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A estética do documentário cinematográfico no cinema contemporâneo de ficção científica: um olhar sobre o filme "Distrito 9" de Neill Blomkamp

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Academic year: 2017

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A ESTÉTICA DO DOCUMENTÁRIO CINEMATOGRÁFICO NO CINEMA CONTEMPORÂNEO DE FICÇÃO CIENTÍFICA: UM OLHAR SOBRE O FILME

“DISTRITO 9”, DE NEILL BLOMKAMP

Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em Educação, Arte e História da Cultura da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação, Arte e História da Cultura.

Orientador: Prof. Dr. Martin Cezar Feijó.

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A ESTÉTICA DO DOCUMENTÁRIO CINEMATOGRÁFICO NO CINEMA CONTEMPORÂNEO DE FICÇÃO CIENTÍFICA: UM OLHAR SOBRE O FILME

“DISTRITO 9”, DE NEILL BLOMKAMP

Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em Educação, Arte e História da Cultura da Universidade Presbiteriana Mackenzie , como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação, Arte e História da Cultura.

Aprovado em

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________________________ Professor Doutor Martin Cezar Feijó – Orientador

Universidade Presbiteriana Mackenzie

___________________________________________________________________ Professor Doutor Fernando de J. G. Salinas

Universidade Presbiteriana Mackenzie

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R484e Ribeiro, Marcio Almeida

A estética do documentário cinematográfico no cinema

contemporâneo de ficção científica: um olhar sobre o filme

“Distrito 9”, de Neill Blomkamp / Marcio Almeida Ribeiro. 2013

101 f. : il. ; 30 cm

Dissertação (Mestrado em Educação, Arte e História da

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À minha esposa e meu filho pela inspiração, incentivo e apoio na realização deste trabalho; a meus

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Ao Prof. Marcos Nepomuceno, pela oportunidade que me foi dada quando do início de minha carreira acadêmica no Mackenzie.

Ao Prof. Fernando Salinas, pelas aulas de cinema, pelo apoio e pelos ensinamentos que me levaram à escolha do tema desta dissertação.

Aos Professores José Maurício e Paulo Cesar pelos comentários e sugestões durante a realização deste trabalho.

Ao Prof. Marco Bin, pelos comentários e sugestões apontadas no decorrer do exame de qualificação.

Ao Prof. Martin Cezar Feijó por ter sido meu orientador e amigo, que com muita paciência, acompanhamento e incentivo, me fez concluir esta empreitada.

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O propósito deste trabalho é, através de uma análise do longa-metragem de ficção científica Distrito 9, de Neill Blomkamp, investigar a utilização da estética do documentário como proposta narrativa para o filme, bem como avaliar as escolhas do diretor a partir do momento em que é necessário substituir o estilo documentário em prol de uma narrativa cinematográfica tradicional em benefício do enredo do filme. Essa duplicidade de estilos também será objeto de análise deste trabalho. Será apresentada uma breve história do cinema, seus principais nomes, bem como a influência de seu trabalho no desenvolvimento da indústria cinematográfica. Serão identificadas as características do documentário, os cineastas mais importantes desse movimento bem como sua influência no desenvolvimento de outros movimentos na história do cinema.

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The purpose of this work is through an analysis of the feature sci-fi movie District 9, by Neill Blomkamp, investigate the use of documentary aesthetic as the proposed narrative for the film, as well as evaluating the choices of the director from the moment it is necessary to replace the documentary style in favor of a traditional narrative film to benefit the film's plot. This duplicity of styles will also be the object of analysis of this study. It will be presented a brief history of cinema, its principal names, as well as the influence of their work in the development of the film industry. We will identify the characteristics of the documentary, the most important filmmakers of this movement and its influence on the development of other movements in film history.

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Foto 1 - Cartaz promocional do Cinematógrafo Lumière ... 16

Foto 2 - Chegada do trem à estação de La Ciotat ... 17

Foto 3 - Saída dos funcionários da fábrica de Lyon ... 18

Foto 4 - Cartaz do filme “The Great Train Robbery” ... 23

Foto 5 - Cena final de “The Great Train Robbery” ... 23

Foto 6 - Cartaz de exibição de “Nanook of the North” ... 25

Foto 7 - Nanook ... 26

Foto 8 - Dziga Vertov ... 27

Foto 9 - Pescadores em “Drifters” 1 ... 30

Foto 10 - Pescadores em “Drifters” 2 ... 30

Foto 11 - D.A. Pennebaker com Bob Dylan em Don’t Look Back ... 39

Foto 12 - Bob Dylan em cena de Don’t Look Back ... 39

Foto 13 - Cartazes: Ladrão de bicicleta; Roma, cidade aberta e A terra treme ... 40

Foto 14 - O ladrão de bicicletas, Umberto D. e Milagre em Milão ... 42

Foto 15 - Cartazes: Rio 40 graus, Los Inundados e O mundo de Apu ... 42

Foto 16 - Cartazes: Rocco e seus irmãos, O leopardo e Vagas estrelas da Ursa .... 43

Foto 17 - Cartazes: La doce vita, Frederico Fellini 8 ½ e Roma ... 44

Foto 18 - Capa do primeiro número da revista Cahiers du Cinéma ... 45

Foto 19 - Os incompreendidos, Acossados e Os Amantes ... 47

Foto 20 - O Segundo Rosto, O Candidato e Medium Cool ... 48

Foto 21 - Mosaico The War Game ... 49

Foto 22 - Cartazes: Gimme Shelter, Woodstock e Stop Making Sense ... 50

Foto 23 - Cartaz da produção da HBO em 2011 ... 51

Foto 24 - Família Loud Original e Família no filme da HBO ... 52

Foto 25 - Cartazes: Festa de família, Os idiotas e Mifune ... 54

Foto 26 - Cartazes: Sob o domínio do mal, Sete dias de maio e Domingo negro .... 56

Foto 27 - Cartazes: Todos os homens do presidente, Salvador e JFK ... 56

Foto 28 - Imagem promocional do site de “The Blair Witch Project” ... 59

Foto 29 - Atividade Paranormal, REC e Cloverfield ... 61

Foto 30 - Cartaz de Zelig ... 58

Foto 31 - Cartaz de Desaparecidos ... 61

Foto 32 - Viagem à Lua: Georges Méliès ... 64

Foto 33 - Cenas do filme Metropolis ... 65

Foto 34 - Destination Moon, O dia em que a Terra parou e 2001, Uma odisseia no espaço ... 66

Foto 35 - Cartaz de Tubarão, Cartaz de Guerra nas Estrelas e Cartaz de Contatos Imediatos ... 67

Foto 36 - Cena de Alive in Joburg ... 69

Foto 37 - Vista da nave sobre Joanesburgo ... 72

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Foto 41 - Entrevista de Vikus na MNU ... 75

Foto 42 - Cena da entrega das ordens de despejo ... 78

Foto 43 - Armas alienígenas ... 79

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DNA Deoxyribonucleic Acid

EMB Empire Marketing Board

HBO Home Box Office

MGM Metro-Goldwyn-Mayer

MNU Multinational United

NFB National Film Board

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1 Introdução ... 13

1.1 Objetivos e interesses da pesquisa ... 14

1.2 Justificativa ... 14

1.3 Desenvolvimento do tema da pesquisa ... 15

2 A invenção do cinema ... 16

2.1 Os primeiros anos do cinema ... 19

2.2 Entretenimento e Indústria ... 21

2.3 Atualidades, arte e espetáculo ... 22

2.4 O início da montagem... 24

2.5 O gênero documentário ... 25

2.6 Dziga Vertov: A câmera na rua ... 27

2.7 John Grierson: A educação pelo cinema ... 29

2.8 Ficção versus Não Ficção ... 31

2.9 O documentário: Métodos, estratégias e estilos... 32

2.9.1 Os modos do documentário ... 35

2.9.1 Modo Poético ... 35

2.9.2 Modo Expositivo ... 35

2.9.3 Modo Observativo ... 35

2.9.4 Modo Participativo ... 35

2.9.5 Modo Reflexivo ... 36

2.9.6 Modo Performático ... 36

2.9.7 O público ... 36

3 O Cinema-verdade ... 38

3.1 Neo-realismo ... 40

3.2 Nouvelle Vague ... 44

3.3 Influências e estilos do cinema-verdade ... 47

3.4 O primeiro reality show da TV ... 50

3.5 Dogma, o manifesto. ... 53

3.6 Cinema-verdade na Bélgica ... 54

(12)

3.9.1 Holocausto Canibal ... 60

3.9.2 Found footage films ... 57

3.9.3 Desaparecidos... 61

4 Os gêneros cinematográficos e a ficção científica...62

4.1 A origem da ficção científica no cinema ... 63

4.1.1 Méliès e Viagem à Lua ... 63

4.1.2 Fritz Lang e Metropolis ... 64

4.1.3 Destination Moon ... 65

4.1.4 Um novo começo ... 67

4.1.5 A cultura da ficção científica ... 68

4.2 A origem de Distrito 9 ... 68

4.2.1 O cineasta estreante ... 69

4.2.2 O primeiro longa-metragem ... 70

4.2.3 Distrito 9 - A escolha do tema ... 71

4.2.4 Distrito 9 - O filme ... 72

4.2.5 O Roteiro e a improvisação em Distrito 9 ... 76

4.2.6 A Estética do documentário em Distrito 9 ... 77

4.2.7 Mudanças na narrativa ... 80

4.3 Aspectos históricos e culturais de Distrito 9 ... 86

5 Considerações Finais ... 91

(13)

1 Introdução

Meu interesse por ficção científica tanto na literatura quanto no cinema e televisão começou na infância. Em meados da década de 1960 fui apresentado por meu avô e meu pai aos clássicos do gênero como Viagem ao centro da terra, Vinte

mil léguas submarinas e Volta ao mundo em 80 dias de Julio Verne, Guerra dos

mundos e A máquina do tempo de H. G. Wells, entre outros.

A semente do prazer pela leitura de ficção científica estava plantada.

Nessa época, apesar de pouco assistir à televisão, me recordo de uma cena da novela Cavalo de Aço da Rede Globo em que Tarcísio Meira, pilotando sua moto é perseguido numa estrada por uma luz suspensa em meio à algumas árvores.

“Deve ser um disco voador”, disse meu pai. E completou: “Nessa história, o Tarcisio é filho de um extraterrestre com uma mulher da Terra”. Desse dia em diante, estava

definitivamente fisgado pelo gênero também na televisão.

Vivíamos na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, no quilômetro 4 da Avenida das Américas, numa época em ela se estendia do centro da Barra ao Recreio dos Bandeirantes numa única pista e não havia um só edifício em toda sua extensão. Era o céu noturno mais brilhante de que me recordo e não passava uma noite sequer sem que da minha janela eu vislumbrasse aquele mar de estrelas, com o pensamento no infinito.

Com o passar do tempo, além da descoberta de autores como Isaac Asimov, Arthur C. Clark, Ray Bradbury, entre outros, vieram também as séries de TV.

Jornada nas Estrelas,Perdidos no Espaço,Terra de Gigantes e longa metragens de

ficção científica exibidos na TV brasileira tornaram-se meus favoritos.

Anos mais tarde, em meio à clássicos como Guerra nas estrelas e Blade Runner, até os blockbusters Minority Report e Avatar, entre outros, o mundo se transformou. Vieram os videocassetes, câmeras de vídeo e foto digitais, microcomputadores, celulares, a internet, os DVDs, BluRays e tantos outros gadgets. Hoje o mundo, mais que uma aldeia – com o perdão de McLuhan - é uma grande comunidade tecnológica onde somos ao mesmo tempo,

realizadores/atores/expectadores, membros de uma verdadeira “sociedade documentário”, cercados de câmeras e telas por todos os lados onde imagens

(14)

Tal evolução tecnológica veio determinar inclusive os rumos de minha carreira, pois, como já mencionado anteriormente, aliado ao meu interesse por cinema e televisão, tornei-me um profissional da área de vídeo e computação gráfica, atuando no mercado publicitário e de marketing corporativo a quase 30 anos.

1.1 Objetivos e interesses da pesquisa

Tendo como ponto de partida o longa metragem intitulado Distrito 9, produzido por Peter Jackson e dirigido por Neill Blomkamp, ao investigar aspectos históricos e estéticos do documentário cinematográfico em suas diversas vertentes, o objetivo dessa pesquisa é, através de uma análise detalhada do filme proposto, procurar estabelecer relações de cunho estético entre gêneros distintos do ponto de vista cinematográfico. Nesse caso, o documentário e a ficção científica.

Além disso, meu interesse na realização dessa pesquisa se deveu também ao fato de que, como apreciador de cinema e docente da disciplina de Linguagem da Imagem e do Som no 4º semestre do curso de Publicidade e Propaganda do Mackenzie, cuja ementa é voltada para aspectos teóricos da linguagem cinematográfica, tenho notado que tal combinação de estilos tem sido usada com frequência em obras cinematográficas, tanto em filmes de ficção científica, quanto

nos gêneros de suspense e terror, como “Cloverfield”, “REC” e “Atividade Paranormal”, entre outros. Ao mesmo tempo, tais obras têm sido alvo constante de

discussões e questionamentos durante as aulas, gerando assim uma melhora considerável na participação dos alunos nos debates propostos como no seu aprendizado.

1.2 Justificativa

(15)

imagem. Tudo meticulosamente planejado, detalhado, pensado para ter um determinado efeito, para causar uma determinada reação.

Nesse sentido, considero justificável e oportuna a realização de uma pesquisa voltada para a investigação desse tema visando melhorar o meu conhecimento sobre a questão proposta e em consequência, melhorar a qualidade do meu trabalho como docente.

1.3 Desenvolvimento do tema da pesquisa

Minha principal inquietação e fator catalizador para a escolha do tema deste trabalho de pesquisa surgiu a partir do momento em que, como apreciador do cinema de ficção científica e de documentários, comecei a perceber em determinadas obras, semelhanças de cunho estético entre aquele gênero de cinema de ficção e o cinema dito de não ficção. Por não ficção me refiro especificamente aos documentários, nas suas mais diversas vertentes e estilos.

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2 A invenção do cinema

A capacidade de captação e exibição de imagens em movimento pelo cinema se deve ao trabalho pioneiro dos irmãos Lumière com a invenção do cinematógrafo, aparelho portátil operado manualmente através de uma manivela montado sobre um tripé, com o qual filmavam e projetavam imagens do cotidiano na França. Foram responsáveis também pela primeira exibição pública de cinema em La Ciota, cidade do sudoeste da França, em 28 de dezembro de 1985, data considerada como o nascimento do cinema, a sétima arte, como veio a ser conhecido anos mais tarde.

Foto 1 - Cartaz promocional do Cinematógrafo Lumière

Estamos falando de uma época em que, mal tendo sido superado o impacto provocado pela invenção da fotografia ao reproduzir fielmente o mundo, o cinema vinha fazer muito mais ao imprimir movimento às imagens, documentando cenas do mundo real com enorme fidelidade.

Como atesta Nichols (2008, p.117):

(17)

Cabe ressaltar, entretanto, que nesse período o cinema era mais visto como um experimento científico, fruto do trabalho de pesquisa dos Lumière do que propriamente uma nova forma de expressão artística.

Os irmãos Louis e Auguste Lumière eram engenheiros e trabalhavam com o pai, o industrial Antoine Lumière, proprietário da Fábrica Lumière, fabricante de películas fotográficas situada na cidade de Lyon.

A primeira exibição pública daquele invento para um público pagante aconteceu em Paris, no Grand Café, localizado no Boulevard des Capucines.

Naquela ocasião, foram exibidos dez filmes de curta duração, entre eles “La Sortie de L’usine Lumière à Lyon” e “L’arrivée d’un traine en gare de La Ciotat”.

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Foto 3 - Saída dos funcionários da fábrica de Lyon

Vale lembrar que, segundo Silvio Da-Rin, todos os filmes exibidos nas primeiras demonstrações do cinematógrafo nas sessões do Grand Café, foram realizados pessoalmente por Louis, fotógrafo de longa data, que antes havia estudado desenho e escultura. Seus filmes eram retratos do cotidiano na França e fizeram sucesso imediato, pois como Da-Rin (2008, p.27) nos conta, “[...] se notabilizaram pela elevada qualidade formal e artística, além de revelarem uma

flagrante unidade estilística.”.

Do ponto de vista histórico, tais filmes são considerados precursores do documentário, quando o cinema era sequer dotado de uma narrativa própria. Merten (2005, p.7), ao tentar definir o que é cinema, apresenta os seguintes argumentos:

Arte realista para o crítico francês André Bazin, janela aberta para a realidade conforme o crítico gaúcho Hélio Nascimento, moldura para o diretor russo Sergei Mikhailovitch Eiseinstein, instrumento do humanismo para o baiano Walter da Silveira.

O que pretendemos argumentar é que, numa primeira análise, tais definições, se aplicadas ao gênero documentário, são igualmente válidas.

Num outro momento, Merten (2005, p.15) nos diz que “[...] o cinema é uma

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Ao voltarmos o nosso olhar para o cinema do final do século 19, podemos afirmar que o trabalho dos irmãos Lumière é essecialmente realista. Uma cópia fiel do mundo, das coisas como elas acontecem. Uma representação do real sem nenhuma interferência do realizador.

Conforme Nichols (2007, p.118) “Essas primeiras obras serviram tipicamente como origem do documentário ao manter uma ‘fé na imagem’[...]. Parecem reproduzir o acontecimento e preservar o mistério.”.

2.1 Os primeiros anos do cinema

Este foi sem dúvida o início de um longo caminho percorrido pelo cinema em busca de uma identidade própria enquanto forma de expressão artística.

Como nos conta Da-Rin (2008, p.30):

O cinema destes primeiros anos era profundamente dependente de outras formas culturais, como o teatro popular, a imprensa, as histórias em quadrinhos e as palestras com lanterna mágica. Daí se originava a fonte de inspiração para os conteúdos, mas também para o próprio modo de representação, que precisava ser compatível com filmes constituídos de um único plano, com duração inferior a um minuto. Atos de malabarismos, exibições de halterofilistas, danças e lutas eram ações mecânicas que não chegavam a demandar uma interpretação. Já no caso das cenas cômicas ou dramáticas, que seguiam a linha muito apreciada do burlesco e do melodrama, era necessário que se limitassem a uma atuação curta em forma de pantomima, em que o exagero dos gestos compensava a falta dos meios narrativos.

O período da história do cinema ao qual nos referimos, vai do final do século XIX ao final da primeira década do século XX, o qual segundo Da-Rin, “[...] é caracterizado pelo uso do termo ‘cinema de atrações’, povoado por filmes exibicionistas, que não chegam a narrar, mas mostram alguma coisa excitante.”.

Nesse período, o cinema é análogo ao palco do teatro de variedades onde a tela e a platéia estão permanentemente integradas pelo enquadramento frontal e pela maneira como os atores nos filmes se dirigem ao público, através de acenos e sorrisos.

Essas atrações não eram unicamente filmadas em estúdio, podendo haver vez ou outra, a utilização de paisagens ou cenas em público, conhecidas como

“atualidades”. (DA-RIN, 2008, p.31).

(20)

Da-Rin (2008, p.32) argumenta:

Esta concepção, além de superficial, encobre o significado mais amplo das atualidades, no contexto do florescimento de uma sociedade de massa, período de intensa urbanização, mecanização e aceleração da chamada vida moderna. Ao surgir, o cinema veio ao mesmo tempo revelar e possibilitar uma nova percepção daquele mundo agitado, articulando-se com as notícias, os relatos e as fabulações que circulavam em outros meios de comunicação e informação. [...] O cinema, ao aportar nesse ambiente dando movimento às imagens fotográficas e realistas do mundo, contribuiu

de forma privilegiada para construir tecnicamente a “realidade”, ao mesmo

tempo em que a transformava em espetáculo.

O que de fato se assistia nas exibições das chamadas atualidades eram registros de fatos reais, encenações, ficções e reconstituições de assuntos de grande repercussão na imprensa que não podiam ser filmados ao vivo. Não existia, entretanto, uma diferenciação clara entre aquilo que realmente tinha sido filmado durante um determinado acontecimento e o que havia sido representado por atores diante das câmeras, fazendo com que a diferenciação entre ficção e documentário nesse período da história do cinema seja bastante tênue. Essa mistura entre encenação e realidade aparentemente não incomodava a plateia, talvez porque ninguém duvidasse de que se tratava de uma série de truques. (COSTA, 2005, p.46).

No repertório dos produtores dessas atrações, as atualidades se diversificavam em vários gêneros como filmes de viagens, lutas de boxe, filmes de guerra, entre outros.

Uma das razões dessa diversidade na escolha dos temas e a facilidade no registro das imagens se dá também ao fato de que o cinematógrafo era um equipamento extremamente leve que podia ser facilmente levado a qualquer parte do mundo. Seu funcionamento era independente de eletricidade, movido à manivela e era usado tanto para a captura das imagens, revelação, cópia dos filmes e ainda funcionava como projetor.

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Já a partir de 1895, os filmes eram exibidos em feiras, circos, teatros de ilusionismo, parques de diversões, cafés e em todos os lugares onde houvesse espetáculos de variedades. (COSTA, 2005, p.40).

No ano seguinte, os principais locais para a exibição de filmes são os vaudevilles, que surgiram a partir do teatro de variedades e em cujos espetáculos podia-se assistir ao vivo a números de acrobacias, espetáculos de comédia, declamação de poesias ou números teatrais dramáticos, que muitas vezes eram filmados e posteriormente exibidos nos próprios vaudevilles que rapidamente tornaram-se a principal forma de diversão popular.

Além dos vaudevilles, um elemento importante dentro desse processo de popularização do cinema era o exibidor itinerante que levava o cinematógrafo para a exibição de filmes em locais distantes dos grandes centros urbanos. Esses exibidores eram verdadeiros showmen que alugavam salões e exibiam os filmes misturados a outras atrações, decidindo a cada local a ordem dos quadros a serem exibidos segundo as demandas do público. (COSTA, 2005, p.57).

2.2 Entretenimento e Indústria

Quanto ao estabelecimento da indústria cinematográfica de maneira definitiva, vale citar Da-Rin (2008, p.37), que nos diz,

Nos dez anos seguintes às primeiras projeções públicas, o cinema afirmou definitivamente sua vocação como forma de entretenimento nos mais diversos países, como França, Inglaterra, Estados Unidos e, em menor escala, Itália, Alemanha, Dinamarca e Suécia. Embora a França tenha se mantido como principal produtora de filmes até a deflagração da Guerra de 1914, as mudanças mais radicais no sentido do estabelecimento de uma indústria cinematográfica mundial aconteceram nos Estados Unidos, em função da dinâmica econômica e cultural da sociedade americana. Este processo começa a se delinear a partir de 1903, quando os filmes deixam de ser vendidos aos pedaços e editados nos mais diversos formatos de programas, passando a ser exibidos como produtos prontos, com duração definida. [...] As exibições, antes feitas no intervalo de atrações musicais e circenses, em salões e teatros de variedades, passam a ser realizadas em salas exclusivas e fixas, com sessões corridas e programas renovados [...]

dando início à chamada “era dos nickelodeons”.

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de duração e um único plano, muitos dos filmes continham planos diversos, indo além do enquadramento frontal, com duração de até quinze minutos, sendo estes os que mais atraiam a preferência do público. Passa a haver um grande aumento da demanda por novos filmes, o que, segundo Da-Rin (2008, p.36), “[...] possibilitou o

surgimento de novas oportunidades comerciais e artísticas, com profundas implicações no modo de contar histórias.”.

O processo de institucionalização do cinema se completa ao longo da década de 1910, com a padronização e a organização dos programas entre uma parte principal, o longa metragem de ficção, e os complementos, onde vão se inserir as atualidades, sendo esses complementos apresentados como uma parte introdutória à sessão de cinema, fazendo surgir um novo produto cinematográfico, o cinejornal. Segundo Da-Rin (2008, p.39), “[...] os cinejornais traziam duas inovações: eram um

programa fechado, compatível com a padronização da indústria e eram renovados semanalmente, proporcionando um suprimento regular de complementos.

2.3 Atualidades, arte e espetáculo

Entre as atualidades exibidas nessa época, um gênero em particular irá se destacar. O filme de viagem, também conhecido por “travelogue”, termo cunhado

pelo fotógrafo viajante Burton Holmes que, em suas apresentações exibia fotografias dos lugares por onde passava e filmes que ele mesmo realizava. Em pouco tempo, o filme de viagem se tornaria um dos gêneros mais populares da era pré-nickelodeon . Alguns nomes se destacam nesse período da história do cinema e dentre eles, vale lembrar Edwin S. Porter. Além da realização de vários filmes que mesclavam atualidades com cenas filmadas com atores, Porter vai se destacar com

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Foto 4 - Cartaz do filme “The Great Train Robbery”

Foto 5 - Cena final de “The Great Train Robbery”

Além de narrativa sofisticada com a realização de 14 planos diferentes, causou enorme comoção ao mostrar num close, a imagem de um dos bandidos apontando e disparando uma arma em direção à plateia no final do filme. Conforme Dancyger (2007, p.5)

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2.4 O início da montagem

Outro nome de extrema importância, David Wark Griffith, que havia atuado como ator em alguns filmes de Porter, irá se tornar um dos grandes cineastas da história do cinema. Segundo Merten (2007, p.24), para o crítico inglês Seymour

Stern, “O Nascimento de Uma Nação” (The Birth of a Nation), de 1915, realizado por

Griffith, faz com que definitivamente o cinema se mostre ao mundo como uma forma de arte e espetáculo. Griffith ficará conhecido também como o criador da montagem cinematográfica no sentido moderno, tendo o seu trabalho grande influência em Hollywood e no cinema russo.

Quanto à contribuição de Griffith para o cinema, Dancyger (2007, p.5)

acrescenta: “Sua contribuição abrange toda uma gama de procedimentos: a

variação de planos para criar impacto, incluindo o grande plano geral, o close-up, inserts e o travelling, a montagem paralela e as variações de ritmo.”.

No total, foram 450 filmes nos quais desenvolveu técnicas narrativas usadas até hoje no cinema e na televisão. (MERTEN, 2007).

Ainda à cerca da montagem é fundamental citar o soviético Sergei Eisenstein. Com uma obra menos extensa que a de Griffith mas não menos importante,

Eisenstein foi o criador de verdadeiros clássicos como “Encouraçado Potemkin”, “Outubro” e “Ivan o Terrível”. Como nos lembra Merten (2007, p. 47) “O historiador Eric Hobsbawn, em seu livro ‘A era dos Extremos’, define a sequência da escadaria

de Odessa, do clássico ‘Encouraçado Potemkin’ como os seis minutos mais influentes da história do cinema.”.

Segundo Stam (2006, p.56), “Eisenstein foi o mais influente dos teóricos soviéticos da montagem. O prestígio de seus filmes andava de par com o da teoria.”. Em seus escritos sobre a montagem cinematográfica, dará ênfase à “montagem de atrações”, inspirada nos espetáculos de circo e parques de diversão. Conforme nos conta Stam (2006, p.57)

(25)

2.5 O gênero documentário

Em termos históricos, o documentário surge como gênero cinematográfico em

1922 com a exibição de “Nanook of the North”, de Robert Flaherty. O filme narra a

história de uma família de esquimós de origem Inuit que vivia no norte do Canadá.

Foto 6 - Cartaz de exibição de “Nanook of the North”

Segundo Frances H. Flaherty (1965 apud GAUTHIER, 2011), “Nanook foi

realmente o primeiro filme de seu gênero, o primeiro a mostrar nas telas pessoas

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Foto 7 - Nanook

Não havendo à época de seu lançamento a denominação “documentário”

enquanto gênero cinematográfico, a novidade associada ao longa-metragem de Flaherty ficava por conta de Nanook situar-se entre os filmes de viagem e as ficções, não se identificando diretamente com nenhum dos dois estilos.

É importante lembrar que ninguém teve a intenção de construir uma tradição do documentário. A esse respeito, Nichols (2008, p.116) nos diz:

Ninguém tentou inventar o documentário como tal. O esforço para construir uma história do documentário, uma história com um começo, bem distante no tempo, e um fim, agora ou no futuro, aconteceu depois do fato. Surgiu com o desejo de cineastas e escritores, como eu, de compreender como as coisas chegaram ao ponto em que estão hoje.

Contrário aos travelogues, Nanook não é apenas um relato descritivo do ártico ou dos aspectos educativos dos costumes dos esquimós. Há personagens que desempenham um papel central na história, há uma abordagem dramática, muito próxima das ficções cinematográficas da época.

O fato é que, o interesse e a paixão de cineastas como Flaherty era “[...] a

exploração dos limites do cinema, a descoberta de novas possibilidades e formas

ainda não experimentadas.” (NICHOLS, 2008, p. 116).

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2005), argumenta que Flaherty foi, provavelmente o precursor do documentário

“encenado” e do neo-realismo.

De acordo com Gauthier (2011), “A história de Nanook instaura no documentário, nos anos 20, um método e um olhar ao mesmo tempo. Flaherty se interessa pelos indivíduos diante da natureza, e não pelo coletivo.”. Essa

característica irá perdurar e estará presente em todos os seus filmes.

Ao lado de Flaherty, dois outros cineastas têm lugar de destaque na história do documentário. O escocês John Grierson e o soviético Dziga Vertov.

2.6 Dziga Vertov: A câmera na rua

Mais de 20 anos após a invenção do cinema, Vertov considerava seu potencial ainda inexplorado e preso a estruturas narrativas ligadas à literatura e ao

teatro. Vertov defendia a ida das câmeras para a rua para filmar “a vida de improviso”, como nos conta Da-Rin (2008).

Sua proposta não era a de um cinema realista mas sim, a da criação de uma visão renovada da realidade, que só o cinema poderia proporcionar.

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Cabe lembrar que as pesquisas de Vertov voltadas para a fabricação de equipamentos portáteis aptos a captar imagens e sons sincronizados tiveram reflexo no cinema direto dos anos 1960.

No centro do debate entre ficção versus não-ficção no cinema soviético ao longo da década de 1920, estava a função social do cinema, tema que mais tarde

seria transformado no objetivo maior do “griersonismo” no cinema inglês.

Para Vertov, o importante era educar as massas, explicar a vida como ela é. Para tanto, os atributos humanos não eram o bastante dado que a percepção do homem é limitada. Daí a ideia de libertar a câmera, livra-la das imperfeições humanas, da miopia do olho humano.

Conforme relata Da-Rin, (2008, p.113), Vertov presupôe o cinema

[...] como revelador do mundo. Não uma revelação especular, mas analítica, da qual o ato da filmagem é apenas uma etapa. O objetivo é “uma percepção nova do mundo”, percepção especificamente cinematográfica,

organização do tempo e do espaço que o olho humano desarmado não tem

condições de realizar. Para isto, Vertov propunha o uso de ‘todos os meios cinematográficos, [...] tudo o que podia servir para descobrir e mostrar a verdade. Entre estes recursos estavam os movimentos de câmera; a escala dos planos desde o mais aproximado ao mais distante; as variações de velocidade de filmagem; a imagem fixa, as sobreposições e fusões; as

animações; e, sobretudo, os ‘intervalos, passagens de um movimento a outro’, ou seja, a montagem. [...] tratava-se de ‘tornar visível o invisível’,

explicitar pelos meios próprios e únicos do cinema a estrutura da sociedade.

Esta prática pedagógica e científica tinha o ‘cinema-olho’ como método e o ‘cinema-verdade’ como princípio estratégico.

O “Cinema-olho” era o conceito central do método de Vertov. Ele entendia

que, ao filmar, a câmera não devia interferir nos acontecimentos. Para que “a vida como ela é” pudesse ser mostrada, deveria haver um registro completamente

espontâneo. Vertov esforçava-se para evitar qualquer forma de dramatização. Queria mostrar a vida cotidiana sem encenação. Fazer com que a câmera fosse

invisível para as pessoas filmadas e cumprir sua vocação: ”a exploração dos fatos vivos”. (DA-RIN, 2008).

Na filosofia de Vertov se encontram as raízes do documentário do

cinema-verdade expresso em obras como “O homem com a câmera” (1929), sendo mais

tarde inspiração para a escola do cinema-verdade, o movimento do “Free Cinema”

(29)

2.7 John Grierson: A educação pelo cinema

O movimento do filme documentário que se desenvolveu na Inglaterra a partir de 1927, tem John Grierson como seu idealizador e principal organizador.

Depois de passar 27 meses nos Estados Unidos sendo parte desse tempo em Hollywood como pesquisador, retorna ao Reino Unido para dedicar-se inteiramente ao desenvolvimento do documentário. Formado em filosofia com especialização em ciências sociais, Grierson acreditava na educação pública através do cinema.

Curiosamente, não pensava no documentário como produto cinematográfico per se, e sim na maneira conveniente como o meio poderia ser usado para a educação. Grierson considerava que os métodos educacionais tradicionais eram insuficientes para enfrentar os desafios colocados pela sociedade emergente. Para melhor compreensão do mundo moderno em toda a sua complexidade, novas técnicas de comunicação se faziam necessárias.

E o cinema, conforme Da-Rin (2008, p.56), “[...] com seus padrões dramáticos

e sua capacidade de capturar a imaginação das plateias, possuía um grande potencial a ser explorado no campo da difusão de valores cívicos e na formação da

cidadania.”.

Grierson coloca seu projeto em prática associando-se ao Empire Marketing

Board (EMB), órgão do governo britânico criado em 1926, dedicado a propaganda e

a serviços de relações públicas do governo. Seus esforços se concentram na implantação de uma unidade de produção de curta-metragens baseados em matérias factuais, na linha de atualidades.

A escolha de Grierson pelo uso do formato de documentário,

Foi feita parcialmente em bases pessoais, e parcialmente em bases de bom senso financeiro. [...] Documentário é barato; [...] permite a maximização da produção e do treinamento dos diretores, por um valor baixo. Permite também a organização de toda uma máquina de produção e distribuição pelo preço de um único filme comercial para cinemas. (DA-RIN, 2008, p.58).

Grierson dirigiu apenas um filme, “Drifters”, sobre a pesca de arenque que

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Foto 9 - Pescadores em “Drifters” 1

O trabalho humano aparece no filme em contraste com as forças da natureza, representadas pelo mar agitado, ataques de tubarões, baleias e aves marinhas.

Foto 10 - Pescadores em “Drifters” 2

O êxito comercial do filme possibilitou a criação do grupo conhecido por “EMB Film Unit”, administrado por Grierson e composto por colaboradores unicamente

dedicados à realização de documentários. Em paralelo, Grierson realizou um intenso trabalho de promoção do movimento do documentário através de artigos e palestras junto à critica especializada e autoridades. O que permanece como questão central para a escola inglesa do documentário é a utilização do cinema como ferramenta para a transformação da sociedade pela via educativa.

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reflete a natureza ou a sociedade e sim, como dito anteriormente, uma ferramenta para transformá-la.

2.8 Ficção versus Não Ficção

A respeito da consolidação dos primeiros trabalhos que hoje conhecemos por documentários, Nichols (2008, p.117) afirma:

Acaba por obscurecer o limite indistinto entre ficção e não ficção, documentação da realidade e experimentação da forma, exibição e relato, narrativa e retórica, que estimularam esses primeiros esforços. A continuação dessa tradição de experimentação foi o que permitiu que o documentário permanecesse um gênero ativo e vigoroso. Uma forma corrente de explicar a ascensão do documentário inclui a história do amor do cinema pela superfície das coisas, sua capacidade incomum de captar a vida como ela é; capacidade que serviu de marca para o cinema primitivo e seu imenso catálogo de pessoas, lugares e coisas recolhidas em todos os lugares do mundo. Como a fotografia antes dele, o cinema foi uma revelação. As pessoas nunca tinham visto imagens tão fiéis a seus temas nem testemunhado movimento aparente que transmitisse sensação tão convincente de movimento real.

Ainda segundo Nichols, (2008), como observou Christian Metz, na década de 1960, copiar a impressão de movimento é copiar sua realidade. Nesse aspecto, o cinema atingiu seu objetivo num nível jamais alcançado por outro meio de comunicação.

Antes de fazermos uma análise do longa-metragem intitulado “Distrito 9”,

como proposto no capítulo 3 desta dissertação, é importante que se possa estabelecer mais claramente as principais diferenças entre a construção de uma obra cinematográfica de ficção e de não-ficção.

De modo sucinto, segundo Reisz (1968 apud DANCYGER, 2007),

Um filme de ficção – e isto nos servirá como distinção de trabalho entre o documentário e um filme de ficção – trata do desenvolvimento de uma trama. O documentário trata da exposição de um tema. É para além dessa diferença de objetivos que nascem os variados métodos de produção.

Nesse sentido, podemos afirmar que ao decidirmos pela realização de um documentário, estamos observando, interpretando e registrando o mundo à nossa volta em toda a sua diversidade, onde tudo o que nele existe, tudo o que acontece ou já aconteceu pode servir a uma enorme variedade de temas e estilos.

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determinada história, apesar de “baseada em fatos reais”, será contada sob uma

ótica ficcional. O autor da obra se inspira num dado evento e o apresenta à sua maneira. Nomes são alterados, lugares recriados, situações recontadas pelo benefício da trama, da ação dramática. Assim sendo, como nos diz Dancyger (2007, p.337):

A produção de um filme dramático é normalmente muito mais controlada do que a do documentário. A história é dividida em planos definidos que articulam parte da trama. A encenação, o lugar da câmera, o movimento da câmera, a luz, a cor, o cenário, a justaposição de pessoas em um plano, tudo ajuda a trama a avançar. O montador coloca os planos juntos, ordena-os e cria ritmo para contar uma história de uma maneira eficaz.

No filme dramático, tudo começa pelo roteiro. Nada é filmado sem que toda a trama esteja registrada em papel. Ele é peça fundamental no desenvolvimento de um filme. O roteiro conta a história pela ação e diálogos. Tudo nele deve fazer sentido e ser importante para a história a ser contada.

Quando entra em cena o diretor e se tem toda a equipe montada, tudo é organizado, meticulosamente planejado, nada é deixado ao acaso. A equipe de produção se encarregará de todos os detalhes, tudo o que será mostrado em cena terá sido cuidadosamente preparado, desenhado, iluminado, enquadrado e em muitos casos, exaustivamente ensaiado.

2.9 O documentário: Métodos, estratégias e estilos

No filme documentário, entretanto, novamente Reisz (1968 apud DANCYGER, 2007, p.337) nos conta:

O documentário em geral procede de modo oposto. Não há atores, apenas temas que os realizadores perseguem. O posicionamento da câmera tende a ser um caso de conveniência mais do que de intenção, e a iluminação é definida para ser menos intrusa possível. Realizadores de documentários tendem a aderir à sua definição de documentário: um filme sobre pessoas reais, em situações reais, fazendo o que elas geralmente fazem. Portanto, o papel do diretor é menos de regente de orquestra do que de solista. Ele tenta capturar a essência do filme trabalhando com outros – o fotógrafo, o técnico de som, o montador. O filme documentário é formatado na montagem.

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escrito, deve ao menos possuir um guia descritivo do trabalho a ser executado, perguntas que serão respondidas à posteriori. Um documentário tipicamente executado sem roteiro é o observacional. Esse tipo de documentário normalmente refere-se a algo que está ainda acontecendo, onde o conteúdo do material gravado não pode ser previsto. Tais documentários tendem a possuir uma estrutura mais flexível. Eles se desenvolvem e tomam forma à medida que o trabalho vai sendo executado.

Quando, por outro lado, há um roteiro a ser seguido, estamos diante de um documentário inteiramente planejado e detalhado a priori, cena a cena. Tais documentários referem-se em sua maioria a temas muito específicos, como eventos históricos ou biografias. Um documentário roteirizado pode até mesmo ter como tema um livro de não ficção, como explica Lindenmuth (2010).

Ao tentar encontrar uma definição que determine de uma vez por todas o que é e o que não é documentário, Nichols (2008, p.48) argumenta:

A imprecisão da definição resulta, em parte, do fato de que definições mudam com o tempo e, em parte, do fato de que, em nenhum momento, uma definição abarca todos os filmes que poderíamos considerar documentários. [...] Podemos compreender melhor como definir o documentário abordando-o de quatro ângulos diferentes: o das instituições, o dos profissionais, o dos textos e do público.

A partir do momento em que o Discovery Channel chama um programa de documentário, tais programas receberão o rótulo de documentário, antes de qualquer posicionamento por parte da crítica ou do espectador. Nesse caso, os documentários são o produto das organizações que os realizam. Citamos o Discovery Channel porque, até prova em contrário, os programas daquele canal são considerados documentários porque esse canal se dedica a exibir material documental. Nichols (2008, p.51) considera que “[...] saber de onde vem um filme ou

em que canal ele é exibido é um importante indício de como devemos classifica-lo.”.

Quanto aos cineastas que fazem documentários, eles compartilham a responsabilidade auto-imposta de representar o mundo histórico em vez de inventar criativamente mundos alternativos. Debatem questões sociais, exploram assuntos técnicos e toda a sorte de temas digamos, “documentáveis”.

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Ao pensarmos o documentário como gênero, a escrita dos filmes que historicamente compõem a tradição do documentário podem ajudar a definir o gênero em si. Nichols (2008, p.54-56) explica:

Há normas e convenções que entram em ação, no caso dos documentários, para ajudar a distingui-los: o uso de comentário com voz de Deus, as entrevistas, a gravação de som direto, os cortes para introduzir imagens que ilustrem ou compliquem a situação mostrada numa cena e o uso de atores sociais, ou de pessoas em suas atividades e papéis cotidianos, como personagens principais do filme. Todas estão entre as normas e convenções comuns a muitos documentários.

Outra convenção é a predominância de uma lógica informativa, que organiza o filme no que diz respeito às representações que ele faz do mundo histórico. [...] A lógica que organiza um documentário sustenta um argumento, uma afirmação ou uma alegação fundamental sobre o mundo histórico, o que dá ao gênero sua particularidade. Esperamos nos envolver com filmes que se envolvem no mundo. [...] Com frequência, o documentário exibe um conjunto mais amplo de tomadas e cenas diversificadas do que a ficção, um conjunto unido menos por uma narrativa organizada em torno de um personagem central do que por uma retórica organizada em torno de uma lógica ou argumento que lhe dá direção.

Segundo Nichols (2008), os textos do corpus a que nos referimos como documentário, tem em comum certas características que nos possibilitam discuti-los como partes de um gênero. Além dos temas que normalmente abordam, há determinadas normas e convenções seguidas como a lógica de organização e montagem das imagens e o discurso voltado para o espectador.

Entretanto, o autor reconhece que não há um conjunto rígido de técnicas ou de questões abordadas nem um conjunto limitado de formas ou estilos. Nem todos os documentários exibem um único conjunto de características comuns. Nichols (2008), argumenta que a prática do documentário faz com que abordagens alternativas sejam tentadas e, se bem sucedidas, poderão ser incorporadas por outros cineastas. Se há dificuldade na definição do que é documentário, isso em parte se deve ao fato que definições mudam com o tempo e também do fato de que uma só definição não irá incluir todos os filmes que se poderia considerar como documentário, além do que, como acontece com outros gêneros cinematográficos, o documentário também passa por períodos e fases.

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2.9.1 Os modos do documentário

Ao analisar a produção de documentário mundial, Nichols (2008), identifica seis modos principais de fazer documentário que apresentaremos aqui de maneira sucinta. São eles: modo poético, modo expositivo, modo observativo, modo participativo, modo reflexivo e modo performático.

2.9.1.1 Modo Poético

Ênfase em associações visuais, qualidades tonais ou rítmicas, passagens descritivas e organização formal. Exemplos: A ponte (1928), Song of Ceylon (1934), Listen to Britain (1941), Nuit et brouillard (1955), Koyaanisqatsi (1983). Esse modo se aproxima do cinema experimental ou de vanguarda.

2.9.1.2 Modo Expositivo

Ênfase no comentário verbal e lógica argumentativa, como os noticiários de TV. Exemplos: The plow that broke the plains (1936), Trance and dance in Bali (1952), A terra espanhola (1937), Os loucos senhores (1955). A maioria das pessoas identifica o documentário com esse modo que continua sendo a forma básica, particularmente na televisão, em que a ideia de comentário em voz-over parece obrigatória.

2.9.1.3 Modo Observativo

Ênfase no engajamento direto no cotidiano das pessoas que representam o tema do cineasta, corforme são observadas por uma câmera discreta. Exemplos: A escola (1968), Salesman (1969), Primárias (1960), Soldier Girls (1980).

2.9.1.4 Modo Participativo

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de um verão (1960), Solovetsky vlast (1988), Shoah (1985), Le chagrin et la pitié (1970), Kurt e Courtney (1998).

2.9.1.5 Modo Reflexivo

A atenção se volta para as hipóteses e convenções que regem o cinema documentário. Aguça nossa consciência da construção da representação da realidade feita pelo filme. Exemplos: O homem da câmera (1929), Terra sem pão (1932), The ax fight (1971), The war game (1966), Reagrupamento (1982).

2.9.1.6 Modo Performático

Ênfase no aspecto subjetivo ou expressivo do engajamento do cineasta com seu tema e a receptividade do público a esse engajamento. Recusa ideias de objetividade em favor de evocações e afetos. Exemplos: Diário inconcluso (1983),

História e memória (1991), The act of seeing with one’s own eyes (1971), Línguas

desatadas (1989), e reality shows da televisão como Cops (1989).

2.9.1.7 O público

Além dos seis modos descritos anteriormente, o que levamos em conta quando assistimos a um documentário ou a um filme? Há três histórias que se entrelaçam. De acordo com Nichols (2008) a história do cineasta, da obra e do público. Temos consciência de que ela vem de algum lugar e foi feito por alguém, por alguma razão.

Com relação ao público – e aí estamos todos inseridos - é importante levar em conta as suposições e expectativas que irão moldar nossa visão a cerca de um filme ser ou não um documentário. Essa impressão está tanto na mente do espectador quanto no contexto ou estrutura do filme.

Além disso, todo espectador, como argumenta Nichols (2008), passa por experiências, como assistir a um filme, com motivações e pontos de vista prévios. O autor explica:

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extrair de nós as histórias que trazemos, a fim de estabelecer ligação e não repulsa ou projeção. Eles podem apelar para nossa curiosidade ou para nosso desejo de uma explicação [...] Nosso desejo de ouvir uma história que fortaleça nossas pressuposições e predisposições frequentemente nos atrai para certos documentários. A habilidade no uso de técnicas retóricas para criar relatos verossímeis, convincentes e comoventes depende do conhecimento que se tenha do público e da forma de atrair seu bom senso e suas histórias preexistentes para fins específicos. (NICHOLS, 2008, p.96).

Há uma dinâmica constante envolvendo a relação do público com o documentário e isso se dá a partir da busca por conhecimento e informação.

Segundo Nichols (2008), “[...] há uma retórica persuasiva, uma poética comovente que promete informação e conhecimento, descobertas e consciência.”. Como

resultado, obtemos conhecimento, prazer e satisfação.

Somos lembrados ainda pelo autor que há responsabilidade e poder no conhecimento. E o uso que fazemos desse conhecimento estende-se ao nosso

envolvimento com o mundo apresentado por esses filmes. E o autor conclui: “Nosso engajamento neste mundo é a base vital para a experiência e o desafio do

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3 Cinema-verdade

Ao enumerarmos os seis modos principais de fazer documentário, há um deles em particular que nos interessa – o documentário participativo - devido a sua

influência no chamado “Cinéma Vérité”, ou cinema-verdade, como o movimento também é conhecido.

Segundo Nichols (2008), ao assistirmos a documentários participativos, o que buscamos é testemunhar o mundo como ele é, representado por alguém nele envolvido diretamente e não por um observador discreto que depois irá monta-lo poeticamente. O cineasta abandona o comentário com voz-over, deixa de ser “a mosca na parede” – metáfora da câmera oculta - e passa a exercer um certo nível de poder e controle sobre os acontecimentos. A ênfase do documentário participativo está no encontro real, vivido entre cineasta e seu tema. Esse estilo de flimar, conforme Nichols (2008, p.155):

É o que Jean Rouch e Edgar Morin denominaram de cinema vérité ao traduzir para o francês o título que Dziga Vertov deu a seus jornais

cinematográficos da sociedade soviética: kinopravda. Como “cinema verdade”, a ideia enfatiza que essa é a verdade de um encontro em vez da

verdade absoluta ou não manipulada. Vemos como o cineasta e as pessoas que representam seu tema negociam um relacionamento, como interagem, que formas de poder e controle entram em jogo e que níveis de revelação e relação nascem dessa forma específica de encontro. Se há uma verdade aí, é a verdade de uma forma de interação, que não existiria se não fosse pela câmera. Assim, ela é o oposto da premissa observativa, segundo a qual o que vemos é o que teríamos visto se estivéssemos lá no lugar da câmera. No documentário participativo, o que vemos é o que podemos ver apenas quando a câmera, ou o cineasta, está lá em nosso lugar.

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Tal portabilidade fez com que novos realizadores se aventurassem por lugares onde diretores já estabelecidos não se interessavam em ir. Entre eles estão Lindsay Anderson com o filme Every Day Except Christmas (1957), Karel Reisz e

Tony Richardson com Momma Don’t allow (1955), Terry Filgate com Blood and Fire (1959) e D.A. Pennebaker filmando Bob Dylan em Don’t Look Back (1965).

Foto 11 - D.A. Pennebaker com Bob Dylan em Don’t Look Back

Foto 12 - Bob Dylan em cena de Don’t Look Back

O que esses filmes tentavam fazer era capturar o sentido de realidade da vida dos personagens, fossem eles figuras públicas ou pessoas comuns. Não havia formalismos ou artifícios do cinema tradicional. (DANCYGER, 2007).

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Em virtude disso, salienta Dancyger (2007), era comum que houvesse problemas de clareza na narrativa, falta de continuidade e ênfase dramática. Como não havia cenas encenadas nem som artificial, tanto a música quanto o material bruto filmado deveriam ser a base para se estabelecer ênfase e continuidade.

Quanto às principais influências do movimento cinema-verdade, destacamos os realizadores neo-realistas italianos – como Roberto Rossellini (Roma, cidade aberta, 1946), Vittorio De Sica (Ladrões de bicicleta, 1948) e Luchino Visconti (A terra treme, 1947).

3.1 Neo-realismo

Segundo Merten (2007), alguns críticos costumam dizer que o Neo-realismo surgiu na Itália após a II Guerra Mundial. Derrotado, o país olha para si mesmo e o cinema se encarrega de refletir essa imagem. Surge um movimento baseado em esperança. Através do cinema, a Itália acredita no renascimento.

Foto 13 - Cartazes: Ladrão de bicicleta; Roma, cidade aberta e A terra treme

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O neo-realismo é um cinema de cunho social. Ele se baseia nos problemas do cotidiano, nas dificuldades de sobrevivência, a fome, o desemprego. Esses eram os temas preferidos dos diretores neo-realistas.

Havia também aspectos políticos envolvendo esse período do cinema italiano. A esse respeito, Merten (2007, p.82) nos conta que

O termo, porém, surgiu pela primeira vez em 1942, empregado pelo crítico Umberto Barbaro na revista Cinema, que reunia a nata da intelectualidade italiana. [...] Diante de filmes como O Coração Manda (Quattro Passi Tra le Nuvole), de Alesandro Blasetti, A Culpa dos Pais (I Bambini Ci Guardano), de Vittorio de Sica, e Obsessão, de Luchino Visconti, Barbaro, um crítico de formação marxista, saudou o novo realismo que irrompia no cinema italiano. Ao criar a expressão, ele não queria se referir apenas à autenticidade da visão humana e artística desses filmes, mas também definir o conceito de um cinema engajado, politicamente, no quadro de um movimento que pretendia ser revolucionário por ser profundamente antifacista.

Para a representação do país que renascia, os diretores criaram uma estética trabalhada ao ar livre, com base na carência material, na qual a improvisação e a pobreza desempenharam um papel fundamental. Os filmes neorrealistas geralmente tinham atores amadores e eram filmados em locais pobres, mostrando pessoas em suas atividades diárias, destacando sempre o realismo e o espírito de resistência daquelas pessoas. (MACNAB, 2011).

Outro nome importante do neo-realismo foi o roteirista Cezare Zavattini, um de seus mais importantes teóricos. A exemplo do que vimos no capítulo anterior com Dziga Vertov que defendia a ida das câmeras para a rua para filmar “a vida de improviso”, Zavattini também convocava os cineastas italianos a saírem às ruas e

registrar as histórias do cotidiano, como relatava em seu Diario di cinema e di vita:

“Montemos a câmera na rua, num quarto, [...] treinemo-nos para contemplar nossos

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Foto 14 - O ladrão de bicicletas, Umberto D. e Milagre em Milão

Zavattini foi o roteirista de Ladrões de bicicleta (1948), Umberto D. (1952) e Milagre em Milão (1951), dirigidos por Vittorio De Sica, sempre com ênfase em pessoas comuns e suas dificuldades na Itália da época.

Conforme Merten, a maior herança do neo-realismo foi poder mostrar que o cinema não precisa de recursos hollywoodianos para se firmar. O compromisso era com a identidade nacional, a realidade humana e social de cada país. Nesse sentido, o neo-realismo se mostrou uma fonte inesgotável de inspiração, sendo logo identificado como uma escola, partindo da Itália para o mundo, influenciando o trabalho de cineastas como Nelson Pereira dos Santos no Brasil (Rio 40 Graus), Fernando Birri na Argentina (Los Inundados) e Satyajit Ray na Índia (O mundo de Apu). Muitos críticos dizem que nunca houve identificação humanista maior na história do cinema. (MERTEN, 2007).

Foto 15 - Cartazes: Rio 40 graus, Los Inundados e O mundo de Apu

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No mesmo ano, Federico Fellini ganha o Leão de Ouro no Festival de Veneza com La Strada (A Estrada da Vida), sendo acusado de abandonar a estética neo-realista. As noites de Cabíria, de 1957, reafirma essa opção do diretor.

Novamente com Luchino Visconti, o neo-realismo fica para a história. Já nos anos 1960, realiza Rocco e Seus Irmãos, O Leopardo e Vagas Estrelas da Ursa, todos considerados obras-primas. Fellini faz o mesmo com A Doce Vida, de 1960 e Oito e Meio, de 1963, fazendo do neo-realismo o realismo interior.

Foto 16 - Cartazes: Rocco e seus irmãos, O leopardo e Vagas estrelas da Ursa

Merten (2007) argumenta que a opção do diretor é pelo interior das pessoas, sua angústia existencial o que também vai interessar Michelangelo Antonioni, ao realizar a partir de 1959, obras como A Aventura, A Noite e O Eclipse.

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Foto 17 - Cartazes: La doce vita, Frederico Fellini 8 ½ e Roma

Chegamos a Roma de Fellini, filme de 1972 em que o real continua a ser fonte de inspiração para o artista, mas é, segundo Merten, um real transfigurado pelo imaginário.

Passaram-se 27 anos desde Roma Cidade Aberta de Rosselini. O neo-realismo mudou, mas o cinema italiano continuou comprometido com seu povo, sua cultura. (MERTEN, 2007).

3.2 Nouvelle Vague

Quanto ao impacto provocado pelo cinema-verdade, é importante lembrar que jovens realizadores de todo o mundo estavam atraídos por essa abordagem cinematográfica. A começar, pelos cineastas da Nouvelle Vague, Francois Truffaut e Jean-Luc Godard.

De acordo com Dancyger (2007), o que aconteceu em Paris no pós-guerra foi o estabelecimento de uma cultura fílmica na qual críticos e amantes de cinema movimentaram-se para se tornar futuros realizadores. As raízes do cinema da Nouvelle Vague, entretanto, vinham dos textos de Alexandre Astruc e André Bazin escritos no final da década de 1940 e na programação cinematográfica da Cinemateca de Paris organizada por Henri Langlois, seu co-fundador.

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Foto 18 - Capa do primeiro número da revista Cahiers du Cinéma

Conforme nos relata Merten (2007), no fim dos anos 1950, a juventude francesa descobriu, com grande desconforto, que vivia num país governado por velhos. Na política, na música, no cinema, no teatro e na literatura eles é quem comandavam.

Truffaut e seus colegas eram particularmente críticos do cinema francês daquele período. Cineastas como Claude Autant-Lara e René Clement eram tidos como muito literários em suas histórias e pouco descritivos em seus estilos. Em contrapartida, o que esses jovens cineastas iriam propor em seus filmes era um estilo pessoal e histórias pessoais, características que mais tarde se tornariam,

segundo Dancyger (2007) “selos de qualidade da nouvelle vague”.

O que se veria então, como nos conta Bergan (2010, p.110),

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filmes. Os diretores franceses da Nouvelle Vague esforçaram-se para apresentar uma alternativa a Hollywood, [...] quebrando seus paradigmas, mas, ao mesmo tempo, pagando tributo ao melhor do cinema americano.

Para reforçar ainda mais essa postura, nos Estados Unidos, um modelo de herói americano rebelde e inconformista era celebrado em Hollywood por atores como Marlon Brando e James Dean, tornando-se um modelo também para os jovens contestadores da França. (MERTEN, 2007).

Ao realizar seu primeiro filme, Os incompreendidos (1959), Truffaut coloca em prática a ideia de Bazin de que a fonte da arte do cinema e a essência da descoberta estavam na câmera em movimento, mais do que na cena fragmentada. Conforme nos conta Dancyger (2007, p.141),

A abertura e o fechamento do filme eram ambos construídos de uma série de planos em movimento, mostrando Paris, a Torre Eiffel e, mais tarde, o personagem principal fugindo de um centro de detenção juvenil. O som sincrônico gravado na locação dá ao filme intimidade e imediatismo só encontrado no cinema-verdade. Essa era a natureza da história que deu a Truffaut a oportunidade de fazer uma afirmação pessoal. [...] O filme é um tributo ao espírito e à esperança de ser jovem, um tema completamente apropriado para o primeiro filme da Nouvelle Vague.

Pela realização de Os imcompreendidos, Truffaut ganhou o prêmio de direção do Festival de Cannes em 1959, e “Hiroshima Meu Amor” de Alain Resnais recebeu

o prêmio da crítica no mesmo ano.

Filmes como “Acossado”, “Uma mulher é uma mulher”, de Jean-Luc Godard,

“Nas garras do vício”, “Os primos” de Claude Chabrol, “Os amantes”, de Louis Malle,

“Paris nos pertence”, de Jacques Rivette, são alguns exemplos de filmes

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Foto 19 - Os incompreendidos, Acossados e Os Amantes

Um curto período de liberalização nos países do bloco soviético, no leste europeu, permitiu que a Nouvelle Vague influenciasse sobretudo a Tchecoslováquia, que produziu uma criativa série de filmes sobre temas contemporâneos, usando atores amadores, roteiros mínimos e a técnica de cinema verité (cinema verdade): Milos Forman surgiu nesse contexto.

Reflexos da nouvelle vague chegaram também à América do Sul, particularmente ao Brasil, onde o grupo chamado Cinema Novo, liderado por Glauber Rocha, desejava criar uma cinematografia própria, livre da influência norte-americana. Depois de 1968, os elementos experimentais da Nouvelle Vague francesa começaram a ser assimilados pelo cinema mainstream, abrindo tambémas portas para o movimento do cinema independente americano. (BERGAN, 2010).

3.3 Influências e estilos do cinema-verdade

O estilo de câmera na mão do cinema-verdade tem influência direta do documentário e noticiários de televisão. Logo, o estilo adotado por esses cineastas também sugeria um tipo de veracidade e de importância encontrado nesses mesmos documentários de televisão. (DANCYGER, 2007, p.130).

Dentre os diretores europeus, destacamos: Na Hungria, Istvan Szabo (Father,

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Outros nomes que merecem ser citados são os diretores norte- americanos John Frankenheimer em O segundo rosto (1966), Michael Ritchie em O candidato (1972) e Haskell Wexler em Medium Cool (1969).

Foto 20 - O Segundo Rosto, O Candidato e Medium Cool

Nesses três filmes, segundo Dancyger (2007), a intimidade do cinema-verdade foi emprestada e adequada para a história dramatizada a fim de criar a ilusão da realidade. De fato, o sentido de realismo resultante do cinema-verdade fez cada filme parecer em parte noticiário de televisão.

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Foto 21 - Mosaico The War Game

No Canadá, a Unidade B do National Film Board (NFB) foi de extrema importância no desenvolvimento do cinema-verdade com a realização da série Candid Eye dirigida por Terence Macartney-Filgate e outros dois trabalhos: Blood and Fire (1958) e Back-Breaking Leaf (1959). Conforme Dancyger (2007), a unidade francesa no NFB também usou as técnicas do cinema-verdade em alguns filmes, como Wrestling (1960).

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Foto 22 - Cartazes: Gimme Shelter, Woodstock e Stop Making Sense

3.4 O primeiro reality show da TV

Em 1973 nos Estados Unidos, foi ao ar o primeiro reality show da história da televisão.

O documentarista e produtor Craig Gilbert do canal Public Broadcasting

Service (PBS) idealizou uma série de TV a ser exibida em 10 episódios em formato

de documentário/ cinema-verdade, mostrando o cotidiano de uma família americana, 24 horas por dia.

Em 1971 há o primeiro contato do produtor para apresentar o projeto à dona de casa Pat Loud, cuja família havia sido selecionada para o programa. Ela conversa a respeito com o marido, Bill, e ele concorda. A família é então acompanhada durante vários meses por um casal de cinegrafistas, Alan e Susan Raymond. Em 1973 a série foi ao ar, intitulada “An american Family”.

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Foto 23 - Cartaz da produção da HBO em 2011

Essa nova versão é uma reconstituição do programa em si, e dos bastidores da produção, com a utilização de imagens do show original, entrevistas da época com membros da família, críticos e apresentadores da TV americana.

Nos momentos finais do filme da HBO, logo após a exibição oficial do primeiro episódio na sede da rede PBS em Nova York, o que vemos é uma sucessão de críticas ferozes dirigidas à família e ao que foi mostrado ao longo do programa.

Há o divórcio do casal Pat e Bill, as tendências homossexuais do filho mais velho - entre outras questões - que irão se transformar em notícia por todo o país nos principais meios de comunicação.

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Foto 24 - Família Loud Original e Família no filme da HBO

O filme está pronto. Enquanto a câmera passeia por subúrbios tipicamente americanos, de enormes gramados, casas sem muros e janelas sem cortinas, nos aproximamos das janelas e vemos a série sendo assistida.

Numa das sequências mais eloquentes dessa parte do filme, como numa novela de televisão, acompanhamos o diálogo do casal protagonista a respeito do divórcio. À medida em que o diálogo progride, a cena é mostrada em diferentes monitores de televisão, em inúmeras residências.

São também exibidas entrevistas e comentários sobre o programa. Ao final da sequência, há um close no rosto de Pat Loud. A câmera se afasta, são inúmeros monitores de TV que vão se multiplicando na tela e dando lugar a um sem número de janelas numa cena noturna de uma cidade qualquer durante o horário nobre da televisão.

Alguns dos comentários e entrevistas são autênticos e um deles chama a

atenção. São palavras da antropóloga americana Margareth Mead: “O que eles não

perceberam é que as pessoas não olhariam para o programa como uma forma de arte. Eles seriam vistos - e criticados - como pessoas.”.

As críticas continuam, cada vez mais ferozes. Na manhã seguinte, depois de buscar a correspondência na caixa do correio, a primeira coisa que Pat faz ao entrar em casa é fechar a cortina da sala. O show acabou.

Imagem

Foto 2 - Chegada do trem à estação de La Ciotat
Foto 3 - Saída dos funcionários da fábrica de Lyon
Foto 4 -  Cartaz do filme “The Great Train Robbery”
Foto 7 - Nanook
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