Cad . Saúd e Púb lic a, Rio de Jane iro , 15(Sup. 2):169-176, 1999
O ensino e a saúde: um olhar biológico
Te ac hing and he alth: a b io lo g ical vie w
1 De p a rt am en to de Bio qu í m ica e Im u n o l o g i a , I C B , Un i versid ad e Fe d e ral d e M in a s Ge ra i s . Av. Al f red o Bal en a 1 90, Belo H o r i zo n t e , M G 3 0 1 3 0 - 1 0 0 , Bra s i l . n va z @ m o n o. i c b. u f m g . b r
N elso n Vaz 1
Abstract Liv in g syst em s a re st ru ct u re d eterm in ed syst em s. Tea ch in g is n ev er fea sib le, bu t lea rn -in g is -in ev ita ble, a com m en t by an ob serv er abo u t som e a sp ect o f t h e con st an t ch a n ges occu rr-in g w h ile li fe goes o n . Teach ers a re a ll t h ose w h o o p en u p sp a ces for con v iv ia lit y a n d a llow con gru -en t ch an ges to t a k e p lace. T h e re a re n o in st ru ctiv e in t era ct ion s in n a t u re . Hea lt h a n d t h e biology of liv in g syst em s a re p h en om en a st u d ied in di fferen t d om ai n s. W h a t is h ea lt h y or u n h ea lt h y for h u m a n s , is d efin ed b y h u m a n cu lt u re . As biologica l p h en om en a , h ea lt h a n d disease a re re l a t i o n -a l con figu r-a t ion s of t h e org-a n ism -a n d it s m ed iu m . From t h is p ersp ect ive , i n d iv id u -a l h e-a lt h i s -a socia l p h en om en on .
Key words Healt h Ed u c a t i o n ; Ep i s t e m o l o gy ; Ed u c a t i o n ; He a l t h
Resumo Os seres v i v o s sã o si st em a s d et erm in a d o s p or su a s est ru t u ra s . O en sin o é im p o ssíve l , m a s a a p ren d iz a gem é i n ev it á ve l , u m co m en t á rio d e u m ob serv a d o r sob re a l gu m a sp ect o d a s m u d a n ça s co n st a n t e s q u e o correm d u ra n t e o v i v e r. Pro f esso r é a qu ele qu e a b re u m esp a ço d e c o n v i v ê n c i a . N ã o ex ist em in t era çõ es in st ru t iv a s n a n a t u re z a . A saú d e e a bio logia d os seres v ivo s sã o fen ôm en os est u d a do s em d om ín i os d ist in t os, a p ri m eira sen d o d efin id a p ela cu lt u ra . C o m o u m fen ô m en o bioló gico, a sa ú d e ou a d oen ça sã o con fi gu ra ções rela ci on a is d o o rga n ism o co m seu m eio e, com o t a is, sã o fen ôm en os d escrit os n o dom ín io da s i n t era ções do orga n ism o. Por esse e n t e n d i m e n t o, a saú d e in d iv idu a l é u m fen ôm en o socia l.
Cad . Saúde Púb lic a, Rio de Jane iro , 15(Sup. 2):169-176, 1999
I n t ro d u ç ã o
Na im u n ologia, p r ed o m in am in te resse s b iom é d i c o s, iom as gosto d e p en sar eiom iom eu tra b a -lh o c om o b io lógico, e n osso la b ora t ó r io n a Un i versid ad e Fe d e ra l d e Min as Ge rais se c h a-m a lab ora t ó rio de ia-m u n ob iologia. Ao d iscutir o en sin o d e tem as re l a t i vos à saúd e, n ão vou m e referir a vacin as, com o seria esp erado. Vou a b o r-d ar tem as m ais gera i s. Qu e ro con vir-dá- los a re-f l e t i r m os jun tos sobre :
1) a biologia d o en sin o; 2) saú de e b iologia.
1 ) A biologia do ensino
Pa rec e estran h o falar d a b io lo gia d o en sin o. É n a t u ra l q ue b iólogo s este jam aco st um ad os a estu d ar as relações en tre biologia e ap re n d i z a-gem ; a ad ap ta çã o e a e volu çã o sã o exem p lo s n o t á ve i s. Na im u n ologia, a ap ren d izagem é u m a ssu n to n atu ral, p ois, n a im u n izaç ão, o o rg a -n ism o p a rec e lid ar co m -n ovid ad es m ole cu la-res; p or exem p lo, ap ren d e a lid a r m a is e ficaz-m en te coficaz-m gerficaz-m es e víru s. A ificaz-m u n ização p ode ser vista c om o u m a for m a c elu la r/ m olec u lar d e ap ren d izagem . Muitos im un ologistas d esig-n a m a s resp o stas im uesig-n e s e sp ec ífic as com o ‘im un idad e ad ap tativa’. É fácil tam b ém estabe-lecer p ar alelos en tre a ap ren d iza gem e ou tro s fen ôm en os b iológicos.
Aq u i h á u m a b ifu rca ç ão im p ort a n t e, c u jo sign ificad o n ão d evem o s m e n osp rez a r. O q ue d i zer sob re o en sin o? Alguém , ou algo, ‘e n s i n a’ o s organ ism os em su a s m o d ifica ções e vo l u t ivas? Existe algu m sen tid o em afirm ar q u e o an tígen o ‘e n s i n a’ o organ ism o a r esp o n d er im u -n ologicam e-n te? Por acaso a vaci-n a cn tra a p o-liom ielite ‘e n s i n a’ u m a lição m olecu lar, d á u m a au la ao organ ism o d a s c ri a n ç a s, q u e as tor n a va c i n a d a s, u n ifo r m em en te m a is resisten te s à p oliom ielite?
O qu e ap ren d em os sob re a organ ização e a e s t ru t u ra d os seres vivos n os ú ltim os cin q üen ta an os n os ob riga a resp on d er a essas p erg u n -tas com um en fático n ão. Na biologia, com o n o resto d a n atu reza, n ão ocorrem in terações in s-t ru s-t i va s. Os se res vivos n ão p o d em se r ve rg a-d os em a-d ireç õ es ar b itrá ri a s, a-d itaa-d as p o r su a s i n t e rações com o am b ien te. Isso p arece con tra-d i t ó rio p orqu e as p ri m e i ras soluções sugeri tra-d a s p a ra p roblem as biológicos ten dem a ser in str u-t i vas ( Je rn e, 1967). Ba c u-t é rias são exp osu-tas à p e-n icilie-n a e su rgem va ried ad es resistee-n tes; p ie-n ta-se d e b ran co a p ared e d a fáb rica e a s b orb ole-t as sob re e las se ole-tor n a m m ais clara s; u m c oe-lh o é in jetado com h em ácias de carn e i ro e logo
s u rgem an tic orp o s esp ecíficos. Tu d o se p assa co m o se a p e n ic ilin a en sin a sse a s b ac tér ia s a s e rem resisten tes; o bran co da p ared e en sin as-se às b orb oletas a m u d ar d e cor; e o a n tígen o, as h em á cias, gu iasse a form aç ão d o s an ticor -p o s. De-p ois su rgem as ex-p licaçõ es seletivas: a c u l t u ra d e b actérias já in cluía m u tan tes re s i s-ten tes à p en icilin a; a p op ulação d e b orb oletas já in c lu ía in d ivíd u os m a is clar o s; o c oe lh o já p rod u zia an ticorp os an ti-h em ácias em p eq un a qu aun tid ad e – a e xp osição às hem ácias ap e-n as favo receu a sob revivêe-n cia d e células q ue os p rod uziam . Em tod os esses casos, tud o se p as-sa co m o se u m e lem en to exte r n o a o sistem a i n t e ra gisse com elem en tos do sistem a e os fa-vo re c e s s e. Esta é a m etáfora em qu e Da rwin se ap o iou n a Te o r ia d e Seleç ão Na t u ral (Da rw i n , 1979), p ara exp licar a origem das espécies, p ois tu d o se p assa com o se a n atu reza selecion asse os in divíd u os m ais ap tos, ou d e m aior efic iên -cia re p ro d u t i va (You n g, 1985).
Assim , e m b ora p ossa m os a tr ib u ir c ert a s m ud an ças n as características d os seres vivos a u m a ap ren d izagem , esta n ão d eco rre d e a lgu -m a for-m a d e en sin o, -m as si-m co-m o d a p róp ri a e s t ru t u ra dos seres vivo s. Elas dep en dem do d es e n ro la r d e eseq ü ên c iaes d e m u d an çaes eestru t u rais d esen cad ead as p or u m p aream en to de in -t e rações do ser vivo em seu am b ien -te com a di-n âm ica estr u t u ral p róp ria d o ser vivo. Os sere s v i vos são sistem as determ in ados p or sua estru -t u ra (Ma g ro e-t al., 1997; Ma -t u ran a & Va re l a , 1980; Ma t u ran a, 1988).
Estam os acostu m ad os a en carar o e n sin o e a ap r en d izagem co m o d u as fa ce s d a m esm a m oeda, p orém o q ue p rop om os aq ui é ra d i c a l-m e n te d ifere n t e. Est al-m os p rop on d o q u e n ão existe in str ução (en sin o), m as a ap re n d i z a g e m é in evitável. Ap ren d er é u m fe n ô m en o tri v i a l , c o n s t i t u t i vo d os seres vivo s, qu e ocor re in c essan tem en te em vir tud e d a su a din âm ica in ter -n a e p elas n terações n cessa-n tes qu e ele re a l i-za em seu am b ien te.
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op tar p or ver tais m olécu las e células com o d o-tadas da fu n ção (ou p rop ósito) de reagir com o an tígen o; en tre t a n t o, elas são com p on en tes do o rgan ism o q u e só p er sist em en q u a n to m a n têm relações co m ou tros com p on en tes d o or -g a n i s m o. As n oções d e estím u los an ti-gên icos e resp ostas im u n es esp ecíficas d esap arecem em um a lin gu a gem q u e descre va o organ ism o em t e rm os d e su a con ectividad e in tern a. Ma s, en -ve red ar p ela im u n ologia n ão é m in ha in ten ção aqu i. Re t o m e m o s, p ort a n t o, a qu estão in icial.
Em u m a ab ord agem celu lar/ m olecular dos fe n ôm en os b ioló gicos, vem os o en sin o co m o u m a n oção im p r óp r ia, en q u an to a ap re n d i z a-ge m é vista c o m o u m fen ô m en o in ce ssan t e, d e c o r ren te da d in âm ica estru t u ral d os seres vi-vo s. Tod avia, com o tra n s p o rtar isso p ara a sala d e au la ? Afin a l, se n ã o exist e e n sin o, o q u e é u m a aula? O qu e é u m texto didático?
A aprendizagem como um comentário
De acordo com Ma t u rana & Va rela (1980), os aln os são sistem as determ ialn ados p or sua estru t ura e as in teurações in stru t i vas são biologicam en te im p ossíve i s. Ma s, se o p rofessor n ão está en -sin an do a seus alun os, com o p odem os en ten der o que ocorre em um a aula, ou em um a seqüên -cia d e au las? Com o n ega r q u e o en sin o o cor re se o p rofessor com p rova, p or m eio de p erg u n tas e ou tras form as d e ava l i a ç ã o, q u e a ap re n -d izagem oc or re u ? É ve r-d a-d e q u e a lu n os -d iferen tes sofrem m u d a n ç as d ife iferen tes n o d ecor -rer d a con vivên cia com o p ro f e s s o r, m as todos, ao seu m od o, p arecem ap ren der algum a coisa. Que os alun os m ud em du ran te a con vivên -cia e q u e c ad a u m ten h a se u m od o d e m ud ar n ã o é su rp re e n d e n t e, n em p od e ser usa d o c o-m o a rgu o-m en to p ara d eo-m on strar q u e o en sin o o c o r reu. Estam os p rop on d o qu e a ap re n d i z a -gem , co m o um a fo rm a d e m u d an ça atri b u í d a p or algu ém a u m ou tro algu ém (o ap ren d iz), é u m a d ecorrên cia in evitável d o existir em con -vivê n cia. Com o seres vivos qu e som os, estam os em con t ín u a m u d a n ça . Tais m u d an ças o cor -rem , em p ar t e, com o d ecorrên cia de n ossa pró-p ria din âm ica in te rn a; em pró-p art e, pró-p or in tera ç õ e s com elem en tos de n osso am b ien te. As p essoas com as q uais con vivem os são elem en tos m uito i m p o rtan tes n as m u d an ças q u e atra ve s s a m o s com o seres h u m an os. Na ve rd a d e, se esta con -vivê n cia n ão se estab ele cesse n o s p e río d os p recoces d e n ossa existên cia, n ão sobre v i ve r í m os e, se o fizéssem os, n ão ad q u iriríam os c a-ract erísticas t íp ic as d e n o ssa esp éc ie , co m o a ca p a cid ad e d e a n d ar eret o em d ois p é s, a m í-m ica facial, ou a fala.
Gran d e p arte do desen volvim en to do com -p o r t am en to d e aves e m am íferos d e-p e n d e d e con d uta s re c u r s i vas e r e c í p ro c as r e a l i z a d a s com o a u xílio e/ o u n a c o m p an h ia d e o u tro s a n im a is d a m esm a e sp éc ie – a m ã e, p ai, ir-m ã o s, ir-m eir-m b ros d e u ir-m a coir-m un id ad e. A c ort e sexu al em m u ita s e sp éc ie s d e a ves e p e ixe s con stitui um bom exem p lo de p adrões d e in terações re c í p ro c a s. Ma t u ran a se re f e re aos com p o rt am e n to s q u e o co r rem em d om ín ios c on s e n s u a i s, com o estes, de c om p or tam en tos lin -g ü í s t i c o s.
A lin gu a ge m h u m an a con stit u i u m cla r o e xem p lo d e c om p or t am en to lin gü ístico, m a s Ma t u r an a in clu i q u alqu er d om ín io d e in ter a-ções gera d o m u tu am en te p elo s p a rt i c i p a n t e s com o lin guagem . A lin guagem , en carada com o u m d om ín io co n sen su al, é u m a p ad ro n i z a ç ã o d e c om p orta m en tos qu e, m u tu am en te, ori e n -t a m - s e. Um a coorden ação de ações, e n ão u m a t ran sm issão d e in form a ç õ e s, com o u su alm en -te a in -terp re t a m o s.
Em n ossa in ter p retação h ab itu al, faze m o s u so d o q u e Red d y ch am ou “a m et á fora d o t u -b o” (Re d d y, 1979). Im agin am os qu e com u n icação é algo gerado em u m p on to (em issor), con -d uzi-d o p or um ‘t u b o’, e en tregue a ou tro p on to ( recep tor). Dessa form a , existe algo qu e se co-m u n ic a, q u e se d eslo c a p e lo tu b o. Se g u n d o Ma t u ran a & Va rela (1980), essa im agem é falsa, p ois p ressu p õe u m a in teração in stru t i va. O fe-n ôm efe-n o da com u fe-n icação fe-n ão d epe fe-n d e do q ue se en trega e sim d o q u e se p assa n a coord e n a-ção d a con du ta. Isso é m u ito diferen te da idé ia d e tran sm itir in form a ç õ e s.
Pa r a um ob servador d essa coord en aç ão d e c o n d u t a s, p orém , tu do se p assa com o se ocor-re sse a tran sm issã o d e in form a ç õ e s. Esta m o s acostu m ad os a p en sar qu e p alavras e frases se re f e r em a o b jet os e c oisa s q u e existem in d ep en den tem en te de n ós. De acordo com Ma t u -ran a (1993), com o seres biológicos q u e som os, n ão p od em os con hecer u m a realidade extern a . Tem os u m a estru t u ra qu e reflete u m a h istóri a d e in terações com o m eio, tan to recen te (on to-gen ia), co m o r em ota (filo to-gen ia), m as o m eio n ão é com p osto d e coisas con h ecíve i s. Qu a n d o fa lam o s d e u m m u n d o, esta m os a gin d o com o o b s e r va d o res d este m u n d o e fa zen d o d ist in -ções em um dom ín io con sen su al.
Um d os afor ism o s cen trais n a p er sp ec tiva d e s c rita p or Ma t u ran a & Va rela (1980:13) é: “Tu do é d it o p o r u m ob serv a d or a o u t ro o
bser-va d o r, qu e p ode ser ele m esm o.”
Cad . Saúd e Públic a, Rio de Jane iro , 15(Sup. 2):169-176, 1999
i n t e r n os a o ob ser va d o r. Ma t u ran a p r op õ e a id éia d e do m ín ios c o n s e n s u a i s, d e algu m tip o d e in teraç ão soc ial n a q u al o o b servad or está , n e c e s s a ri a m e n t e, en vo l v i d o. Est e au to r n ão a f i r m a q ue n osso discur so se re f e re som en te a e ven tos in ter n o s, co m o p en sa m en tos e sen tim en tos (o q u e con stituir ia u tim a p osição solip -sista), m as sim q u e tod os os discu rsos existem e m u m d o m ín io co n sen su al (u m d o m ín io d e c o o rd en ação d e ações en tre organ ism os). Pa ra Ma t u ran a, a realidade n ão é n em objetiva, n em in d ividu al. A atividad e tip icam en te hu m an a, o l i n g u a j a r, é um a atividade coletiva .
Q uem é o pro f e s s o r ?
Se n ão estam os tran sm itin do in form ações sim -b ólicas ao n o ssos ap re n d i ze s – p orq u e e st a t ran sm issã o é im p o ssível e n ão o corre m in te-rações in stru t i vas –, as m od ificações de con d u-ta q ue eles atra vessam em su a con vivên cia co-n o sco d e p e co-n d em d est e co co-n vive r, d este vive r j u n t o s. Ne sse n ovo con texto, q uem é o p ro f e s-sor? Pa ra resp on d er a essa p ergu n ta, tra n s c re-vo literalm en te u m trech o d e u m a aula d e Ma-t u ran a, em Sa n Ma-t i a g o :
( . . . )
– Alg u m a ou t ra p ergu n t a ?
– Si m , Pro f e s s o r : Qu e é u m p ro fesso r? Ou , qu em é u m p ro f e s s o r ?
– Hu m m
( Pausa, ri s o s )
( E s c re ve ao quadro n egro: “Prof e ss o r, Me s t re”.)
– E, p o rt a n t o, est á a qu i : e n s i n a r. C reio q u e a qu i a p a rece est e con ceito. O q u e é en sin ar? Eu lh es en sin ei a Biologia d o Con h ecer? Si m , se a l-gu ém abre a p orta d esta sa la ...
(Desloca-se até a p orta, sim ula ouvir alg u é m qu e bate à p or ta e, en tão, desculp a-se a alguém q u e d iz em voz b a ixa a ou tro algu é m fict íc io :
“N esta sala está o Professor Hu m b e rto Ma t u ra
-n a e-n si-n a -n d o Biologia d o Co -n h ecer”. De s l o c a
-se de vo l t a . )
– Eu lh es en sin ei a Biologia do Con h ecer? Em
u m sen tido, com relação à resp on sabilid ade p e-ra n t e a Fa c u l d a d e , eu lh es en sin ei a Biologia d o C o n h e c e r.
( R i s o s )
– M a s o q u e fi z em os n ós a o lo n go dest e se-m e s t re ?
– Des e n c ad ear m u da n ças estru t u ra i s .
– Des e n c ad ear m u da n ças estru t u ra i s ,d e s e n -ca d ea r p ert u r b a ç õ e s . Est u p en d o! E co m o fi z e-m os isso?
– Em coorden a ções d e coorden ações de ações.
– Em coord en ações de coorden ações de a ç õ e s .
Ou ,s e j a : v i v en d o ju n tos. C l a ro, u m a v ez p or
se-m a n a ,v i ver ju n t os u se-m a h ora , u se-m a h ora e se-m eia, d u as h ora s ,o u , algu n s estu d an t es, qu e p erm a n e c e ra m com igo m ais h ora s . . . Isso era viver j u n t o s . Vocês p odem diz e r :“ Si m , m as eu esta v a sen t a d o escu t a n d o”. Isso se est a v a m ve rd a d e i ra -m en te escu ta n d o, co-m o esp ero.
( R i s o s )
– Est a va m sen do t oca d os, a l e g ra d o s ,e n t r i s-t e c i d o s ,e n ra i ve c i d o s . . . Qu er d ize r, se p a ssa ra m t o d a s a s coisa s d o v iv er co t id ia n o. M ex e ra m com a s id éia s, re j e i t a ram a lgu m as. S a í ram d a qu i con v ersa n do ist o e m ais aq u ilo. . .“ Est ou fa -zen do u m tra b a l h o. . . .”. Es t a vam im ersos n a p er-g u n t a : “Com o p rosseer-gu ir d e a cord o com o q u e lh es i a p assa n d o, v i v en d o ju n t os, c o m i g o, e m u m esp a ço qu e se i a cri an d o co m igo”. En t ã o, qu a l f o i a m i n h a t a refa ? Cria r u m esp a ço d e c o n v i v ê n c i a . Ist o é en sin ar.
(Escreve ao quadro: Criar um esp aço de c o n -vivên cia.)
– Be m , eu en sin ei a vo c ê s . E v o c ê s , e n s i n a -ram a m im ?
– Si m .
– C l aro qu e sim ! En sin a m on os m u tu a m en
-t e . “Ah , m as acon -tece qu e eu -tin h a a re s p o n s a b i-li da d e d o cu rso , e ia gu i an d o o qu e a con t ecia”. De certa form a, s i m , de certa form a , n ã o. De cer-t a f orm a , s i m , p o rq u e h á cercer-t a s coisa s qu e eu en t en d o d a resp on sa bi lid a d e e d o esp a ço n o qu a l m e m ov o n est a con v iv ên cia , e t in h a u m a c e rt a orien ta çã o, u m fio con du tor, u m certo p ro-p ó s i t o. Ma s v o c ê s , com su a s ro-p ergu n t a s, f o ra m e m p u r ra n d o est a co isa p a ra lá, e p a ra cá , e fo-ram cria n do a lgo qu e foi se con figu ran d o com o n osso esp aço d e con v iv ên cia .
E o m a ra v ilh o so d e t u do isso é qu e vo c ê s a c e i t a ra m qu e eu m e ap lica sse em cria r u m es-p a ço d e con v i v ên cia com vo c ê s . Vo cês se d ã o co n t a d o sign if ica d o d isso ? Foi ex a t a m e n t e igu a l a o q u e o co rre u q u a n d o vo cês ch ega ra m , com o crian ça s, ao jard im de in fân cia , e esta va m t r i s t e s , e m b u r ra d o ; a m a m ã e se foi, est ã o ch o -ra n d o, “Aa a h h , eu qu ero m in h a m ã e”. Ch ega a p ro f e s s o ra , o f e rece a m ã o , e v ocês a re c u s a m , m as ela in siste, e n t ã o, v ocês p ega m su a m ã o. E o qu e se p a ssa q u an do a crian ça p ega n a m ã o d a p ro f e s s o ra? Aceita u m esp a ço de con v iv ên cia.
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E qu em é o p rofessor? Algu ém q u e se a ceit a com o gu ia n a criação deste esp aço d e con v iv ên -c i a . No m om en t o em qu e eu d igo a vo -c ê s : ” Pe r-g u n t e m ”, e aceit o qu e vo cês m e r-gu iem com su a s p e r g u n t a s , eu est ou a cei ta n d o v ocês com o p ro -f e s s o re s , n o sen t id o de qu e vocês m e est ã o m os-t ran do esp a ços d e re f l exão on d e eu devo ir.
As s i m , o p ro f e s s o r, ou p ro f e s s o ra , é u m a p es-soa qu e d eseja est a resp on sa b ilid a d e d e cri ar u m esp aço d e con vivên cia , este dom ín io de acei-t a çã o re c í p roca qu e se co n f igu ra n o m om en acei-t o em qu e su rge o p ro fessor em rela çã o com seu s a l u n o s , e se p rodu z u m a d in â m ica n a qu a l v ã o m u da n do ju n tos.”
R e a l i d a d e
Ma t u ran a é u m p en sa d o r rad ica l. Ele in siste em q u e o p r ob lem a d a realid ad e é o m ais im -p o rtan te en fren tado -p ela h um an idade h oje em d ia, tan to p ara as p essoas qu e estão con scien -tes d isso, q uan to p ara as qu e n ão estão, p orq u e tud o o q u e fazem os com o in d ivíd uos ou com o sociedades dep en de de, ap óia- se n a n oção q ue te m o s sob re a rea lid ad e (Ma g ro et al., 1997; Ma t u ran a, 1988).
Eis aqu i um de seu s p arágrafos in iciais: “N a v e rd a d e , eu af irm o q u e a resp ost a i m -p lícit a ou ex -p lícit a qu e ca d a u m d e n ós d á à qu est ã o d a Rea li d a d e d et erm in a com o ele ou ela v iv e su a v ida , a ssim com o su a a ceit a çã o ou rejeição d e ou tros seres h u m an os n a rede d e sis-t em as socia is e n ã o-so cia i s qu e ele ou ela in sis-t e-g ra . E, f i n a l m e n t e , d esde qu e n ós sa bem o s p ela v ida diá ria qu e o observ a dor é u m sistem a v iv o p o rq u e su a com p etên cia cogn it iv a é a lt era d a se su a bio lo gi a é a lt era d a , eu a fi rm o q u e n ã o é p o s s í v el ter u m a com p reen são adequ a da do s fe-n ôm efe-n os sociais e fe-n ã o-socia is fe-n a v id a h u m a fe-n a se essa qu estã o n ã o é p rop ria m en te re s p o n d i d a , e qu e est a qu est ã o p o d e ser p ro p ria m en t e re s-p on d id a som en te se o observa r e a cogn ição fo-rem ex p lica d os com o fen ôm en os bio lógicos ge-ra d os at ge-rav és d a op ege-ra çã o do o bserva d or com o
u m ser h u m an o” (Ma t u ran a, 1988:25).
Saúde e biologia
O m odo d e olh ar e as con versações q u e gu iam esse olh a r co n figu ra m o q u e se vê e o q u e se faz. Não ap en as isso: o m odo d e olhar con figu -ra as p ergu n tas ace itas com o im por tan tes (Mat u ran a, 1993). No m odo d e olhar usu al n a im u -n olo gia , o s fe-n ôm e-n o s im u -n oló gic os su rg e m ligados à saú de, isto é, à proteção do corp o c o n -t ra a in va sã o p o r m a-t eria is es-t ra n h o s, p ri n c
i-p alm en t e os d e germ e s, víru s e i-p a ra s i t a s. No m od o d e olh ar q u e p ro p o m o s p ar a a im u n o-b io logia , os fen ôm en os im u n ológicos surg e m com o fen ôm en os b iológicos e n ão com o fe n ô-m en os ligad os à saúde. Na visão hab itu al, essa ú ltim a frase n ão fa z sen tid o, p orq u e os fe n m en o s liga d o s à sa ú d e são vist os co m o fe n ô-m en os b iológicos, p or exeô-m p lo, coô-m o fen ôô-m e-n os ligados à vida d os m icróbios e à re s i s t ê e-n c i a d os seres h u m an os a in fecções. Mas a saú de e o viver p odem tam bém ser vistos de ou tro m o-d o. Qu e ro exp licitar isso m elh or.
O q ue con stitu i a saú d e, ou o q u e é d esejá-vel n o vive r, é u m fen ô m e n o c ultur a l. Na Créia, a carn e de cães é p arte de p ratos tra d i c i on a i s. Com er o fígado e os ion testion os de um l e ã o -m a r in h o re c é -m - a b a t i d o, a in d a q u en t es, c o -m seu con teú do in cluindo ve rm e s, parece-nos u m costu m e ab om in ável. Pa ra os esqu im ós, é u m a con du ta essen cial à sob revivên cia em u m am -b ien t e o n d e vita m in as são p ou co ace ssíve i s. Em m u itas cu ltu ra s, o corp o h u m an o é delib e-r ad am en te m o d ifica d o, c oe-r t a d o, e stic ad o d e m a n e i ras qu e n os p a recem m utilaç ões ou d e-f o rm a ç õ e s. Pa ra m em b ros de ou tras cu ltu ra s, o físico flácid o e obeso com u m em n ossa vid a se-d e n t á ria se-de ‘c i v i l i z a se-d o s’ é visto com o se-d eform a-d o. A a-d ie ta a-d o h om em ‘c i v i l i z a a-d o’ gera c ár i e s d e n t á rias e d oen ç as m etab ólica s au sen tes em o u t ras cultu ra s.
Por o u tro lad o, “O qu e con st it u i o vi ve r ?” e
“Qu a l a orga n iz a çã o d os seres vivo s ?” sã o p
er-gu n t as ad eq u ad as à in ve stiga ção b ioló gic a atu a l. Digo isso n o sen tid o literal, p ois já existem p r op ostas b asta n te claras p ara re s p o n d ê -l a s. Já foram d escritos m ecan ism os cap aze s d e g e rar e diversificar o en or m e n ú m ero de lin ha-gen s d os se res vivo s q u e su rg i ram n a h ist óri a d o p la n eta. Esses são os m esm os m ec an ism os d e au toger aç ão q u e m an tê m viven d o os sere s v i vo s at u ais. Ne sse m o d o d e ve r, já sa b e m o s c om o se con stitu em os seres vivos e p od em os ser m ais exp lícitos sobre isso.
Ao d escre ver os seres vivo s, Ma t u ran a tam -b é m d escr e ve a n ós, se res h um an o s e n o ssa o r igem , c om o ob ser va d o re s op era n d o n a lin -gu agem . Aceitar o q ue con stitu i as exp licações em geral e as exp licaç ões cien tíficas, em p art i-c u l a r, é essen i-cial p ara ai-ceitar o qu e i-con stitui o v i ver e o q u e são os sere s vivo s. Po rt a n t o, n ã o p osso p artir d e p rem issas tacitam en te aceitas. Qu an d o falo d o vive r, n ão falo d a saúd e, em b o-ra a h istória d o viver ato-ravés d os tem p os ten h a sido a h istória d os seres sau dáve i s.
es-Cad. Saúde Pública, Rio d e Jane iro , 15(Sup. 2):169-176, 1999
t ra n h o s. Co n c o rd o com Ma t u ran a q u an d o ele a f i r m a q u e, em seu vive r, os se res vivo s n ã o têm saú de, n em doen ça. Podem os ver os fen ô-m en o s iô-m u n oló gico s coô-m o fen ôô-m en o s p ró-p rios d o vive r, ró-p arte d a oró-p eracion alidade con s-t i s-t u s-t i va d o org a n i s m o. Nesse m od o d e olh ar, a sa ú d e surge co m o u m a p re oc u p aç ão in d ire t a , e m b o ra im p ort a n t e.
Com o um fen ôm en o cu ltural, a saúde deixa d e ser um atrib u to d o orga n ism o e p assa a ser u m a con figu ração relacion al org a n i s m o / m e i o, u m fen ôm en o d escrito n o dom ín io das in tera-ç õe s d o org a n i s m o. Por esse e n t en d im en to, a saúde in divid ual é u m fen ôm en o social. Na de-fin ição p rop osta p ela Organ ização Mun dial d e Saú de (OMS), a saú de é defin id a p ela ausên cia d e doen ça ou d e descon for to p síq uico. Mas in -t e rdefin ir a saú de e a d oe n ça n ão adian -ta m ui-t o. Defin ir o qu e falui-ta qu an do se p erde a saúd e i m p o rta m en o s q u e a d escr içã o d e m ec an is-m os ca p azes d e gerar e is-m an ter a saú d e da p op u laç ão e con ter o ab u so soc ial. Mesm o arg u -m en tos i-m u n ológicos p ode-m ser usad os p oliti-c a m e n t e. Meu oliti-colega im un ologista Tom az Mo-ta Sa n t o s, hoje reitor da UFMG, dizia q ue “c o m as cam p an ha s d e va c i n a ç ã o, os govern os qu ere m qu e o corp o re s o l va n o ssa s con t ra dições sociais”.
Pa ra Vi rc h ow, “se a doen ça é u m a con seqü ên cia do d esequ ilíbrio in divid u al, e n t ã o, as ep id em ias
su rgem em socied ades d esequ ilibra d a s”.
Um a rá p id a co n su lta ao T h e Ca m b r i d g e Wo rld Hi s t o ry of Hu m a n Di s e a s e( Ki p l e, 1993), u m a alen tada coleção de 1.200 p ágin as, m ostra q u e, d u r an te a h ist ória d a h u m an id ad e, a s d oe n ças in fecciosas estive ram m ais associadas a fen ôm en os sociais, com o d esastres agrícolas, g u e r ra s, gran d es m igrações etc., d o q u e aos fen ôm efen os sob re os q u ais a im u fen ologia p od e ifen -f l u i r. A p e st e q u e at in giu a Eu ro p a n o sé cu lo XIII, p o r exe m p lo, su rgiu ap ó s d o is an os d e c h u vas q ua se in in te rru p t a s. As d oen ças in fec-ciosa s n ão foram u m fator im p or tan te n a evo-lu ção dos seres h um an os ou d e qualqu er outro an im al (Mc k e ow, 1988). Essa é u m a afirm a ç ã o d ifícil d e aceitar em u m a ép oca com o a n ossa, q u an d o p a rec em re s s u r gir a m ea ç as d e p est i-lên cias qu e acre d i t á vam os h aver sup era d o.
Uma mudança de perspectiva
Qu an d o p r op o m o s o lha r os fen ôm e n os im u -n o lógicos c o m o fe-n ôm e-n os b io lógico s e -n ão com o ligad os à saú d e, p rop om os um a m u dan ç a n ã o tr ivia l, p ois isso te m d u as c o n seq ü ên -cias (Ma t u ran a, 1993):
1) Mu d a t od a a im u n ologia, u m a ve z q u e m u d am os fen ô m e n os q u e a co n stit u em : já
n ã o se trata d e u m a lu ta d o orga n ism o c on tra agen tes extern o s, e sim de u m a visão de in terações d o organ ism o con sigo m esm o e com com -pon en tes de seu am b ien te.
2) Am p lia -se a visão sistê m ic a d o org a n i s-m o: o esp aço in tern o se tra n s f o rs-m a es-m u s-m a d i-n â m ica re lac ioi-n al m olecu lar/ celu lar fech ad a, um a d in â m ica q u e p a rt ic ip a d a d efin ição d o o rg a n i s m o, em vez d e ser defin id a p or ele.
Em outras p alavra s, d esap arecem as n oções de ataq ue e d efesa. O organ ism o d eixa de estar em o p osição a u m am b ie n te q u e o a m ea ça, e p assam os a ver a din âm ica q ue in tegra o org a-n ism o e seu m eio. Segu a-n do Ma t u raa-n a (1993), o m eio em q ue o organ ism o ope ra surge em n osas d istin ções q u an do distin gu im os o org a n i s-m o, n o s-m ess-m o ato d e d istin çã o. De ixa n d o d e ver o m eio com o um agre s s o r, com o algo exter-n o ao org a exter-n i s m o, podem os vê-lo com o o âm bi-to q ue bi-torn a o organ ism o p ossível.
Cad. Saúde Púb lic a, Rio de Janeiro , 15(Sup . 2):169-176, 1999
Por esses m otivo s, con sideram os a alim en -tação c om o d e gr an d e relevân c ia p a ra a at ivi-dad e im un ológica e cap az de in flu en ciar tod os os fen ôm en o s im u n ológic os, n ão a p en a s p o r u m a p ersp ectiva n u tric ion al, m as tam b ém em relação a in terferên cias que o con tato com p ro-teín as n o tub o d igestivo p ossam ter sob re a ati-vidade im u n ológica e, in d ire t a m e n t e, sobre to-do o org a n i s m o.
A imunologia atual é uma abord a g e m ‘de baixo para cima’ (b o tt o m - u p)
Di f e ren tem en te da gen ética e d a fisiologia, qu e n a s c e ram d o estu d o d e p lan t as e an im a is, a im u n ologia n asceu asso ciad a com a m edic in a e a b acteriologia m éd ica. Foi a p ri m e i ra form a bem su ced ida d e b iotecn ologia e, d e certa for-m a , isso é o q u e ela a in d a é, e for-m b ora n ã o t ão b em su ced id a q ua n to an te s. O ob jetivo o ri g i-n al de p rod uzir i-n ovas vacii-n as falhou qu ase to-t a l m e n to-t e. Exc eto-t o p o r a lgu m as va c in a s an to- tivi-rais p rod u zid as n os aos 50-60, qu a n d o os m é-tod os d e c ultura d e tec id os foram d esen vo l v i-d o s, vir tualm en te n en h u m a vacin a im p ort a n t e foi p rod uzida desd e o p eríodo fun dador, a d p eito de gran des esforços e disp ên dios em p es-q u isa. Exceções seriam as vacin as p ara h ep ati-te-B e p ara H .i n f l u e n z a. A b usca d e n ovas va c
i-n a s, a p esa r d e m u ita s ii-n ovaçõ es (Dickler & Co l l i e r, 1996), p erm an ece u m pro c e s s o, b asica-m e n t e, easica-m p íri c o.
A gran de tra n s f o rm ação da im u n ologia m o-d e r n a r e s i o-d e, exa ta m e n te, n a o-d efin içã o o-d e com p on en tes celulares e m olecu lares e n vo l v i-d os n a ativii-d ai-d e im u n ológic a, u m a re a l i z a ç ã o m a is p ertin en te à c iê n c ia q ue à te cn o logia . A d ificuld ad e atu a l en con tra -se e m ap licar esse e n o r m e c o rp o d e c on h ec im en t os b io lógicos ( b i o q u í m i c o s, gen éticos etc.) esp ecializad os à m edicin a. Esse é um p roblem a geral, n ão part icu lar à im u n olo gia , m as n esta ele assu m e ca -racterísticas esp eciais.
Movim en tad as p or um dilúvio de d ad os so-b re c om p on en t es c elu lare s e m o lec u la re s, as ciên cias b io lógica s co n tem p orân ea s ta m b ém se p reocupam em organ izar esse con h ecim en -to em q u ad r os coe re n tes sob re a o p er ação d e ó rg ã o s, sistem as d e órgãos e do organ ism o co-m o u co-m t od o. Na n e ur ob iologia, p o r execo-m p lo, os con hecim en tos celu la res e m oleculares so-b re o cé re so-b ro p rec isam ser c orre l a c i o n a d o s com con h ecim en tos sob re a c ogn ição e a c on d u ta d o orga n ism o co m o u m t od o. Pa ra esta -belecer essas corre l a ç õ e s, d uas ten dên cias são i d e n t i f i c á veis: t o p - d ow n(de cim a p ara baixo) e
b o tt o m - u p(d e baixo p ara cim a):
t o p - d ow n: descu bra o q ue o cére b ro / m e n t e
faz →descubra com o im p lem en tar tais fun ções;
b o t t o m - u p: d esc ub r a qu ais são os c om p
o-n eo-n tes →d e s c u b ra o q u e gran d es coleções d e tais com p on en tes p od em faze r.
Na n eu rob iolo gia, a ab ord a gem t o p - d ow n
tem esta d o p re s e n t e, com o exem p lificad o p elo s tít u elo s d o s t ra b a lh o s d e u m d os m a is fa -m o sos n eu rob iólo go s d os an o s 50-60, Wa re n Mc Cu lloch (Ma c Culloch & Pitts, 1965; Ma c Cu l-lo ch , 1965). A ab o rd agem b o tt o m - u p, p or su a
vez, ve m gan h an d o um p restígio cre s c e n t e, p r in c ip alm en te p or su a a sso ciaçã o c om a in -f o rm á tica e a ‘in te ligên cia a rt i -f i c i a l’, se n d o a tu alm en te d esign ad a c o m p u t at i on a l n e u ro s
-c i e n -c e, com o m o str am a lgu n s d e seu s t ít ulos
i m p o r tan tes (Ch u rch la n d & Se j n ow s k y, 1988, 1 9 9 2 ) .
Na im u n o logia , p o r m ot ivos h istó ri c o s, a a b o rd a gem b o tt o m - u p tem sid o d om in a n te. D esd e a in ven çã o d a n o çã o d e an ticor p os e s-p ecíficos ( Von Be h rin g &ams-p; Ki t a s a t o, 1961), a ta-refa d os im u n ologistas tem sido:
1) elucidar a n atu reza b ioq uím ica d os an tí-gen os e an ticorp os;
2) in ven tar esq u em as efica zes de im u n iza-ç ã o co n tr a d oe n iza-ças in fec c io sa s (in ven ta r e s-qu em as eficazes d e in du zir a p rodu ção d e an ti-c o r p o s ) .
In i c i a l m e n t e, as doen ças in fecciosas fora m e n t en d id as co m o u m d u elo en t re toxin a s m i-c rob ian as e an tii-corp os n eu tralizan tes (an tito-xin a s) ou fa cilit ad o res d a fa go cito se (op so n i-n as). Som ei-n te i-n os ai-n os 60, foram id ei-n tificadas as células (p lasm ócitos) re s p o n s á veis p ela p ro-d u ção ro-d esses an ticorp os. A im u n ologia celu lar d a q u ela d é cad a, co m o a d e h o je, t in h a c om o p reo cu p açã o fu n d a m e n ta l a e lu c id aç ão d os m ecan ism os d e form ação dos an ticorp os. Um a a b o rdagem t o p-d ow nn un ca teve lugar n a im u-n ologia , u-n a q u al as p reocup açõ es m ais gera i s, co m o a s p rop ostas d e articu la r os com p on en -te s celu lares e m olecu lares e m u m só sis-te m a d otad o de p ro p ried ad es glob ais n ão foram co-m u n s. Vi rt u a l co-m e n t e, tod as as teorias p a rt i ra co-m d as p ro p riedad es de m olécu las, com o an ticor-p o s, ou célu las, com o lin fócitos.
Cad. Saúde Pública, Rio d e Jane iro , 15(Sup. 2):169-176, 1999
To d o esse co n h ecim en to, n o en tan to, te m sid o in cap az d e ven cer o p roblem a q ue a im u -n o logia se p rop ôs re s o l ver e m su a cr iaç ã o: a p rod ução de n ovas vacin as e n ovos m étod os de t ra t a m e n t o. Os im u n ologistas, em geral, assim com o a socied ade qu e fin an cia suas pesq uisas, p e r m an ec em con ven cido s d e q u e a va c i n a ç ã o é o ob jetivo cen tral n o con trole d as doen ças in f e c c i o s a s. Mais d e u m sécu lo d e rep etid os in su cessos em p rod uzir vacin as eficazes p ela in -jeção de in u m erá veis p re p a rações an tigên icas n ã o fora m su ficien te s p a ra su gerir u m a m u-d an ça u-d e atitu u-d e. Aqu i e ali su rgem exem p lo s
d e vac in as efet iva s, com o as a n tip olio m ielite, q u e p o d em leva r à er ra d ica ç ão c om p le ta d a doen ça do p lan eta (Na t u re, 1976), com o ocor-reu com a varíola (Hen d erson , 1976).
Essa in sistên cia em vac in a r d eri va p r i n c i-p alm en te da cren ça de q ue o cori-p o, d e algum a f o rm a, reco n h ece m a teriais estran h os e org a -n iza su as d efesas em resp osta a esse re c o -n h e-c i m e n t o. É surp reen d en te e-con statar qu an to do con h ecim e n to im u n ológico estab elecid o tem sid o d om in ad o p or cre n ça s n ão d esa fia d as e m esm o n ão exam in adas.
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