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O uso das expressões nominais referenciais como recurso de argumentação em ensaios de Roberto Pompeu de Toledo

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Academic year: 2017

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MESTRADO EM LETRAS

CLÁUDIO ANTÔNIO BATISTA MARRA

O uso das expressões nominais referenciais como recurso de argumentação em ensaios de Roberto Pompeu de Toledo

(2)

M358u Marra, Cláudio Antônio Batista.

O uso das expressões nominais referenciais como recurso de argumentação em ensaios de Roberto Pompeu de Toledo / Cláudio Antônio Batista Marra. – 2014.

110 f. : il. ; 30 cm.

Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2014.

Referências bibliográficas: f. 96-99.

1.Expressões nominais referenciais. 2. Referenciação. 3. Argumentação. I. Título.

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CLÁUDIO ANTÔNIO BATISTA MARRA

O uso das expressões nominais referenciais como recurso de argumentação em ensaios de Roberto Pompeu de Toledo

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras da

Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Letras.

Prof. Dr. José Gaston Hilgert

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CLÁUDIO ANTÔNIO BATISTA MARRA

O uso das expressões nominais referenciais como recurso de argumentação em ensaios de Roberto Pompeu de Toledo

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras da

Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Letras.

Aprovada em:

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________________________ Professor Dr. José Gaston Hilgert

Universidade Presbiteriana Mackenzie

_______________________________________________________________ Professor Dr. Wilson do Amaral Filho

Universidade Presbiteriana Mackenzie

(5)

AGRADECIMENTOS

A

Dra. Elisa Guimarães, dileta professora, que com sua requintada didática me

descortinou novos e desafiadores horizontes;

Dr. José Gaston Hilgert, lúcido orientador;

Sandra, auxiliadora, que comigo celebrou um pacto, minha esposa:

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RESUMO

Esta dissertação analisa o uso de expressões nominais referenciais em dois textos do jornalista Roberto Pompeu de Toledo, Dona Gildair e O Mercosul e a Taça Libertadores, publicados na revista Veja – da qual o autor é Editor Especial – nos

dias 04 de abril e 11 de julho respectivamente, em 2012. A dissertação localiza-se na área de estudo da Linguística Textual, cuja definição e desenvolvimento são resumidos no início do trabalho para se explicitar essa localização. O objetivo geral deste trabalho é estudar o lugar da referenciação no processo de constituição do texto, particularmente o papel argumentativo das expressões nominais referenciais desempenhado por elas enquanto exercem as suas funções cognitivo-discursivas. O objetivo específico desta dissertação é analisar as expressões nominais referenciais construídas nos textos do corpus adotado, sublinhando-se o modo como elas

servem ao propósito do dizer do autor e ao seu objetivo de argumentar para convencer e persuadir seus leitores. Para seu embasamento teórico este trabalho se apoia em concepções de texto e textualidade de autores contemporâneos, bem como em suas concepções de referenciação – particularmente as de expressões nominais referenciais – e do seu papel na construção de objetos de discurso e na argumentação.

Nossa conclusão é que o ensaísta emprega com sucesso os recursos de argumentação, a despeito de suas afirmações de que convencer outros da verdade de uma determinada proposição é prática inaceitável em nossos tempos.

(7)

ABSTRACT

This paper analyses the use of nominal referential expressions in two texts written by journalist Roberto Pompeu de Toledo, Dona Gildair and O Mercosul e a Taça Libertadores, published in Veja magazine – of which he is Especial Editor – on

April 4th and July 11th 2012, respectively. The dissertation pertains to the Textual Linguistic area of studies, whose definition and development were summarized in the beginning of the work in order to clarify such relation. The general purpose of this paper is to study the key role of referentiation in the process of textual constitution, particularly the argumentative role the nominal referential expressions play as they perform their cognitive-discursive functions. The specific purpose of this dissertation is to analyse the nominal referential expressions built in the texts of the adopted

corpus, by underlying the way they serve the author's purpose of saying and his

argumentation in the attempt to convince and persuade his readers. As its theoretical framework the paper relies on the conception of text and textuality according to contemporary authors, as well as their conception of referentiation – particularly of nominal referential expressions – and its role in the constitution of discourse objects and in the argumentation.

It is our conclusion that the author successfully uses the resources of argumentation, though he argues that claiming the truth of a given proposition is an unacceptable practice today.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...9

1. A LINGUÍSTICA TEXTUAL E O SEU DESENVOLVIMENTO ...14

1.1 Linguística Textual ...14

1.2 O desenvolvimento da Linguística Textual ...15

1.2.1 Das análises interfrásticas ao surgimento das gramáticas textuais e à perspectiva semântica ...16

1.2.2 Da abordagem sintático-semântica à pragmática...17

1.2.3 O cognitivismo e a perspectiva sócio-cognitivo-interacionista ...18

2. TEXTO E TEXTUALIDADE...20

2.1 O princípio da coesão ...20

2.2 O princípio da coerência ...20

2.3 Os princípios centrados no usuário... 22

3. REFERENCIAÇÃO ... 24

3.1 Conceituação ...24

3.2 Instabilidade e mutabilidade no processo de referenciação... 26

3.3 A estabilização das categorias instáveis...28

3.4 Estratégias de referenciação ... 29

4. EXPRESSÕES NOMINAIS REFERENCIAIS... 33

(9)

4.2 Os movimentos referenciais das expressões nominais ...33

5. FUNÇÕES COGNITIVO-DISCURSIVAS DAS FUNÇÕES NOMINAIS REFERENCIAIS...38

5.1 Ativação/reativação na memória... 38

5.2 Encapsulamento (sumarização) e rotulação... 38

5.3 Recategorização de referentes ...40

5.4 Introdução de informações novas ... 41

5.5 Organização macroestrutural ... 42

5.6 Atualização de conhecimentos por meio de glosas realizadas pelo uso de um hiperônimo ... 42

5.7 Especificação por meio da sequência hiperônimo/ hipônimo ...43

5.8 Construções de paráfrases definicionais e didáticas ...43

5.9 Orientação argumentativa do texto ... 44

5.10 Categorização meta-enunciativa de um ato de enunciação... 45

6. ANÁLISE DO CORPUS ... 47

6.1 Dona Gildair ...47

6.1.1 Identificação das expressões nominais empregadas no ensaio Dona Gildair, definição de sua estratégia de referenciação e reconhecimento das funções que desempenha... 50

6.1.2 Retomada da análise evidenciando de que modo o desdobramento referencial sustenta o percurso argumentativo do texto ... 63

(10)

6.2.1 Identificação das expressões nominais empregadas no ensaio O Mercosul e a Taça Libertadores, definição de sua

estratégia de referenciação e reconhecimento das funções que desempenha ... 72 6.2.2 Retomada da análise evidenciando de que modo o desdobramento referencial sustenta o percurso argumentativo do texto ... 83 Considerações finais ... 92 Referências bibliográficas ...96 ANEXO A – FAC-SÍMILE DE ANCHIETA E NÓBREGA NA REUNIÃO DA CNBB ... .100 ANEXO B ANCHIETA E NÓBREGA NA REUNIÃO DA CNBB...101 ANEXO C – FAC-SÍMILE DE DONA GILDAIR...104

ANEXO D – FAC-SÍMILE DE CAPA DO ALMANAQUE DO MANCHA NEGRA E IMAGENS DA LOGOMARCA DA TORCIDA UNIFORMIZADA MANCHA ALVI-VERDE...105 ANEXO E – IMAGEM DE MATER DOLOROSA, DE TIZIANO VECELLIO...107

ANEXO F – IMAGEM DE PIETÁ, DE MICHELANGELO

BUONARROTI...108 ANEXO G – FOTOGRAFIA DE CENA DA PEÇA MÃE CORAGEM E SEUS FILHOS E FOTOGRAFIA DE BERTOLT BRECHT ...109

ANEXO H – FAC-SÍMILE DE O MERCOSUL E A TAÇA

(11)

INTRODUÇÃO

O estudo da referenciação como importante recurso linguístico na produção textual despertou-me particularmente o interesse por sua relação constitutiva com a elaboração de textos argumentativos. Ocorre que, atualmente, alguns setores da mídia denunciam como inaceitáveis as tentativas que alguém empreenda no sentido de convencer outros de sua verdade. Tais tentativas são rejeitadas como impróprias. A argumentação, com os seus inerentes propósitos de convencimento e persuasão, parece ter sido classificada nesses setores como politicamente incorreta, como intolerável expressão de intolerância, devendo ser banida do civilizado convívio social.

Tal rejeição da argumentação, porém, configura-se inconsistente com o corrente entendimento de texto como "um evento sociocomunicativo, que ganha existência dentro de um processo interacional" (KOCH & ELIAS, 2009: 13). É que, nesse processo interacional, a argumentação se desenvolve como ato linguístico fundamental, uma vez que, lembra Koch, "a todo e qualquer discurso subjaz uma ideologia, na expressão mais ampla do termo" (2011: 18). A autoproclamada objetividade e a neutralidade dos que desdenham das alegações de "verdade", são, desse modo, apenas mitos, pois, sustenta a autora no mesmo lugar, "o discurso que se pretende 'neutro', ingênuo, contém também uma ideologia – a da sua própria objetividade". Esse discurso pretensamente neutro contém "pelo menos uma

ideologia", poderíamos acrescentar.

Tal rejeição configura-se inconsistente também diante do corrente e amplamente aceito emprego de recursos de convencimento e persuasão na propaganda. Como pontua Muraro (2008: 142), o discurso publicitário existe para convencer, persuadir, e assim precisa ser elaborado. O discurso funciona quando faz uso de uma concepção que possa ser aceita como certa, como verdadeira.

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como um processo de proselitismo – constroem textos marcados por argumentação fortemente desenvolvida com os recursos da referenciação. Ocorre que, segundo Crestani, "... todo texto tem, em última instância, o objetivo persuasivo de fazer-fazer

(fazer-crer, fazer-comprar, etc.), persuasão essa relacionada a efeitos de sentido que se projetam no texto e implicam aceitação ou não da manipulação" (2010: 230, grifo da autora). Entre os artigos de opinião, por excelência, se encontrarão textos marcados por argumentação fortemente desenvolvida com os recursos da referenciação. É que, como define Elias, o artigo de opinião é "um gênero textual no qual um jornalista ou um colaborador do jornal expõe o seu ponto de vista, com o intuito de influenciar o leitor e transformar os seus valores por meio de um processo

de argumentação" (2010: 54, nosso grifo).

Esta dissertação postula princípios sócio-interacionistas – isto é, assume com Koch e Elias, conforme citação acima, que texto é "um evento sociocomunicativo, que ganha existência dentro de um processo interacional" (2009: 13) –, e desenvolve-se na área de estudo da Linguística Textual, ocupando-se particularmente com a produção textual dentro dessa área.

O objetivo geral é estudar o lugar da referenciação no processo de constituição do texto, particularmente o papel argumentativo que as expressões nominais referenciais desempenham enquanto exercem as suas funções cognitivo-discursivas. O objetivo específico desta dissertação é analisar as expressões nominais referenciais empregadas na construção dos textos que compõem o corpus

adotado. Sublinharemos o modo como tais expressões nominais servem ao propósito do dizer do seu autor, aos seus objetivos argumentativos, expondo o contraste entre esses objetivos e sua sugestão apresentada em seu ensaio Anchieta e Nóbrega na reunião da CNBB (Veja 1.640 – 15.03.2000, Anexo C). Naquele texto,

Roberto Pompeu de Toledo insinua que ninguém deve dedicar-se a convencer outro de sua verdade particular, uma vez que isso "conduz ao mal-estar". Para Pompeu, "catequizar é querer impor sua verdade ao outro", mas "os tempos atuais recomendam respeito ao próximo e tolerância. Isso significa aceitar que o outro tem suas razões. Vale dizer, outra verdade". Em seus ensaios, porém, particularmente nos dois incluídos no corpus desta dissertação, Pompeu faz bom uso da

(13)

Constam do corpus dois textos de Roberto Pompeu de Toledo, Dona Gildair e O Mercosul e a Taça Libertadores, ensaios publicados na revista Veja – da qual o

autor é Editor Especial – nos dias 04 de abril e 11 de julho respectivamente, em 2012. A análise se fará, num primeiro momento, mediante a identificação das expressões nominais empregadas, seguindo-se em cada caso a definição de sua estratégia de referenciação e o reconhecimento das funções que desempenham, cada uma de per si. Em um segundo momento, a análise será retomada evidenciando de que modo o desdobramento referencial sustenta o percurso argumentativo do texto.

A razão para a escolha do estudo da referenciação foi sua relação constitutiva com a elaboração de textos argumentativos, como dissemos acima. A escolha do ensaio se deu por tratar-se de um artigo opinativo, gênero em que o ensaísta elabora o seu ponto de vista precisamente com o fim de convencer e persuadir seu leitor. Consideramos de grande importância o papel das formas nominais, que resultam de escolhas feitas pelo produtor ao referir-se a seres, fatos, fenômenos, eventos, atividades ou estado de coisas com o propósito de levar a cabo o seu projeto de comunicação.

A partir dessa perspectiva, foi assumido por este trabalho que, como propõe Charaudeau,

... comunicar, informar, tudo é escolha. Não somente escolha de conteúdos a transmitir, não somente escolha das formas adequadas para estar de acordo com as normas do bem falar e ter clareza, mas escolha de efeitos de sentido para influenciar o outro, isto é, no fim das contas, escolha de estratégias discursivas (2006: 39).

Foi também adotada a hipótese de Elias, segundo a qual,

... se não há correspondência entre linguagem e mundo, haja vista a multiplicidade de formas por meio das quais os referentes podem ser constituídos e reconstituídos no quadro contextual da atividade discursiva, então as escolhas realizadas pelos sujeitos enunciadores revelam não somente do que esse sujeitos têm conhecimento (e seus interlocutores), mas também – e principalmente – como por

meio das formas referenciais descrevem as coisas que existem e acontecem no mundo, deixando entrever nessa descrição um posicionamento avaliativo com propósito argumentativo (2010: 55,

(14)

A razão para a escolha de textos de Roberto Pompeu de Toledo como objeto de análise deveu-se à sua denúncia, em texto citado acima, de iniciativas catequizadoras, tentativas empreendidas por quem quer que seja de convencer outros de sua verdade, mesmo enquanto esse autor se dedica em seus ensaios a convencer seus leitores de suas posições.

Para alcançar o objetivo geral estabelecido, a dissertação inicia com um capítulo sobre a Linguística Textual e o seu desenvolvimento, expondo a localização desta dissertação nessa área do conhecimento, desse modo contextualizando-a. As apresentadas concepções de texto e textualidade de autores contemporâneos, após a descrição do caminho percorrido pelos linguistas, assumem a dimensão sócio-interacional da linguagem e abrem caminho para o estudo dos princípios para o produção de sentido, aos quais remete o recurso da referenciação.

No segundo capítulo, Texto e textualidade, são apresentados os sete princípios para a produção de sentido: a coesão, relacionada ao modo como os elementos linguísticos presentes no texto se conectam; a coerência, responsável pela comunicabilidade do texto; e os princípios centrados no usuário, definição, aliás, disputada por uma visão pragmática. São esses princípios a situacionalidade, a informatividade, a intertextualidade, a intencionalidade e a aceitabilidade.

A própria referenciação é abordada no terceiro capítulo, partindo-se de sua conceituação e considerando-se estratégias de constituição de objetos de discurso e suas funções. Por sua importância para a discussão de referenciação, foram incluídos os subtemas instabilidade e mutabilidade no processo de referenciação, estabilização das categorias instáveis e estratégias de referenciação.

As expressões nominais referenciais são particularmente discutidas no quarto capítulo, partindo-se de sua conceituação e incluindo-se os movimentos referenciais das expressões nominais. Essa informação é fundamental para o trabalho que se fará na análise do corpus.

(15)

No sexto capítulo, final, serão analisados os textos do corpus adotado,

(16)

1 A LINGUÍSTICA TEXTUAL E O SEU DESENVOLVIMENTO

Neste capítulo situaremos a Linguística Textual no âmbito dos estudos linguísticos e faremos uma breve revisão de seu desenvolvimento. A importância desse enfoque para esta dissertação resulta da contribuição que ele traz para a contextualização dos estudos sobre referenciação que serão feitos adiante.

1.1 Linguística Textual

Conquanto, segundo Marcuschi, os primeiros estudos linguísticos tenham ocorrido há mais de 2.500 anos, apenas no século 19 a Linguística estabeleceu-se "como ciência autônoma, separando-se dos estudos históricos, da Psicologia, da Filologia e Literatura, áreas nas quais se achava integrado o estudo das línguas" (2008: 26). A Linguística Textual, por sua vez, surgiu a partir da segunda metade da década de 1960, na esteira dos trabalhos linguísticos de estruturalistas e funcionalistas, sendo ela, na definição de Koch, o "ramo da Linguística que toma o texto como objeto de estudo" (2004: xi).

(17)

1.2 O desenvolvimento da Linguística Textual

Em sua Introdução à linguística textual, Koch destaca inicialmente oito

concepções de texto que fundamentaram os estudos nessa disciplina e que esboçam a mencionada evolução que marcou o desenvolvimento da Linguística Textual, a saber:

1. Texto como frase complexa ou signo linguístico mais alto na hierarquia do sistema linguístico (concepção de base gramatical); 2. Texto como signo complexo (concepção de base semiótica); 3. Texto como expansão tematicamente centrada de macroestruturas (concepção de base semântica);

4. Texto como ato de fala complexo (concepção de base pragmática);

5. Texto como discurso "congelado", como produto acabado de uma

ação discursiva (concepção de base discursiva);

6. Texto como meio específico de realização da comunicação verbal (concepção de base comunicativa);

7. Texto como processo que mobiliza operações e processos

cognitivos (concepção de base cognitivista);

8. Texto como lugar de interação entre atores sociais e de

construção interacional de sentidos (concepção de base sociocognitiva-interacional) (2004: xii).

Como já sinalizado na introdução e como será reafirmado adiante, a última dessas várias concepções – texto como lugar de interação entre atores sociais e de

construção interacional de sentidos – é a que fundamenta este trabalho.

Entre os temas de estudo dos linguistas a partir da década de 1960, destacou-se a ampliação significativa no conceito de coerência, com a adoção de uma perspectiva pragmático-enunciativa, levando em conta uma complexa rede de fatores de ordem linguística, cognitiva, sociocultural e interacional. De igual modo, recebeu destaque o interesse pelo processamento cognitivo do texto e sua evolução sociocognitivista, assumindo importância, entre outros temas, a referenciação.

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1.2.1 Das análises interfrásticas ao surgimento das gramáticas textuais e à perspectiva semântica

A preocupação fundamental na primeira fase da Linguística Textual (1965 a 1975, aproximadamente) foi, antes de mais nada, ainda segundo Koch, "o estudo de mecanismos interfrásticos que são parte do sistema gramatical da língua" (2004: 3). O uso desses mecanismos é que "garantiria a duas ou mais sequências o estatuto de texto". Estudos que seguiam orientações bastante heterogêneas – de cunho ora estruturalista ou gerativista, ora funcionalista – buscavam explicar fenômenos, entre os quais

contavam-se a correferência, a pronominalização, a seleção do artigo (definido/indefinido), a ordem das palavras, a relação tema/tópico– rema/comentário, a concordância dos tempos verbais, as relações entre enunciados não ligados por conectores explícitos, diversos fenômenos de ordem prosódica (KOCH, 2004: 3).

Ao se estudarem as relações entre enunciados na fase inicial da Linguística Textual, relações referenciais receberam atenção especial, com destaque para os processos correferenciais – considerados "um dos principais fatores da coesão textual" (KOCH, 2004: 3). Esse destaque configurava uma limitação no estudo das relações referenciais. Os "... fenômenos remissivos não correferenciais, as anáforas associativas e indiretas, a dêixis textual" (KOCH, 2004: 4), bem como vários atualmente importantes objetos de estudo da Linguística Textual, não eram muito considerados naqueles começos.

Predominava, porém, uma concentração prioritária "no estudo dos recursos de coesão textual" como a que englobava a coerência, por sua vez definida apenas como "mera propriedade ou característica do texto" (KOCH, 2004: 5).

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chega-se da unidade hierarquicamente mais alta às unidades menores, classificando-as, então. Koch afirma que o texto foi então "considerado o signo linguístico primário, atribuindo-se aos seus componentes o estatuto de signos parciais", constituindo-se ele, assim, "uma entidade do sistema linguístico" (2004: 6), com estruturas determinadas por normas de uma gramática textual. Modelos dessas gramáticas foram fornecidos por Harald Weinrich, Janos Petöfi e Teun van Dijk (KOCH, 2004: 6).

1.2.2 Da abordagem sintático-semântica à pragmática

Assumido o texto como unidade básica de comunicação e interação humana, a perspectiva pragmática ganhou destaque e deu aos estudos em Linguística a dimensão não de pesquisar a língua como sistema autônomo, mas "o seu funcionamento nos processos comunicativos de uma sociedade concreta" (KOCH 2004: 14). Para Heinemann, os textos passaram a ser considerados não mais "produtos acabados, que devem ser analisados sintática ou semanticamente", mas "elementos constitutivos de uma atividade complexa, como instrumentos de realização de intenções comunicativas e sociais do falante" (1982: 14). Na década de 1970, a língua passou a ser vista como sendo interconectada a outras atividades humanas não linguísticas, atribuindo-se então aos textos a qualidade de formas de ação verbal.

Diversas obras abordaram a questão da dimensão pragmática do texto e uma delas, de Heinemann & Viehweger apresenta um resumo dos pressupostos para essa perspectiva:

1. Usar uma língua significa realizar ações. A ação verbal constitui uma atividade social, efetuada por indivíduos sociais, com o fim de realizar tarefas comunicativas, ligadas com a troca de representações, metas e interesses. Ela é parte de processos mais amplos de ação, pelos quais é determinada.

2. A ação verbal é sempre orientada para os parceiros da comunicação, portanto, é também ação social, determinada por regras sociais.

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4. A ação verbal consciente e finalisticamente orientada origina-se de um plano/estratégia de ação. Para realizar seu objetivo, o falante utiliza-se da possibilidade de operar escolhas entre os diversos meios verbais disponíveis. A partir da meta final a ser atingida, o falante estabelece objetivos parciais, bem como suas respectivas ações parciais. Estabelece-se, pois, uma hierarquia entre os atos de fala de um texto, dos mais gerais aos mais particulares. Ao interlocutor cabe, no momento da compreensão, reconstruir essa hierarquia.

5. Os textos deixam de ser examinados como estruturas acabadas (produtos), mas passam a ser considerados no processo de sua

constituição, verbalização e tratamento pelos parceiros da comunicação (1991 apud Koch, 2004: 18).

Embora todos os aspectos da produção do texto considerem esses pressupostos, destacam-se nesse viés pragmático as decisões quanto à referenciação, devido à sua natureza pragmática e ao seu papel relevante no desenvolvimento da argumentação, que é constitutivamente consciente e finalisticamente orientada em relação a parceiros na comunicação. Por meio da elaboração dos referentes, de acordo com suas escolhas léxico-semânticas –

ativando-os, reativando-os, desfocalizando-os – busca o locutor convencer o locutário das suas posições.

1.2.3 Cognitivismo e a perspectiva sócio-cognitivo-interacionista

A partir da virada cognitivista da década de 1980, a Linguística Textual iniciou uma nova fase. Isso haveria de conduzir a uma nova concepção de texto (Texto como processo que mobiliza operações e processos cognitivos), uma mudança de rumo que, porém, em breve, incluiu o questionamento da separação entre fenômenos mentais e sociais e o estudo da relação entre ambos por outras áreas científicas e pela própria Linguística. Admitiu-se então que muito da cognição acontece não somente dentro das mentes, mas também fora delas, sendo a cognição "um fenômeno situado" (KOCH, 2004: 21,31).

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uma série de questões pertinentes para a "agenda de estudos da linguagem", entre as quais as diversas formas de progressão textual (referenciação, progressão referencial, formas de articulação textual,

progressão temática, progressão tópica), a dêixis textual, o processamento sócio-cognitivo do texto, os gêneros, inclusive da mídia eletrônica, questões ligadas ao hipertexto, à intertextualidade, entre várias outras (KOCH, 2004: 33. Nosso grifo).

(22)

2 TEXTO E TEXTUALIDADE

São de Beaugrande & Dressler (1981) os sete princípios de acesso à produção de sentido. Os dois primeiros são coesão, que se manifesta na superfície do texto, e a coerência, que subjaz em seu interior (GUIMARÃES, 2009: 15-16), ambos, portanto, centrados no texto e sendo suas dimensões constitutivas. Os cinco princípios restantes são: situacionalidade, informatividade, intertextualidade, intencionalidade e aceitabilidade, esses centrados no usuário.

2.1 Coesão

Coesão implica o papel da sintaxe no processo de textualização (GUIMARÃES, 2009: 15) e refere-se ao modo como os vários elementos linguísticos presentes no texto se conectam, sendo classificada em coesão remissiva/referencial (responsável pela remissão/referência a elementos anteriores no cotexto) e a coesão sequencial, realizada de modo a garantir a continuidade de sentido. A coesão remissiva/referencial pode ser realizada mediante o emprego de recursos de ordem gramatical ou com o uso de meios lexicais, mas igualmente de elipses, de anáforas associativas (quando o referente não vem expresso no texto) ou de anáforas indiretas (em que a inferenciação é mais complexa). A coesão sequencial, por seu turno, se obtém "pelo uso de diversos mecanismos de sequenciação existentes na língua e, em parte, pelo que se denomina progressão tópica" (KOCH, 2004: 40).

2.2 Coerência

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predominante (GUIMARÃES, 2009: 17). A "coerência é uma propriedade que tem a ver com as possibilidades de o texto funcionar como uma peça comunicativa,

como um meio de interação verbal" (ANTUNES 2005: 176. Grifo da autora). Pode-se observar o viés sócio-cognitivista-interacionista da definição, ficando por conta dos interlocutores as escolhas léxico-semânticas, a partir de suas intenções pragmáticas em dada situação e contexto.

Inevitável constatar pelas definições encontradas que coesão e coerência são interligadas e interdependentes. "A coesão é uma decorrência da própria

continuidade exigida pelo texto, a qual, por sua vez, é exigência da unidade que dá coerência ao texto" (ANTUNES, 2005: 177). Ambas ligam-se por sua vez a outros

princípios da textualidade, porque, caracterizando um texto bem organizado, são elas "propriedades inerentes à intencionalidade articulada com a aceitabilidade" (GUIMARÃES, 2009: 24). São, por assim dizer, recursos que, intencionalmente, o produtor do texto oferece aos seus receptores para que o interesse deles seja suscitado, para que ocorra a sua aceitação ou construção de sentido do texto e sejam alcançados os propósitos da comunicação. Os princípios da intencionalidade e da aceitabilidade ficam desse modo inseparavelmente conectados, relacionando-se esrelacionando-se último com as reações do ouvinte ou receptor, e o primeiro com os objetivos do produtor, o que será visto adiante.

As propostas de Beaugrande & Dressler (1981) quanto aos seus princípios de construção textual do sentido recebem algumas críticas, das quais destaco a que segue:

A coerência não é apenas um critério de textualidade entre os demais (e centrado no texto!), mas constitui o resultado da confluência de todos os demais fatores, aliados a mecanismos e processos de ordem cognitiva, como o conhecimento enciclopédico, o conhecimento compartilhado, o conhecimento procedural, etc. O que se tem defendido é que a coerência resulta de uma construção dos usuários do texto, numa dada situação comunicativa, para a qual contribuem, de maneira relevante, todos os fatores aqui apresentados (KOCH, 2004: 43).

Koch especifica ainda outros fatores, além dos que apresenta acima. Segundo ela, esses outros são os fatores de contextualização, responsáveis "pela

ancoragem do texto em dada situação comunicativa"; a consistência e relevância,

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predicando algo sobre um mesmo tema"; a focalização, "que se refere à

concentração dos usuários, no momento da interação verbal, em apenas uma parte de seu conhecimento, bem como [se refere] à perspectiva sob a qual são vistos os componentes do mundo textual"; os conhecimentos compartilhados, "que vão

determinar, por exemplo, o balanceamento entre o que precisa ser explicitado e o que pode ficar implícito no texto", evitando-se equívocos que minam a elaboração da coerência (2004: 44).

Importante para o mais contemporâneo entendimento dos conceitos de coesão e coerência será ter em mente a evolução dessas noções ao longo do tempo. Koch recorda que "nos primeiros momentos, das análises transfrásticas, os dois conceitos praticamente se confundiam" (2004: 46), para em seguida constatar-se que a primeira não é "condição necessária nem suficiente" da constatar-segunda, verificando-se em seguida o caráter independente dos dois fenômenos e a impossibilidade de serem distinguidos de modo radical.

2.3 Os princípios centrados no usuário

Na distinção apresentada por Beaugrande & Dressler, os dois primeiros princípios apresentados (coesão e coerência) são orientados pelo texto. Dentre os que se seguem (os princípios centrados no usuário), diferentemente, dois são orientados pelo aspecto sociodiscursivo (situacionalidade e intertextualidade), um pelo aspecto computacional (informatividade) e dois pelo aspecto psicológico (intencionalidade e aceitabilidade) (1981: 20).

Quanto à situacionalidade, em um primeiro sentido (da situação para o texto),

ela se refere ao conjunto de fatores que contribuem para a relevância de um texto numa situação comunicativa em andamento ou que pode ser reconstruída. Em um segundo sentido, do texto para a situação, o interlocutor interpreta o texto de acordo com os seus objetivos, convicções e perspectivas.

A informatividade relaciona-se com o processo de distribuição de informação

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redundância. Deverá haver um equilíbrio entre a informação já fornecida e a nova, numa combinação de retroação e progressão, de modo a não ocorrer excesso de informação nova ou a redundância de informação já dada.

O princípio da intertextualidade refere-se à dependência que têm a produção

e a recepção de um texto em relação a outros textos. Num sentido amplo, conforme Bakhtin,

A orientação dialógica é naturalmente um fenômeno próprio a todo discurso. Trata-se da orientação natural de qualquer discurso vivo. Em todos os seus caminhos até o objeto, em todas as direções, o discurso de um se encontra com o discurso de outrem e não pode deixar de participar, com ele de uma interação viva, tensa (1988: 88).

Nesse âmbito dialógico e em um sentido mais rigoroso, ocorre a intertextualidade quando se verifica no texto a inserção de outro, o que pode se dar de modo implícito ou explícito. Nesse último caso é feita clara menção a ele pelo locutor. No primeiro caso espera o locutor que o interlocutor possa ativá-lo em sua memória discursiva, a menos, obviamente, que se trate de plágio. Tanto para o produtor quanto para o receptor esse princípio se reveste da maior importância, dado o caráter inevitável e universal da intertextualidade.

Ao produzir um texto o autor persegue seus objetivos, o que configura a

intencionalidade, princípio segundo o qual serão mobilizados os recursos adequados

a essa realização – numa demonstração de quanto o aspecto pragmático é determinante do sintático e do semântico.

Finalmente, o princípio da aceitabilidade envolve a resposta do receptor à

intenção do produtor, não se restringindo o receptor à compreensão do texto, ao entendimento do seu conteúdo, mas reconstruindo o objetivo do locutor, com quem estabelece uma cooperação, esforçando-se para ver coesão e coerência no texto produzido.

(26)

3 Referenciação

3.1 Conceituação

Referenciação é a atividade discursiva que envolve o processo por meio do qual, no texto, objetos de discurso – também denominados entidades ou referentes

– são ativados, retomados ou desfocalizados, podendo a retomada dar-se retrospectiva (anafórica) ou prospectivamente (catafórica). Segundo Koch & Elias, os vários modos de introdução no texto de novas entidades ou referentes são estudados no processo denominado referenciação, ocorrendo a chamada progressão referencial sempre que os referentes são retomados adiante, servindo por sua vez de base para a introdução de outros referentes (2009: 132).

As autoras, porém, para quem texto é lugar de interação entre atores sociais

e de construção interacional de sentidos, entendem que quaisquer objetos de conhecimento se constituem em objetos de discurso, não sendo esses últimos apenas remissão linguística a entidade fora do discurso.

A "referência" tem sido historicamente apresentada como questão de "representação do mundo, de verbalização do referente", em que há uma perfeita correspondência entre as palavras e as coisas, devendo as escolhas lexicais e de formas linguísticas do autor ser avaliadas quanto a sua veracidade ou falsidade, quanto a corresponderem tais escolhas ou não ao mundo, à realidade. Para os autores identificados com a sócio-interatividade, porém, "referenciação", diferentemente de "referência", trata da "relação intersubjetiva e social no seio da qual as versões de mundo são publicamente elaboradas, avaliadas em termos de adequação às finalidades práticas e a ações em curso dos enunciadores" (MONDADA, 2001: 9). Como explica Vanda Maria Elias,

Os referentes e as categorizações constituídas resultam de práticas sócio-histórico-culturais marcadas pela inter-subjetividade.

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entendido, atividade para a qual concorrem os conhecimentos que possui sobre os interlocutores (2010: 53).

Resulta disso poder-se trabalhar, mediante o uso da língua, diversas e diferentes visões de mundo, concretizadas nos atos de fala e promotoras de interação mediante argumentação.

São então "objetos de discurso", não "objetos de mundo" os elaborados pelos interlocutores. Tais objetos "não se confundem com a realidade extralinguística, mas (re)constroem-se no próprio processo de interação", sustenta Koch, acrescentando que "a realidade é construída, mantida e alterada não apenas pela forma como nomeamos o mundo, mas, acima de tudo, pela forma como, sociocognitivamente, interagimos com ele", e que "interpretamos e construímos nossos mundos por meio da interação com o entorno físico, social e cultural" (2004: 59-60). Para Mondada, tais objetos de discurso são entidades concebidas não como expressões referenciais que espelham objetos do mundo ou sua representação cognitiva, mas "entidades que são interativamente e discursivamente produzidas pelos participantes no fio de sua enunciação" (2001: 9).

O desenvolvimento de fala e escrita pressupõe a referência a algo, a retomada, a focalização e a desfocalização de objetos do discurso numa dinâmica plurilinear denominada progressão referencial que "consiste na construção e reconstrução de objetos de discurso [...] não [...] um simples processo de elaboração de informações, mas um processo de (re)construção do próprio real" (KOCH & ELIAS, 2009: 133-134). Blikstein propôs na mesma linha que os referentes não refletem o mundo real, constituindo-se apenas em rótulos para designá-lo, mas são construídos e reconstruídos no próprio discurso e por meio dele, a partir de nossa concepção de mundo, o que ele denomina nossos "óculos sociais" (1985). Roncarati explica que,

Em uma concepção sociointerativa, a atividade referencial não pressupõe uma estabilidade a priori das entidades no mundo e na

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apresentar modificações sensíveis ao contexto ou ao ponto de vista intersubjetivo, evoluindo na progressão textual à medida que lhe são conferidos novas caracterizações e atributos (2010: 43, grifo da autora).

Por isso, e como o exposto acima por Mondada e por Koch, "a expressão

referenciação é usada no lugar de referência, já que essa última tem um caráter de

relação pré-fabricada (às margens das condições de uso) entre o mundo e a linguagem" (MARCUSCHI, 2008: 140).

Observe-se também que a referenciação remete aos propósitos do produtor do texto. Para atingi-los o produtor escolhe e emprega os materiais a sua disposição.

3.2 Instabilidade e mutabilidade no processo de referenciação

Pressupondo-se a referenciação como atividade discursiva, vê-se instabilidade na relação entre as palavras e as coisas, dependendo a categorização de nossas capacidades perceptuais e motoras, o que a torna imprecisa e mutável ou flexível "tanto sincrônica quanto diacronicamente". Segundo Mondada & Dubois, são "múltiplas e inconstantes... controversas" as categorias utilizadas para descrever o mundo, seja no caso de objetos sociais ou objetos físicos (2003: 22).

Essas autoras sustentam que os

objetos sociais não são um desvio do modo "normal" de referir, mas... de modo simétrico, trata-se de considerar a referência aos objetos do mundo psíquico e natural, no âmbito de uma concepção geral do processo de categorização discursiva e cognitiva tal como eles são observáveis nas práticas situadas dos sujeitos (2003: 20).

E, continuam as autoras, "a regularidade da estrutura gradual das categorias naturais não contradiz o fato de que as categorias comuns se configuram de modo mais ou menos ad hoc, conduzindo a uma variabilidade das segmentações

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os sistemas cognitivos humanos parecem particularmente adaptados à construção de tais categorias flexíveis, ad hoc e úteis para fins

práticos, dependendo muito mais da multiplicidade de pontos de vista que os sujeitos exercem sobre o mundo do que de restrições impostas pela materialidade deste (KOCH, 2004: 55).

Sobre essa flexibilidade, Mondada & Dubois expõem a instabilidade generalizada da categorização, sustentando que o que uma "perspectiva utópica (ou nostálgica) de uma cartografia perfeita entre as palavras e as coisas" chama de "negligências", "falta de precisão", "dificuldade em nomear", "erros" e "insucesso", uma abordagem científica chama de "recursos linguísticos, discursivos e cognitivos necessários para tratar eficazmente da referenciação", num processo de de-categorização e re-de-categorização desenvolvido pelos membros dos grupos sociais. Por essa razão essas autoras sustentam o caráter em geral variável e flexível dessas categorias, sendo essas instabilidades inerentes aos objetos e às práticas de discursos e sendo também "ligadas às propriedades intersubjetivamente negociadas das denominações e das caracterizações no processo de referenciação". Essas denominações e caracterizações "não são mais consideradas como algo que estabiliza uma ligação direta com o mundo, mas como processos que se desenvolvem no seio das interações individuais e sociais com o mundo e com os outros" (2003: 21-22).

Importante observar que a adoção dessas teses não implica negar a existência da realidade extra-mente, mas, sim, defender a necessidade de uma ontologia não ingênua e não realista, uma vez que o "nosso cérebro não opera como um sistema fotográfico do mundo, nem como um sistema de espelhamento, ou seja, nossa maneira de dizer e ver o real não coincide com o real". Para receber e entender a realidade o cérebro reelabora os dados sensoriais, o que ocorre "essencialmente no discurso", não sendo, porém, essa reelaboração, subjetiva, individual, mas restrita por "condições culturais, sociais, históricas e, finalmente, pelas condições de processamento decorrentes do uso da língua" (KOCH, 2004: 57).

Por essa razão é que Koch afirma adotar as postulações de Apothéloz & Reichler-Béguelin (1995), das quais cito:

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b) O discurso constrói aquilo a que faz remissão, ao mesmo tempo em que é tributário dessa construção. Isto é, todo discurso constrói uma representação que opera como uma memória compartilhada, "publicamente" alimentada pelo próprio discurso, sendo os sucessivos estágios dessa representação responsáveis, ao menos em parte, pelas seleções feitas pelos interlocutores, particularmente em se tratando de expressões referenciais (KOCH, 2004: 58).

Decorre dessas postulações que a interpretação de uma expressão anafórica, nominal ou pronominal, envolve explorar o contexto e demonstrar uma relação com algum tipo de informação disponível na memória discursiva. Explorar o contexto possibilita resgatar o sentido ad hoc de uma determinada expressão,

considerando-se os interlocutores, os conhecimentos supostamente compartilhados, os objetivos adotados, o local e o tempo da interação, os papeis sociais dos sujeitos, bem como os aspectos histórico-culturais (KOCH, 2004: 59).

Mondada & Dubois defendem que a "necessária dependência contextual" fica sublinhada pela indicialidade da linguagem e do discurso, bem como fica eliminada a suposição equivocada de darem eles "uma descrição única e estável do mundo". Essa consideração conduz ao processo de interpretação e de estabilização das categorias, que deverão associar-se à produção das necessariamente incompletas descrições do mundo e das flexivelmente evolutivas categorizações. Mediante esse processo o interlocutor completa as categorias "e as ajusta ao contexto", valendo-se das "estruturas cognitivas, notadamente memoriais" dos sujeitos, bem como de "procedimentos sistemáticos para organizar a coconstrução dos objetos de discurso" (2003: 40).

3.3 A estabilização das categorias instáveis

Os processos de estabilização configuram o outro lado dos processos categoriais e envolvem, segundo Mondada & Dubois, o emprego de recursos e meios adequados a esse fim.

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sistema cognitivo construiria "as invariantes psicológicas que dariam uma estabilidade às interpretações que os homens fazem do mundo". O processo inicia-se em uma construção psicológica e individual, mas é estabilizado posteriormente com a ajuda da lexicalização e da comunicação linguística. Tal distribuição social, ou seja, o compartilhamento do protótipo entre várias pessoas, segundo as autoras o faz evoluir para "uma representação coletiva chamada geralmente de estereótipo" (2003: 41).

Do mesmo modo, continuam elas, a anáfora tem sido vista como "um modo

de estabilizar ou de focalizar uma denominação particular”, e igualmente a

"materialização das categorias cognitivas e linguísticas", que concerne principalmente "aos meios de inscrição tais como a escrita, a imprensa, a imagem". Na verdade, "estabilizados pelos textos e pelas inscrições visuais, os fatos resistirão às desestabilizações possíveis da controvérsia, terminando por se impor como sendo evidentes e por tornar-se referentes estáveis da ciência" (2003: 43).

Desse modo, com categorias estabilizadas, pode haver comunicação e mútuo entendimento, configurando os referentes não apenas elaborações individualizadas e exclusivamente subjetivas, mas produções sociais e interativas, fruto de práticas sociodiscursivas em que eles são introduzidos, retomados, desfocalizados ou modificados, segundo estratégias de referenciação.

3.4 Estratégias de referenciação

Em seu artigo "Papel e funcionamento da anáfora na dinâmica textual", Apothéloz (2003: 64) sustenta que as estratégias de referenciação de que depende a construção de objetos de discurso contam com recursos de referência que podem ser denominados elementos diafóricos (elementos de recuperação do texto),

havendo elementos endofóricos (os que se encontram dentro do texto) e elementos exofóricos (os que se encontram fora do texto). Os elementos endofóricos

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a catáfora, que realiza a retomada mediante a prospecção; e a elipse, a referência

com conteúdo zero.

A introdução de referentes textuais pode dar-se com a ajuda de dois tipos de processos ou construção, a saber, a ativação ancorada, caracterizada pela

introdução de um referente associado a âncoras ou elementos já encontrados no cotexto ou no contexto sócio-cognitivo dos interlocutores; e a não-ancorada, em que

o referente é totalmente novo e depende de uma interpretação que desemboca em uma inferência (KOCH & ELIAS, 2009: 134).

A ativação não-ancorada é também denominada construção/ativação, sendo

o objeto textual introduzido e passando a ocupar um espaço, e sendo a expressão que o representa colocada em foco na memória operacional, tornando-o saliente. A ativação ancorada, por sua vez, é denominada reconstrução/reativação, resultando

o processo na permanência em destaque do objeto de discurso. As chamadas anáforas associativas e as anáforas indiretas encontram-se entre esses casos, aquelas explorando relações metonímicas. A desfocalização ocorre quando se dá a

introdução de um novo referente, uma nova focalização. O referente desfocalizado, porém, continua parcialmente ativado, podendo ser empregado quando necessário (KOCH, 2004: 62).

Enquanto as anáforas diretas retomam referentes já introduzidos no texto, estabelecendo correferência, as anáforas indiretas propiciam a ativação de novos objetos do discurso aos quais não corresponde um antecedente (ou subsequente) no texto, num processo de referenciação implícita. Como se verá mais detalhadamente adiante, esse processo de referenciação implícita (as anáforas indiretas) pode se constituir, segundo Koch & Elias, com base "em modelos cognitivos, inferências ancoradas no mundo textual ou em relações semânticas inscritas nos sintagmas nominais definidos, particularmente as relações metonímicas (relações parte-todo)" (2009: 136).

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A progressão referencial do texto resulta das cadeias referenciais ou coesivas. A expressão cadeia coesiva foi inicialmente empregada para caracterizar

sequências cujos componentes remetiam ao contexto precedente. Numa postulação posterior, segundo Roncarati, os elos coesivos foram apresentados por Halliday e Hasan como

mecanismos semânticos e léxico-gramaticais essenciais para a tessitura textual, enfatizando que a natureza que os une é essencialmente semântica: os termos se ligam através de relações de sentido que formam a base para a coesão entre as mensagens veiculadas em um texto (2010: 80).

A mesma autora sustenta que "O trabalho com as cadeias referenciais facilita a compreensão do texto, porque, por meio delas, é possível observar como se verifica a dinâmica dos processos de referenciação" (2010: 18-19). Tais cadeias referenciais ou coesivas são originadas pela reconstrução, que opera a manutenção em foco, de objetos anteriormente introduzidos, com o emprego de pronomes, elipses, numerais, advérbios locativos, etc. (recursos de ordem gramatical), bem como por meio de recursos lexicais (itens lexicais reiterados, sinônimos, hiperônimos, nomes genéricos, expressões nominais, etc.). Para Roncarati, a cadeia será linear se retomar um mesmo referente, e será multilinear ou multirreferencial se

"gerar outros referentes tematicamente associados a ele" (2010: 23).

Podem ser distinguidas três estratégias de referenciação textual: o uso de pronomes, estratégia comumente descrita como pronominalização de elementos

contextuais; o uso de expressões nominais definidas; e o uso de expressões nominais indefinidas.

A pronominalização de elementos contextuais, que consiste no uso de

pronomes para efetuar a referenciação, pode ser anafórica ou catafórica, dependendo de ser retrospectivo ou prospectivo o seu movimento referencial. Essa estratégia pode ocorrer sem um referente textual explícito, caso para o qual Koch oferece o seguinte exemplo:

Não houve entendimento com a editora. Os direitos autorais que eles

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No exemplo acima, não há um referente textual explícito, mas o pronome eles

refere-seaos funcionários representantes da editora com quem o autor de certa obra tentou a negociação.

As expressões referenciais serão empregadas a partir de escolhas cognitivas e linguísticas que faz o produtor do texto dentre as propriedades ou qualidades que podem caracterizar o referente. Tais escolhas revelarão o projeto de dizer do autor, bem como indicarão suas opiniões, crenças, ideologias, propósitos ilocutórios, além de sinalizar propriedades marcantes dos objetos de discurso que podem revelar informações que o autor julga não serem do conhecimento do interlocutor.

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4 EXPRESSÕES NOMINAIS REFERENCIAIS

4.1 Conceituação

Expressões nominais, segundo Koch & Elias, são "aquelas expressões que

constam de um núcleo nominal (substantivo), acompanhado ou não de determinantes (artigos, pronomes adjetivos, numerais) e modificadores (adjetivos, locuções adjetivas, orações adjetivas)" (2009: 147). Tais expressões constituem importante recurso referencial para a construção de sentido enquanto desempenham suas funções e efetuam a progressão textual.

4.2 Os movimentos referenciais das expressões nominais

As expressões nominais realizam movimentos referenciais de retrospecção e de prospecção. Os primeiros, à esquerda, chamados anafóricos, promovem relações coesivas, semânticas, cognitivas e avaliativas. Os últimos, à direita, chamados catafóricos, promovem a progressão textual.

Anáfora e catáfora, embora apresentadas aqui como funções de grupos nominais, podem também ser expressas por meio de pronomes pessoais da terceira pessoa, substantivos possessivos, numerais, etc., como se verá em alguns exemplos, para maior esclarecimento.

Segundo Apothéloz (2003: 71), o movimento referencial anafórico envolverá uma anáfora fiel sempre que, de modo ancorado, um referente previamente

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O comerciante 1 fala enquanto o Escriba 1 faz marcas sobre a argila

usando o pedaço de madeira, o estilo. Depois que o bloco de argila está cheio de marcas em formas de animais e cunhas, o comerciante

1 se cala (2010: 142, nosso grifo).

Trata-se, então de um caso de correferência ou protótipo da anáfora.

Por outro lado, a anáfora será chamada de infiel se o nome empregado na

retomada diferir daquele usado na introdução do referente (será mais frequentemente um sinônimo ou hiperônimo), podendo também receber essa designação se lhe for acrescentada uma determinação, qualquer que seja. Como no exemplo de Roncarati:

Existe uma mulher na vida do ex-motorista de ônibus. O mineiro foi

casado por 10 anos com Neide (2010: 144, nosso grifo).

O hipônimo Neide retoma o hiperônimo mulher em uma anáfora infiel.

Outro tipo de anáfora, a anáfora por nomeação, ocorre quando todo um

processo descrito em afirmação anterior é compactado em um sintagma nominal com a retomada do conteúdo proposicional da afirmação ou do ato de fala realizado por meio da enunciação do conteúdo. Essas nomenclatura e definição de Apothéloz (2003: 71-72) aproximam-se do que Roncarati chama de nominalização ("operação anafórica simultaneamente condensadora e provedora de informação" [2010: 145]) e do que Koch & Elias (2009: 152) e Koch (2004: 70) denominam rotulações,

"resultantes de encapsulamentos operados sobre predicações antecedentes ou subsequentes", resultando em "mudança de nível ou sumarização da informação" (KOCH, 2004: 66). No exemplo de Apothéloz:

Os arquivos do cineasta Abel Gance [...] serão vendidos em leilão, em Drouot, nos dias 3 e 4 de março. A venda compreenderá uma

centena de cenários manuscritos (2003: 72, grifo do autor).

O sintagma a venda nominaliza e rotula ou compactapor nomeação anafórica

o processo descrito na afirmação anterior Os arquivos do cineasta Abel Gance [...] serão vendidos em leilão, em Drouot, nos dias 3 e 4 de março.

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A silepse é figura que ocorre em um texto sempre que a concordância se dá

pelo sentido e não de acordo com a gramática. Manifestando-se nas retomadas anafóricas pronominais, a silepse proporciona alterações com respeito ao gênero e ao número gramatical, como no exemplo de anáfora por silepse fornecido por Apothéloz:

Uma mulher infiel, se assim for conhecida pela pessoa interessada, é

apenas infiel. Se ele a crê fiel, ela é pérfida (2003: 73, nosso grifo).

Segundo o entendimento em nossa cultura, a pessoa interessada (sintagma

nominal feminino) em uma mulher será um homem (sintagma nominal masculino),

retomado então pelo texto com o pronome masculino ele, com o emprego de uma

silepse.

Ou ainda, em outro exemplo do mesmo autor, mais apropriado a este trabalho por envolver expressão nominal referencial:

Pego a carabina, apoio no ombro e atiro... atiro de olhos fechados, como um banqueiro que se suicida com um tiro na cabeça [...]

É um ruído crescente, a multidão me olha, acham que sou um suíço; alguém me disse que, nesse país, as crianças aprendem a atirar com

três anos e que, aos dez, há os que quebram avelãs a uma distância de vinte passos (2003: 74,75, grifo do autor).

Esse último exemplo aproxima-se mais, analisa Apothéloz, de um dêitico de memória, podendo-se também ver nele uma anáfora associativa, assim designados

os sintagmas nominais definidos cujo entendimento apoia-se em conhecimentos gerais supostamente compartilhados.

Esses sintagmas nominais definidos apresentam certa dependência interpretativa em relação a um referente introduzido ou designado anteriormente (no exemplo, um suíço), mas não se dá correferência em relação à expressão

empregada para designar o referente quando da sua introdução (2003: 75).

As anáforas associativas constituem um subtipo das anáforas indiretas, cujo

processo referencial pressupõe denotação implícita que pode ser inferida a partir de elementos do contexto anterior ou do contexto sócio-cognitivo. Os casos de anáfora associativa baseiam-se em questões semântico-pragmáticas e em relações

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explícitos no texto as anáforas associativas se caracterizam pelo processo inferencial e interpretativo de referenciação (KOCH, 2004: 65).

No exemplo de Apothéloz:

Nós chegamos a uma cidade. A igreja estava fechada (2003: 76,

grifo do autor).

Pode-se verificar relação de dependência interpretativa entre uma cidade e A igreja, não se tratando, porém, de correferência, uma vez que cidade funciona

meramente como desencadeador da anáfora associativa. Há uma relação de continente/conteúdo ou todo/parte entre uma cidade e A igreja, portanto, no exemplo

dado acima ocorre anáfora associativa, com ativação de referente por processo

cognitivo realizado por meio de metonímia (RONCARATI, 2010: 150).

As anáforas indiretas, anteriormente mencionadas, compreendem formas

nominais referenciais sem referente explícito previamente introduzido no texto, apenas uma âncora, elemento importante para a sua interpretação. Operam essas anáforas a ativação de novo referente, e não a reativação de referente anteriormente inserido, num processo de referenciação implícita cuja base são elementos textuais e modelos mentais. As anáforas indiretas são assim dependentes interpretativamente de elementos de base do co-texto ou do contexto em desenvolvimento, contribuindo conhecimentos semânticos, conceituais, etc. para a construção de sentidos referenciais, como se vê no exemplo de Koch:

Há alguns anos, as pichações que passaram a borrar casas, edifícios

e monumentos de São Paulo – e de outras grandes cidades brasileiras – começaram a ganhar características novas. Pode-se questionar se políticas apenas repressivas são a melhor forma de enfrentar o problema – ainda que nesse quesito, elementar, o poder público pareça complacente, já que, conforme a reportagem, as gangues reúnem-se semanalmente com hora e local marcados.

Merecem apoio iniciativas que possam, de forma positiva, atrair os pichadores para atividades menos predatórias (2004: 65, grifo da autora).

No exemplo dado, pichações ancora a interpretação de gangues e a

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Nas exemplificações encontradas em diferentes autores torna-se evidente a dificuldade em se distinguir anáforas associativas de anáforas indiretas.

Koch & Elias fornecem os seguintes exemplos de anáforas indiretas:

A casa era antiga, as portas sem alguns pedaços que foram

corroídos pelos cupins, as janelas quebradas, as paredes pichadas davam um ar sombrio à casa.

Logo que entrei o canto parou e vi um lindo retrato na parede, era de

uma jovem.

Os cabelos eram bem pretos, os olhos azuis como o oceano, a

boca vermelhinha como uma cereja e a pele bem clarinha, toda

delicada... Fiquei horas observando seus pequenos detalhes (grifos

das autoras).

Explicando, Koch & Elias ponderam que "as expressões definidas as portas sem alguns pedaços; as janelas quebradas; as paredes pichadas relacionam-se com a expressão a casa, introduzida no início do texto". A expressão "casa", desse modo, "serve de âncora para a introdução daquelas expressões referenciais, em uma expressão assentada na relação parte-todo". Não se trata de uma retomada, esclarecem as autoras, mas de uma relação meronímica (sic) (2009: 136-137).

Aproximando anáforas indiretas de anáforas associativas, Koch explica que ocorre ativação ancorada de referente quando se dá a introdução de um novo objeto-de-discurso, "sob o nome do dado, em virtude de algum tipo de associação com elementos presentes no cotexto ou no contexto sociocognitivo, passível de ser estabelecida por associação e/ou inferenciação". A autora inclui nesses casos as anáforas indiretas e as anáforas associativas, mas passa a distingui-las ao afirmar que "A anáfora associativa explora relações metonímicas, ou seja, aquela em que

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5 Funções cognitivo-discursivas das expressões nominais referenciais

As expressões nominais referenciais desempenham uma série de funções cognitivo-discursivas muito relevantes para a construção textual do sentido, sendo algumas delas as que seguem:

5.1 Ativação/reativação na memória

Segundo Koch, as expressões nominais referenciais possibilitam, "como formas de remissão a elementos anteriormente citados no texto ou sugeridos pelo co-texto precedente", a reativação deles, "ou seja, a alocação ou focalização" (2004:

70, grifo da autora). Ao operar a recategorização ou refocalização do referente, as expressões nominais terão ao mesmo tempo função predicativa, como também a terão ao encapsularem e rotularem informações suporte, no caso de nominalizações. São, portanto, "formas híbridas, referenciadoras e predicativas, isto é, veiculadoras tanto de informação dada como informação nova" (2004: 70), como veremos adiante.

5.2 Encapsulamento (sumarização) e rotulação

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... é mais do que a apresentação de uma paráfrase resumitiva de uma porção precedente do texto [...] Em primeiro lugar, o próprio item lexical (o núcleo do sintagma nominal) é geralmente novo na medida em que não ocorreu no texto precedente. Em segundo lugar, e mais importante ainda, estamos lidando não apenas com categorização de informação contextual dada, mas também com hipóstase. [...] O que está presente no modelo discursivo é "objetificado" ou, em outras palavras, torna-se um referente. Na base da informação velha, um novo referente discursivo é criado e se torna o argumento de predicações futuras. Assim, o encapsulamento anafórico se torna um procedimento muito interessante de introdução de referentes no texto. Esses referentes são criados na dinâmica do texto (2003: 183).

Na função do encapsulamento, as expressões não nomeiam um referente específico, mas instâncias abstratas, com nomes-núcleo genéricos, tais como

fenômeno, evento, fato, etc. Detalhando os tipos de rotulação efetuados no

encapsulamento por expressões nominais, Koch & Elias explicam que há dois tipos, sendo o primeiro "aquele em que a designação... recai sobre os fatos, eventos, circunstâncias contidas no segmento textual encapsulado", e sendo o segundo tipo aquele em que "o rótulo nomeia o tipo de ação que o produtor atribui aos personagens presentes no segmento encapsulado, como a declaração, a pergunta, a reflexão, a dúvida, etc.", sendo esses os que possuem função metadiscursiva (2009: 152).

O recurso do encapsulamento estabelece coesão entre fragmentos do texto e, no processo de sumarização de um enunciado ou enunciação, um novo objeto-de-discurso é introduzido pelas expressões nominais, podendo ele se constituir em tema de novas predicações – como argumenta Conte acima –, o que significa que o encapsulamento opera com informação nova tanto quanto com informação dada.

Tais expressões nominais... em sua maior parte, introduzidas por um demonstrativo, desempenham, assim, duas funções: rotulam uma

parte do contexto que as precede (x é um acontecimento, uma

desgraça, uma hipótese, etc.) e estabelecem um novo referente que, por sua vez, poderá constituir um tema específico para os enunciados subsequentes. É essa a razão por que, frequentemente, aparecem em inícios de parágrafos (KOCH, 2004: 71).

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axiológico e de modificadores da expressão nominal que revelam seu projeto de dizer, seu ponto de vista acerca do referente, enfim, sua orientação argumentativa. Trata-se de "um poderoso meio de manipulação do leitor" nas palavras de Conte (2003: 186).

5.3 Recategorização de referentes

Muito próxima à função de encapsulamento (sumarização) e rotulação e

apresentada em Koch (2004: 76) como Introdução de informações novas (ver 5.4

abaixo) é a função que Koch & Elias denominam Recategorização de referentes

(2009: 149). Para essas autoras, "os referentes já introduzidos no texto podem ser retomados mantendo as mesmas características e propriedades ou, como é muito comum, com alterações e com acréscimos de outras". Quando ocorrem essas alterações e acréscimos de características e propriedades, então, dá-se a recategorização, a inclusão de novos referentes efetuando a progressão textual. No exemplo fornecido pelas autoras:

[...] De algum tempo para cá nossas ruas têm sido ocupadas por

caminhões de vários eixos, ônibus quase da altura de prédios e toda espécie de jamantas, além de jipes, camionetes e camburões "de passeio", mas capazes de transportar até uma lancha [...].

Confira o triunfalismo com que se arremessam por ruas estreitas, destruindo um asfalto que não foi feito para aquele peso, e a superioridade de seus motoristas, alheios ao fato de que os veículos estão ceifando as árvores sobre suas cabeças. Será impossível frear a invasão desses mamutes mecânicos impróprios para a vida urbana? Com todo o respeito pelos mamutes.

Uma denúncia do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) é preocupante. Em Petrópolis (RJ), 17 imóveis tombados do centro histórico estão com a estrutura ameaçada. O material de que foram feitos e sua técnica de construção não previam que, um dia, teriam de conviver com a trepidação provocada pelos

magatrombolhos que passam a metros de suas portas [...] (2009:

150, nosso grifo).

Referências

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