• Nenhum resultado encontrado

Teoria da (in)decisão política: uma investigação da democracia sitiada pela sondocracia

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2017

Share "Teoria da (in)decisão política: uma investigação da democracia sitiada pela sondocracia"

Copied!
147
0
0

Texto

(1)

H

ENRIQUE

J

OSÉ DA

S

ILVA

S

OUZA

T

EORIA DA

(

IN

)

DECISÃO POLÍTICA

:

U

MA INVESTIGAÇÃO DA DEMOCRACIA

SITIADA PELA SONDOCRACIA

(2)

H

ENRIQUE

J

OSÉ DA

S

ILVA

S

OUZA

T

EORIA DA

(

IN

)

DECISÃO POLÍTICA

:

U

MA INVESTIGAÇÃO DA DEMOCRACIA SITIADA

PELA SONDOCRACIA

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial para a obtenção do Título de Mestre, sob a orientação do

PROF. DR. JOSÉ LUIZ BORGES HORTA.

B

ELO

H

ORIZONTE

(3)

Souza, Henrique José da Silva [1990-]

S729t Teoria da (in)decisão política: uma investigação da democracia sitiada pela sondocracia / Henrique José da Silva Souza.- 2015.

Orientador: José Luiz Borges Horta

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Direito.

1. Direito - Teses 2. Democracia 3. Opinião pública 4. Processo decisório 5. Poder político I. Título

(4)

[F

OLHA DE AVALIAÇÃO

]

(5)

P

ARA OS MEUS

P

AIS

,

EXEMPLOS DE VIDA

(6)

“La force est la reine du monde

et nos pas l'opinion, mais l'opinion est celle

qui use de la force.”1 BLAISE PASCAL

“A opinião está para o público assim como a alma está para o corpo.”2

GABRIEL TARDE

1 PASCAL, Blaise. Pascal's Apology for Religion: Extracted from the Pensees. Editor H. F. Stewart.

Cambridge, Cambridge University Press, 2013, p132, §408.

2 TARDE, Gabriel. A Opinião e a Multidão. Publicações Europa-América, Biblioteca Universitária, Lisboa,

(7)

AGRADECIMENTOS

A caminhada das nossas vidas não pode ser percorrida na solidão.

Necessitamos da presença de pessoas que acompanhem, no todo ou em parte, nosso trajeto. Essas pessoas sempre auxiliam e apoiam, e, assim sendo, deixam marcas dos seus ensinamentos e contribuições, seja qual for sua natureza.

Assim sendo, nesse momento, onde mais uma parte da caminhada termina de ser percorrida, não posso deixar de agradecer a inúmeras pessoas. Desde já peço perdão se, eventualmente, me esquecer de alguém. Agradeço!

Aos meus pais, Adamiro de Souza Filho e Marina Batista da Silva Souza, que acreditam em mim sempre, e que se esforçaram pela minha educação moral e intelectual. Tudo o que eu fizer em minha vida estará marcado pela gratidão e pelo amor a eles. À minha irmã Camila, que sempre esteve a postos e de bom grado para tudo o que eu sempre necessitei.

Aos meus avós, Alaor Ribeiro da Silva e Maria Helena da Silva, que sempre apoiaram todas as minhas ideias e vontades, e nos últimos anos, mesmo com a distância que nos separa, ainda me cobrem de carinho e amor.

Ao meu orientador, e mais do que isso, amigo, Prof. Dr. José Luiz Borges Horta, que sempre se mostrou o mais presente e preocupado dos orientadores que alguém poderia desejar. Você é muito mais que um mero orientador. Devo-lhe gratidão por acreditar em mim desde os primeiros passos na academia, me incentivar a não desistir, trazer esclarecimento e crescimento.

Ao meu coorientador, Prof. Dr. Agemir Bavaresco, que em sede do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, me recebeu de portas e braços abertos para importante estágio de pesquisador visitante. Mais que isso, agradeço por todos os ensinamentos e pelos momentos de aprendizado possíveis não somente por sua produção intelectual, mas também pelas aulas e reuniões de orientação.

(8)

Ao Prof. Msc. Paulo Roberto Cardoso, mais que um colega no Grupo, um amigo. Aqui as palavras serão poucas para lhe agradecer. Você sempre gentilmente abre as portas de sua casa e de sua biblioteca nos fornecendo bibliografias e ensinamentos sempre indispensáveis para o nosso aprendizado, não só na academia como na vida. Esse não é só um gesto de quem incentiva a produção intelectual e o desenvolvimento do grupo, mas o gesto de um amigo, o qual tenho certeza que se fará sempre presente nas horas de necessidade.

Aos amigos Pedro Guilherme, Diego Vinícius Vieira, Emanuel Figueiredo, Bruno Rahme, Rodrigo Badaró de Carvalho, Vinícius Balestra, Leonardo Tetsuo Yamaguchi (in memoriam), Raoni Macedo Bielschowsky, Marcelo Corrêa Giacomini, José de Magalhães Campos Ambrósio, João Paulo Medeiros de Araújo, Gabriel Lago de Souza Barroso, Pablo Leurquin, Iaçanã Lopes, Rodrigo Calixto, Philippe Oliveira, Rafael Ribeiro e à Prof. Dr. Michela Bordignon. Todos vocês fizeram parte de toda essa caminhada até aqui, contribuíram das mais diversas formas e com toda certeza marcaram esse trajeto, e servem de exemplo de dedicação e amizade.

Finalmente, às Instituições que permitiram e fomentaram o desenvolvimento da presente investigação, a saber: à Universidade Federal de Minas Gerais, especialmente em seu Programa de Pós-Graduação em Direito e ao Bacharelado em Ciências do Estado

(9)

S

UMÁRIO Introdução

1. Apresentação... 12

2. Os Caminhos deste Trabalho... 14

2.1. Estado... 15

2.2. Opinião... 19

2.3. Decisão...21

I. Indivíduo, Cidadania e Democracia: os primórdios de uma opinião que se quer pública...23

1.1. Hobbes...25

1.2. Montesquieu…...34

1.3. Rousseau...39

1.4. Hegel...45

II. O movimento lógico da Opinião Pública – Preliminar Fenomenológico....50

2.1. A dialética do privado e do Público...56

2.2. O tornar-se público da opinião...67

2.3. A Opinião Pública como contradição...75

2.3.1.1. A contradição na lógica da essência...80

2.3.1.2. A contradição para além da logica: o fenômeno da Opinião Pública...83

2.4. O movimento lógico da Opinião Pública...86

III. Teoria da Decisão Política...88

3.1. A Decisão como Decisão Política...88

3.2. A Dimensão Material: o conteúdo do político...95

3.3. A Dimensão Formal: a forma do político...98

IV. Representação Política e o Dever de Decidir...101

4.1. Natureza jurídica e política do Mandato...104

4.2. O Mandato Imperativo...111

4.3. O Mandato Representativo...115

4.4. O Dever de Decidir ...120

V. A Renúncia do Dever de Decidir...125

5.1. O Poder Político refém da Opinião Pública...125

5.2. A Ditadura das Sondagens...130

5.3. Impactos e consequenciais das Sondagens no Governo Democrático...136

Considerações Finais: A Democracia sitiada pela Sondocracia...140

(10)

Resumo:

O presente trabalho busca desenvolver uma linha de reflexão que nos leve desde os primórdios da democracia até sua condição atual, tentando abarcar o pensamento de diferentes filósofos políticos com o desejo de questionar também o papel do cidadão dentro desse contexto. Abordaremos os desafios enfrentados pela democracia diante de uma sociedade que, naufragada em um mar de conhecimento, se torna tão ignorante a ponto de ser completamente manipulável. Diante disso, a questão da Opinião Pública, que se mostra como um momento crítico da participação do cidadão diante de seu governo e de seus representantes e se torna alvo central de nossa análise. Ademais, tentamos apresentar como os resultados expressos nas sondagens de opinião acabam por

condicionar as decisões dos representantes na direção das “demandas” ali apontadas e por isso interferem no dever de decidir que o mandato representativo impõe ao representante.

Palavras chave:

Decisão Política, Democracia, Dever de Decidir, Mandato, Opinião Pública.

Abstract:

This study aims to develop a line of reflection that would lead us since the dawn of democracy to its present condition, trying to grasp the thought of different political philosophers with the desire to also question the role of the citizen in this context. We will address the challenges faced by democracy on a society that, shipwrecked in a sea of knowledge, becomes so ignorant as to be completely manipulated. Therefore, the issue of Public Opinion, which shows how a critical moment of citizen participation against their government and their representatives and becomes central target of our analysis. Furthermore, we tried to demonstrate how the results expressed in opinions polls ultimately subject conditions the decisions of the representatives towards the

“demands” appointed and hence interfere with the duty to decide the representative mandate.

(11)
(12)

12 Este e um trabalho de Filosofia do Estado e do Direito ocidentais3. Fazemos tal afirmação justamente por que o tema, os conceitos e as problemáticas que desenvolveremos no decorrer do texto somente se encaixam no contexto civilizacional do Ocidente, ou seja, só se aplicam em sociedades que se desenvolveram em um ambiente completamente caracterizado e influenciado pela a antiguidade greco-romana pela recuperação, ou mesmo evolução, dos ideais que aquelas sociedades4 mantinham.

Assim sendo, buscaremos nas próximas páginas desenvolver uma linha de reflexão que nos leve desde os primórdios da democracia até sua condição atual, tentando abarcar o pensamento de diferentes filósofos políticos com o desejo de questionar também o papel do cidadão dentro desse contexto.

Abordaremos também os desafios enfrentados pela democracia diante de uma sociedade que, naufragada em um mar de conhecimento, se torna tão ignorante a ponto de ser completamente manipulável.5 Diante disto, é impossível deixarmos de lado a questão da Opinião Pública, que se mostra como um momento crítico da participação do cidadão diante de seu governo e de seus representantes.

Exploraremos, nesse sentido, a decisão política e suas dimensões, tentando expor tanto o conteúdo quanto a forma do político. Tais decisões representam a materialização e execução de todo o conjunto de ações necessárias para o funcionamento de toda a sociedade, assim como também, de todo o aparato estatal.

Exatamente por se tratar das decisões tomadas por um governo de representantes eleitos pela sociedade, discorreremos sobre o mandato, assim como também sua natureza jurídica. Além disso, iremos tratar tanto do mandato imperativo, como do representativo, que é o que realmente nos interessa. Buscaremos mostrar como este último — por estar vinculado fundamentalmente ao poder delegado diretamente do

3 Sentimos a necessidade de destacar o termo ocidental em virtude do pano de fundo maior que rege esse

trabalho; a democracia. As democracias estão particularmente ligadas ao Ocidente, assim como também o fenômeno da opinião e seu movimento lógico e os aspectos que envolvem a decisão (em especial a política).

4Cf: COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. Tradução: Jonas Camargo Leite e Eduardo Fonseca. Rio

de Janeiro: Ediouro, 2004.

5 Cf: MAYOS, Gonçal y BREY, Antoni (eds.), Joan, Daniel Innerarity, Ferran Ruiz Tarragó y Marina

Subirats. La sociedad de la ignorancia, Barcelona: Península, 2011.

(13)

13 povo aos representantes —, traz consigo, antes de mais nada, um dever para com os representados.

Nesse sentido, tentaremos apresentar (e é justamente nesse ponto que o trabalho alcança seu objetivo principal) como os resultados expressos nas sondagens de opinião acabam por condicionar as decisões dos representantes na direção das

“demandas” apontadas e por isso interferem no dever de decidir que o mandato

representativo condiciona ao representante.

Não temos a intenção de descaracterizar a importância crucial que tal instrumento tem num contexto de democracia, que pode, sem dúvida ser utilizado como ferramenta presente em algumas situações de participação do cidadão. Destarte é evidente que existem determinados contextos onde a decisão tem necessariamente de ser tomada soberanamente, sem influências, sugestões ou pressões externas.

Todavia, nos atentamos para o fato de que são poucos os institutos responsáveis pelo desenvolvimento metodológico, elaboração dos questionamentos, aplicação e divulgação dos resultados dos mesmos. Além disso, sabe-se expressamente que tais institutos são diretamente ligados ao poucos grupos que detém o controle de grande parte dos veículos de comunicação, que são, por sua vez, um dos elementos formadores da Opinião Pública.

(14)

14 Este trabalho se justifica pelo fato de que a política é o centro da vida do homem. A política é um fator completamente presente na realidade do cidadão do mundo ocidental contemporâneo. Tal cidadão só se constitui enquanto ser num mundo que foi dinamicamente e historicamente construído em interação com o desenvolvimento das instituições do voto, da representação parlamentar, do debate político, da eleição dos governantes.

Seria evidente e redundante afirmamos que o cenário acima mencionado nem sempre existiu. Entretanto, pode vir a ser relevante, para a compreensão da argumentação que desenvolveremos nas próximas seções, estabelecer que a política não se trata de um

epifenômeno6, mas de elemento estruturante, que permite a própria existência das sociedades

contemporâneas.

Assim sendo, entendemos que para que uma adequada compreensão do que exporemos durante o trabalho se faz indispensável que primeiramente desenvolvamos alguns conceitos básicos que servirão de alicerce para grande parte do que desenvolveremos posteriormente no decorrer do texto.

Elencamos, deste modo, três tópicos que serão desenvolvidos a seguir; são eles: Estado, opinião e decisão. Isto feito, consideramos então que estaremos prontos para adentrar diretamente nos questionamentos e reflexões inicialmente propostas.

6 Do grego epiphainomenon. Concepção que faz da consciência um fenômeno acessório e secundário, um

simples reflexo, sem influência sobre os fatos de pensamento e conduta. Ex.: a consciência é um epifenômeno da matéria, dizem os materialistas. In: JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

(15)

15 Consideramos a conceituação clássica de Estado, que o uma entidade com poder soberano para governar um povo dentro de uma área territorial delimitada insuficiente para o que buscamos tanto teórica como politicamente.

Assim, temos a intenção aqui de trazer diferentes, porém coesas, avaliações e interpretações, com o intuito de evidenciar a importância e a necessidade do Estado para a própria existência do cidadão. Para tal, não podemos deixar de lado os primórdios do Estado.

Desde a antiguidade grega8, onde ocorrem às primeiras formas de organização estatal, o objetivo era garantir para aos partícipes da sociedade que seriam providas e asseguradas às necessidades que surgissem daquele meio social, assim como também buscava a resolução dos conflitos e litígios que aconteciam entre os indivíduos componentes tal ambiente coletivo.

Bonavides nesse sentido revela:

“Representava o Estado para os antigos gregos àquela ambiência social onde todas as necessidades humanas se pudessem prover ou satisfazer plenamente, aquela esfera dotada, em suma, de indispensável autossuficiência na qual se desenrolava o plano de vida do cidadão grego. O Estado-cidade desconhecia assim o conflito interno dos poderes sociais, a rivalidade intestina de instituições, grupos, facções ou partidos políticos, intentando quebrar a unidade monolítica do Estado”.9

Fica claro então que o Estado, ao menos no contexto dos gregos, se constituía mediante uma unidade que desconhecia conflitos, rivalidades ou mesmo grupos que tinham a intenção de ameaçar a estabilidade ali alcançada.

Miguel Reale, na Teoria do Direito e do Estado, destaca um ponto crucial ao ressaltar que:

“[...] o Estado se distingue de todas as formas de organização social por vários caracteres essenciais, e, especialmente pela natureza da autoridade

7 Para um caminhar lúcido e completo sobre o Estado e sua história, sugerimos a indispensável leitura

atenta e reflexiva de: HORTA, José Luiz Borges. História do Estado de Direito. São Paulo: Alameda, 2010.

8 COULANGES, A Cidade, op. cit..

9 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 16ª edição. São Paulo: Editora Malheiros, 2009, p. 134.

(16)

16

que lhe e própria, porquanto só ele possui “o monopólio da coação incondicionada.” 10

Desta forma, percebemos que uma das principais características que o Estado moderno possui — e que, diga-se de passagem, nenhuma outra organização ou instituição possui — é o monopólio do uso da força. Tal prerrogativa é uma das salvaguardas para que o poder do Estado e suas instituições sejam garantidos em função de todos os indivíduos fundantes de tal Estado.

Concordamos assim com José Joaquim Gomes Canotilho que nos diz que o

Estado de Direito “é uma forma histórica de organização jurídica do poder dotada de

qualidades que a distinguem de outros ‘poderes’ e ‘organizações de poder’”.11

Por outro lado, Georges Burdeau avança, num sentido que muito nos agrada, ao explicar que:

“Ele não é território, nem população, nem corpo de regras obrigatórias. É verdade que todos esses dados sensíveis não lhe são alheios, mas ele os transcende. Sua existência não pertence à fenomenologia tangível: é da ordem do espírito. O Estado é, no sentido pleno do termo, uma ideia. Não tendo outra realidade além da conceptual, ele só existe porque é pensado.”12

O Estado é o habitat da liberdade, isto é, somente no Estado pode o indivíduo realizar sua própria liberdade, assegurada formalmente na figura dos direitos

fundamentais. “Fora do Estado, o homem estará fora da sua essência” 13. Sua organização segundo o conceito, posto por Hegel em Linhas fundamentais da filosofia do direito 14, apresenta o Estado em sua efetividade (Wirklichkeit), tal como se dá na perfeição da Ideia.

Podemos dizer então que o Estado se apresenta, por um lado, como instância onde se efetiva a liberdade humana e se concentra a substância ética da civilização ocidental; por outro, é esfera de poder organizada destinada a proteger esta liberdade.

Nesta linha, Bernard Bourgeois, enuncia:

10 REALE, Miguel. Teoria do direito e do Estado. 4ª ed.. São Paulo: Saraiva, 1984, p.332.

11 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra:

Almedina, 2003, p. 89.

12 BURDEAU, Georges. O Estado. Tradução. Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. São Paulo:

Martins Fontes, 2005, p. X

13 SALGADO, Joaquim Carlos. A Idéia de Justiça em Hegel. São Paulo: Loyola, 1996, p. 402.

14 HEGEL, G.W.F. Linhas fundamentais da filosofia do direito, ou, Direito natural e ciência do Estado em

(17)

17

“O Estado — o “divino terrestre” — é o momento absoluto da existência efetiva do espírito. Ora, enquanto manifestação do próprio absoluto, ele atualiza o primado, constitutivo deste, da identidade sobre a diferença, do universal sobre as particularidades, da comunidade sobre os

indivíduos.”15

Em nossa leitura, Hegel é sem dúvida indispensável para o contexto do desenvolvimento de um conceito de Estado. Logo, trazemos a citação de dois parágrafos de Linhas fundamentais da filosofia do direito que se fazem essenciais para incrementar nossa reflexão:

“§ 257 - O Estado é a efetividade da ideia ética, – o espírito ético enquanto vontade substancial manifesta, nítida a si mesma, que se pensa e se sabe e realiza o que sabe e na medida em que sabe. No costume, ele [o Estado] tem sua existência imediata e, na autoconsciência do singular, no saber e na atividade do mesmo, a sua existência mediada, assim como essa, mediante a disposição de espírito nele [no Estado], como sua essência, seu fim e seu produto de sua atividade, tem sua liberdade substancial.

[...]

§ 258 - O Estado, enquanto efetividade da vontade substancial, que ele tem na autoconsciência particular elevada à sua universalidade, é o racional

em si e para si. Essa unidade substancial é o auto fim imóvel absoluto, em que a liberdade chega a seu direito supremo, assim como esse fim último tem o direito supremo frente aos singulares, cuja obrigação suprema

é ser membro do Estado.”16

Assim sendo, o Estado para Hegel é um todo ético organizado, isto é, o verdadeiro, porque é a unidade da vontade universal e da subjetiva. É assim a substância ética por excelência, significando com isso que Estado e sua Constituição são os emissários da liberdade concreta, efetiva.

Entendemos assim que o Estado é o que é em-si e para-si e, portanto, tem a efetividade de sua universalidade ou totalidade plena. Esta totalidade refere-se à união do espírito objetivo e o espírito subjetivo em que o indivíduo tem sua realidade e objetividade moral sendo parte do todo ético. Dessa forma, o indivíduo tem uma relação jurídica para com o Estado, isto é, tem uma instituição acima de si que realiza o direito enquanto liberdade.

Em contrapartida, Paulo Bonavides afirma que:

15 BOURGEOIS, Bernard. Hegel Os atos do Espírito. Tradução Paulo Neves. São Leopoldo:

UNISINOS, 2004, p.91.

(18)

18

“Com o advento do Estado, que não é de modo algum um prius, mas, necessariamente, um a posteriori da convivência humana, segundo as teorias contidas na doutrina do direito natural, importava, primeiro de tudo, organizar a liberdade no campo social.

O indivíduo, titular de direitos inatos, exercê-los-ia na Sociedade, que aparece como ordem positiva frente ao Estado, ou seja, frente ao

negativum dessa liberdade, que, por isso mesmo, surge na teoria jusnaturalista rodeado de limitações, indispensáveis à garantia do círculo em que se projeta, soberana e inviolável, a majestade do indivíduo.”17

E assim, novamente com Salgado, agora na apresentação de Legalidade e

Legitimidade, temos que:

“Em suma, o Estado Democrático de Direito é aquele cujo poder tem formalmente origem na vontade popular e, declarando na sua constituição os direitos fundamentais como seu núcleo, organiza-se por esse princípio de legitimidade e da divisão de competência no exercício do poder, que se efetiva segundo o princípio da legalidade ou de decisão conforme a lei e não pelo arbítrio da autoridade.”18

17 BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p.49.

(19)

19 A opinião é uma ponderação ou sentimento que se manifesta sobre determinado tema ou assunto, sujeito a deliberação, sendo derivada da expressão latina

opinĭo. Uma opinião é um juízo de valor que se emite sobre algo questionável. A opinião pode ser também é aquilo que se acha relativamente a algo ou alguém.19

O espaço público e a possibilidade de livre expressão do pensamento requerem, indispensavelmente, a pré-existência de um sistema político no qual a expressão das concepções de seus cidadãos seja uma possibilidade concreta, resultado das conquistas políticas desses mesmos cidadãos. Historicamente essa liberdade só foi conquistada a partir da instalação de governos democráticos, que garantem a livre expressão dos ideais de seu povo.

Enquanto julgamento da opinião, a ideia de comunicação se mediatiza através de um silogismo político, pelo fato da mediação lógico-política suprassumir o fenômeno imediato da opinião, e esta, por sua vez desenvolve seu poder crítico de transformação da realidade reificada, com o objetivo de transformar a liberdade de opinar conforme a verdade do político.

Bavaresco leciona:

“Enfim, o princípio da liberdade subjetiva encontra na modernidade sua

expressão mais elevada, e a Opinião Pública é uma das manifestações

privilegiadas desta liberdade.”20

A ação de agir e pensar do cidadão — que se manifesta através da opinião — ou seja, seu exercício do direito de se expressar, é o que vem completar e desenvolver do Estado. É primordial destacar que a opinião é um fenômeno social. “Existe apenas em relação a um grupo, é um dos modos de expressão desse grupo e difunde-se utilizando as

redes de comunicação do grupo”21. O comportamento dos indivíduos em grupo é

diferente de seu comportamento pessoal e isolado. “No nível individual, a opinião

19 FERREIRA, A. B. H. Aurélio século XXI: o dicionário da Língua Portuguesa. 3. ed. rev. e ampl. Rio de

Janeiro: Nova Fronteira, 1999, verbete opinião, p. 1374.

20 BAVARESCO, A teoria... cit.,p.12.

21 AUGRAS, Monique. Opinião pública: teoria e pesquisa. Petrópolis: Vozes, 1970. p. 16.

(20)

20 confunde-se com atitude. No nível coletivo, aparece como entidade mítica: a Opinião Pública22é o sentimento do Povo”23.

Nesse sentido, Agemir Bavaresco ao tratar da importância da liberdade da opinião, contribui:

“A autonomia da opinião é fundada, de início, no sujeito que dispõe livremente de sua opinião. Esta tem um valor igual à opinião do outro. Ela lhe pertence, no sentido de que é o proprietário de sua opinião, que ele pode, por exemplo, expressar num voto.”24

Podemos entender, assim, que a opinião se materializa como uma instância com poder de reação e dotada de autonomia, que desenvolve métodos próprios de julgamento em contraste com outras esferas políticas legítimas, como os partidos políticos ou instituições do Estado. A elevação da opinião a fenômeno autônomo dá a ela meios de exercer pressão, com objetivo de contestação ou mesmo legitimação de políticas e de tomada de decisões de interesse coletivo.

22 Por escolha metodológica, e para uma melhor compreensão, sempre que nos referirmos à Opinião

Pública — que está essencialmente liga da a uma atividade politica —, usaremos as iniciais maiúsculas, e quando estivermos nos referindo simplesmente à opinião em como manifestação dos juízos particulares em geral, minúscula.

23 AUGRAS, Opinião pública, cit,. p. 12.

24 BAVARESCO, Agemir. O movimento lógico da opinião pública: A teoria Hegeliana. Tradução: Agemir

(21)

21 Decidir é o processo de escolher uma opção dentre um conjunto de outras opções diferentes. A tomada de decisão possui uma característica de universalidade, apesar de suas diferenças conceituais: há uma estrutura básica comum que pressupõe a existência de uma situação a ser resolvida, a seleção de alternativas, a escolha de um curso de direção e a avaliação se a decisão tomada trouxe os resultados esperados.

A universalidade identificada pode ser também notada no fato de que os elementos e padrões da tomada de decisão podem ser usados independentemente da área específica de aplicação, seja no nível operacional, tático ou estratégico das organizações, o em situações cotidianas nas quais existam cursos diferentes a seguir, sendo necessário opta por uma alternativa.

Ela pode ser vista como uma declaração de vontade da atribuição e colocada em ação, dando cumprimento aos meios para determinado fim. As decisões são geralmente assumidas em etapas ou satisfazendo a uma sequencia lógica: primeiro determinar propósitos gerais ou metas da decisão; em seguida, definir os meios e métodos de implementação de tais decisões. Tais decisões são limitadas pelos recursos disponíveis, assim como também, pelos ambientes em que atua o agente responsável pela decisão.

Robert Dahl, nesse mesmo sentido afirma:

“as decisões que tomamos são influenciadas pela avaliação que fazemos do mundo de nossa posição nele. Sempre que decidimos comprar um automóvel, aceitar um emprego, tomar férias, votar nas eleições[...]

estamos fazendo avaliações”.26

Percebemos, assim, que as decisões são parte integrante do cotidiano de qualquer indivíduo, e por isso estão presentes nas mais diversas situações prováveis. Logo, podemos entender que estas mesmas também fazem parte da realidade da sociedade e do Estado. Podemos dizer então que é por meio de uma decisão primeira, tomada por um grupo de indivíduos, que surge o pacto social capaz de gerar um Estado como forma de organização política.

25 Uma excelente reflexão sobre as diversas forma de decisão e que nos apoiou em diferentes pontos do

trabalho, se encontra em: BROSS, Irwin D.J. La Decision Estadistica. Traducción del inglês por Francisco Albert Ferriol y Jose L. Barinaga Blanco. Madrid: Aguilar, 1958.

26 DAHL, Robert. A moderna análise política. São Paulo: Lidador, 1970, p.137.

(22)

22 Desta forma, Carl Schmitt contribui:

“La decisión consciente a favor de un cierto modo y forma de esta existencia, el acto a través del cual «el pueblo se da una Constitución», presupone ya el Estado, cuyo modo y forma se fija. Pero para el acto mismo, para el ejercicio de esa voluntad, no puede hallarse prescrito procedimiento alguno, y mucho menos para el contenido de la decisión política.[...]De otra parte, el pueblo necesita ser, en la Democracia, capaz de decisiones y actuaciones politicas. Incluso cuando sólo en pocos momentos decisivos tiene y manifiesta una voluntad decisiva, es capaz, sin embargo, de una tal voluntad, y está en condiciones y es apto para decir sí o no a las cuestiones fundamentales de su existencia politica.” 27

Entendemos assim, brevemente, a importância do Estado, da opinião e da decisão diante do indivíduo que alcança a cidadania e passa a existir politicamente por meio da materialização de tais conceitos.

27 SCHMITT, Carl. Teoría de la Constitución. Versión española de Francisco Ayala. Madrid: Alianza Editorial,

(23)

23 Cabe-nos confrontar alguns dos conceitos essenciais para a formação e o desenvolvimento de uma sociedade onde a democracia seja o objetivo final, num cenário onde cada indivíduo exerce plenamente suas atribuições como cidadão. Logo, enxergamos a necessidade de aprofundar esses princípios e trazê-los para as proximidades do entendimento aqui almejado.

Indispensável é refletir com José Alfredo de Oliveira Baracho:

“A cidadania implica relação estável e duradoura entre o indivíduo, o Estado e a sociedade, criando situações permanentes e dinâmicas que promovem constantes renovações do corpo político e dos governantes.

Designa um “status” pessoal que acompanha o indivíduo, situação

perceptível pelos seus direitos políticos, como eleitor ativo e passivo que participa dos mais variados aspectos da vida política, consubstanciando também direitos cívicos e deveres.”28

Desta forma, tentaremos engendrar tais elementos com o pensamento de alguns dos principais clássicos da filosofia política e do Estado. Assim sendo, buscaremos apontar as definições que Hobbes, Montesquieu, Rousseau e Hegel apresentaram no desenrolar de suas teorias. Logo, poderemos então explorar e apontar em que medidas e de quais formas esses conceitos ainda são válidos e arranjos ainda fazem com que indivíduo, cidadania e democracia pertençam à pauta do nosso cotidiano.

A consolidação das garantias individuais — por meio daqueles direitos inalienáveis29 que são a salvaguarda de cada particular contra a esmagadora vontade da coletividade, que previnem a violência do Estado contra o indivíduo (seja ela de qualquer uma de suas possíveis formas, desde a violência física até a maior das violências que é a

28 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Direitos Políticos. Partidos Políticos. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizonte, 33: 329-350, 1991, p.329.

29 Tais direitos nada mais são do que as cláusulas pétreas de nossa Constituição Federal. A cláusula pétrea

é um dispositivo constitucional que não pode ser revogado nem mesmo por proposta de emenda à Constituição (PEC). As cláusulas pétreas inseridas na Constituição de 1988 estão dispostas em seu artigo 60, § 4º. São elas: a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; e os direitos e garantias individuais. Seu objetivo é o de impedir que surjam inovações temerárias em assuntos cruciais para a cidadania e para o Estado.

I.

I

NDIVÍDUO

,

C

IDADANIA E

D

EMOCRACIA

:

OS PRIMÓRDIOS

(24)

24 que impede a liberdade de pensamento30), e que visam garantir vida digna a todos , alcançadas pela ascensão dos Estados democráticos, fazia parte da pauta do Ocidente desde o início da modernidade.

Protegido pela manutenção de tais direitos o indivíduo torna-se então um cidadão apto a participar dos debates púbicos, a exercer sua capacidade de livre expressão, de opinar sobre os assuntos de interesse da coletividade, ou seja, de atuar politicamente dentro do Estado.

Contudo, o dito acima, está sem sombra de dúvida, muito aquém do que as os autores aqui analisados31 construíram em no decorrer de suas obras. Cada um deles reflete em seu pensamento a realidade na qual estava inserido, seja num contexto de absolutismo, às portas de uma revolução ou tomado pela passagem da alma do mundo32. Nenhum deles jamais almejou um aparato social e estatal nos patamares alcançados na atualidade.

Destarte, justamente por serem vultos de sua época, representantes da evolução do entendimento, do esclarecimento e da realização da liberdade pela razão é que eles se mostram cruciais para o desenvolver deste trabalho. Mesmo que os projetos de cada um deles fossem distantes que atualmente considera-se ideal, eles foram e ainda são basilares para as percepções de cidadania, sociedade e Estado que desenvolvemos hoje, justamente por serem frutos de situações e contextos que fizeram parte da evolução do Ocidente como civilização garantidora das igualdades e direitos do cidadão.

Concluímos então a notável importância de tal análise. Além disso, para que possamos ter uma estrutura de reflexão sólida, é seguro não se aventurar por terrenos ainda pouco explorados e debatidos, já que este trabalho é somente o início de uma longa caminhada de pesquisa que ainda tem muito a enfrentar.

30 Uma sóbria, e reveladora reflexão sobre alguns dos tipos de violência exercidas pelo Estado

encontram-se em: SALGADO, Joaquim Carlos. Semiótica Estrutural e Transcendentalidade do Discurso sobre a Justiça. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizonte, 37: 79-101, 2000.

31 Deixe-se claro que o pretendido neste capítulo é uma breve análise dos autores em questão. Não se

tratam de reflexões profundas sobre a obra de tais pensadores; serão feitos apontamentos das convicções, posições e proposições a respeito do tema em análise sob a ótica cada um deles.

32 É famosa a frase de Hegel “Vi o Imperador, esta alma do mundo, sair a cavalo pela cidade para

reconhecimento; é realmente um sentimento extraordinário ver tal indivíduo que, concentrado em um

(25)

25 Hobbes figura sem dúvida entre os mais importantes filósofos da modernidade. Nossa tentativa é trazer uma breve exposição sob a visão hobbesiana a respeito da democracia, do indivíduo e do cidadão signatário do contrato social.

É fato que o pensador inglês foi, acima de tudo, um defensor do absolutismo político; contudo, a forma de governo pela qual ele se materializa não era necessariamente a mesma em todas as ocasiões. O importante para Hobbes era que o Estado33 fosse capaz de concentrar em si mesmo todo o poder de que um Estado que é capaz: o poder de fazer leis, o de aplicá-las a ir para a guerra, para distribuir a riqueza, etc.

Davi Jiménez Castaño anota:

“Es cierto que Hobbes no defiende esta posición desde el inicio de su producción. Tanto en la introducción a su traducción de La Guerra del Peloponeso de Tucídides hasta los Elementos del Derecho Natural y Político

Hobbes se decanta más bien por una postura monárquica y absolutista, pero ya en esta última se comienza a vislumbrar el cambio de perspectiva que, respecto a la democracia, tendrá lugar en el De Cive.”34

Através da análise de algumas das principais obras políticas da obra do autor, temos a intenção de apresentar que Hobbes não é necessariamente um adversário da democracia, mas simplesmente um defensor convicto da necessidade de todo o poder soberano seja organizado sob a bandeira do absolutismo político.

Muitos dos comentadores da obra do filósofo de Malmesbury concordam que a introdução pessoal que Hobbes faz na sua tradução de A Guerra do Peloponeso35 de

Tucídides pode ser descrita como sua primeira obra política36. Isso porque ali muito

33 Nesse sentido Cf: LAFER, Celso. Hobbes, o direiro e o Estado Moderno. São Paulo: Associação dos

Advogados de São Paulo, 1980; assim como também: HOBBES, Thomas. Diálogo entre um filósofo e um jurista. Tradução: Maria Cristina Guimarães Cupertino; [prefácio de Renato Janine Ribeiro] – 2.ed – São Paulo: Landy Editora, 2004.

34 CASTAÑO, David Jiménez. El problema de la democracia en la obra de Thomas Hobbes. In: Res Pública,

Revista de filosofía política. XVI Semana de Ética y Filosofía Política. Congresso Internacional: Presente, pasado y futuro de la democracia. Universidad de Murcia, Murcia , 2009. p. 99.

35 HOBBES Thomas. Introduction to Thucydides, History of the Peloponnesian War.(trad. Hobbes). In:

MOLESWORTH William (org.). The English Works of Thomas Hobbes. London, Elibron Classics, 2006, volume III.

36 STRAUSS Leo. The Political Philosophy of Hobbes. Its Basis and Its Genesis. University of Chicago Press,

Chicago, 1963, p. ix-xii.

(26)

26 antes da publicação de seu primeiro trabalho político, o Do Cidadão37 —, já estavam contidos a maioria das convicções que ele viria a defender posteriormente.

A defesa obstinada do absolutismo vinha acompanhada do argumento da superioridade dos governos monárquicos com base em questões de eficiência, de rejeição da eloquência vazia de conteúdo, que só visa benefício particular e leva à destruição dos assuntos públicos. Tais elementos são oferecidos por Hobbes como descrição do porquê de sua rejeição dos sistemas democráticos, tal repulsa que, pelo menos aqui, é baseada na combinação de testemunho histórico e de algumas das suas teorias antropológicas38.

O personagem de Tucídides e suas experiências pessoais na democracia ateniense de Péricles39 nos mostram a miséria da forma democrática de governo; contudo, é em razão do pessimismo antropológico de Hobbes que tal rejeição ao governo democrático faz sentido. A ideia principal se apoia no argumento de que os homens são egoístas por natureza, e assim sendo, sempre tenderão a defender suas ambições pessoais em detrimento dos interesses dos outros e até mesmo da coletividade.

O fato era que, nas democracias da Grécia antiga, em geral, os oradores mais eloquentes acabavam por ocupar papel de destaque nas assembleias — os que possuíam mais habilidades para persuadir e levar o público40 em direção aos interesses pessoais , e assim tendiam a beneficiar os interesses individuais, e não o interesse geral de todos os cidadãos.

Hobbes afirma que:

“De tal maneira que uma democracia, em efeito, nada mais é do que uma

aristocracia de oradores, interrompida algumas vezes pela monarquia de

um orador.”41

37 HOBBES, Thomas. Do cidadão. Tradução: Renato Janine Ribeiro. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes,

2002.

38 CASTAÑO, El problema..., cit., p. 100.

39 Cf: MOSSE, Claude. Péricles O inventor da Democracia. Tradução: Luciano Vieira Machado. São

Paulo: Estação Liberdade, 2008.

40 Público aqui assume o papel de uma espécie de plateia, ou mesmo audiência. O público dos oradores da

Grécia eram os cidadãos que ali estava a participar das assembleias e reuniões na àgora. Ali era o palco onde cada um dos discursantes usava suas habilidades oratórias para a defesa de algum ideal na a tomada de decisão dos assuntos da Polis.

41 HOBBES, Thomas. Os elementos da lei natural e política: tratado da natureza humana: tratado do corpo

(27)

27 Tucídides sabia disso e, assim sendo, decide afastar-se da Atenas democrática. Para Hobbes a melhor forma de governo, ou melhor, a menos pior, é a monarquia, como demonstra a própria história da Polis grega, onde a regra gloriosa e hegemônica de Péricles não era realmente uma democracia, mas uma monarquia disfarçada, onde a decisão do líder pesava mais do que a de qualquer outro membro da comunidade.

A continuidade dessas ideias surge nos próximos escritos sobre política que se materializam através do Os elementos da lei natural e política42. Ali aparece pela primeira vez o

que Michel Malherbe chama de “democracia primitiva43. Hobbes desenvolve o argumento segundo o qual a primeira forma de governo a aparecer seria necessariamente a democracia, pois que os homens só podem passar do estado de natureza para a sociedade civil, através de um pacto de todos com todos.

A decisão de dar aos outros o direito natural em si e instituir um governo capaz de determinar certo e errado, de punir qualquer atitude que ameace os interesses públicos, ou seja, de instituir as regras e normas de convivência em sociedade deve ser baseada em uma decisão tomada por maioria na assembleia reunida, ou seja, por uma democracia. “A democracia não é constituída pelo contrato de pessoas privadas com o

povo, mas por pactos recíprocos de indivíduos entre si.”44

Tais indivíduos, no ponto de vista hobbesiano, não têm como objetivo maior os bens materiais ou a riqueza; contudo, mantém um incessante busca pela honra. Ele aponta que dentre as causas da violência uma das principais reside na busca pela glória,

quando os homens se batem “por ninharias, como uma palavra, um sorriso, uma

diferença de opinião, e qualquer outro sinal de desprezo, quer seja diretamente dirigido a suas pessoas, quer indiretamente a seus parentes, seus amigos, sua nação, sua profissão ou

seu nome”45.

Justamente por ter como único exemplo “democrático” a Grécia Antiga é que

Hobbes não acredita no potencial da democracia como forma de governo. Como dito anteriormente, os interesses individuais dos mais eloquentes da assembleia de tomada de

42.HOBBES, Os elementos da lei..., cit., p. 147

43 MALHERBE, Michel. Hobbes: ou L’oeuvre de la raison. 2. ed. Paris: Philosophique J. Vrin, 2000. p.

145-146.

44 HOBBES, Do cidadão, cit., p. 124.

45 HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria forma e poder de um Estado eclesiástico e civil. Tradução: João Paulo

(28)

28 decisões sempre se sobressairiam prejudicando assim o interesse dos demais; era o fator que o fazia desacreditar do modelo. Além disso, as questões de eficiência na resolução dos assuntos públicos e as dificuldades encontradas nos meios de tomada de decisão também pesavam contra.

Destarte, sabemos que no período em que Hobbes era o teórico do Estado Absoluto, sequer se pensava em direitos do cidadão, e a participação do indivíduo nas tomadas de decisão não acontecia. O poder do Estado diante de seus contratantes é concentrado e onipotente nas mãos do monarca. Menos ainda o bem estar e a vida digna eram tidos como garantias para os cidadãos do Leviatã.

Hobbes, ao distinguir os tipos de república, leciona:

“A diferença entre as repúblicas consiste na diferença do soberano, ou pessoa representante de todos e cada um dos membros da multidão. E como a soberania ou reside em um homem ou em uma assembleia de mais de um, e que em tal assembleia ou todos têm o direito de participar, ou nem todos, mas apenas certos homens distintos dos restantes, torna-se evidente que só pode haver três espécies de república. Pois o representante é necessariamente um homem ou mais de um, e caso seja mais de um a assembleia será de todos ou apenas de uma parte. Quando o representante é um só homem, a república é uma MONARQUIA. Quando é uma assembleia de todos os que se uniram, é uma DEMOCRACIA, ou governo popular. Quando é uma assembleia apenas de

uma parte, chama-se-lhe ARISTOCRACIA.”46

Portanto, para ele uma democracia é uma forma de governo onde o representante é o próprio povo reunido em assembleia, uma assembleia em que todos possam participar. Tais deliberações públicas do povo se inseriram nas práticas das sociedades à medida que estas foram se desenvolvendo e resultaram no que mais tarde ficou conhecido como democracia representativa. Enfim, concepção de democracia de Hobbes contém elementos representativos. Diferentemente da democracia deliberativa atual, a teoria da democracia de Hobbes envolve o processo do sufrágio universal nas deliberações públicas.

Hobbes, ainda nesse sentido, nos traz que a democracia é:

“[...] um governo no qual a totalidade, ou quantos dela o quiserem, sendo reunidos conjuntamente, formam o soberano, e cada homem em

particular um súdito.”47

(29)

29 Logo, podemos tomar a questão da democracia como um cenário onde cada homem, toma a decisão de seguir as determinações deliberadas dentro das convenções feitas por eles próprios:

“[...] todos os homens com todos os homens, pois em consideração ao benefício de sua própria paz e proteção, convencionam acatar e obedecer a qualquer que seja a maioria num certo número deles, devendo ser chamados a se unirem em um certo tempo e lugar, para determinar e comandar.”48

Dessa forma, temos que, em Hobbes:

“na realização de uma democracia não é feita nenhuma convenção entre

o soberano e qualquer súdito. Pois, enquanto a democracia é uma

realização, não existe soberano com o qual contratar.”49

Tal contrato, portanto, acaba sendo estabelecido entre os próprios comuns, pelos homens que formam a comunidade e que pretendem ser auto organizar, e em assembleias e reuniões preestabelecidas, onde então tomarão as decisões que afetarão todo o corpo social.

Destarte, para que essa comunidade — que pretende se autogovernar por meio de decisões tomadas pelo conjunto dos diversos individuais, que expressam suas opiniões, deliberam e decidem sobre os assuntos comuns a todos, em locais e ocasiões apropriadas para tal — obtenha êxito, é necessário que algumas práticas passem obrigatoriamente a ocorrer, ou seja, alguns “rituais” mantenedores da unidade social precisam ser estabelecidos e mantidos, com intuito de que a ordem e estabilidade inicialmente almejadas se estabeleçam e solidifiquem. Assim diz Hobbes:

“Contudo, se eles se separarem, e puserem fim à assembleia, e não indicarem lugar ou data onde e quando venham novamente a se reunir, a coisa pública retorna à anarquia e à mesma condição em que se encontrava antes de sua reunião, isto é, ao estado em que todos guerreavam contra todos. Duas coisas, portanto constituem uma democracia, das quais uma — que é a convocação perpétua de assembleias — forma o demos ou povo, enquanto a outra — que é a maioria de votos — forma tò krátos, ou o poder.”50

48 Idem, p. 146. 49 Idem, p. 146.

(30)

30 A partir daí, uma vez que a democracia tivesse contribuído e sustentado a criação do Estado, ela deveria decidir a quem seria delegado o poder soberano ou qual seria a forma de governo mais adequado para manter a paz da república. Esta

“democracia primitiva” poderia então optar pela forma que delegaria seus poderes; se seria a todos os cidadãos, a um seleto grupo de cidadãos ou a uma única pessoa, ou o que podemos chamar de uma democracia, uma aristocracia ou uma monarquia.

“A doutrina da soberania popular, a primeira e inconfundivelmente a mais democrática das doutrinas em exame não postula necessariamente uma forma republicana de governo, tanto que Hobbes a desenvolveu para derivar da vontade popular na sua teoria do contrato social a justificação do poder monárquico[...].”51

Contudo, independente da escolha, há duas coisas que, na opinião do nosso

autor são indiscutíveis: em primeiro lugar, a existência dessa “democracia primitiva” como

a primeira forma de governo; e, segundo, que o poder deve sempre estar nas mãos de um governante absoluto, porque, caso contrário, ele acabará por voltar à situação odiosa de conflito de todos contra todos.

Renato Janine Ribeiro explica:

“Não há totalitarismo hobbesiano, mas conversão dos indivíduos — para manter o seu fim, que é preservar-se, cada um abre mão do meio, que está na razão e juízo individuais. Porém, a vida, consideration do pacto, continua a medir a submissão — que cessará se faltar segurança. O cidadão nunca deixa de ser indivíduo. Dessa condição derivam suas expectativas (de viver, e bem), direitos (de lutar pela vida) — e frustrações: não há governo que se molde ao indivíduo. Ilusão pensar que a democracia escute melhor minha voz; se me reconheço no Estado é que o criei, não porque pertença à assembleia soberana.”52

É necessária a existência de um Estado dotado do monopólio da violência, armado, para conduzir os homens ao respeito mútuo. O poder de Estado tem que ser pleno. O Estado medieval não conhecia poder absoluto, nem soberania — os poderes do rei eram contrabalançados pelos da nobreza, das cidades, dos parlamentos. No Estado

51 BONAVIDES, Paulo. Ciência..., cit., p. 140-1.

52 RIBEIRO, Renato Janine. Ao leitor sem medo: Hobbes escrevendo contra o seu tempo. Belo Horizonte:

(31)

31 deve haver um poder soberano, isto é, um foco de autoridade que possa resolver todas as pendências e arbitrar qualquer decisão. Hobbes desenvolve essa ideia, e monta um Estado que é condição para existir a própria sociedade. A sociedade nasce com o Estado.

Em Hobbes, não há como existir primeiro a sociedade, depois o Estado. Porque, se há governo, é justamente para que os homens possam conviver em uma sociedade harmônica: sem governo, todos acabariam por matar uns aos outros na defesa dos interesses individuais. É justamente por isso que o poder do governante tem que ser ilimitado, pois, se ele sofrer alguma forma de limitação, se o governante tiver de respeitar tal ou qual obrigação então quem irá julgar se ele está sendo ou não justo? Quem julgar terá também o poder de julgar se o príncipe permanece príncipe ou não e, deste modo, será ele que avalia a autoridade suprema.

Não existe alternativa: ou o poder é absoluto, ou continua-se na condição de guerra, entre poderes que se enfrentam. O soberano não é signatário do contrato; este é estabelecido apenas pelos que vão se tornar súditos, não pelo beneficiário. No instante do contrato não existe ainda a figura do soberano, que só surge devido à existência do contrato. Logo, ele se conserva fora dos compromissos, e isento de qualquer obrigação.

Em tal Estado, onde o poder é absoluto, é de se indagar qual papel caberá à liberdade e à igualdade, grandes valores que o Ocidente conclama e envaidece depois da Revolução Francesa.

A alternativa de Hobbes vem justamente no sentido de desmontar o valor retórico atribuído a tais ideários e, dizer que a igualdade é o fator que leva à guerra de todos. A partir do momento em que os homens são iguais, estes homens podem querer a mesma coisa, e em virtude disso, todos vivem em tensa competição. No que concerne à liberdade, Hobbes vai defini-la de modo que também deixa de ser um valor imprescindível.

Hobbes reduz a liberdade a uma determinação física, aplicável a qualquer corpo. Com isso ele praticamente elimina o valor da liberdade como um clamor popular, como um princípio pelo qual homens lutam e morrem.

Renato Janine explica:

(32)

32

própria vida). O homem percebeu que, como todos tinham esse direito tanto quanto ele, o resultado só podia ser a guerra - e a vida do homem [era] solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta. Mas, dando poderes ao soberano, a fim de instaurar a paz, o homem só abriu mão de seu direito para proteger a sua própria vida. Se esse fim não for atendido pelo soberano, o súdito não lhe deve mais obediência - não porque o soberano violou algum compromisso (isso é impossível, pois o soberano não prometeu nada), mas simplesmente porque desapareceu a razão que levava o súdito a obedecer. Esta é a verdadeira liberdade do súdito.”53

Tentamos expor os posicionamentos do teórico inglês Thomas Hobbes tanto no que diz respeito ao indivíduo e seu papel na formação de um governo democrático. Sem dúvida a teoria política hobbesiana foi marcadamente importante para o desenvolvimento de todo o pensamento político-filosófico da modernidade.

(33)

33 Charles Louis de Secondat, conhecido como Barão de Montesquieu, circula entre os mais importantes teóricos da história da ciência política pela magnitude e atualidade dos argumentos da sua principal obra L’Esprit des Lois (O Espírito das Leis, 1748)54. Elaborado ao longo de período de vinte anos, em meio ao contexto de uma França revolucionária, o livro exerceu colossal influência, tanto na Revolução Americana, quanto na Francesa, no sistema de governo inglês e, de certa forma, em todo o mundo durante os dois últimos séculos.

José Vitor Gomes explica que:

“Montesquieu inaugura na França o entendimento de que a vida social

pode ser dotada de maior harmonia e liberdade se a lei estiver acima dos

homens e o poder dividido em entes diferenciados e independentes.”55

É da análise dessa obra seminal, que tentaremos extrair reflexões no tocante do indivíduo e seu papel participativo diante das dinâmicas democráticas de uma sociedade vivendo as efervescências de uma Revolução que viria para mudar e renovar a maioria dos paradigmas e instituições que compunham o Estado. É necessário esclarecer que o objetivo de Montesquieu quando da produção do Espírito das Leis era chegar ao fundo dos elementos sociais para buscar as origens e descobrir as causas morais e físicas de tais fenômenos.

Desta feita, Émile Durkheim corrobora com o proposto expondo o seguinte argumento:

“Montesquieu considera a democracia e a aristocracia como variedades de um mesmo e único tipo, embora na primeira todos os cidadãos participem do governo e na última apenas um pequeno número. [...] Mas o alcance de sua visão é muito mais amplo, pois, da forma como os descreve, os três tipos de sociedade diferem não apenas no número de seus governantes e na administração dos negócios públicos, mas em sua natureza como um todo.”56

54 MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat, Baron de. O Espírito da Leis. Apresentação: Renato

Janine Ribeiro. Tradução: Cristina Murachco. – 3ªed.- São Paulo: Martins Fontes, 2005.

55 GOMES, José Vitor Lemes. Fontes Teóricas Do Estado Democrático de Direito: A vertente francesa. Anais do

36º Encontro Anual da Anpocs, de 21 a 25 de outubro de 2012, em Águas de Lindóia – SP. 31p.

56DURKHEIM, Émile. Montesquieu e Rousseau: Pioneiros via Sociologia. Tradução Julia Vidili. São Paulo:

Madras. 2008, p.36.

(34)

34 Nesse sentido, Montesquieu ao iniciar sua diferenciação entre as distintas formas de governo, — e aqui damos atenção especial para o regime republicano democrático, pois para o teórico francês a única forma de se estabelecer uma democracia que não tenha seus princípios corrompidos é pela consolidação de uma república — assim explicita:

“Quando numa república, o povo em conjunto possui o poder soberano, trata-se de uma Democracia. [...] O povo, na democracia, é sob certos aspectos, o monarca; sob outros, é súdito.”57

Tendo em vista tais fatos, Montesquieu parte do pressuposto que as estruturas dessas diferentes sociedades não são sempre as mesmas, nem seus membros são atrelados pelos mesmos vínculos58. Numa república, particularmente em uma democracia, todos os cidadãos são iguais e indistintos. A cidade-Estado assemelhar-se a uma espécie de grupo formado por componentes homogêneos, em que nenhum seja superior aos outros. Todos tem o dever de zelam igualmente pelo bem comum. Mesmo aqueles que ocupam posições de comando não estão acima dos outros, pois desempenham o ofício apenas por um determinado período.

O Estado mais indicado para o desabrochar de uma república democrática é aquele onde as riquezas privadas não representem um papel de preponderância no pensamento dos indivíduos: estes devem se preocupar mais com o bem-estar comum.

Desta forma, a fonte principal de diferença entre os homens seria extirpada. Até mesmo a vida privada passaria a ser praticamente a mesma para todos; assim sendo, a condição modesta de todos os cidadãos instituída por meio de lei eliminaria praticamente todo o estímulo ao comércio, que mal pode existir sem certo nível de desigualdade. Consequentemente, as atribuições e atividades de todas as pessoas se tornariam aproximadamente as mesmas. Logo, na boa república, o povo deveria ser capaz de se autogovernar em direção ao bem comum e aos interesses primeiros da nação.

Quando não o fosse, delegaria então tal tarefa a um grupo de indivíduos que seriam escolhidos como representantes do povo, eleitos via sufrágio, onde cada indivíduo,

57 MONTESQUIEU, O Espírito... cit., p. 19.

58 DEDIEU, Joseph. As idéias políticas e morais de Montesquieu. In: QUIRINO, Célia Galvão & SOUZA,

(35)

35 dotado de suas capacidades de cidadão, participaria do processo de eleição exprimindo sua escolha no candidato que mais lhe pareça apto a cumprir dita obrigação. Desta forma, o povo, proveniente da união de todos os indivíduos, manifesta seu poder soberano, escolhendo seus representantes:

“O povo que possui o poder soberano deve fazer por si mesmo tudo o que pode fazer bem; e o que não puder fazer bem, deve fazê-lo por meio de seus ministros. Seus ministros só lhe pertencem se ele os nomeia; é, pois, uma máxima fundamental deste governo que o povo nomeie seus ministros, isto é, seus magistrados.”59

Nesse sentido, ressaltamos ainda que alguns princípios são essenciais para o devido funcionamento da forma democrática trazida pelo francês:

“Sem dúvida, quando o povo dá seu sufrágio, ele deve ser público; e isto deve ser visto como uma lei fundamental da democracia. [...] Outra lei fundamental da democracia é aquela que diz que somente o povo elabora

as leis.”60

Logo, devemos nos atentar para o fato de que segundo esse raciocínio, o povo

— num sistema democrático ideal — deveria ser capaz de conduzir todos os negócios do Estado, inclusive no que diz respeito à elaboração das leis e das regras que hão de reger tal sociedade.

Todavia, em uma nação muito numerosa a participação direta de todo o povo não é viável. A opção mais acertada, — e acima exposta — é a de que o povo nomeie representantes que possam então decidir e legislar em seu nome, em defesa de seus interesses.

Evidenciamos, contudo, dentro do pensamento de Montesquieu, que não é correto supor que todos os indivíduos que fazem parte do povo são dotados das capacidades necessárias para se tornarem representantes, mandatários da nação, incumbidos com o dever de escolher os melhores interesses em razão do bem comum.

Corrobora Montesquieu:

“Assim como a maioria dos cidadãos, que têm pretensão bastante para eleger, mas não para serem eleitos, o povo, que tem capacidade suficiente para fazer com que se prestem contas da gestão dos outros, não está

capacitado para gerir ”61

59 MONTESQUIEU, O Espírito... cit., p. 20. 60 Idem, p. 23.

(36)

36 Isto posto, entendemos que o povo é elemento gerador de todo o poder fundamental para a existência e manutenção de tal estrutura de Estado, que na república democrática, se materializa justamente na figura dos representantes, que receberão do povo o poder de decidir sobre os assuntos da nação. Estes, por sua vez, necessitam — diferente do monarca ou do ditador, que não precisam se preocupar nem com a opinião nem com os interesses de seus súditos — de um elemento mantenedor, de um guia que os conserve sempre próximo do ideal de bem comum que carregam. Montesquieu chama esse elemento de virtude:

“Não é necessária muita probidade para que um governo monárquico ou um governo despótico se mantenham ou se sustentem. A força das leis no primeiro, o braço erguido do príncipe no segundo regram e contêm tudo. Mas num Estado popular se precisa de um motor a mais que é a VIRTUDE.”62

Assim sendo, é fato então que para que se possa ser um representante do povo, o indivíduo precisa mais do que qualquer outra qualidade, ser virtuoso. Isso significa que o mandatário necessita estar desprendido dos interesses individuais que possam tirá-lo do bom caminho: ele precisa estar intimamente ligado aos ideais de sua nação.

Montesquieu, ao tratar sobre a virtude na república, anota:

“A virtude, numa república, é uma coisa muito simples: é o amor pela república; é um sentimento e não uma série de conhecimentos; tanto o último dos homens do Estado quanto o primeiro deles ter esse sentimento. [...]. O amor à pátria leva à bondade dos costumes, e a bondade dos costumes, ao amor à pátria”63.

Deste modo, percebemos que, numa república, onde os homens estão em buscam da igualdade — neste caso ele refere-se à igualdade garantida pelas leis, e não necessariamente uma igualdade de classes —, para que o Estado se cultive em ordem, de forma justa, deve-se conter no âmago dos indivíduos, um amor pela pátria e pelo próximo, já que estes são cidadãos de uma mesma pátria. Podemos pensar em algo como

(37)

37 fraternidade e caridade, fatores estes que formariam a virtude dita pelo autor em referência ao governo republicano.

Com isso, se tais preceitos existirem o Estado será propício para o desenvolvimento republicano democrático; entretanto como o autor aponta, se a virtude desaparecer, neste caso se o amor à pátria obscurecer-se, se as leis não forem igualitárias para todos, se não houver frugalidade e os cidadãos não se contentarem com pouco e nem evitarem excessos, a república se tornará corrupta.

(38)

38 Assim como Montesquieu, o Genebrino desenvolve sua teoria política diante

do desabrochar da contemporaneidade, na chamada “Época das Luzes”64. Tanto sua filosofia, quanto seu sistema de formação do cidadão se dá a partir da educação, e em razão disto publica em 1762 obra seminal sobre a temática da educação: Emílio.65 Consequentemente, o que se almeja diante de tais circunstâncias, é expor os principais pontos da teoria rousseauniana no que concerne o processo de nascimento da democracia e o papel do cidadão nesta realização.

Rousseau, da mesma forma que outros contratualistas, era avesso ao luxo e à vida voltada para os aspectos mundanos. Para ele o grande mal da época moderna era a civilização burguesa, com hábitos de luxo e de criação de desejos artificiais66. Em seu

Discurso Sobre a Origem da Desigualdade Entre os Homens (1755)67, defendeu a tese da benevolência natural dos homens, que seriam corrompidos pelos fatores trazidos pela civilização. Ele sugeria uma vida familiar com simplicidade, no plano político, uma sociedade abalizada na justiça, igualdade e soberania do popular.

Leonardo Avritzer traz uma reflexão que nos serve de apoio:

“Rousseau, ao identificar o processo de formação da vontade geral com o processo de aferição da vontade da maioria, propõe uma concepção de democracia baseada nos seguintes elementos: a decisão como elemento central do processo deliberativo; a ideia de que, uma vez aferida a vontade da maioria, a posição perdedora nada mais representa do que um erro. Essa posição, que foi hegemônica no interior da teoria democrática por mais de 200 anos, tem dado lugar a uma concepção alternativa, que utiliza o segundo significado etimológico do conceito de deliberação, qual seja, a ideia de um processo de discussão e avaliação no qual os diferentes aspectos de uma determinada proposta são pesados.”68

64 ROUANET, Sérgio Paulo. As razões do iluminismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p. 31.

65 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio ou da Educação. Tradução: Roberto Leal Ferreira, Ed. Martins Fontes,

São Paulo, 2004.

66 COMPARATO, Fábio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. São Paulo:

Companhia das Letras, 2006, p. 233.

67 ROUSSEAU, Jean Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Brasília,

DF: Ed. Universidade de Brasília, 1985.

68 AVRITZER, Leonardo. Teoria Democrática e Deliberação Pública. Lua Nova. Revista de Cultura e

Referências

Documentos relacionados

Avaliação técnico-econômica do processo de obtenção de extrato de cúrcuma utilizando CO 2 supercrítico e estudo da distribuição de temperatura no leito durante a

O Gráfico M-N apresenta um conjunto de pontos (N,M) obtidos a partir destas três propriedades físicas medidas para os principais minerais na constituição das

Foram utilizados 120 dentes humanos unirradiculares, que após tratamento endodôntico foram separados aleatoriamente em 6 grupos n=20, de acordo com o material restaurador

A perspectiva teórica adotada baseia-se em conceitos como: caracterização câncer de mama e formas de prevenção; representação social da doença; abordagem centrada no

CÓDIGO ÓTIMO: um código moral é ótimo se, e somente se, a sua aceitação e internalização por todos os seres racionalmente aptos maximiza o bem-estar de todos

Sobretudo recentemente, nessas publicações, as sugestões de ativi- dade e a indicação de meios para a condução da aprendizagem dão ênfase às práticas de sala de aula. Os

Obedecendo ao cronograma de aulas semanais do calendário letivo escolar da instituição de ensino, para ambas as turmas selecionadas, houve igualmente quatro horas/aula