CISTO ARACNÓIDEO EXTRADURAL DO CANAL ESPINAL
N E L S O N PIRES FERREIRA*; JOSÉ B . TEIXEIRA F I L H O * *
Os cistos extradurals do canal espinal são raros como causa de compres-são medular. Esta condição patológica é caracterizada pela presença de cisto de aracnóide e x t r a d u r a l comunicante com o conteúdo liquórico subaracnóideo através de pequena solução de continuidade da dura-mater. O aumento do volume do cisto pode condicionar, com o decorrer dos anos, compressão me-dular e/ou radicular. A revisão da literatura disponível mostra u m número relativamente pequeno de casos relatados, atingindo u m total de 7 91
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> 6 . 7
. 8
. F a c e a pouca freqüência dessa ocorrência patológica e a inexistência de publicação nacional julgamos oportuna esta comunicação.
O B S E R V A Ç Ã O
D T L , com 49 anos de idade, sexo masculino, brasileiro, internado em 18-03-71, queixando-se de dificuldade p a r a a n d a r , p e r d a de força e de sensibilidade nos membros inferiores. O paciente informou q u e desde h á u m a n o vem apresentando f a l t a de força nos m e m b r o s inferiores q u e se acentuou progressivamente, o mesmo ocorrendo com a sensibilidade. D a t a m d a m e s m a época parestesias nos pés e n a r e g i ã o glútea, disuria, obstipação e impotência sexual. N o passado mórbido a p e n a s doenças próprias da infância. Exame clínico-neurológico — O e x a m e dos diversos aparelhos resultou normal; Pressão arterial 120/70; P u l s o 80 bpm. Exames de laboratório — h e m o g r a m a , glicemia, dosagem de uréia, soro-diagnóstico de lues e e x a m e c o m u m de urina, sem anormallidades. M a r c h a espástica, diminuição d a motilidade v o l u n t á r i a e d a força m u s c u l a r nos membros inferiores, mais a c e n t u a d a à esquerda, onde não são pos-síveis movimentos de flexão, extensão, a d d u ç ã o e a b d u ç ã o do pé. Impossível a a b d u ç ã o d a s coxas. Hipertonía em extensão nos membros inferiores, m a i s acen-t u a d a à esquerda. Reflexos profundos e x a l acen-t a d o s nos m e m b r o s inferiores.mais in-tensamente à esquerda onde h á policinésia. Clono do pé e sinal de Babinski, bilateralmente. Reflexos c u t â n s o - a b d o m i n a i s inferiores e crematéricos abolidos. Res-posta de tríplice retirada à esquerda. Hipoestesia superficial de T12 p a r a b a i x o bilateralmente, mais a c e n t u a d a à esquerda, h a v e n d o anestesia dessas formas de sensibilidade nos metâmerqs T12 e L I à esquerda. Sensibilidade p r o f u n d a conservada. E m suma, p a r a p a r e s i a sensitivo-motora espástica com nível sensitivo em T12, com comprometimento mais acentuado no m e m b r o inferior esquerdo. Exame do líquido céfalorraqueano •— R a q u e m a n o m e t r i a normal não h a v e n d o bloqueio; células 1,2/mm8
; proteínas 30mg<%; reações globulinicas negativas, reações p a r a sífilis e cisticercose negativas; glicose 55mg%; cloretos 128 m E g / 1 . Radiografias da coluna vertebral
— E r o s ã o dos pedículos vertebrais com a l a r g a m e n t o do espaço interpedicular de T8 a T12, mais nítido entre T u e T i ¿ ; erosão dos corpos v e r t e b r a i s na sua face posterior, condicionando u m aspecto e n c u r v a d o e a u m e n t o do diâmetro do c a n a l r a q u e a n o no sentido ântero-posterior a esse nível. Mielografia ( F i g . 1)
C O M E N T A R I O S
A maior incidência dos cistos de aracnóide recae na segunda década da
vida. N a maioria dos casos as lesões se estendem a mais de uma vértebra,
com uma freqüência nitidamente maior na coluna torácica e, nesta, nas suas
porções inferiores. É rara a localização cervical e sacra
1•
3. A queixa pode
ter curta duração, apenas algumas semanas, ou cronificar-se por alguns anos.
A remissão da sintomatologia pode ocorrer não sendo, entretanto, freqüente.
A dor é freqüente, por vezes surda, na região posterior da coluna vertebral
ou aguda, irradiando-se com características segmentares. O quadro
neuro-lógico é, com freqüência, o de uma compressão medular com intensidade
va-riável. Os sinais motores são mais constantes que os sensitivos, mas nível
sensitivo pode ser encontrado. U m a distribuição segmentar de perda de
sensibilidade pode aparecer quando há envolvimento de raizes raqueanas.
N a maioria dos casos o estudo radiológico da coluna vertebral mostra erosão
dos pedículos ou dos corpos vertebrais. O estudo mielográfico permite
diag-nóstico pré-operatório seguro.
Os cistos extradurais são considerados por E l s b e r g e col., por N u g e n t e
Rexed, citados por G o r t v a i
3e por Bergland
1como de origem congênita. É
razoável supor que estes cistos, que se comunicam com o espaço subaracnoide
junto à linha média, sejam de origem congênita pois assemelham-se a um
estado disráfico no qual há pequenas falhas de fusão durante a fase
embrio-nária. Essas pequenas soluções de continuidade durai permitiriam a
passa-g e m de aracnóide que formaria os cistos. A concomitância de cisto de
arac-nóide e outras malformações do sistema nervoso fortalece a teoria congênita.
A freqüência com que traumatismos são referidos na história desses
pacien-tes, lembra a possibilidade de interferência causai ou direta. Meredith,
ci-tado por Gortvai
3, tendo encontrado granulos de hemossiderina em dois casos
com história prévia de traumatismos, lembra a possibilidade destes como
causa, apesar de ser possível a ocorrência de hemorragias pós-traumáticas
e m cistos pré-existentes. A teoria traumática não pode ser desprezada de
todo por ter sido assinalado, após intervenções cirúrgicas espináis, o
apare-cimento de cistos de aracnóide.
Os cistos só passam a produzir sintomas quando alcançam um tamanho
considerável. Os fatores que condicionam o seu aumento são a pressão
hi-drostática do líquido cefalorraqueano, a osmose carreando líquido para o
in-terior do cisto e a secreção das paredes do mesmo. Parece, entretanto, que
o elemento mais importante é a abertura valvulada na comunicação do cisto
com o espaço subaracnoideo, condicionando o seu crescimento progressivo.
A osmose de á g u a pode atuar como coadjuvante no acréscimo de volume do
cisto, quando a abertura é valvular ou após o fechamento da mesma. O
papel secretorio das paredes do cisto não é fato comprovado
3.
A terapêutica consiste na remoção do cisto ou na ressecção, a mais ampla possível, de sua parede posterior. A sutura ou o tamponamento com músculo da comunicação condiciona a cura completa. O prognóstico, de acordo com a revisão da literatura, é regular. Gortvai 3
obteve bons resultados em três dos cinco casos por ele operados.
R E S U M O
É r e l a t a d o o caso de um paciente que apresentava paraparesia sensiti¬ v o m o t o r a e v o l u t i v a , datando de u m ano. A s radiográficas da coluna v e r t e b r a l e m i e l o g r a f i a p e r m i t i r a m o diagnóstico de cisto de aracnóide e x t r a -dural do canal espinal de l o c a l i z a ç ã o torácica, que foi c o n f i r m a d o pelo a t o
cirúrgico. Os a u t o r e s r e v i s a m a l i t e r a t u r a assinalando 76 casos j á publicados. S ã o comentadas a incidência do processo p a t o l ó g i c o nos diversos g r u -pos etários, sua l o c a l i z a ç ã o ao l o n g o do canal raqueano, a e v o l u ç ã o do qua-dro clínico, a e t i o l o g í a e a fisiopatologia do crescimento do cisto, o diagnós-tico, a t e r a p ê u t i c a e o prognóstico.
S U M M A R Y
Arachnoideal extradural cyst of the spinal canal. A case report
T h e case of a pacient w i t h thoracic arachnoideal cyst is reported. T h e r e was a n e u r o l o g i c a l p i c t u r e o f a spinal cord compression in thoracic l e v e l w i t h analgesia and anesthesia in T 1 2 and L1 a t left. R a d i o g r a p h s s h o w e d compression of the pedicles w i t h w i d e n i n g of interpedicular spaces of the eight to t w e l f t h t h o r a c i c v e r t e b r a e . T h e m y e l o g r a m and the l a m i n e c t o m y
c o n f i r m e d the hypothesis of aracnoideal cyst. T h i s case of e x t r a d u r a l cyst of the spinal canal is added t o the 76 p r e v i o u s l y described in the l i t e r a t u r e . T h e incidence, e t i o l o g y , phisiopathology, clinical-picture, diagnosis, surgical treat-m e n t and prognosis a r e discussed.
R E F E R Ê N C I A S
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