CARCINOMATOSE MENÍNGEA
MlLBERTO SCAFF*; DANIELE RIVA**;
WILMA S . O . FERNANDES*
Na earcinomatose das meninges estas estruturas são difusamente
inva-didas pelo tecido neoplásico e freqüentemente só o exame microscópico
revela a natureza do processo patológico. A sobrevida, após o início dos
sintomas neurológicos, varia de 3 a 5 meses; ocasionalmente há sobrevida
acima de 8 meses
3.
As manifestações podem ser de vários tipos: 1) síndrome de irritação
meníngea; 2) sintomas devidos ao comprometimento do sistema nervoso
central e/ou dos nervos espináis; 3) alterações psíquicas variáveis,
geral-mente com excitação nas fases iniciais e a apatia e soñolencia na fase
terminal; 4) paralisia de nervos cranianos, especialmente os relacionados
com a motricidade extrínseca ocular; 5) síndrome de cauda eqüina
1. A
cefaléia, muitas vezes, é o primeiro sintoma; em alguns casos,
especial-mente naqueles em que a afecção predomina ao nível das meninges
espi-náis, o quadro pode iniciar-se com dor na região dorsal e nos membros. A
cefaléia em geral é acompanhada de edema de papila, que pode ser devido
a aumento de pressão intracraniana ou ao envolvimento dos nervos e
quiasma óptico pelo tecido neoplásico
6.
No líquido cefalorraqueano (LCR) com freqüência há aumento do
teor de proteínas, diminuição do teor de glicose e hipercitose com
predomi-nância de linfomonucleares; a presença de células neoplásicas depende da
existência de relações diretas das massas neoplásicas com os reservatórios
de LCR. Células neoplásicas são mais comumente encontradas nos casos
de tumores metastáticos do que nos primitivos; elas podem apresentar-se
isoladas ou agrupadas; seu tamanho é avantajado (20 micra ou mais), seu
citoplasma pode ser basófilo. Elas contêm um ou mais núcleos, de
tama-nho variável, nos quais se evidenciam nucléolos e cromatina grosseiramente
granulosa
4.
Benson
2admite que as metastases alcançam o sistema nervoso pelas
seguintes vias: 1) hematogênica; 2) linfática, as células tumorais
ascen-dendo através do sistema linfático, envolvendo os nervos periféricos e
dindo o espaço sub-aracnóideo; 3) difusão pelo sistema venoso vertebral.
A difusão do processo no espaço sub-aracnóideo parece ser ocasionada pela
fixação de células neoplásicas veiculadas pelo LCR.
O B S E R V A Ç Ã O
J . M . , c o m 45 a n o s de idade, s e x o m a s c u l i n o , i n t e r n a d o e m 15-1-1969 ( R e g . G. 8 7 0 . 1 5 8 ) . O p a c i e n t e p a s s a v a b e m a t é h á 18 m e s e s , q u a n d o c o m e ç o u a a p r e -s e n t a r p e r t i n a z c o n -s t i p a ç ã o i n t e -s t i n a l e dore-s a b d o m i n a i -s m a l c a r a c t e r i z a d a -s , m a i -s i n t e n s a s a o n í v e l d o hipocondrio direito e e p i g á s t r i c o ; a o m e s m o t e m p o foi n o t a n -do p r o g r e s s i v o e m a g r e c i m e n t o , c h e g a n d o a perder 3 0 q u i l o s de p e s o n o s primeiros 12 m e s e s da d o e n ç a . N e s t e período p r o c u r o u o H o s p i t a l d a s Clínicas, s e n d o i n t e r -n a d o e m e -n f e r m a r i a de Clí-nica Médica e m 31-5-1968. D u r a -n t e a i -n t e r -n a ç ã o foi s u b m e t i d o a e x p l o r a ç ã o clínica, r a d i o l ó g i c a e l a b o r a t o r i a l s e m q u e fosse p o s s í v e l c h e g a r a u m d i a g n ó s t i c o d e f i n i t i v o . O p a c i e n t e t e v e a l t a , c o n t i n u a n d o c o m i r r e g u l a r i d a d e s n o t r â n s i t o i n t e s t i n a l e perda de p e s o . N o s primeiros d i a s de 1969 c o m e ç o u a t e r p a r e s t e s i a s n a p a r t e d i s t a i dos 4 m e m b r o s e f r a q u e z a m u s c u l a r a o n í v e l dos m e m b r o s inferiores, d e p o i s a p r e s e n t o u q u e d a da palpebra d i r e i t a e d i p l o p i a . Exame físico geral — P a c i e n t e i n t e n s a m e n t e e m a g r e c i d o , d e s i d r a t a d o e c o m m i c r o p o l i a d e n o p a t i a g e n e r a l i z a d a . P a l p a ç ã o profunda do a b d ô m e n b a s t a n t e d o l o r o s a . Exame neurológico — P a c i e n t e o r i e n t a d o n o t e m p o e no espaço, c o l a -b o r a n d o n o e x a m e . P a r a p a r e s i a crural flácida, a r r e f l e x i a profunda nos m e m -b r o s inferiores, r e f l e x o s p r o f u n d o s n o s m e m b r o s superiores m a i s n í t i d o s à d i r e i t a . R e f l e x o s c u t â n e o - p l a n t a r e s e m f l e x ã o . H i p o t r o f i a a o n í v e l dos m e m b r o s i n f e r i o r e s . H i p o e s t e s i a t á t i l e dolorosa nc 1 / 3 d i s t a l e a r t r e s t e s i a a b o l i d a n o s MMII. P a r a -l i s i a c o m p -l e t a d o 3.° n e r v o c r a n i a n o à d i r e i t a . Exames comp-lementares — Exame
a c o l h e i t a de 10 ce; p r o v a de S t o o k e y m o s t r a n d o b l o q u e i o p a r c i a l d o c a n a l r a -q u e a n o ; l í -q u i d o l e v e m e n t e t u r v o ; 96 l e u c o c i t o s por c m3
( l i n f ó c i t o s 8 5 % ; m o n ó c i -t o s 1 5 % ) ; p r o -t e í n a s 410 m g / 1 0 0 m l ; c l o r e -t o s 652 m g / 1 0 0 m l ; g l i c o s e 8 m g / 1 0 0 m i ; r e a ç ã o de P a n d y f o r t e m e n t e p o s i t i v a ; r e a ç ã o de T a k a t a - A r a p o s i t i v a t i p o m i s t o . O e s t a d o do p a c i e n t e piorou r á p i d a m e n t e , c o m a p a r e c i m e n t o d e c o n f u s ã o m e n t a l . T e n d o e m v i s t a o quadro clínico e liquórico foi s u s p e i t a d a a o c o r r ê n c i a de c a r c i -n o m a t o s e m e -n í -n g e a , s e -n d o p o s i t i v a a p e s q u i s a d e c é l u l a s -n e o p l á s i c a s -n o LCR
(fig. 1 ) . D o i s d i a s depois de t e r sido feito o d i a g n ó s t i c o o d o e n t e a p r e s e n t o u episódio de i n s u f i c i ê n c i a c i r c u l a t ó r i a p e r i f é r i c a que n ã o r e s p o n d e u à t e r a p ê u t i c a , ocorrendo o óbito, por p a r a d a cardio-respiratória, e m 2 1 - 1 - 1 9 6 9 .
Necropsia — N e o p l a s i a v e g e t a n t e n o a n t r o g á s t r i c o c o m m e t a s t a s e s g a n
C O M E N T A R I O S
No presente caso chama atenção o longo tempo de evolução de um
carcinoma de alta malignidade com sinais de comprometimento da função
intestinal e do estado geral. Com 12 meses de doença o paciente foi
submetido a estudo clínico, radiológico e laboratorial, sem que fosse
possí-vel estabelecer diagnóstico certo; após 18 meses de evolução ocorreram
sinais de comprometimento neurológico, indicando acometimento de raízes
espináis e de nervos cranianos, agravando-se o quadro rapidamente com
distúrbios da funcionalidade encefalomedular, ocorrendo o óbito, por
para-lisação cardio-respiratória no 18.° mês de evolução.
Quanto ao quadro liquórico, dois aspectos merecem ser comentados:
a pleocitose e a hipoglicorraquia. Os dados de literatura mostram que é
quase constante a ocorrência de reação inflamatoria das meninges
secundá-ria à presença de infiltrado neoplásico. A hipoglicorraquia também é
fre-qüentemente registrada. O achado de células neoplásicas no LCR
resol-veu definitivamente o problema do diagnóstico. Atendendo à simplicidade
técnica, julgamos que sua pesquisa deveria ser feita como rotina em todos
os casos em que houvesse comprometimento meningorradicular de evolução
aguda ou sub-aguda nos quais coubesse a suspeita de processo tumoral.
Elas foram encontradas, em um caso, no LCR ventricular
5.
qua-dro final de insuficiência circulatória periférica. Ao exame macroscópico
só foi assinalado leve espessamento das meninges espináis; à microscopía,
o quadro de comprometimento meníngeo era bastante evidente, com
englo-bamento das raízes raqueanas e invasão da medula espinal. Ao nivel do
corno anterior da intumescencia lombar, existiam imagens de degeneração
axônica. Os vasos linfáticos da bainha conjuntiva dos nervos radiculares
•
estava m difusamente infiltrados. Éste achado e a infiltração neoplásica no
retroperitôneo e plexos lombar e sacro, sugerem ter sido a via linfática, o
meio de invasão do espaço sub-aracnóideo.
R E S U M O
Registro de u m caso de carcinomatose meníngea. O diagnóstico foi
estabelecido pela evolução e pelo encontro de células neoplásicas no líquido
cefalorraqueano. A necropsia mostrou existir carcinoma papilífero do
estô-mago, com metástases nas supra-renais, no espaço retroperitonial, no espaço
sub-aracnóideo comprometendo raízes nervosas, nas paredes e na luz de
vasos linfáticos, na espessura da dura-mater e no tecido nervoso medular.
S U M M A R Y
Carcinomatosis of the meninges: a case report
A case of carcinoma of the meninges, diagnosed through the clinical
picture and the finding of neoplastic cells in the cerebrospinal fluid is
reported. The post-mortem examination showed a papillary carcinoma of
the stomach with metastases in the retroperitoneal space, in the subarach¬
noideal space infiltrating the spinal roots, in the lymphatic vessels of the
nerve trunks, in the dura-mater and t h e spinal cord.
R E F E R Ê N C I A S
1 . A I T A , J . A . — N e u r o l o g i c M a n i f e s t a t i o n s of G e n e r a l D i s e a s e s . C h a r l e s C . T h o m a s , S p r i n g f i e l d ( I l l i n o i s ) , 1964, p . 2 3 0 .
2 . B E N S O N , D . F . — I n t r a m e d u l l a r y s p i n a l c o r d m e t a s t a s i s . N e u r o l o g y ( M i n -n e a p o l i s ) 1 0 : 2 8 1 , 1 9 6 0 .
3 . F I S C H E R W I L L I A M S , M . ; B O S A N Q U E T , D . F . & D A N I E L , M . P . — C a r c i -n o m a t o s i s of t h e m e -n i -n g e s . B r a i -n 7 8 : 4 2 , 1 9 5 5 .
4 . M A T T O S I N H O - F R A N Ç A , L . C. & S P I N A - F R A N Ç A , A . — M é t o d o d e P a p a ¬ n i c o l a u e p e s q u i s a d e c é l u l a s n e o p l á s i c a s n o l í q u i d o c e f a l o r r a q u e a n o . R e v . p a u l . M e d . ( S ã o P a u l o ) 6 7 : 2 0 3 , 1 9 6 5 .
5 . R I C C I A R D I - C R U Z , O . — C a r c i n o m a t o s e d a s m e n i n g e s . A r q . N e u r o - P e s i q u i a t . ( S ã o P a u l o ) 1 7 : 6 1 , 1 9 5 9 .
6 . STAM, F . C . — L e p t o m e n i n g e a l c a r c i n o s i s . P s y c h i a t . N e u r o l . N e u r o - c h i r . ( A m s t e r d a m ) 6 3 : 2 , 1 9 6 0 .