibra é utilizada na fabricação de papel, de pequenas cordas e na confecção de bolsas, chapéus, esteiras e vassouras, produtos de uso cotidiano da população, sendo de uma espécie de película, que recobre a sua superfície que se obtém o recurso mais explorado e mais valorizado economicamente: a cera.

Há controvérsias quanto ao aparecimento desta película sobre a palha da carnaubeira. Alguns estudos consideram-na que seria uma forma de proteção ao clima quente e seco, em que cresce e se desenvolve, uma vez que ela controla a perda excessiva de água para o ambiente. Outros estudos interpretam-na como produto da própria atividade metabólica da planta, face às condições de solo, o qual apresenta uma combinação exclusiva de elementos, indispensáveis ao desenvolvimento da planta. ( CARVALHO, 1982)

A cera de carnaúba passou a ser aproveitada somente a partir de 1836, inicialmente como cera para assoalho e para o polimento de móveis e artigos feitos de madeira e para o fabrico de velas. Pouco a pouco o produto passa a ser cada vez mais valorizado, vindo a figurar como um dos principais produtos da economia da região. A primeira exportação de cera teria ocorrido em 1852 e já em 1853 ela figurava como um dos principais recursos na pauta de exportações de alguns estados como o Ceará (considerado o maior produtor), Piauí e Rio Grande do Norte, chegando a representar em até 15%, em fins do século XIX na balança comercial cearense e até 40% já na segunda metade do século XX (D’ALVA, 2008)

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Esses estudos ás vezes assumiam um enorme caráter político, com propostas às autoridades civis, a elaboração e a aprovação de uma legislação que protegesse a carnaúba da “cobiça estrangeira”. (CARVALHO, 1982). O aperfeiçoamento técnico do processo produtivo, uma vez que a produção se caracterizava por ser artesanal e obsoleta, também é recomendado nesses estudos.

Em fins do século XIX até metade do século XX, a cera de carnaúba passou a ser intensamente valorizada, haja vista a sua apreciação no mercado internacional e nacional e dada às condições naturais exclusivas (solo, água) da região nordestina que possibilitaram o seu aproveitamento. Devemos considerar também o fato das condições estruturais e históricas da economia nordestina, sua posição perante a economia nacional e internacional, reservando–se à produção para a exportação, tal qual a cana – de – açúcar, cultura que já estava em crise desde fins do século XVIII, e como o algodão, produzido no interior da região, nas áreas onde predominava o clima semi-árido. (FURTADO, 1995). Essa exploração econômica de maior amplitude seria responsável pelo engendra mento de novas relações sociais, políticas econômicas e culturais. A extração da cera na região possibilitou o seu aproveitamento econômico e constituiu-se no que ANDRADE (1988) denominaria de uma “civilização da carnaúba”, diante das formas de existência social engendradas nos locais e espaços recobertos por carnaubais explorados – verdadeiras fontes de riqueza e prosperidade.

Atualmente mesmo sem a devida valorização e a força econômica de outrora, a cera da carnaubeira ainda continua a ser bastante útil na fabricação de medicamentos, no revestimento térmico de chips para computador e na conservação de frutas e legumes em substituição ao plástico. Desse modo, a cera de carnaúba ainda encontra aplicação direta em diversos ramos da indústria.

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jaguaribana, representando até 55% da produção agrícola local, e respondendo por 43% do PIB limoeirense, segundo dados do IBGE 2008

Contudo, mesmo com as graves dificuldades enfrentadas pela atividade, e sua crise crônica, ainda existem produtores que resistem apesar das condições desfavoráveis de mercado. Como explicar então a manutenção das formas artesanais de produção? Porque produtores ainda lidam com uma atividade tão desvalorizada? Essa proposta de pesquisa visa justamente entender as razões pelas quais ocorre a persistência em Limoeiro do Norte dessa forma de produção e desse tipo de atividade.

Objetivamos nesse trabalho, primeiro, descrever o processo produtivo da cera de carnaúba, identificando a forma artesanal de produção; as relações sociais de produção existentes nesse cenário dessa atividade em Limoeiro do Norte, mostrando a manutenção desse processo produtivo, pouco avançado tecnologicamente.

Segundo, procuramos analisar a importância econômica atual da cera de carnaúba seja para a sobrevivência dos produtores, fragilizados econômica e socialmente, diante das atuais condições de acumulação e rentabilidade, ainda que muitas vezes seja acusada por rendeiros e produtores, como sendo baixas.

E por fim, ao tentar compreender o comportamento destes produtores, procuramos revelar a estrutura institucional e histórica que permeia a lógica e as escolhas econômicas dos extratores da cera de carnaúba na cidade de Limoeiro do Norte, o que pode ajudar a entender a persistência dessas formas de produção tidas aqui como artesanais e tradicionais.

A metodologia empregada nessa pesquisa foi de caráter qualitativo. Primeiro realizamos um levantamento bibliográfico sobre o extrativismo da cera de carnaúba no Ceará e na cidade de Limoeiro do Norte, a fim de destacarmos o passado da atividade - as relações de produção existentes e prevalecentes no passado e o impacto social e econômico, durante a fase áurea da atividade em Limoeiro do Norte. Também consultamos o Anuário Estatístico do Estado do Ceará (2009), sobre a produção agropecuária cearense, em especial da atividade extrativa na atualidade.

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em grupo, que tem no sociólogo espanhol Jesus Ibáñez (1928-1992), o seu idealizador. Essa prática consiste em realizar discussões e diálogos, acerca de temas e conteúdos de interesse do pesquisador, com os sujeitos, integrantes da realidade pesquisada. As condições e direção dos diálogos são conduzidas pelo pesquisador, o que o coloca como importante sujeito e participante, intervindo diretamente na produção de conhecimento da realidade examinada. Produtores, filhos de produtores e técnicos bancários do BNB foram alvo dessa técnica de pesquisa social em nosso estudo.

A realização dos diálogos dada a sua flexibilidade, deve se adequar ao informante, bem como a experiência distinta de cada um. Acreditamos que desse modo, estaremos respeitando as premissas da prática da pesquisa, a qual deve se orientar por um contato dialógico entre pesquisador e pesquisado, posto que esse tipo de relação social não se estabeleça em desnível de poder, que ponha em risco a situação interativa e incorra em insucesso na tentativa de obter informações e dados imprescindíveis para a compreensão da realidade estudada (BOURDIEU, 1989). A pesquisa de campo foi realizada no período de agosto a dezembro de 2010, pois durante esse período ocorre o desenvolvimento das principais fases de extração da cera de carnaúba (corte, secagem, batimento), em virtude de ser uma atividade sazonal.

Para buscarmos o entendimento da persistência dessa forma tradicional e artesanal de produção, procuramos as diferentes concepções de instituições existentes em algumas vertentes do institucionalismo, importante corrente teórica das ciências sociais. Para o institucionalismo, a realidade social e toda atividade humana é forjada, mantida, alterada e condicionada por instituições, ao passo que toda atividade humana implica na transformação e recriação de dadas instituições. Desse modo, ao examinar algumas concepções, recompomos uma concepção de instituição que melhor se aplicasse ao entendimento da realidade.

Somado a essa reflexão utilizamos também alguns autores do pensamento social brasileiro, pois a atividade que guarda aspectos tradicionais e pretéritos se insere na ordem capitalista globalizada. A difusão do capitalismo no Brasil, desde os tempos coloniais, sempre foi contada a partir de distintos surtos e ciclos econômicos (pau-brasil, café, açúcar, borracha), os quais circunscrevem modos específicos de convívio social, cultural, político, sendo eles pretéritos e presentes, modernos e tradicionais. Como diz Octávio Ianni, o Brasil “parece um caleidoscópio de muitas épocas, formas de vida e trabalho, modos de ser e pensar” (IANNI, 2004, p 61-63).

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familiar na biografia dos trabalhadores extrativistas e rendeiros e a memória coletiva, segundo a formulação de HALBWACHS (2006). Por sua vez, a desigualdade da estrutura fundiária vigente e as relações de produção como o arrendamento e a descapitalização existente entre no segmento da cadeia produtiva alvo desse estudo e das relações de trabalho, também contribui para sustentar as formas de produção tidas como artesanais e obsoletas.

A construção do texto dissertativo consta de três capítulos assim descritos: o primeiro capítulo discorrerá sobre o passado da exploração do extrativismo da carnaúba de sua produção, sua importância no passado para a economia da região e em Limoeiro do Norte, locus dessa pesquisa. Veremos como o extrativismo da cera provocou um surto modernizador na cidade, expresso pelo o aparecimento de alguns serviços (luz elétrica, escolas), e demais equipamentos urbanos, a formação de uma elite econômica, algumas mudanças de ordem sócio-cultural, sendo a mais significativa a expansão da Igreja Católica. Também neste capítulo trataremos da desvalorização do produto no mercado internacional, no início da década de 70, que obrigou produtores, comerciantes e exportadores a abandonarem a atividade, em face da concorrência que a cera encontrou no mercado externo, fato agravado com o baixo nível tecnológico da própria atividade.

O segundo capítulo discorrerá sobre a atualidade da atividade extrativa em Limoeiro do Norte – CE, as relações de produção existentes, o aspecto artesanal da atividade, as possibilidades de ganho e rentabilidade, enfim o setor da cadeia produtiva da cera, que nos interessa e o estado das relações sociais pertinentes a atividade. Aqui, procuraremos traçar um comparativo com o passado da atividade, identificando que tipos de relações ainda permanecem e o que mudou no conjunto do processo produtivo do extrativismo em Limoeiro do Norte.

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CAPÍTULO I - RIQUEZA, PROSPERIDADE E DECADÊNCIA NAS VÁRZEAS LIMOEIRENSES: O PASSADO DO EXTRATIVISMO DA CERA DE CARNAÚBA EM LIMOEIRO DO NORTE-CE.

Neste capítulo será exposto o passado do extrativismo da cera de carnaúba em Limoeiro do Norte, o qual foi de suma importância, enquanto ciclo econômico para a cidade devido ao surto modernizador que esse provocou no período de 1920-1950, considerado aqui como o apogeu da extração cerífera. Mudanças de caráter social, econômico e cultural puderam ser percebidas nesse período, muitas delas, segundo entrevistados e alguns estudos, atribuídos a “prosperidade” do aproveitamento econômico da carnaubeira.

Por fim, descreveremos também as causas que levaram a crise na atividade no início da década de 70, cujos efeitos ajudam no entendimento da organização atual do extrativismo.

1.1 Antecedentes do extrativismo da cera de carnaúba: A pecuária e a cotonicultura na economia cearense e jaguaribana.

A cera de carnaúba no Ceará, como aponta GIRÃO (2001), D’ALVA (2007), vai se configurar como importante produto na pauta de exportação do estado, redefinindo até a primeira metade do século XX a realidade econômica, social e cultural no interior do Ceará. O extrativismo desse recurso despontou no cenário econômico cearense, seguindo outras duas importantes atividades: a pecuária e o algodão.

A pecuária e a produção de charque dominaram a economia cearense até a segunda metade do século XIX. Foi à criação de gado responsável pela ocupação do sertão e interior nordestino, em função de uma demanda de alimentos por parte da chamada zona açucareira, além da extensa valorização das terras litorâneas para o plantio da cana-de-açúcar. O gado, portanto, passa a ser responsável pela fixação de pessoas no interior nordestino, preenchendo um importante papel colonizador e civilizatório (ABREU, 2003). Pouco a pouco, o criatório se estende pelos vales dos rios, estes cobertos por carnaubais, para a instalação dos currais e feiras de comércio. A carnaúba já aparece nesse contexto, uma vez que seu tronco era apreciado para a construção dos cercados e para alimentação dos rebanhos.

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principalmente o curso dos rios Jaguaribe e Acaraú, onde vão surgindo núcleos de povoamento, vilas e futuras cidade, tais quais: Icó, Russas e Aracati, maior centro das charqueadas e principal vila da capitania, posterior província do Ceará no vale do Jaguaribe e Sobral e Irauçuba, no vale do Acaraú. As charqueadas expandem a população pelo sertão cearense, onde o modo de vida passa a girar em torno do couro e dos seus utensílios, realidade que se estende até o século XIX, quando ocorrem as crises sucessivas envolvendo a perda de rebanhos, em virtude das secas e enchentes e em seguida com a ascensão do algodão. A pecuária e a cotonicultura formariam os que os historiador Capistrano de Abreu denominaria de “binômio gado-algodão”, atividades associadas, que sob uma estrutura fundiária concentrada e desigual, ditaram o ritmo das atividades econômicas no estado em fins do século XIX.

A cotonicultura conhece um momento de crescimento após a chamada Guerra da Secessão (1861-1865), como ficou conhecida a guerra civil americana entre os estados d Norte e do Sul. Em virtude do conflito e da demanda originada pela Revolução Industrial, se desestabilizou o comércio americano desse recurso. Desse modo, o algodão mocó, perfeitamente apto às condições ecológicas do Nordeste semi-árido, se converte em um importante produto de exportação.

Fortaleza conhece um relativo crescimento que vai colocá-la como um importante ponto de exportação e torná-la o principal núcleo da província e futura capital do estado. Armazéns, teares artesanais e uma incipiente indústria têxtil surgem na futura capital cearense e em alguns núcleos do interior. O algodão, por sua vez, também diversifica e amplia a atividade comercial e os serviços urbanos. Pequenos, médios e grandes produtores, guardadas as respectivas proporções puderam acumular algo e assim desfrutar melhor condição de vida, no sertão cearense, em fins do século XIX.

Será nestes espaços físicos e nas extensas propriedades ao longo das várzeas, abundantemente cobertas pela carnaúba que aparece o extrativismo da carnaubeira, primeiramente consorciado com o gado e com algodão. Assim como o algodão, a carnaubeira também será importante para a integração desse espaço na ordem capitalista mundial, reafirmando a posição periférica frente à economia brasileira (SOARES, 1999)

1.2 O Ciclo da Cera de carnaúba.

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Pouco a pouco, a cera de carnaúba vai figurando como importante produto na pauta de exportações do Ceará, já em fins do século XIX, e se consolida na década de 40, quando chega a representar até 40% (D’ALVA 2008) da balança comercial do estado. As cidades localizadas em áreas próximas as várzeas passam a compor a desenvolver essa produção.

O próprio capital estrangeiro passa a se interessar pela lucrativa extração do pó cerífero, instalando firmas para compra, venda e beneficiamento da cera, sendo uma das mais conhecidas a companhia Johnson, que depois de visitar o país e empreendido uma expedição comercial, procurou conhecer e investir nas potencialidades da carnaubeira. A “expedição Johnson” como ficou conhecida, chegou a instalar uma fazenda em Maracanaú, por volta de 1935, tendo montado uma espécie de laboratório natural de pesquisa para a realização de experimentos objetivando aperfeiçoar o processo produtivo da cera de carnaúba.

As extensas propriedades localizadas nas áreas próximas aos rios, já ocupadas pelo gado e pelo algodão, agora viam emergir uma nova fonte de riqueza e poder. A existência de imensos carnaubais que recobriam toda a extensão do município, principalmente as margens dos rios, foi um fator natural importante para o desenvolvimento da atividade em Limoeiro do Norte, juntamente com o fato de que a cera de carnaúba possuía a qualidade necessária para viabilizar uma atividade extrativa, sendo, portanto somente produzida aqui na região Nordeste, não havendo outras formas de produção em outro lugar do globo. A exclusividade na produção da cera favorecia ainda mais a sua valorização, na medida em que não enfrentava concorrentes no mercado internacional.

A organização da produção de cera de carnaúba variava em função do número de trabalhadores, da designação das respectivas funções competentes no processo produtivo, dos instrumentos utilizados pelos trabalhadores, das formas de pagamento e comercialização. Contudo, a partir da bibliografia levantada até aqui, bem como de alguns depoimentos de memorialistas e de pessoas que viveram o ciclo do extrativismo da cera da carnaúba até a década de 50, ou que pertenceram a famílias de grandes produtores e proprietários de carnaubais no passado, o processo produtivo era dividido em três fases principais: o corte da palha, a secagem e extração do pó e o beneficiamento. Descreveremos cada uma destas.

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primeira função era preciso ter bastante perícia e habilidade para efetuar o corte da palha, de modo que não fosse prejudicial à planta, pois o vareiro poderia cortar o “olho” (broto ou gema da palha), causando a morte da árvore.

Sempre era preferível realizar o corte no início do dia, em média a partir das 4 da manhã, uma vez que a ocorrência de ventos é menor e como ainda não há sol, isso não atrapalharia a visão do trabalhador, se estendendo até as oito, ou nove da manhã. A função de vareiro oferecia bastantes riscos à própria saúde do trabalhador, uma vez que sempre era muito comum acidentes de trabalho envolvendo vareiros, sendo que alguns chegaram mesmo a perder a visão, segundo nos fala CARVALHO (1982), além de problemas na coluna cervical, causados pelo manuseio da vara. Um vareiro cortava em média de 100 a 200 folhas por dia. Dependendo da extensão da propriedade e do carnaubal, bem como da topografia do terreno, essa fase requeria em média dois, ou três vareiros, além de um grupo de dois aparadores, para cada vareiro, segundo ALVES & COELHO (2008)

Em seguida as palhas, derrubadas eram recolhidas por um grupo de aparadores, ou ajuntadores, em média 3 ou 4 pessoas. Muitas vezes na falta de aparadores, cabia ao próprio vareiro realizar tal tarefa. Os aparadores com o auxílio de uma carroça recolhiam as palhas e amarravam-nas em pequenos feixes, contendo cada um de 15 a 20 palhas e transportá-las até ao lastro. Em seguida, cabia ao lastreiro estendê-las no chão, para que expostas ao sol pudessem assim secar durante dois, ou três dias. A secagem como se pode ver era inviável na estação chuvosa, sendo extremamente dependente do sol. Segundo dados muito pó e perdia com o transporte das palhas ate o lastro, bem com na própria secagem ao ar livre, seja pela ação do vento, quanto pelo acúmulo de poeira e detritos do solo.

Segundo JHONSON (1972) métodos como fazer pequenos cortes na palha, para agilizar a própria secagem, conhecido como riscagem, foram adotados. Outras inovações como a construção de um muro baixo circundando a área de secagem, mate fornos industriais tendo sido alguns trazidos pela própria companhia Jhonson chegaram a ser sugeridos, mas não há registro de quem tenham sido adotados, permanecendo ainda até hoje inalterada a forma de secagem.

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das propriedades e mesmo porque quase não havia sol, necessário para a secagem das palhas.

Após a secagem das palhas, é realizada a retirada do pó, a qual exigia maior número de pessoas, em média entre seis e dez pessoas, segundo CARVALHO (1982) e JHONSON (1972). A palha seca era batida com um pedaço de madeira, ou uma tábua sobre um pano nas áreas de secagem, ou em locais fechados para evitar a perda maior de pó. Nestes locais fechados, pelo chão do vento. Em locas fechados sem emprega muito a “trincha”, ou “trinchador, armação de madeira com lâminas pó, as quais cortam a palha em pedaços finos para facilitar a extração do pó. A realização de tal tarefa em locais fechados, embora pareça insalubre, não há registro de que essa operação tenha trazido problemas respiratórios aos trabalhadores nessa etapa. Segundo CARVALHO (1982), tanto o pó cerífero, quanto a própria cera, quando inspirados, ou ingeridos não apresentam qualquer efeito colateral, ao organismo humano.

Já por volta dos anos 40, nos locais de extração do pó se empregava máquinas para facilitar a extração. A mais famosa era a Guarany-Ciclone patenteada pelo piauiense Dermeval Rodrigues, a qual batia 50 milheiros por dia e pesava cerca de 280kg ( ALVES & COELHO 2008), bastante empregava a qual triturava a palha para a obtenção de pó, a qual chegou ser recusada por complicar na separação durante o cozimento/purificação do pó nas “casas de cera”. Mais tarde a Companhia Jhonson tentou implantar outros substitutos para a Guarany-Ciclone, contudo sem a mesma vantagem que a máquina. Para CARVALHO (1982) e D’ALVA (2007) a extração do pó cerífero para muitos produtores, pesquisadores dentre demais interessados no processo produtivo se constituía no principal desafio do processo produtivo da cera no que tange a incorporação de inovação tecnológica.

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horas para que a porção de pó cerífero liquefeito emergisse até a superfície da mistura, segundo CARVALHO (1982) e JHONSON (1972).

Com aquecimento e fervura, a chamada “cera de borra” escoava por uma abertura lateral, e caía num tambor ou era recolhido por um “tacho”, instrumento grosseiro como balde, feito de alumínio com uma haste de madeira, manuseado a distância pelo “fogueiro”. Em seguida essa cera e recolhida e levada para os tanques de secagem onde resfria e se solidifica. Esse material já sólido é utilizado passa para a prensa, máquina rústica feita por madeira, geralmente carnaúba, com um parafuso entre as duas traves, ou colunas, com uma espécie de manivela de madeira na metade das traves. Essa manivela era girada por dois trabalhadores, os prenseiros, ou operários. Prensava-se a cera pré-cozida, sobre um filtro feito de malha, ou palha de carnaúba. A cera era novamente cozida e prensada, até que atingisse o grau de purificação desejado.

A “borra”, ou “borreiro” seria aquela impureza impregnada no pó cerífero, advinda, seja da própria palha ou mesmo do transporte até a casa de cera passado, pois é da pureza ( aspecto amarelado, no caso da cera de olho, e cinzenta esverdeada no caso da cera de palha) que depende a sua valorização.

A lógica do processo era e ainda é a purificação. Tal “pureza” da cera de carnaúba implica realmente na qualidade desta. Para CARVALHO (1982) a qualidade da cera realmente varia conforme a sua “pureza”. Eis que a cera retirada diretamente do “olho” é de melhor qualidade que a cera da palha (mais pesada e escura). O preço da cera oriunda do olho chegava, em média, a ser três vezes maior que a cera obtida da palha. (op. cit. CARVALHO, 1982, p127).

Toda a mão-de-obra empregada na atividade cerífera era oriunda de famílias, que mantinham um pequeno cultivo de subsistência, ou mesmo uma pequena propriedade de carnaubais. A viabilidade da empresa extrativa em Limoeiro do Norte, naquela época, só era possível para grandes e médios proprietários. Pequenos proprietários de carnaubais não conseguiam manter a atividade, em face da diminuta dimensão de suas terras. Para a manutenção do empreendimento, era preciso que o proprietário contasse de 42 a 72 hectares de terra, o que equivaleria em média a 42.000 a 72.000 plantas em estado produtivo (1000 pés por hectare).

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pertencentes, e arrendadas pelo grande proprietário. Somava-se aquela mão-de-obra que não possuía nem terras para cultivar, os trabalhadores que possuíam apenas instrumentos de trabalho (como no caso do vareiro, ou aparador) e que já vivia, ou trabalhava na própria agricultura, ou pecuária, nas terras de um grande proprietário. Segundo SOARES (1999), durante o processo extrativo era comum, as famílias organizarem uma pequena agricultura de subsistência com o cultivo do feijão, milho, mandioca que auxiliava no sustento da família. Algumas também aproveitavam a palha da carnaúba, sem pó para utilizá-la artesanalmente, na confecção de bolsas e chapéus.

O extrativismo de cera trouxe modificações nas formas de pagamento da mão de obra. Enquanto em outras atividades era comum pagar ao trabalhador, com a cessão de parte da produção, (por exemplo, na pecuária havia um tipo de relação conhecida como quarta, na qual o vaqueiro tinha direito a ¼ da criação, assim como no algodão pagava-se com parte da produção), Na cera, vigorava a remuneração monetarizada. O pagamento consistia em diárias, que variavam conforme o tipo de função exercida (vareiro, operário, aparador) e conforme o proprietário. (SOARES 1999). Segundo GIRÃO (2000) a diária em cidades como Limoeiro do Norte e Russas girava em torno dos dois mil réis. Também havia o pagamento por cada milheiro de palha derrubado: em face da valorização do produto, o proprietário preferia pagar em dinheiro o trabalhador, do que vir a ceder parte da produção. Isso só ocorria no caso daqueles trabalhadores minifundistas, os quais recebiam parte do que era produzido, como pagamento pelo aluguel da terra contratada pelo grande, ou médio proprietário. Não havia, salário, ou qualquer remuneração regular.

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O transporte da cera até a capital como foi dito se não era só realizado pelos proprietários de carnaubais e das indústrias artesanais extrativas situadas na bacia do Jaguaribe, Acaraú entre outros espaços onde se produzia tão valioso recurso, também era feita por pequenas corretoras e firmas exportadoras. Segundo D’ALVA (2007), era justamente o setor ligado a exportação, o que mais lucrava com os negócios da cera de carnaúba, em virtude das variações do câmbio, e da ausência de fixação mínima de preços para a cera. Empresas como a Wessel, Strahl & Pitt, Baldini Co dos Estados Unidos, vinham ao Ceará para comprar a cera, refiná-la e comercializá-la nos seus países de origem para fins industriais

Aproveitando-se do mercado especulativo e fraudulento na comercialização da cera existente, aonde práticas como o subfaturamento e a adulteração do produto, tais empresas garantiam maior margem de lucratividade na exportação do produto. O principal destino da exportação cerífera eram os mercados dos Estados Unidos e a Europa, principalmente a Inglaterra, onde a cera era largamente empregada no fabrico de ceras para polir automóveis, móveis, assoalho e na indústria fonográfica, pois a cera entrava como componente na produção de discos para gramofone, na indústria de cosméticos, como batons e pós para maquilagem. No Brasil como já foi dito, a cera de carnaúba tinha um emprego menor, restrito ao fabrico de velas para iluminação das residências e na elaboração de produtos de higiene pessoal, como sabonetes.

Segundo dados, do início do século XX até a década de 50, o país chegou a setuplicar as exportações para o exterior, passando de 1.500 para mais de 10.000 toneladas, (hoje custaria em média de seis a sete milhões de reais, segundo dados do anuário estatístico do Ceará, no ano de 2009) o que fez com que o Ceará despontasse como maior produtor e exportador de cera de carnaúba do Brasil e esse produto como o principal produto de exportação no decênio de 1940-1950, seguido por algodão (32%), gado (15%) e outros produtos (13%). (D’ALVA, 2007). O ciclo da cera da carnaúba promoveu o crescimento de cidades do interior do estado, com destaque para a região jaguaribana, como Russas (maior produtor do estado, com 43% da produção cerífera cearense) e Limoeiro do Norte.

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extrativismo da cera de carnaúba era tão grande que o grande proprietário e produtor passavam um bom tempo inativo, sem efetuar qualquer corte no carnaubal, apenas comprando mesmo o produto de outro fornecedor. A renda acumulada pelo extrativismo de cera era tão vultosa que permitia ao extrator viver pelos oito meses restantes do ano, mesmo sem operar quaisquer cortes no carnaubal. Segundo FERREIRA NETO (2003), aqueles produtores que fabricavam entre 20 a 30 arrobas de cera durante o período de safra, além de garantir seu sustento, lhe asseguraram destacada posição social em frente à sociedade cearense, jaguaribana e limoeirense na época.

Os proprietários e produtores de carnaubais nesse passado estavam representados em grandes famílias, sendo esta a principal instituição no âmbito das atividades e da realidade do meio rural. Dentre as principais famílias, segundo, LIMA (1997) eram as família Estácio, a família Remígio, a família Vieira e Melo e Pinheiro. Outras famílias também ganharam destaque durante o apogeu da produção cerífera em Limoeiro do Norte, contudo, apenas lidando com o comércio seja da cera, quanto de outros artigos, mas que enriqueceram e se tornaram influentes em virtude da valorização do recurso extraído da carnaúba, como a família Oliveira e Lima, Freitas e Castro Silva. O extrativismo da cera embora fosse uma atividade rural, estendia-se a até a cidade, contribuindo para o seu crescimento e diversificação.

O aparecimento deste segmento de novos ricos representou o advento de um conjunto de mudanças sociais e econômicas em Limoeiro do Norte, como apontará os depoimentos de entrevistados e as informações presentes na obra de alguns estudiosos da história local. Tais mudanças se exprimiram em um período de salutares mudanças sócio-econômicas, principalmente na consolidação de atividades mercantis e outros serviços e na estruturação e consolidação de um espaço urbano: “A cera de carnaúba financiou a modernização do espaço urbano, criando escolas, indústrias, estabelecimentos comerciais e várias outras instituições culturais na sede administrativa... os negócios envolvendo a cera de carnaúba serviram para desenvolver as relações comerciais e as atividades urbanas” (FERREIRA NETO, 2003, 452).

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estrutura social e cultural da cidade na época, o que por sua vez deve ter interferido na organização da atividade. Veremos no tópico a seguir como a natureza desse processo de mudança em Limoeiro do Norte afetou o conjunto da atividade extrativa que desencadeou tais transformações.

1.3 A fase áurea do extrativismo da cera de carnaúba e o processo de mudança social em Limoeiro do Norte – Ce (1920-1950): a elite extrativista e a modelação do espaço urbano.

A fase áurea do extrativismo de cera de carnaúba em Limoeiro do Norte (1920-1950) foi responsável por um processo de mudança social que significou um surto de modernização econômica e a configuração de certa forma de sociabilidade e identidade local, a qual também irá influenciar, de algum modo, a forma como é pensada e organizada a própria atividade extrativa. Dentre as mudanças mais significativas que podemos assinalar durante esse período destaca-se a formação e o surgimento de uma elite local, o crescimento urbano e mercantil e a evolução da instituição religiosa católica até o estabelecimento de uma diocese.

Os grandes produtores de cera de carnaúba se constituíram em uma verdadeira uma elite econômica e social local. Proprietária de grandes extensões de terras e enriquecidos com a atividade cerífera, esse segmento surgido com o extrativismo, passou a ser um grupo detentor de grande poder econômico, sendo bastante prestigiado na cidade, como nos fala o Sr. I. P, 72 anos, memorialista de Limoeiro, cuja família foi produtora de cera de carnaúba:

“Aqueles proprietários com a propriedade maior, que tinha mais cera de carnaúba era considerado como coronel, isto é, quem tinha mais dinheiro. Eles possuíam automóvel, eles possuíam, é nesse tempo, móveis luxuosos, bons cavalos, uma casa de moradia muito boa e tudo isso. Eles tinham o respeito das pessoas mais humildes né, dentro da própria sociedade, era influentes”

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cit. LIMA, 1997). Contudo, nos depoimentos dos entrevistados é muito comum referirem-se aos extratores de cera de carnaúba como coronéis, por exemplo, como no depoimento do Sr. J.C, rendeiro, 70 anos:

“Naquela época só quem tinha muito dinheiro era os proprietário, que era rico. Era rico, sim, chamava de rico, né porque os casarão, se é que aqui em Limoeiro, as casa era tudo afastada, né? Mas os casarão só, quem tinha comercio, plantava algodão, vendia cera. Era tudo coronel, no era o coronel do exército, né? Mas é porque eles comprava a roupa de coronel, tinha dinheiro.”

A referência ao termo coronel, neste caso, parece estar mais restrita a uma posição econômica privilegiada, ou prestigiada socialmente, do que a de um chefe político que detinha o controle do colégio eleitoral local. A fala do Sr. I. P, esclarece bastante este fato:

Os coronéis do dinheiro, né? “Naquele tempo se chamavam coronéis as pessoas que tinha muito dinheiro. Você tinha o coronel Raimundo Remígio, o coronel Raimundo Estácio, que possuíam grandes glebas de terra, eram grandes compradores e produtores de cera, por muito tempo compradores de pequenos e grandes proprietários.”

Essa nova elite, curiosamente, não exerceu qualquer forma de poder político na cidade (prefeito, vereador), com exceção do Cel. Vieira de Melo, grande produtor de cera de carnaúba que chegou a ser prefeito interino por um ano. Os demais proprietários de carnaubais e extratores de cera não seguiram carreira política:

“Politicamente, eles num tiveram, eles num exerceram funções importantes, no entanto algum aí chegou a ser prefeito, parece que o coroné Vieira de Melo, ou o caso ainda de ter havido aí, é um ou dois. Na sua maioria eram pessoas influentes, mas sem nenhuma particularidade coma administração municipal”. (I.P memorialista, 72 anos)

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na cidade como nos mostra o estudioso Lauro de Oliveira Lima, no seu livro Na Ribeira do Rio das Onças. Segundo o autor durante este período (1920-1950), dois

grupos mantinham uma luta pelo poder na cidade, denominados pelo autor de o grupo da “coroa”, ou tradicional, representado pela família Chaves, dona dos cartórios da cidade, o que lhes possibilitava controlar e fraudar eleições, e um grupo dito moderno ou a “bolsa” formada pela família Oliveira (grandes comerciantes) e os extratores de cera de carnaúba. Segundo LIMA (1997) este segundo grupo questionava o poder tradicional exercido pelos Chaves, passando a ambicionar a liderança política local e a administração municipal, até então, sob o controle dos Chaves:

“O enriquecimento faz nascer novo tipo de liderança social e política, baseada na produção da cera e no comércio, superando, finalmente, a tradicional fraude cartorial. Pela primeira vez, os caciques que dominavam a povoação desde a colônia viram surgir um grupo contestador capaz de alijá-los. A partir de 1920 começou a travar-se em Limoeiro, a luta incruenta e silenciosa entre o arcaísmo cartorial que vinha manipulando a burocracia, há quase um século, e a modernização provocada pela generalização da riqueza, sobretudo pela valorização da cera de carnaúba. Estabelece-se finalmente a luta entre a “bolsa” (economia) e a “coroa” (burocracia político-administrativa) através de dois grupos antagônicos, nitidamente caracterizados (...) Realmente, o que está em jogo é a modernidade (Oliveira) e a tradição (Chaves)” (LIMA, 1997, p 320-322)

A presença desta elite não estava restrita somente ao âmbito político, mas também social e cultural. O dinheiro da cera fez com que boa parte dos filhos desses proprietários pudesse estudar na capital, uma vez que em Limoeiro, até o início da década de 30, ainda não havia instituições de ensino da cidade. Por sua vez, o alto poder aquisitivo de tais proprietários permitia que estes adquirissem produtos industrializados, como automóveis, rádios, bicicletas, pianos, fonógrafos, inacessíveis para a maioria da população local, que se sentia maravilhada diante de tais artigos modernos. Esses novos ricos passaram a introduzir ainda novos costumes e hábitos como jogos de futebol, leilões, além de promover festividades religiosas, dentre outros hábitos e formas de consumo material:

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radiofônicos, do cinema mudo, o gosto pelos jogos de futebol e pelas saudosas retretas que eram executadas em um coreto na praça b da matriz” (FREITAS, 1997, p. 89-109)

A elite proveniente do extrativismo de cera da carnaúba, por sua vez ainda contribuiu para a remodelação do espaço urbano, com a construção de casarões e casas comerciais na sede do município, as quais passaram a contrastar com as demais residências simples e despojadas da maioria da população. Segundo um dos entrevistados, a construção de tais moradias somente foi possível devido ao elevado poder aquisitivo deste grupo.

Um ponto a ser ressaltado, em depoimentos e na bibliografia existente anteriormente na cidade é o saudosismo com que se fala e escreve sobre esta época de auge da atividade cerífera. A atuação dessa elite ilustra, para muitos que viveram essa época, era um traço da prosperidade e progresso por que passava a cidade. A sua existência era sinônimo de melhora da vida da cidade, bem-estar social, desfrutado por todos que de algum modo participaram, ou vivenciaram esse processo de mudança, como nos diz o memorialista I.J em seu depoimento:

“É quando a cera de carnaúba surgiu, a mudança mais importante foi a riqueza do povo. Todo mundo ficou bem, quer dizer que num existia bicicleta, num existia rádio, começaram a ter rádio, num existia geladeira começou a chegar, não tinha automóvel, finalmente veio, foi uma riqueza generalizada, quer dizer as casas melhoraram, todo mundo construiu a sua casa de tijolo, que antigamente era de taipa, né, casa de barro. Então houve um melhora muito grande, eu até diria espetacular”

O extrativismo de cera da carnaúba, de certo modo, originou e consolidou o próprio espaço urbano de Limoeiro do Norte, com o surgimento dos grandes casarões erguidos casarões no centro da cidade pela elite extratora. Assiste-se também ao desenvolvimento do comércio e de outros serviços, bem como à criação de escolas, a introdução da energia elétrica. Ocorre ainda nesse período de fausto da atividade extrativa, o surgimento e a adoção de novos costumes devido ao surgimento de uma imprensa, com a circulação de jornais, à vinda do cinema e o futebol.

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O comércio, até o início do século XX, em Limoeiro do Norte, era apenas de cunho varejista, não oferecendo senão gêneros de primeira necessidade. Com a lucratividade proporcionada pela cera de carnaúba, alguns produtores passaram a investir na construção de casas comerciais, devido à inexistência de bancos na cidade e à sazonalidade da atividade extrativa, o que forçava o grande produtor a empregar o excedente da produção neste setor. Como foi dito, dentre os produtos comercializados por essas casas comerciais, estavam à própria cera e alguns de seus derivados como velas e ceras para assoalho.

Contudo, foi com o surgimento do empreendimento Oliveira & Irmãos, grande complexo comercial e financeiro, situado no centro da cidade, pertencente aos irmãos Oliveira, já citada aqui como importante família que se beneficiou com o fausto da atividade extrativa em Limoeiro do Norte, que o comércio limoeirense alcançou um grande dinamismo. A atuação desses comerciantes também representou a consolidação da própria urbe limoeirense, seja em face do enorme prédio construído no centro da cidade, na Rua das Flores (mais tarde Rua Santos Dumont, atual Avenida Dom Aureliano Matos), seja pela concentração de sua atividade econômica, principalmente comercial e financeira, localizada no espaço urbano.

O complexo comercial Oliveira & Irmãos era representante de várias instituições bancárias, como o Banco do Brasil, Banco Crédito Comercial, Banco Sul América Capitalização, Banco Frota Gentil, etc. desenvolvendo e introduzindo a atividade bancária na cidade. Segundo Lauro de Oliveira Lima, tal família passou a administrar as rendas de muitos produtores de cera, além de ser grandes compradores do próprio produto para revendê-lo em Fortaleza, ou para outros produtores. Por outro lado, atividades como empréstimos a produtores, intermediação em vendas para outros centros também eram efetuadas por esta firma. Os irmãos Oliveira ainda compravam grandes quantias de algodão, ferramentas agrícolas, dentre outros produtos manufaturados que podiam ser comercializados no atacado. (op.cit LIMA, 1997, 325-327)

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O capital que passou a ser acumulado pela atividade comercial dos Oliveira passou a ser empregado na modernização econômica de Limoeiro do Norte, o que, de certo modo, implicou no aparecimento de novos costumes e hábitos na cidade. A família Oliveira, introduziu o serviço de energia elétrica com a aquisição de um gerador elétrico (1925), a partir da iniciativa dos irmãos Mário e Manfredo de Oliveira o qual passaria a fornecer energia para o centro da cidade, substituindo os antigos lampiões a querosene. Segundo Lauro de Oliveira Lima (descendente da referida família) o serviço durava das 18 às 23 horas e destinava-se a iluminação pública no centro da cidade e àquelas famílias que pudessem pagara pelo serviço, custando o Kw/h 66 contos de réis.

Os Irmãos Oliveira, também adquiriram um projetor cinematográfico (1927), pioneiro do cinema em Limoeiro do Norte; participaram da fundação e colaboraram na circulação de um jornal na cidade (O Alvorada), além da aquisição de um rádio e alto-falantes para a captação de programas nacionais e internacionais, a compra de automóveis e a criação da primeira fábrica de redes além de inaugurar uma linha informal de transporte de caminhão de Limoeiro a Fortaleza, dentre outros empreendimentos. (apud, LIMA, 1997)

A vinda do cinema (mudo) para a cidade de Limoeiro do Norte (1927), por iniciativa dos irmãos Oliveira, é bastante exaltada em depoimentos e estudos, uma vez que este passou a ser não só uma forma de entretenimento e lazer, mas uma forma de educação da própria cidade e elemento construtor de sociabilidade. Por outro lado, o cinema se constituiu no principal meio de comunicação e informação, já que a maioria da população era analfabeta ou pouca instruída. O município ainda não contava com escolas que atendessem a população de baixa renda, complicado ainda por fatores geográficos, haja vista as poucas estradas e vias de acesso para outras cidades da região, para a capital e outros estados (Limoeiro é uma verdadeira ilha, pois está situada exatamente no meio de dois grandes rios, o Jaguaribe e o Banabuiú).

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Hercílio Costa (1940). O cinema foi importante para a difusão de novos valores e costumes, como nos diz o seguinte depoimento, do Sr L. H, 75 anos professor aposentado e ex- trabalhador extrativista:

“Oi, o cinema foi um fator importante para a modificação da sociedade. Ele chegou aqui em Limoeiro, acho que por volta de 30, num sei. Um dos primeiro a trazer foi o Cego Aderaldo, aí teve também os Oliveira, né? Da Oliveira e Irmãos, eles compraram um projetor. Era mais ou menos assim ele vinha, levou o cinema para a várzea e projetava sempre nos oitão da casa. Era oitão branco sempre, comumente, abria o cercado e fazia as projeções cinematográficas nos oitões das casas, né. Foi muito importante, pois abriu a cabeça de muita gente. Cinema foi importantíssimo pra todo mundo também não deixou de ser aqui em Limoeiro”

A circulação de jornais e revistas somente atingia ínfima parcela da população, visto que não havias instituições de ensino na cidade, apenas escolinhas particulares dirigidas por clérigos (padres e cônegos) e outras pessoas alfabetizadas. A primeira instituição de ensino na cidade foi a Escola Normal Rural (1938), a qual contou com a iniciativa da família Chaves e com o apoio dos Oliveira, que fizeram a doação de um terreno para a construção do colégio, e de dinheiro para a compra de cimento, cal e tijolos, dentre outros artigos necessários, segundo LIMA (1997).

A outra iniciativa, relativo a esse período de transformações sociais que merece ser destacada, é a criação do Colégio Diocesano (1942), esse que contaria com o maior envolvimento da elite oriunda da cera de carnaúba e mercantil, da chefia política local. A criação do internato Diocesano foi coordenada pela figura do então 1º bispo Dom Aureliano Matos, figura importante na cidade durante esse processo, o qual iremos destacar nas páginas seguintes. A importância do Diocesano e a relação do extrativismo da cera de carnaúba segundo o depoimento, do Sr. E.H, 77, padre que viveu essa “época de ouro” da história da cidade:

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Pois é se Limoeiro tem um Diocesano, se deve também ao auxílio, financeiro dos coronéis de cera de carnaúba.”

Outra importante “realização” do extrativismo da cera de carnaúba na cidade foi à conquista de uma Diocese, a qual contou com o maciço apoio não só da elite extrativista da cera de carnaúba, mas dos comerciantes e das autoridades políticas locais. A conquista da sede do bispado representou para muitos o ápice desse processo de mudanças na cidade, ao passo que significou também a ascensão e a consolidação de Limoeiro do Norte como o centro sócio-cultural da região jaguaribana.

A conquista da Diocese para Limoeiro do Norte passou pela disputa entre duas outras cidades da região, Russas e Aracati. A conquista desta instituição religiosa envolvia o pagamento de um dote ao Vaticano, além de que a cidade candidata deveria mostrar que poderia oferecer a estrutura necessária para a instalação de uma Diocese, para a construção do Palácio Episcopal e de um Seminário diocesano. Tal dote teria sido conseguido primeiro por Limoeiro, graças à união política e financeira das elites locais, desde os Chaves, que dominavam a política local e o serviço cartorial, até os Oliveira e os extratores de cera de carnaúba, cujo apoio monetário foi indispensável, segundo o seguinte depoimento:

“Naquela época, quase todo mundo era católico apostólico romano. Então, o padre chegava na casa do cidadão e contava a história. Às vezes era um grupo de pessoas da cidade chegava para o proprietário de carnaubal, pro fazendeiro e dizia: Nós estamos aqui pra arranjar uma quantidade “x” para trazer um bispado para Limoeiro e imediatamente aquele pequeno coronel ia lá tirava os seus dois contos de réis e dava para aquele grupo de pessoas, até formar o patrimônio que foi feito para a construção do Palácio Episcopal e parece que alguma coisa para a sede do Bispado, porque tinha que ter uma reserva especial em dinheiro, para o bispo, né? Então, assim, graças à cera de carnaúba foi possível a vinda do bispado pra cá, graças a sua força econômica”. ( I. P., 72 anos memorialista de Limoeiro do Norte)

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dinheiro necessário (200 contos de réis) a ser entregue a arquidiocese em Fortaleza. A liderança de tal comissão coube ao Sr. Franklin Chaves:

“Em seu depoimento á Universidade Federal do Ceará, Franklin Chaves coloca-se como pivô da criação do bispado. Segundo seu depoimento ( que atribui a si mesmo as principais ocorrências da história de Limoeiro), promoveu, para planejar a conquista do bispado, uma reunião dos grandes de Limoeiro (Oliveira, Gaudêncio, Hercílio Costa e Silva, Juca Osterne) no Cine Moderno dos Oliveira, local em que as batalhas pelo progresso de Limoeiro foram arquitetadas.” (LIMA, 1997, p 367).

A conquista da Diocese jaguaribana, tendo como sede do bispado Limoeiro do Norte, se deu em 1938. Contudo, o primeiro bispo, Dom Aureliano Matos somente sagrar-se-ia em 1940. Sua atuação não se restringiu somente à sua liderança religiosa, mas foi também, política e social. Dom Aureliano exercia uma influência enorme sobre as elites locais e sobre a população em geral, sendo atribuído à sua figura, boa parte da modernização alcançada pela cidade durante este período, como a instalação de escolas, colégio Diocesano, CESV (Centro Educacional São Vicente de Paulo, popular Patronato), a construção de igrejas, a criação de uma Casa de Saúde e Maternidade, responsável pela assistência à população mais carente, a criação do Seminário diocesano (1947). Dom Aureliano ficaria conhecido como “o Benfeitor da Cidade”, devido aos seus esforços e trabalhos, no sentido de contribuir para a modernização econômica da urbe limoeirense:

“Foi um privilégio para a história de Limoeiro ter como primeiro bispo, D. Aureliano Matos. Carismático, autoritário, grande administrador, sagaz economista, empolgou a população do município, que atendia pressurosa a todos os apelos do bispo, que funcionava como apóstolo religioso e líder civil, na educação popular e na modernização da povoação. Foram iniciativas de D. Aureliano todas as instituições básicas do equipamento coletivo de Limoeiro, com exceção da Escola Normal Rural.” (LIMA, 1997, p 368)

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Grande parte das festividades e comemorações que reuniam pessoas na praça da Catedral, para a celebração de missas, a realização de leilões com fins filantrópicos. Tais eventos sempre contaram com o financiamento dos extratores da elite oriunda da cera de carnaúba, os quais mantinham ótimas relações com a Igreja, principalmente nesta época sob o bispado de Dom Aureliano Matos:

“Essa festa tudo da igreja quem financiava era os proprietários de carnaubal, vendedor de cera de carnaúba. O certo é que a Igreja num tinha dinheiro e toda esta festa era feita quem patrocinava era o povo, esse povo aí, que era muito religioso e então patrocinava eram os leilões, as festas juninas, Nossa Senhora da Conceição. Era os proprietário quem patrocinava tudo, que fosse necessário para o engrandecimento da Igreja” (Irajá Pinheiro, memorialista , 72 anos)

Entre os eventos mais importantes que contavam com a participação maciça da população e do financiamento da elite extrativista e mercantil, estavam os Congressos Eucarísticos, que apontavam para o fortalecimento e disseminação dos princípios da fé católica, como a realização de boas obras, a defesa incontestável da família, dos bons costumes, etc. Nos congressos defendia-se a freqüência dos fiéis às missas, a realização de missões e procissões, o jejum e a abstinência, o respeito e a obediência aos feriados santos, a caridade aos mais pobres e o desapego aos bens materiais, dentre outros princípios da doutrina cristã católica. Estes contavam também como apoio massivo da população e das principais autoridades católicas que compunham a Diocese jaguaribana, além de autoridades católicas convidadas, como autoridades da Diocese de Mossoró – RN, segundo FREITAS (1997). Desse modo, Limoeiro do Norte passa a se afirmar como centro social e cultural, graças a existência de tais instituições e atividades (bispado, cinema) as quais estavam associadas à atividade mercantil e extrativista de cera de carnaúba.

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a religião eram importantes para a preservação da ordem e disciplina necessárias para o progresso e o bem-estar social. (LIMA, 1997, p341-345)

A cidade apreciava alguns outros costumes e hábitos que não estavam diretamente ligados à religiosidade católica. A organização de leilões, as retretas no coreto da praça da matriz, a ida ao cinema mudo, o qual também atraía multidões e os jogos de futebol estavam entre as formas de entretenimento da população limoeirense durante este período. A partir das décadas de 30 e 40 passaram a se disseminar os jogos de futebol, com a criação dos times, inclusive, organizados pelas famílias que sustentavam as disputas políticas na cidade. Torneios e campeonatos eram freqüentemente organizados nos finais de semana para deleite da elite local e da população mais humilde, que apreciava essa forma de lazer. (op.cit, LIMA, 1997, p 504 – 507)

Os limoeirense também se divertiam com as bicicletas que eram poucas até o início da década de 30. Pouco a pouco, o uso da bicicleta passou a ser difundido, substituindo em muitos casos as carroças e os cavalos, na locomoção pela cidade, facilitado pela sua topografia plana. Quanto às festividades também se comemorava, e muito, o carnaval, nas ruas da cidade e em pequenos clubes. A partir da década de 50, começam a surgir vários blocos carnavalescos, os quais executavam as saudosas marchinhas, que animavam a multidão nos clubes e ruas de Limoeiro.

Este período, marcado por algumas mudanças e pela configuração desse modo de vida, é sempre relembrado com nostalgia pelos que o vivenciaram, sempre o identificando como um momento de “prosperidade e bem-estar social”:

Referências

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