• Nenhum resultado encontrado

Perspectivas bioéticas sobre justiça nos ensaios clínicos.

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2017

Share "Perspectivas bioéticas sobre justiça nos ensaios clínicos."

Copied!
12
0
0

Texto

(1)

clínicos

Cecilia Ferreira da Silva1, Miriam Ventura2, Claudia Garcia Serpa Osorio de Castro3

Resumo

O Brasil é campo próspero para ensaios clínicos, possui regulamentação nacional e sistema de monitora-mento bem desenvolvido e insitucionalizado. A Resolução do Conselho Nacional de Saúde CNS 466/2012 incorpora o princípio da jusiça como fundamental para garanir a eicidade das pesquisas. Este estudo teve como objeivo invesigar os senidos bioéicos atribuídos a esse princípio na condução dos ensaios clínicos com medicamentos no país. Trata-se de revisão narraiva da literatura, realizada em duas etapas: compre-ensão das regulamentações em pesquisa e busca sistemáica sobre o tema. Há fragmentação da discussão sobre o princípio da jusiça, abordando-se diferentes etapas dos ensaios. As percepções dos autores foram organizadas em três categorias que possuem certo grau de intercambialidade. Devem ser realizados estudos empíricos e discussões sobre a aplicação desse princípio na análise éica dos ensaios clínicos e sobre sua ade-quação e efeividade com vistas à redução das injusiças em saúde.

Palavras-chave: Pesquisa biomédica. Preparações farmacêuicas. Jusiça social. Éica em pesquisa.

Resumen

Perspecivas bioéicas sobre la jusicia en los ensayos clínicos

Brasil es un campo próspero para ensayos clínicos, posee una reglamentación nacional y un sistema de segui-miento bien desarrollado e insitucionalizado. La Resolución del Conselho Nacional de Saúde (CNS) (Consejo Nacional de Salud) 466/2012 incorpora el principio de la jusicia como fundamental para garanizar la eicidad de las invesigaciones. Este estudio tuvo como objeivo invesigar los senidos bioéicos atribuidos a este principio en la realización de ensayos clínicos con medicamentos en el país. Se trata de una revisión narraiva de la literatura, realizada en dos etapas: alcance o ámbito de las regulaciones en invesigación y búsqueda sistemáica sobre el tema. Hay una fragmentación en la discusión del principio de jusicia en las diferentes eta-pas de los ensayos. Las percepciones de los autores fueron organizadas en tres categorías que, no obstante, ienen cierto grado de intercambiabilidad. Se debe profundizar en estudios empíricos y discusiones sobre la aplicación de este principio en el análisis éico de los ensayos clínicos y sobre la adecuación y efecividad con el in de reducir las injusicias en la salud.

Palabras clave: Invesigación biomédica. Preparaciones farmacéuicas. Jusicia social. Éica en Invesigación.

Abstract

Bioethical perspecive of jusice in clinical trials

Brazil has a welcoming seing for clinical trials, with naional regulaions and a well-developed and insitu-ionalized monitoring system. The Conselho Nacional de Saúde (Brazilian Naional Health Council) Resoluion 466/2012 adopts the principle of jusice as a fundamental requirement for ethics in research. This study aims to invesigate the bioethical meanings atributed to this principle in clinical trials with medicines in the country. The study was conducted through a thorough revision of the literature, which was performed in two phases: understanding trial regulaions and systemaically researching the issue. There is fragmentaion of the discus-sion regarding the principle of jusice, addressing the diferent stages of trials. The authors’ percepions were organized into three categories, which are interchangeable to a certain degree. Empirical studies and discus-sions must be conducted on the applicaion of this principle in the ethical analysis of clinical trials, as well as the adequacy and efeciveness of this principle in reducing social injusices in health.

Keywords: Biomedical research. Pharmaceuical preparaions. Social jusice. Ethics, research.

1. Mestrececilia.silva@inca.gov.br – Insituto Nacional de Câncer (Inca), Rio de Janeiro/RJ 2. Doutoramiriam.ventura@iesc.ufrj.br – Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro/RJ 3. Doutoraclaudia.osorio@ensp.iocruz.br – Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (Ensp), Rio de Janeiro/RJ, Brasil.

Correspondência

Cecilia Ferreira da Silva – Rua André Cavalcani, 37, 5º andar (prédio anexo), Centro CEP 20231-050. Rio de Janeiro/RJ, Brasil.

Declaram não haver conlito de interesses.

Artig

(2)

Ensaios clínicos são pesquisas, conduzidas em seres humanos, que envolvem intervenções clíni-cas com medicamento experimental, produtos para saúde e/ou procedimentos terapêuicos. Os ensaios representaram 80% da totalidade de estudos ca-dastrados na plataforma internacional de registros públicos de ensaios clínicos ClinicalTrials em 2015. Entre os países sul-americanos com estudos

re-gistrados na plataformaaté março de 2015 (6.340

pesquisas), o Brasil é o mais citado, com 4.323 estu-dos, seguido por Argenina (1.889) e Chile (1.027)1.

A realização de ensaios clínicos pode consituir importante fator agregador à economia dos países paricipantes, gerando empregos e propiciando desenvolvimento cieníico e tecnológico local; à ciência, pelas informações cieníicas ideniicadas e estudadas em cooperação com centros de pes-quisas; e à saúde pública, à vista dos potenciais beneícios diretos para os paricipantes e a possível acessibilidade da população aos novos produtos. Entretanto, todas essas possibilidades dependem da efeiva atuação das instâncias sanitárias e de mo-nitoramento éico, social e políico, no senido de se conhecerem os objeivos, a atuação dos grupos de pesquisas e as reais perspecivas desses estudos, sem descuidar-se das medidas de eliminação e re-dução de danos e riscos aos paricipantes.

No contexto dos ensaios clínicos, a busca de novas terapias tem forte apoio social. No caso da oncologia, por exemplo, em função das altas taxas de morbidade e mortalidade do câncer, o surgimen-to de novos anineoplásicos é sempre acompanhado de grande interesse, expectaivas e pressões por parte dos pacientes, seus familiares, médicos e, ainda, da própria indústria farmacêuica, para que o medicamento seja incorporado ao Sistema Único de Saúde (SUS)2. A mobilização em torno de pesqui-sas com medicamentos anirretrovirais é exemplo da forte atuação de pessoas com HIV e organizações não governamentais, indústrias farmacêuicas, mé-dicos, organizações internacionais, entre outros, em prol do avanço das pesquisas clínicas e do acesso aos medicamentos na rede de assistência à saúde3.

O Brasil tem se tornado campo próspero para a realização de ensaios clínicos4-6; porém, alguns es-tudos apontam7,8 e nem sempre correspondem às necessidades/prioridades da saúde pública brasilei-ra, à vista dos conlitos de interesses coidianamente apontados. Esses conlitos envolvem pesquisadores e indústrias farmacêuicas, em função dos incenivos inanceiros para a realização de ensaios, da compe-ição entre os centros paricipantes no que tange ao recrutamento de paricipantes de pesquisas9,

bem como da própria estratégia de markeing da produção cieníica10. O manejo dos conlitos de in-teresses em pesquisa, reais ou potenciais, de cunho inanceiro ou pessoal, é imperioso para assegurar a objeividade das pesquisas11 e a integridade de seus resultados.

Os conlitos entre as reais necessidades em saúde e os interesses inanceiros e comerciais po-dem se agudizar no decorrer dos ensaios, diante da possibilidade de obtenção de beneícios de nature-za coleiva12. É desaio da saúde pública ampliar a disponibilidade de medicamentos e procedimentos terapêuicos necessários, eicazes e seguros. Para tanto, é preciso ampliar a captação de recursos e realização de pesquisas, bem como a capacitação proissional de pesquisadores no país13. A execução de ensaios clínicos (estudos de eicácia, segurança, efeividade e custo-efeividade) que gerem evidên-cias cieníicas consistentes é essencial ao processo de incorporação de tecnologias pelo SUS e à am-pliação do acesso da população a tais tecnologias, exigindo, mais uma vez, complexa análise éica da pesquisa proposta que contemple, de forma consis-tente e no conjunto de outros princípios, o princípio da jusiça.

O Brasil possui regulamentação e sistema de controle e monitoramento da pesquisa em seres humanos bem desenvolvidos e insitucionalizados em todo o território nacional, visando assegurar os direitos e deveres dos pesquisadores, paricipantes da pesquisa e da sociedade. A principal regulamen-tação é a Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) 466/2012, que contém diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos e manteve a orientação para as análises éicas da práica clínica e pesquisa proposta por Tom Beauchamp e James Childress14 em 1979, na obra clássica “Princípios de éica biomédica”. Os autores indicam que a pesquisa deve ser realizada mediante avaliação de quatro princípios éicos: 1) respeito à autonomia, 2) não maleicência, 3) beneicência e 4) jusiça. A regulamentação brasileira não exclui o uso de outros princípios morais, mas, assim como a teo-ria referida, admite os quatro princípios morais como deveres prima facie para a garania da eicidade das pesquisas.

A regulamentação brasileira incorpora di-versos requisitos éicos derivados dos princípios listados acima, como respeito ao paricipante da

pesquisa em sua dignidade e autonomia

(auto-nomia), ponderação entre riscos e beneícios (…) comprometendo-se com o máximo de beneícios e o

mínimo de danos e riscos (beneicência), garania de

Artig

(3)

que danos previsíveis serão evitados (não maleicên-cia) e relevância social da pesquisa, o que garante a igual consideração dos interesses envolvidos, não perdendo o senido de sua desinação

sócio-huma-nitária (jusiça)15.

No que concerne ao princípio da jusiça, objeto deste estudo, a Resolução CNS 466/2012 o estabele-ce como distribuição equitaiva de encargos sociais e bens entre indivíduos, e entre estes e o coleivo. A maior diiculdade está na tradução do princípio da jusiça, cujo senido distribuivo exige estabelecer consenso sobre o que deve ser considerado essen-cial para alcance do bem-estar individual e coleivo, assim como os parâmetros para legiimação desses critérios distribuivos e da resolução de conlitos na éica em pesquisa.

Diante desse cenário, este trabalho teve como objeivo analisar, no âmbito dos estudos sobre éica em pesquisa, a aplicação do princípio da jusiça no percurso da realização dos ensaios clínicos com me-dicamentos no país.

Percurso metodológico

Trata-se de revisão narraiva da literatura realizada em duas etapas, tendo como objeto o princípio da jusiça em pesquisas clínicas. Primei-ramente, pesquisou-se a legislação que normaiza a pesquisa clínica no Brasil. Todas as normas foram lidas, e seus fundamentos, organizados de modo a destacar questões relaivas ao princípio da jusiça. A seguir, três bases de dados eletrônicas – Biblioteca Virtual de Saúde (BVS), PubMed e Scopus – foram consultadas para a busca sistemáica da literatura sobre “jusiça” e “éica em pesquisa”. O período compreendido na busca estendeu-se da publicação da Resolução CNS 466/201215, em 13 de junho de 2013, e prosseguiu até outubro daquele ano.

Aplicaram-se o iltro “humano” e a chave de busca “jusiça” (jusice) ou “jusiça social” (social

jusice) combinada com os descritores “éica em

pesquisa” (ethics research), “ensaio clínico” (clinical

trials) e “medicamentos” (medicines). A pesquisa

se limitou a arigos escritos em inglês, português e espanhol. Foram excluídos arigos duplicados nas bases, inacessíveis e considerados inadequados ao objeto da pesquisa.

À análise da regulamentação éica vigente, que estabelece o contexto normaivo da discussão sobre jusiça, seguiu-se análise temáica dos resultados da literatura, de acordo com categorias que emergiram da leitura dos textos. Realizaram-se leitura lutuante

dos arigos e posterior agregação dos nexos consi-tuintes dos grandes temas ideniicados.

Consideraram-se também estudos não re-sultantes da busca sistemáica, mas perinentes ao tema da éica em pesquisa e sua regulamentação, ideniicados ao longo do trabalho. Sua inclusão jusi-ica-se para melhor compreensão e desenvolvimento da discussão bioéica acerca do princípio da jusiça.

Resultados e discussão

Foram ideniicadas 48 publicações, sendo 29 no PubMed, 11 na BVS e 8 na Scopus. Após leitura e exclusões, 22 arigos foram selecionados. A descri-ção detalhada do luxo de elegibilidade encontra-se no Quadro 1.

Quadro 1. Fluxo de elegibilidade dos arigos da

busca sistemáica sobre jusiça e éica em pesquisa

Resumos pesquisados em bases de dados 48 Resumos restantes após remoção de duplicatas 37 Resumos considerados inadequados ao objeto da

pesquisa 3

Arigos completos inacessíveis 5 Resumos considerados adequados ao objeto da pesquisa e classiicados para leitura completa dos arigos

29

Arigos completos excluídos após leitura 7

Arigos válidos para análise 22

A parir da leitura dos arigos selecionados na busca sistemáica, procurou-se ideniicar a aplicação e a compreensão dos autores sobre prin-cípio da jusiça no contexto da pesquisa clínica com medicamentos.

O princípio da jusiça e a éica em pesquisa

O princípio da jusiça adotado nas regula-mentações de éica em pesquisa como orientação fundamental para a tomada de decisão busca, em perspeciva geral, reconhecer: o direito obrigatório [de cada pessoa] a um mínimo digno de assistência

à saúde [e considerar que] a jusiça das insituições

sociais de assistência à saúde [visam] contrabalançar

a falta de oportunidade causada pelas loterias natu-rais e sociais, sobre as quais os indivíduos não têm um controle substancial, e por seu compromisso com procedimentos eicientes e justos na alocação dos

re-cursos em saúde 16.

Os estudos ideniicados apontam que ques-tões e conlitos morais sobre éica em pesquisa

Artig

(4)

devem ser tratados em perspeciva de jusiça distri-buiva e não comutaiva17 e trazem a ideia de “jusiça como equidade”18. Interessante observar que essas ideias estão regularmente presentes nos estudos de saúde pública no Brasil, como aponta Escorel19, e que o conceito de equidade está relacionado à cobertura dos serviços e à alocação e ao uso dos recursos no acesso, conforme o estado de saúde, e tem sido ad-miido como orientador das políicas de saúde com o objeivo de reduzir desigualdades, notadamente em situações de conlito, funcionando como instrumen-to de jusiça.

Nesse diapasão, no conjunto de estudos anali-sados nesta pesquisa, o princípio da jusiça, quanto à execução de ensaios clínicos, refere-se principal-mente à jusiça distribuiva, e aponta a exigência de distribuição equitaiva aos sujeitos envolvidos e a determinada comunidade dos encargos e beneícios da paricipação na pesquisa20. Entretanto, existem várias teorias acerca da jusiça que a consideram dos pontos de vista, por exemplo, uilitarista, libe-ral, comunitarista e igualitário, não havendo teoria uniicada que agregue as diferentes concepções16. Como ressaltado inicialmente, o desaio é idenii-car aspectos morais relevantes e decisivos em cada situação, os quais devem consituir os critérios de distribuição equitaiva a serem adotados, sem per-der de vista a perspeciva igualitarista.

O princípio da jusiça pode ser aplicado a dife-rentes etapas do ensaio clínico. Durante a seleção dos paricipantes de pesquisas, dois níveis de jusi-ça podem ser expressos, o social e o individual, o que representa não fazer disinção injusiicada de qualquer ordem – cor, gênero etc. –, estabelecendo claramente os critérios para inclusão no estudo de forma que qualquer pessoa da comunidade elegível possa paricipar.

Também devem ser oferecidos igualmente beneícios diretos da invesigação a todos que par-iciparam do ensaio, e subsidiariamente ao grupo que representam. Contudo, mesmo atentando-se para esses aspectos na seleção, algumas injusiças podem surgir, visto que existem padrões sociais injustos (preconceitos) já insitucionalizados na so-ciedade e que podem afetar a distribuição geral dos encargos e beneícios da pesquisa aos indivíduos 21. Nesse senido, medidas adicionais de miigação devem ser empreendidas por pesquisadores, insi-tuições, Estado e sociedade, no senido de buscar a máxima igualdade material efeiva na distribuição.

Outro aspecto da jusiça na éica em pesqui-sa requer que sejam consideradas as condições ou necessidades de saúde da população na avaliação

do projeto, em especial a da população vulnerável a ser recrutada, pois os riscos aos quais está subme-ida são mais jusiicáveis quando as intervenções ou procedimentos a serem realizados promovem beneícios diretos à saúde20. Na regulamentação brasileira, vulnerabilidade é deinida como o estado de pessoas ou grupos que, por quaisquer razões ou moivos, tenham a sua capacidade de autodetermi-nação reduzida ou impedida, ou de qualquer forma estejam impedidos de opor resistência, sobretudo no

que se refere ao consenimento livre e esclarecido 15.

Vale ressaltar que a distribuição de bens e serviços baseada em necessidade é ida como justa, conforme sustentado pelo princípio da neces-sidade16. Saúde pode ser considerada necessidade fundamental e sua não saisfação pode provocar prejuízos. É possível veriicar a inclusão do princí-pio da jusiça como referencial éico nos itens da Resolução CNS 466/2012 citados a seguir, os quais formulam exigências para pesquisa, independente-mente da área de conhecimento.

• Se houver necessidade de distribuição aleatória dos paricipantes da pesquisa em grupos

expe-rimentais e de controle, assegurar que, a priori,

não seja possível estabelecer as vantagens de um procedimento sobre outro, mediante revisão de literatura, métodos observacionais ou

méto-dos que não envolvam seres humanos (III.2,

alí-nea f);

• Garanir que as pesquisas em comunidades, sempre que possível, traduzir-se-ão em bene-ícios cujos efeitos coninuem a se fazer senir

após sua conclusão (III.2, alínea l);

• Comunicar às autoridades competentes, bem como aos órgãos legiimados pelo controle so-cial, os resultados e/ou achados da pesquisa, sempre que estes puderem contribuir para a melhoria das condições de vida da coleividade (III.2, alínea m);

• Assegurar aos paricipantes da pesquisa os be-neícios resultantes do projeto, seja em termos de retorno social, acesso aos procedimentos,

produtos ou agentes da pesquisa (III.2, alínea n);

• Comprovar, nas pesquisas conduzidas no exte-rior ou com cooperação estrangeira, os compro-missos e as vantagens, para os paricipantes das pesquisas e para o Brasil, decorrentes de sua

rea-lização (III.2, alínea p);

• Os estudos patrocinados no exterior também de-verão responder às necessidades de transferên-cia de conhecimento e tecnologia para a equipe brasileira, quando aplicável e, ainda, no caso do

Artig

(5)

desenvolvimento de novas drogas, se comprova-das sua segurança e eicácia, é obrigatório seu

registro no Brasil (III.2, alínea p);

• Assegurar a todos os paricipantes ao inal do es-tudo, por parte do patrocinador, acesso gratuito e por tempo indeterminado, aos melhores méto-dos proiláicos, diagnósicos e terapêuicos que

se demonstraram eicazes 15 (III.3, alínea d).

Vale ressaltar que o processo de revisão e mo-nitoramento éico das pesquisas envolvendo seres humanos por parte dos comitês de éica deve ser tratado como questão de jusiça social, em que os interesses de todas as partes envolvidas devam ser reconhecidos e levados em consideração22.

Embora os conceitos de autonomia,

benei-cência e jusiça estejam consagrados no âmbito das

pesquisas clínicas, mediante resoluções brasileiras e manuais internacionais de éica em pesquisa, in-tegrar esses pilares éicos à práica do mundo real é tarefa conínua23, considerando-se em especial o princípio da jusiça, que por sua amplitude e abs-tração depende de análise contextual individual e social para sua adequada aplicação.

As implicações práicas e as formulações desse princípio consituíram um dos objeivos deste estu-do. Da análise dos arigos cieníicos ideniicados emergiram três categorias temáicas, que estrutura-ram a relexão bioéica desse princípio na pesquisa clínica: 1) relevância social; 2) distribuição equitaiva de encargos e beneícios referentes à paricipação na pesquisa; e 3) equidade de acesso à saúde. A Figura 1 ilustra as categorias e seus elementos cons-ituintes, ou subcategorias.

Relevância social

Segundo Kurihara 24, a relevância social de um estudo envolve acesso aos resultados da pesquisa e às informações sobre o medicamento, a forma de paricipação de um país nos ensaios clínicos e as-pectos metodológicos cieníicos de seu desenho. Em relação ao acesso às informações, a publicida-de dos resultados popublicida-de contribuir para a melhoria das condições de vida da população e servir como alerta sobre as melhores condições de tratamento e/ou proilaxia e, portanto, conigura-se igualmen-te como elemento importanigualmen-te da relevância social. Atualmente, a não publicação dos resultados após a condução do estudo implica violação da Resolução CNS 466/2012 15.

O movimento mundial em prol da publicidade dos resultados dos estudos é relaivamente recente.

O ClinicalTrials, uma das principais plataformas de

registro de ensaios clínicos no mundo, lançou sua base de dados de resultados apenas em setembro de 2008, possibilitando que invesigadores e/ou pa-trocinadores enviassem seus resultados. O banco de dados de resultados foi desenvolvido para atender às requisições do Food and Drug Administraion

Amendments Act (FDAAA), de 2007 25. A publicidade

dos resultados nessa plataforma cresceu gradaiva-mente no decorrer dos anos, consituindo ganho signiicaivo para a sociedade em termos de publici-dade e acesso a informações de estudos.

Outro aspecto importante do acesso a in-formações são os registros de medicamentos nas agências reguladoras, etapa fundamental para avaliação do medicamento, que é o momento de atuação dessas autoridades como mediadoras entre os interesses dos fabricantes de medicamentos e as necessidades da saúde pública, visando, sobretudo,

ao dever de proteção da saúde 12. Assim, a

transpa-rência pública dessas informações é essencial para o fortalecimento da legiimidade do processo de registro no país e para esimular o acesso, por usuá-rios e pela comunidade cieníica, a informações de medicamentos em estudo.

Como referido inicialmente, a paricipação de um país em ensaios clínicos internacionais pode trazer vários beneícios, mas é preciso avaliar o po-tencial beneício desses estudos no contexto local. Alguns aspectos, a seguir apontados, são admiidos como perinentes para essa análise.

Dados de 2011 da Agência Nacional de Vigi-lância Sanitária (Anvisa) demonstram que apenas 4% dos estudos realizados no Brasil eram de fase I, que são estudos de alta complexidade, enquanto a maior parte das aprovações eram estudos de fase III (63%), seguidos por 22% de fase II e 11% de fase IV 26. Em pesquisa sobre a paricipação brasileira nos ensaios clínicos em oncologia no Brasil, de 2003 a 2012, a Anvisa observou que 88,8% desses ensaios eram de fase III 27. Esses dados sugerem que os estudos conduzidos no Brasil são de menor comple-xidade tecnológica, o que minimiza as possibilidades de aprimoramento técnico da equipe brasileira e/ou de transferência de tecnologia.

O patrocínio das pesquisas por indústrias farmacêuicas estrangeiras é importante para o de-senvolvimento cieníico; porém o monopólio da área pode comprometer a credibilidade da pesqui-sa, considerando-se a existência de fortes conlitos de interesse, de diícil manejo. Esima-se, assim, estabelecer igual consideração e medidas de equi-dade para o alcance da igualequi-dade esperada entre os paricipantes do estudo na distribuição de ônus

Artig

(6)

Busca sistemáica sobre jusiça e pesquisa clínica

Distribuição geográica dos ensaios clínicos

Critérios de seleção dos ensaios clínicos Relevância

social

Acesso aos resultados da pesquisa

Acesso às informações sobre o medicamento

Paricipação dos países nos ensaios clínicos

Metodologia do desenvolvimento dos

ensaios clínicos

Acesso aos métodos proiláicos, diagnósicos e terapêuicos pós-estudo

Estudos direcionados às necessidades da

população local

Uso adequado de placebo Equidade de

acesso à saúde

Distribuição equitaiva de encargos e beneícios

e beneícios da pesquisa. Na tentaiva de proteger paricipantes de pesquisa e pesquisadores, o CNS, por meio da Resolução 466/2012, dispõe sobre a transferência de conhecimento e tecnologia quando há patrocínio estrangeiro 15.

Outro aspecto importante na avaliação da relevância social do estudo é a qualidade de seu desenho (método). Estudos cieníicos bem pro-postos podem traduzir-se em beneícios diretos aos

paricipantes de pesquisas e à comunidade ciení-ica. Os desenhos dos ensaios clínicos, sejam eles diagnósicos, terapêuicos ou prevenivos, suscitam questões cieníicas e éicas relacionadas a patroci-nadores, invesigadores e comitês de éica 20.

O processo de randomização dos paricipantes de pesquisas, por exemplo, é ferramenta meto-dológica importante sob a óica da jusiça, pois a atribuição aleatória de paricipantes para braços de

Figura 1. Organograma com as categorias analíicas sobre jusiça e éica em pesquisa e suas implicações

Artig

(7)

tratamento promove igualdade de chances na dis-tribuição das intervenções. São oferecidos de forma equivalente a todos os paricipantes os beneícios previsíveis e os riscos de paricipação naquele estu-do 15. Adicionalmente, do ponto de vista cieníico, remove-se o potencial de viés na atribuição de pa-cientes para uma intervenção ou outra através da introdução de imprevisibilidade 28, eliminando, por exemplo, vieses de seleção relacionados à vulnera-bilidade de alguns paricipantes.

A randomização é também importante para a segurança dos pacientes, uma vez que, em geral, estudos não randomizados ou com alocação inade-quada superesimam ou podem mascarar os efeitos dos tratamentos 28, afetando negaivamente tanto os paricipantes de pesquisas quanto a informação cieníica. Para Kurihara 24, algumas estratégias para o desenvolvimento de novos fármacos, como dese-nhos de estudos com microdoses (microdose clinical

trials), podem trazer beneícios à sociedade,

retor-no social e contribuições para a medicina, apesar de despertar discussões éicas por não possuírem efeito terapêuico e envolverem alguns riscos e ônus sem agregar beneícios diretos aos paricipantes de pesquisas. O cegamento é outra estratégia metodo-lógica que tem por objeivo garanir que avaliações e decisões médicas/clínicas não sejam inluenciadas pelo conhecimento sobre o tratamento designado ao paciente 29.

A avaliação e adequação desses aspectos do desenho de estudo, entre outros, são importantes para o alcance dos objeivos propostos, a geração de informações/conhecimento e a ampliação da re-levância social do estudo.

Equidade de acesso à saúde

Diversos estudos 30-42 discutem a questão da igualdade de oportunidades na uilização de ser-viços sanitários. A Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), em uma das sessões do comitê exe-cuivo sobre acesso à saúde, deiniu equidade em saúde como ausência de diferenças injusiicáveis nas condições de saúde, acesso a serviços, contri-buições inanceiras, acesso a espaços saudáveis e atendimento recebido dos prestadores de serviços

de saúde durante a prestação dos serviços 43. No

contexto das pesquisas clínicas, umas das implica-ções da equidade de acesso à saúde é a distribuição das oportunidades de acesso a ensaios clínicos, que pode ser mensurada pela sua distribuição geográ-ica, assim como pelos critérios de elegibilidade de paricipantes para inserção em estudos.

A ampla disseminação de estudos pelo mundo é apontada como vantajosa, pois diferentes etnias e condições sociais, culturais e ambientais estarão expostas às intervenções estudadas, aumentando as chances de reproduibilidade de tal intervenção quando extrapolada para a população em geral. As-sim, seria justo que os países desenvolvidos, grande parte dos propulsores de pesquisas, paricipassem equilibradamente dos estudos tanto quanto os paí-ses hospedeiros, comumente em desenvolvimento, evitando-se, assim, o duplo padrão e as injusiças com populações locais.

A dispersão homogênea dos estudos pelo mundo é luta de muitos autores e pesquisadores. Muito tem se discuido sobre a execução de estu-dos clínicos em países em desenvolvimento, em especial no campo do HIV. Thomas 40 discorre sobre tais desaios éicos e airma que a maior parte dos manuais de éica para pesquisas sobre HIV em seres humanos é baseada em requerimentos éicos míni-mos (respeito à pessoa – autonomia, beneicência e jusiça distribuiva), “ethics of minimal standards”, enquanto deveriam ser estendidas as perspecivas maximalistas da bioéica, levando-se em conside-ração questões relacionadas ao acesso conínuo de paricipantes de pesquisas a tratamentos e tecno-logias avançadas e questões de equidade e direitos humanos como componentes essenciais ao desen-volvimento de estudos clínicos.

McMillan e Conlon 36 corroboram essa ideia ao airmar que o que se percebe da literatura e práica em éica em pesquisa não é a escassez de manuais gerais sobre éica em pesquisa, mas de manuais que discutam as complexidades da realização de pesqui-sas em países em desenvolvimento.

Brunet-Jailly 33, Mayss 44, Zulueta 42, Booth 31 e Botbol-Baum 32 discutem problemas bioéicos em estudos internacionais sobre HIV aplicados em paí-ses em desenvolvimento. Botbol-Baum 32 criica a revisão de 1999 da Declaração de Helsinki –a qual defende pesquisas nesses países –, que, a seu ver, esimula a tendência de pesquisas não orientadas aos cuidados de saúde, aquelas voltadas a lucros e interesses privados das empresas, ônus de alguns em prol de beneícios de outros, encorajando a discriminação contra pacientes economicamente vulneráveis dos países em desenvolvimento e des-respeitando a equidade de acesso. Para o autor, o dilema não está na paricipação ou não de tais cidadãos em pesquisas terapêuicas, mas em reco-nhecer as responsabilidades éicas da sociedade em não permiir a exclusão desses sujeitos por razões puramente econômicas. Para Brunet-Jailly 33, que

Artig

(8)

defende o acesso igualitário à saúde por toda a co-munidade, não oferecer a melhor opção terapêuica aos paricipantes de pesquisas é violação dos reque-rimentos do princípio da jusiça.

Outro fator que remete a falhas no acesso à saúde, em relação ao acesso à pesquisa, é verii-cado em estudos que possuem indicações clínicas restritas a populações com mutações especíicas ou expressões genéicas pariculares. Comumente per-cebe-se que há, nas fases avançadas do processo de teste de medicamentos, expectaiva de que os par-icipantes respondam bem à intervenção, com base em informações prévias de seu peril genéico. Isso signiica que os paricipantes são triados geneica-mente antes da inclusão nos estudos 41. Trata-se de estratégia uilizada pelas indústrias farmacêuicas para reduzir falhas nos testes com medicamentos e, consequentemente, produzir ensaios clínicos mais baratos e eicientes. Van Delden e colaboradores discutem a ampliação dos problemas de equidade e distribuição justa de medicamentos/tratamentos ao disponibilizar no mercado medicamentos especí-icos para subgrupo genéico.

Smart, Marin e Parker 39 trazem a preocupa-ção relacionada ao uso da farmacogenéica, que pode redundar na estraiicação genéica individual e, consequentemente, proporcionar agilidade na to-mada de decisão médica acerca do tratamento a ser oferecido (maior potencial para redução dos efeitos tóxicos e melhoria de eicácia). Porém o mau uso dessa ciência pode conduzir a injusiças. É inegável que mais informações sobre o genoma humano au-mentam as expectaivas para melhor conhecimento e classiicação das doenças e, portanto, permitem a seleção de fármacos mais especíicos para deter-minadas doenças. Entretanto, alguns autores 35,39,41 comparilham a preocupação acerca do uso da far-macogenômica/farmacogenéica, airmando que o emprego de estraiicação pode trazer discriminação no acesso aos potenciais beneícios da intervenção.

Oquendo e colaboradores 37 apontam pro-blemas de injusiça na aplicação dos critérios de seleção de alguns estudos sobre comportamento suicida, que incluem seleivamente seus paricipan-tes, excluindo indivíduos de alto risco, como aqueles com histórico suicida, comorbidades e doenças gra-ves. Essas ações diminuem a equidade, além de prejudicar os resultados, não podendo, por isso, ser generalizados para a população em geral.

Injusiças no processo de seleção de pari-cipantes de pesquisas também são apontadas por Bayer e Fish 30, especiicamente discriminação etária para paricipação em estudos clínicos. Os autores

demonstram a inadequada representação da popu-lação idosa nos estudos clínicos e defendem que, apesar da vulnerabilidade dessa população e da complexidade de alguns estudos, a inclusão desses sujeitos deveria ser encorajada quando o estudo for relevante para a condição clínica existente.

Sklar 38 introduz debate éico sobre jusiça em estudos clínicos para alívio de dor, ao indagar sobre tratamentos diferenciados que variam de acordo com caracterísicas étnicas, etárias ou de gênero. Uma linha argumentaiva defende que a cultura do indivíduo interfere na gradação e na expressão da dor; porém, para o autor, os objeivos e desenhos de estudos não deveriam criar limites para a classiica-ção da dor baseadas em caracterísicas individuais.

Diante da diversidade de áreas temáicas que debatem as limitações na elegibilidade dos parici-pantes de pesquisa, relexões acerca da equidade como aspecto da jusiça social devem ser iniciadas ao veriicarem-se exclusões ou sub-representações de grupos populacionais nos ensaios clínicos, pois tais indivíduos deixam de se beneiciar diretamente das pesquisas 39.

Distribuição equitaiva de encargos e beneícios referentes à paricipação na pesquisa

A distribuição equitaiva de encargos e be-neícios emergiu neste estudo após leitura de Ballantyne 45, Beran 46, Clark 47, Haire 48, Hawkins 49, Mayss 44, Resnik 50 e Varmus e Satcher 51, que a de-inem como: acesso aos métodos proiláicos e diagnósicos disponíveis; análise da imprescindibili-dade das pesquisas em relação às necessiimprescindibili-dades da população, avaliando, entre outros aspectos, o im-pacto de determinada doença sobre a população a ser estudada; e uso de placebo.

Quando os resultados de um estudo são favoráveis à intervenção, o acesso posterior de par-icipantes da pesquisa à terapêuica avaliada é visto como justo, pois caracteriza um dos beneícios que podem ter. A Resolução 466/2012 15 deine beneício

da pesquisa como proveito direto ou indireto,

ime-diato ou posterior, auferido pelo paricipante e/ou sua comunidade em decorrência de sua paricipação

na pesquisa(II.4). Varmus e Satcher 51 discutem que

a realização de protocolos terapêuicos invesigacio-nais que indevidamente envolvam populações com alta probabilidade de não receber beneícios diretos da aplicação da pesquisa conigura violação do prin-cípio da jusiça.

A Resolução 466/2012 lança mão de reque-rimento que conigura tentaiva de garanir que os

Artig

(9)

riscos a que os sujeitos serão expostos sejam con-trabalanceados pela garania de beneícios. Assim, prevê que, para pesquisas experimentais na área biomédica com seres humanos, o patrocinador deve assegurar a todos os paricipantes ao inal do estudo

(…) o acesso gratuito, e por tempo indeterminado,

aos melhores métodos proiláicos, diagnósicos e

terapêuicos que se demonstraram eicazes(III.3,

alínea d) 15.

O processo regulatório para registro de me-dicamentos e/ou produtos em saúde após as comprovações cieníicas necessárias, como efeivi-dade e segurança, é etapa importante no contexto da jusiça. A lenidão ou celeridade desse processo – como demora no acesso ou avaliação inadequada/ insuiciente da terapêuica – pode ter consequências negaivas para a população. No Brasil, o processo e o prazo para registro de medicamentos, após a reali-zação do estudo, têm sido considerados morosos, o que pode releir em potenciais entraves para a par-icipação do país no contexto das pesquisas clínicas internacionais.

Diante dessa problemáica, a Anvisa adotou em 2013 série de medidas para agilizar e modernizar a análise do registro de novos produtos, mediante a criação do Sistema de Registro Eletrônico de Medi-camentos. A meta principal da implantação desse sistema é reduzir o prazo inal de registro para até seis meses, no caso de produtos considerados es-tratégicos para o SUS ou que representem inovação tecnológica 52.

Adicionalmente, visando agilizar o processo de avaliação técnica dos ensaios clínicos com me-dicamentos pelo órgão competente, a Anvisa, por meio da RDC 9 53, airmou que avaliará o Dossiê de Desenvolvimento Clínico de Medicamento (DDCM) em até noventa dias corridos após seu recebimen-to. Porém, caso não haja resposta sobre a avaliação nesse prazo, o desenvolvimento clínico poderá ser iniciado, obviamente respeitando-se as aprovações éicas aplicáveis. Essa regra não é válida para sub-missões de desenvolvimento clínico que envolvam desenvolvimento nacional com produtos biológicos e estudos de fase I ou II. Para esses casos, a Anvisa disponibiliza 180 dias para avaliação.

A celeridade do processo, entretanto, pode mascarar a acurácia da avaliação da tecnologia. Para alguns autores 54-56, um processo muito célere pode levar à lexibilização dos parâmetros de segurança da análise, comprometendo resultados e oferecen-do à população tecnologias de duvioferecen-doso peril de risco/beneício. Esse importaníssimo aspecto da segurança da avaliação de tecnologias vem sendo

debaido na literatura internacional, a propósito de mudanças recentes nas normaivas de pesquisa clínica.

As condições de uso de placebo nos ensaios clínicos é outro aspecto central na avaliação do equilíbrio entre riscos e beneícios da paricipação na pesquisa. Habitualmente, paricipantes do gru-po de controle recebem intervenção de eicácia comprovada, diferentemente do grupo que rece-berá a intervenção experimental. Entretanto, em algumas circunstâncias a uilização de comparador alternaivo, como placebo, pode ser eicamente aceitável. No contexto das pesquisas internacionais, Ballantyne 45 conclui que, mesmo havendo a pro-moção de beneícios mútuos (para pesquisadores e sujeitos), o estudo pode ser considerado abusivo quando a distribuição de encargos e beneícios é injusta, como ocorre nos estudos com emprego er-rôneo de placebo.

Hawkins 49 discute problemas morais em es-tudos clínicos com placebo, apontando injusiças comeidas contra paricipantes por uso de placebo em momentos nos quais a terapia para a condição estudada já está provada. A autora discorre am-plamente sobre a viabilidade de execução desses estudos e aponta enfaicamente a responsabilidade moral dos pesquisadores para com esses sujeitos. Haire 48 corrobora a discussão sobre a obrigação moral dos pesquisadores de fornecer o tratamen-to adequado à população assisida no estudo, na tentaiva de se evitar a exploração e se atender ao princípio da jusiça.

Análise éica sob a luz do princípio da jusi-ça na condução de estudos sobre o tratamento da doença de Parkinson é efetuada por Clark 47. Nesse contexto, em geral os paricipantes do grupo pla-cebo devem abster-se temporariamente de uilizar outras opções terapêuicas, e, apesar de submei-dos constantemente a exames e avaliações clínicas, os efeitos do placebo são diíceis de mensurar e pas-síveis de viés de avaliação, conigurando-se como desaio metodológico. Surgem então duas questões imbricadas ao princípio da jusiça, indicados pelo autor como o reconhecimento de que cada pessoa deve ser tratada justa e equitaivamente, fornecen-do a elas o que lhes é devifornecen-do de acorfornecen-do com 1) a vulnerabilidade dos paricipantes com doença de Parkinson avançada, e 2) a distribuição equitaiva de recursos. Na visão do autor, os riscos potenciais dessas pesquisas não jusiicam a paricipação dos vulneráveis, e melhores invesimentos poderiam ser feitos adotando-se estratégias metodológicas mais consagradas.

Artig

(10)

Considerações inais

Este trabalho analisou os senidos bioéicos atribuídos ao princípio da jusiça na condução de ensaios clínicos com medicamentos no país. Como principais limitações deste estudo, veriica-se, em primeiro lugar, a natureza da busca, limitada a en-saios com medicamentos. Isso se deu em razão da maior frequência esperada de ensaios desse ipo em comparação a outros ipos de ensaios clínicos. Ainda, os arigos pesquisados foram selecionados entre aqueles escritos em português, inglês e espa-nhol, esimando-se que releiriam melhor o escopo da informação especiicamente no contexto brasilei-ro. Outra questão, possivelmente a mais importante para a revisão, se deu na luidez das categorias. Ape-sar de terem sido alocados em categorias temáicas diferentes, não é possível garanir que os conteú-dos conteú-dos arigos icassem completamente limitaconteú-dos àquelas categorias. Ainda assim, destaca-se que as limitações não comprometeram a análise.

A parir da leitura dos arigos selecionados na busca bibliográica, percebe-se fragmentação da discussão éica do princípio da jusiça nas diferentes etapas dos ensaios clínicos, ora voltada para a fase

de recrutamento, ora para o desenho de estudo etc. Não há discussão global sobre éica, jusiça e pes-quisa clínica.

Como asseveram Beauchamp e Childress 16, as teorias de jusiça distribuiva devem especiicar e tornar coerentes os diferentes princípios, regras e julgamentos que uilizam nessa distribuição. A revisão empreendida revelou a limitação da discus-são, ideniicando aplicações do princípio da jusiça como pouco palpáveis e de diícil mensuração. Pou-cos estudos apontaram claramente elementos e caracterísicas considerados moralmente jusiicá-veis para a realização de ensaios e a distribuição de seus beneícios e encargos.

Acredita-se que, como o princípio da jusiça foi incorporado pela principal regulamentação bra-sileira sobre éica em pesquisa com seres humanos, a Resolução 466/2012, assim como por sua prede-cessora, a Resolução 196/1996, ambas do Conselho Nacional de Saúde, estudos empíricos devem ser realizados e discussões teóricas sobre a aplicação dos princípios na análise éica dos ensaios clínicos devem ser aprofundadas, bem como sobre a ade-quação e a efeividade desses princípios na redução das desigualdades e injusiças em saúde.

Referências

1. United States of America. Trends, charts, and maps. ClinicalTrials.gov. [Internet]. 2016 [acesso 2 jul 2015]. Disponível: htp://1.usa.gov/24hpQ0C

2. Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Esclarecimento sobre a posição da Anvisa quanto ao registro de medicamentos anineoplásicos novos. [Internet]. 2013 [acesso 5 jan 2013]. Disponível: htp://bit.ly/1TOkmuE

3. Schefer M. Coquetel: a incrível história dos anirretrovirais e do tratamento da aids no Brasil. São Paulo: Hucitec; 2012. v. 1. p. 216.

4. Lima JS, La Reza D, Teixeira S, Costa C. Pesquisa clínica: fundamentos, aspectos éicos e perspecivas. Revista da Socerj. 2003;16(4):225-233.

5. Glickman SW, McHutchison JG, Peterson ED, Cairns CB, Harrington RA, Calif RM et al. Ethical and scieniic implicaions of the globalizaion of clinical research. N Engl J Med. 2009;360(8):816-23. 6. Dainesi SM, Goldbaum M. Pesquisa clínica como estratégia de desenvolvimento em saúde. Rev

Assoc Med Bras. 2012;58(1):2-6.

7. Gomes RP, Pimentel VP, Landim AB, Pieroni JP. Ensaios clínicos no Brasil: compeiividade internacional e desaios. Complexo Industrial da Saúde. BNDES Setorial 36. p. 45-84.

8. Lousana G. Pesquisa Clínica na Brasil. Rio de Janeiro: Revinter; 2002.

9. Morin K, Rakatansky H, Riddick FA Jr, Morse LJ, O’Bannon JM, Goldrich MS et al. Managing conlicts of interest in the conduct of clinical trials. Jama. [Internet]. 2002 [acesso 2 jul 2015];287(1):78-84. Disponível: htp://bit.ly/1Y00swX

10. Miguelote VRS, Camargo Junior KR. Indústria do conhecimento: uma poderosa engrenagem. Rev Saúde Pública. 2010 [acesso 9 out 2015];44(1):190-6. Disponível: htp://bit.ly/1UelOke 11. American Medical Associaion. Opinion 8.031 – conlicts of interest: biomedical research.

[Internet]. AMA. jun 2001 [acesso 2 jul 2015]. Disponível: htp://bit.ly/1XpRr0I

12. Gava CM, Bermudez JAZ, Pepe VLE, Reis ALA. Novos medicamentos registrados no Brasil: podem ser considerados como avanço terapêuico? Ciênc Saúde Coleiva. 2010;15(3 Suppl):3403-12. 13. Quental C, Salles Filho S. Ensaios clínicos: capacitação nacional para avaliação de medicamentos

e vacinas. Rev Bras Epidemiol. 2006;9(4):408-24.

14. Beauchamp T, Childress J. Princípios de éica biomédica. São Paulo: Loyola; 2002.

15. Brasil. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Aprova as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oicial da União. Brasília; 13 jun 2013.

Artig

(11)

16. Beauchamp T, Childress J. Jusiça. In: Beauchamp T, Childress J, organizadores. Princípios de éica biomédica. São Paulo: Loyola; 2002. p. 351-423.

17. Aristóteles. Éica a Nicômaco. 4ª ed. São Paulo: Marin Claret; 2001. 18. Rawls J. Uma teoria da jusiça. Marins Fontes: São Paulo; 2002.

19. Escorel S. Os dilemas da equidade em saúde: aspectos conceituais. [Internet]. 2013 [acesso 30 maio 2016]. Disponível: htp://bit.ly/20QyLp0

20. World Health Organizaion. Internaional ethical guidelines for biomedical research involving human subjects. Geneva: WHO; 2002.

21. United States of America. Department of Health and Human Services. The Belmont report: ethical principles and guidelines for the protecion of human subjects of research. [Internet]. 1979 [acesso 30 maio 2013]. Disponível: htp://1.usa.gov/1m4nLEE

22. Pullman D. Conlicing interests, social jusice, and proxy consent to research. J Med Philos. 2002;27(5):523-45.

23. Owonikoko TK. Upholding the principles of autonomy, beneicence, and jusice in phase I clinical trials. Oncologist. 2013;18(3):242-4.

24. Kurihara C. Ethical, legal, and social implicaions (ELSI) of microdose clinical trials. Adv Drug Deliv Rev. 2011;63(7):503-10.

25. Naional Insitutes of Health. FDAAA - Further Resources for NIH Grantees. NIH. 2011 [acesso 04 jun 2016]. Disponível: htp://1.usa.gov/1UVaXM9

26. Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Anvisa divulga peril de pesquisa clínica de medicamentos no Brasil. [Internet]. 2011 [acesso 31 maio 2013]. Disponível: htp://bit.ly/25uGqwD

27. Silva CF. O princípio da jusiça, os ensaios clínicos e o registro de anicorpos monoclonais e biomedicamentos oncológicos no Brasil [dissertação]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública; 2014.

28. Kunz R, Oxman AD. The unpredictability paradox: review of empirical comparisons of randomised and non-randomised clinical trials. BMJ. 1998;317(7167):1185-90.

29. United States of America. Food and Drug Administraion. Guidance for industry: E 10 choice of control group and related issues in clinical trials. [Internet]. maio 2001 [acesso 30 maio 2016]. Disponível: htp://1.usa.gov/25wO6BX

30. Bayer A, Fish M. The doctor’s duty to the elderly paient in clinical trials. Drugs Aging. 2003;20(15):1087-97.

31. Booth KM. A magic bullet for the “African” mother? Neo-Imperial reproducive futurism and the pharmaceuical “soluion” to the HIV/AIDS crisis. Soc Polit. 2010;17(3):349-78.

32. Botbol-Baum M. The shrinking of human rights: the controversial revision of the Helsinki Declaraion. HIV Med. 2000;1(4):238-45.

33. Brunet-Jailly J. The ethics of clinical research in developing countries. IRB. 1999;21(5):8-11. 34. Edwards SJ. Restricted treatments, inducements, and research paricipaion. Bioethics.

2006;20(2):77-91.

35. Kölch M, Ludolph AG, Plener PL, Fangerau H, Viiello B, Fegert JM. Safeguarding children’s rights in psychopharmacological research: Ethical and legal issues. Curr Pharm Des. 2010;16(22):2398-406. 36. McMillan JR, Conlon C. The ethics of research related to health care in developing countries. J

Med Ethics. 2004;30(2):204-6.

37. Oquendo MA, Stanley B, Ellis SP, Mann JJ. Protecion of human subjects in intervenion research for suicidal behavior. Am J Psychiatry. 2004;161(9):1558-63.

38. Sklar DP. Ethical issues associated with pain research in emergency medicine. Ann Emerg Med. 1996;27(4):418-20.

39. Smart A, Marin P, Parker M. Tailored medicine: whom will it it? The ethics of paient and disease straiicaion. Bioethics. 2004;18(4):322-42.

40. Thomas J. Ethical challenges of HIV clinical trials in developing countries. Bioethics. 1998;12(4):320-7. 41. van Delden J, Bolt I, Kalis A, Derijks J, Leukens H. Tailor-made pharmacotherapy: future

developments and ethical challenges in the ield of pharmacogenomics. Bioethics. 2004;18(4):303--21.

42. Zulueta P. Randomised placebo-controlled trials and HIV-infected pregnant women in developing countries: Ethical imperialism or unethical exploitaion? Bioethics. 2001;15(4):289-311. 43. Organização Mundial da Saúde. Estratégia para cobertura universal de saúde. 154ª Sessão do

Comitê Execuivo. [Internet]. Washington: OMS; 12 maio 2014 [acesso 17 out 2015]. Disponível: htp://bit.ly/1Y015qj

44. Mayss A. Drug-tesing on seroposiive pregnant women in the developing world: moral and legal implicaions. Med Law Int. 2000;4(3-4):183-210.

45. Ballantyne A. HIV internaional clinical research: exploitaion and risk. Bioethics. 2005;19(5-6):476-91.

46. Beran RG. The ethics of excluding women who become pregnant while paricipaing in clinical trials of ani-epilepic medicaions. Seizure. 2006;15(8):563-70.

47. Clark PA. Placebo surgery for Parkinson’s disease: Do the beneits outweigh the risks? J Law Med Ethics. 2002;30(1):58-68.

48. Haire BG. Because we can: clashes of perspecive over researcher obligaion in the failed PrEP trials. Dev World Bioeth. 2011;11(2):63-74.

Artig

(12)

49. Hawkins JS. Jusice and placebo controls. Soc Theory Pract. 2006;32(3):467-96. 50. Resnik DB. Exploitaion and the ethics of clinical trials. Am J Bioeth. 2002;2(2):28-30.

51. Varmus H, Satcher D. Ethical complexiies of conducing research in developing countries. N Engl J Med. 1997;337(14):1003-5.

52. Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca. Anvisa adota série de medidas para agilizar registro de medicamentos. [Internet]. 25 mar 2013 [acesso 28 fev 2014]. Disponível: htp://bit.ly/1OYTTDh 53. Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução da Diretoria Colegiada nº 9, de 20

de fevereiro de 2015. Dispõe sobre o regulamento para a realização de ensaios clínicos com medicamentos no Brasil. Diário Oicial da União. Brasília; 3 mar 2015.

54. Zuckerman D. Understanding the controversies over a groundbreaking new health care law. Milbank Q. [Internet]. 2015 [acesso 30 maio 2016]. Disponível: htp://bit.ly/1snXeas

55. Avorn J, Kesselheim AS. The 21st century cures act: will it take us back in ime? N Engl J Med.

2015;372(26):2473-5.

56. Downing NS, Aminawung JA, Shah ND, Krumholz HM, Ross JS. Clinical trial evidence supporing FDA approval of novel therapeuic agents, 2005-2012. JAMA. 2014;311(4):368-77.

Paricipação dos autores

Cecília Ferreira da Silva realizou a pesquisa, sistemaizando o banco de dados empírico e efetuando análise bibliográica. Todas as autoras pariciparam da concepção do projeto e redação do arigo.

Recebido: 6.12.2015 Revisado: 11. 5.2016 Aprovado: 24. 5.2016

Artig

Referências

Documentos relacionados

Quanto às variáveis relacionadas à satisfação nas duas últimas duas semanas, somente para dinheiro não houve diferença antes e depois da cirurgia, para as demais:

A Variação dos Custos em Saúde nos Estados Unidos: Diferença entre os índices gerais de preços e índices de custos exclusivos da saúde; 3.. A variação dos Preços em

Avaliou-se o método problemas mais comuns [6], relacionados com a comparativamente com o de representação através de ~ualidade e a dificuldade de tratamento de

 Alguns substantivos não possuem singular em inglês, portanto o verbo sempre fica no plural: Alguns substantivos não possuem singular em inglês, portanto o verbo sempre fica

grupo. Havia momentos em que nenhum usuário queria participar ou aqueles que participavam com mais frequência não estavam presentes no abrigo. Os estagiários

Para isto, foram utilizados os onze extratos em acetato de etila (assa peixe, cambará e morrão de candeia) preparados anteriormente (Tabela 18).. Além desses extratos,

Ao comparar o resultado da análise estrutural nos pilares através do modelo mais tradicional (vigas contínuas) com o modelo de pórtico espacial com lajes discretizadas

Croqui de moda: desenho inicial do projeto que representa a ideia de uma peça de roupa sobre um corpo, como suporte, representado pela figura de moda (estilizada ou na proporção