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Os mecanismos comparativos no discurso religioso de Vieira e Sor Juana: de como a comparação configura a força discursiva

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Academic year: 2017

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DÉBORA LUISE SOUZA XAVIER

OS MECANISMOS COMPARATIVOS NO DISCURSO RELIGIOSO DE

VIEIRA E SOR JUANA. DE COMO A COMPARAÇÃO CONFIGURA A

FORÇA DISCURSIVA

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OS MECANISMOS COMPARATIVOS NO DISCURSO RELIGIOSO DE

VIEIRA E SOR JUANA. DE COMO A COMPARAÇÃO CONFIGURA A

FORÇA DISCURSIVA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Letras, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial à obtenção do Título de Mestre em Letras.

Orientadora: Profª Dr ª Maria Helena de Moura Neves

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X3m Xavier, Débora Luise Souza.

Os mecanismos comparativos no discurso religioso de Vieira e Sor Juana: de como a comparação configura a força discursiva / Débora Luise Souza Xavier - 2012.

190 f. ; 30 cm

Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2012.

Referências bibliográficas: f. 150-155.

1. Comparação. 2. Gramática funcional. 3. Fluidez de categorias. 4. Discurso religioso. 5. Espanhol. 6. Português. I. Título

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OS MECANISMOS COMPARATIVOS NO DISCURSO RELIGIOSO DE

VIEIRA E SOR JUANA. DE COMO A COMPARAÇÃO CONFIGURA A

FORÇA DISCURSIVA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Letras, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial à obtenção do Título de Mestre em Letras.

Aprovado em

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________________________ Profª Drª Maria Helena de Moura Neves - Orientadora

Universidade Presbiteriana Mackenzie

___________________________________________________________________ Profª Drª Ana Lucia Trevisan

Universidade Presbiteriana Mackenzie

___________________________________________________________________ Profª Drª Neide Therezinha Maia González

Universidade de São Paulo

___________________________________________________________________ Profª Drª Diana Luz Pessoa de Barros (suplente)

Universidade Presbiteriana Mackenzie

___________________________________________________________________ Profª Drª Vanda Maria da Silva Elias (suplente)

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A Deus, Criador e Mestre, pelo seu amor incondicional, por sua providência, e por sempre guiar o meu caminho.

Aos meus pais, Carlos e Márcia, pelo amor, incentivo e apoio, por tantas vezes terem se desdobrado para me ajudar nesta caminhada, e pelo exemplo de dignidade.

Aos meus irmãos, Daniel e Danilo, pessoas que me acompanharam, me divertiram e que, muitas vezes, com amor me suportaram.

À minha orientadora, Profª Drª Maria Helena de Moura Neves, pelos valiosos ensinamentos, pela dedicação e sabedoria com que me conduziu na realização desta dissertação.

À Profª Drª Ana Lucia Trevisan e à Profª Drª Neide Therezinha Maia González, pela disponibilidade com que acolheram este trabalho e pelas enriquecedoras contribuições na fase da qualificação.

Aos meus familiares, em especial aos meus tios Ana Lucia, Claudio, Kátia e Simone, pelo interesse e pelo apoio.

Aos meus amigos, em especial a Andressa, Carla, Paula Farina, Paola, Paula Dellarosa, Renata e Renato, pelo carinho e pela compreensão nos momentos de ausência decorrentes da pesquisa, e a Mariana, Thalita e Vanessa, que mesmo na distância se fizeram presentes, sempre me incentivando.

Ao meu querido namorado Matheus, presente de Deus, pelo interesse e incentivo constantes, pelo carinho tão confortante.

Às minhas eternas professoras, Cláudia Ferreira, Marta Oliveira Reis, Silvana Salino Ramos Lopes e Valdirene Zorzo-Veloso, pelo incentivo à busca pelo conhecimento desde a graduação, pelo interesse e disposição em me auxiliar, pelos saberes compartilhados no tempo em que tive o prazer de tê-las como colegas de trabalho, pelos sábios conselhos em um momento tão importante e decisivo da pesquisa.

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O mecanismo comparativo pode ser expresso por meio de uma ampla gama de expedientes linguísticos, a qual extrapola o simples conjunto de relações adverbiais entre orações. Essa diversidade de estruturas é extremamente funcional na comunicação, dada a frequência e a intensidade com que o espírito humano discrimina as coisas a seu redor. Assim entendido o papel de comparação na linguagem, adota-se, neste trabalho uma proposta teórica de orientação funcionalista, que é a que permite a avaliação dos elementos da língua vista pelas funções da linguagem. Como propõem os pioneiros Halliday e Hasan (1976), a comparação se faz na montagem referencial do texto, funcionando com papel coesivo. Desse modo, seu estudo só se resolve na organização textual-discursiva, ou seja, dentro de um aparato que integre sintaxe, semântica e pragmática. É com esse aparato teórico-metodológico que se objetiva averiguar de que maneira os mecanismos comparativos são ativados no discurso do padre Antônio Vieira e de Sor Juana Inés de la Cruz, em dois textos correlatos e de alto grau argumentativo: os Sermões do Mandato de 1643 e de 1650 e a Carta Atenagórica de 1690. Uma vez que esta pesquisa tem como objeto de análise textos de língua portuguesa e da língua espanhola, o estudo se dirige a uma caracterização das estruturas comparativas específicas dessas duas línguas, funcionalmente avaliadas. Também são estudadas questões relativas à contextualização dos textos selecionados. Desse modo, apresentam-se considerações sobre a retórica, o discurso religioso, o gênero sermão, o tipo textual dissertação, o movimento barroco, a vida e a obra dos autores e as oposições implicadas nos textos correlatos. O objetivo do trabalho é verificar como se estruturam as comparações nos discursos em questão e em que termos elas manifestam os contrastes entre a finalidade, as ideias, e os artifícios retóricos de cada texto e de cada autor.

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El mecanismo comparativo puede expresarse por medio de una amplia gama de expedientes lingüísticos, la cual sobrepasa el simple conjunto de las relaciones adverbiales entre oraciones. Esa diversidad de estructuras es extremamente funcional en la comunicación, dada la frecuencia y la intensidad con que el espíritu humano discrimina las cosas a su alrededor. Así entendido el papel de comparación en el lenguaje, este trabajo adopta una propuesta teórica de orientación funcionalista, que es la que permite la evaluación de los elementos de la lengua vista por las funciones del lenguaje. Como proponen los pioneros Halliday e Hasan (1976), la comparación se hace en el montaje referencial del texto, funcionando con papel cohesivo. De ese modo, su estudio solo se resuelve en la organización textual-discursiva, es decir, dentro de un aparato que integre sintaxis, semántica y pragmática. Con ese aparato teórico-metodológico se objetiva averiguar de qué manera los mecanismos comparativos se activan en el discurso del padre Antônio Vieira y de Sor Juana Inés de la Cruz, en dos textos correlatos y de alto grado argumentativo: los Sermones del Mandato de 1643 y de 1650 y la Carta Atenagórica

de 1690. Puesto que el objeto de análisis de esta investigación son textos de lengua portuguesa y de la lengua española, el estudio se dirige a una caracterización de las estructuras comparativas específicas de esas dos lenguas, funcionalmente evaluadas. También se estudian cuestiones relativas a la contextualización de los textos seleccionados. Así, se presentan consideraciones sobre la retórica, el discurso religioso, el género sermón, el tipo textual disertación, el movimiento barroco, la vida y la obra de los autores y las oposiciones implicadas en los textos correlativos. El objetivo del trabajo es verificar cómo se estructuran las comparaciones en los discursos en cuestión y en qué términos manifiestan los contrastes entre la finalidad, las ideas, y los artificios retóricos de cada texto y de cada autor.

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1 INTRODUÇÃO ... 9

2 BASES TEÓRICO-METODOLÓGICAS ... 18

2.1 Bases teóricas do funcionalismo ... 18

2.2 A ativação dos mecanismos comparativos sob base funcionalista ... 19

2.2.1 A fluidez de categorias gramaticais ... 20

2.2.2 A articulação de orações ... 21

2.2.2.1 Relações lógico-semânticas ... 22

2.2.2.2 Relações Sintáticas ... 23

2.2.2.3 Modos de expressão ... 26

2.2.3 A comparação no estabelecimento do relevo ... 31

2.3 A determinação da natureza do exame proposto ... 33

2.3.1 O componente retórico nos textos em análise ... 33

2.3.2 A natureza tipológica dos textos em análise: gênero discursivo e tipo textual . 36 2.3.3 O componente religioso dos textos em análise ... 39

3 CARACTERIZAÇÃO DAS ESTRUTURAS COMPARATIVAS ... 43

3.1 Comparação como referenciação ... 44

3.2 A comparação em língua portuguesa ... 46

3.2.1 Estruturas comparativas do português ... 47

3.2.2 As construções superlativas do português ... 54

3.3 A comparação em língua espanhola ... 57

3.3.1 Estruturas comparativas do espanhol ... 58

3.3.2 As construções superlativas do espanhol ... 68

4 APRESENTAÇÃO E CONTEXTUALIZAÇÃO DO CÓRPUS ... 70

4.1 O contexto histórico e cultural das obras em exame ... 70

4.1.1 O barroco ... 71

4.1.2 Antônio Vieira ... 72

4.1.3 Sor Juana Inés de la Cruz ... 74

4.4 Sínteses das obras selecionadas ... 76

4.4.1 O Sermão Do Mandato de 1643 ... 76

4.4.2 O Sermão do Mandato de 1650 ... 81

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VIEIRA E SOR JUANA ... 91

5.1 A comparação no Sermão Do Mandato de 1643 ... 92

5.2 A comparação no Sermão do Mandato de 1650 ... 107

5.3 A comparação na Carta Atenagórica ... 124

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 144

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 150

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1 INTRODUÇÃO

A comparação reflete uma propriedade fundamental da mente humana: a capacidade de discriminar. Para Neves (no prelo) e Gutiérrez Ordóñez (1997a), o ser humano compara todo o tempo, e a linguagem é responsável por transmitir esse mecanismo inerente ao espírito humano. Halliday & Hasan (1976) afirmam que a comparação é uma forma de referenciação e que a referência comparativa opera com os mesmos princípios das outras referências (pessoal e demonstrativa). Assim, o mecanismo comparativo é revelador de um modo de construção não apenas de orações, mas de todo o texto, especialmente de sua cadeia referencial.

Halliday & Hasan (1976) classificam a comparação em geral e particular. Essa distinção entre estruturas mais específicas da comparação e construções mais gerais, mas que possuem um valor semântico comparativo, também é reconhecida por Neves (no prelo) e por Gutiérrez Ordóñez (1997a). Os mesmos autores, e também López García (1994), julgam que é possível que nas construções comparativas se envolvam outros valores semânticos, como a modalidade, a conformidade e a adição. Nesse sentido, os mecanismos linguísticos de comparação devem ser analisados tendo-se em conta a existência de contínuos entre as categorias gramaticais, com deslizamentos entre os núcleos centrais de valores.

1.1 Interesse e justificativa

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meio de considerações sobre o contexto histórico, social e artístico do texto, bem como de considerações profundas dos aspectos linguísticos desse texto, pois uma análise linguística eficaz é imprescindível para a apreesão do sentido.

Um exame de estudos sobre a comparação já efetuado gerou grande interesse pelo tema, visto que se trata de um mecanismo absolutamente presente na mente e na linguagem humana. O caráter constante e ativo dos mecanismos comparativos, a variedade de estruturas existentes que são capazes de expressar comparação, bem como a existência de outros possíveis valores atrelados às estruturas comparativas, instigaram a realização desta pesquisa. Essas questões concernentes à comparação demonstram que algumas considerações são indispensáveis para que, posteriormente, se dê inicio a uma análise dos mecanismos comparativos em um córpus específico.

O mecanismo comparativo não será visto, aqui, como estrutura gramatical dentro da oração. Esse mecanismo de referenciação comparativa, na base funcionalista, é visto também em seu estatuto textual-discursivo. Opta-se, então, por um exame contrastivo da gramática do português e do espanhol, não simplesmente da construção sintática intra-oracional, mas da expressão textual discursiva, ou seja, da maneira como os elementos gramaticais e o modo de construí-los dão conta de certos mecanismos. O mecanismo escolhido foi, de modo geral a referenciação textual-discursiva, e dentro desse tipo de referenciação, a referenciação comparativa.

O interesse de pesquisa fixou-se no discurso religioso escolhendo-se para análise peças que se correlacionam e ao mesmo tempo se contrapõem de vários pontos de vista. De um lado, o gênero sermão, estabelecido nos Sermões do Mandato do padre Antonio Vieira, representa o discurso religioso, escrito em língua portuguesa. De outro lado, há uma peça diretamente ligada a esses sermões, pois foi produzida exatamente como exercício reflexivo de um deles. Essa peça pertence ao gênero carta, e, também representante do discurso religioso, está escrita em língua espanhola. Assim, em meio às diferenças de gênero (sermão e carta) e de língua (português e espanhol), existe um discurso correlacionado entre as peças (religioso).

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que os sermões de Vieira poderiam ser um instrumento muito rico de análise, visto que os mecanismos comparativos são altamente ativados, para efeito retórico, na construção do gênero sermão dentro do discurso oratório religioso. Particularmente, Vieira joga com discriminações comprobatórias em seu discurso.

Ao interesse por esses sermões em si, somou-se o fato de existir um contraponto do discurso em língua espanhola, que é a Carta Atenagórica escrita por Sor Juana Inés de la Cruz. A carta apresenta um exercício reflexivo sobre o Sermão do Mandato de 1650, o qual compõe um conjunto de outros seis sermões homônimos que recorrem ao tema do amor místico. Para a análise da oratória de Vieira escolheu-se mais de um sermão, para que se possa configurar melhor a natureza desse conjunto de Sermões do Mandato, pois, embora a peça de Sor Juana seja especificamente relacionada ao sermão de 1650, julgou-se necessário obter como base uma configuração mais geral de como Vieira trabalha os mecanismos comparativos, no conjunto de sermões em suas pregações.

Outras questões que justificam a realização dessa pesquisa são o conhecimento e a prática de análise que ela pode proporcionar, sobretudo à prática da análise de texto, das estruturas linguísticas e, especificamente, das estruturas comparativas. Na área dos estudos lingüísticos e do ensino de línguas, espera-se que a pesquisa possa atentar para a necessidade de uma abordagem das construções comparativas que vá além das questões formais e estruturais, que considere a língua em uso, que não conceba a gramática como autônoma e imutável.

1.2 Questões de análise

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 Quais são os principais aspectos sintáticos, semânticos e pragmáticos das estruturas comparativas?

 Como se caracterizam as estruturas utilizadas no córpus para expressar comparação?

 Em que termos o uso das estruturas comparativas é determinado pela situação comunicativa?

 Em que termos o uso das estruturas comparativas é determinado pelo gênero discursivo?

 Como a noção da fluidez de categorias gramaticais pode contribuir para o estudo das estruturas comparativas?

 Em que termos as estruturas comparativas podem expressar outras relações semânticas além da comparação?

 Considerando a unidade do conjunto dos sermões, em que medida o discurso de Sor Juana, em sua carta, refuta todo o conjunto?

 Em que medida o uso dos mecanismos comparativos presentes na carta têm contrapontos com os mecanismos utilizados por Vieira?  Em que medida as peças de ambos autores se valem dos mesmos

expedientes construcionais?

 Em que medida as comparações refletem a oposição das concepções, de estratégia argumentativa e de posicionamento de Vieira e Sor Juana?

1.3 Objetivos

O objetivo geral desta pesquisa é verificar e descrever, segundo um modelo de análise funcionalista, as estruturas comparativas presentes no córpus selecionado para análise, o qual se constitui inserido em um contexto e em um gênero discursivo específicos. Definem-se como objetivos específicos:

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 Descrever a relação entre o uso dos mecanismos comparativos e a situação comunicativa de produção discursiva.

 Descrever a relação entre o uso dos mecanismos comparativos e o gênero discursivo analisado.

 Identificar de que forma o caráter fluido das categorias gramaticais intervém na análise de construções comparativas.

 Verificar em que termos as estruturas comparativas presentes nas peças analisadas podem expressar outras relações semânticas além da comparação.

 Tendo em vista que um determinado sermão dentro do grupo dos

Sermões do Mandato não estará desvinculado do conjunto, verificar em que medida o discurso de Sor Juana, em sua carta, refuta a totalidade do conjunto de sermões.

 A partir do traço obtido em peças de ativação tão forte do mecanismo comparativo que tratam, nas duas línguas, questões do mesmo tipo (religiosas), buscar, em base funcionalista, uma visão contrastiva dos mecanismos comparativos para as duas línguas.

 Vinculando as duas propostas de visão dos mecanismos comparativos, verificar como as duas línguas se tocam e se diferenciam em termos de ativação desses mecanismos.

 Verificar a relação entre os mecanismos comparativos apreendidos e as oposições entre os textos e os autores (construção argumentativa, proposições defendidas, papéis sociais, concepções).

1.4 Metodologia

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compreender a função comunicativa e o comportamento das construções lingüísticas que refletem mecanismos comparativos, é necessária uma análise que extrapole o nível da oração e que atinja o nível do texto e do discurso.

O que justifica a escolha de um modelo de análise guiado pela teoria funcionalista é o fato de essa teoria propor o estudo da língua em uso, em que se considere a sintaxe, a semântica e a pragmática. Por meio de contribuições teóricas funcionalistas pode-se dar conta, pois, de estabelecer relações entre as estruturas comparativas, os valores semânticos expressos e suas implicações na competência comunicativa em um contexto específico.

Os procedimentos de análise têm base em uma caracterização inicial, voltada para os processos de combinação de orações complexas com foco nas relações de hipotaxe de realce (HALLIDAY, 1994; NEVES, 2010; BRAGA, 2001; DECAT; 2001), e tendo em conta o caráter fluido das categorias gramaticais (NEVES, 2010). Um exame inicial das peças escolhidas revelou a necessidade de estudar-se o conceito de relevo, tido como um procedimento de construção textual pelo qual elementos são colocados em proeminência ou rebaixamento (TRAVAGLIA, 2006). O trabalho considera que o mecanismo comparativo é naturalmente e altamente criador de relevo, pois confere certo grau de saliências aos elementos envolvidos.

Considerando a natureza do exame proposto, necessariamente intervém a importância de uma avaliação dos recursos retóricos de que os textos em análise se valem e que se mostraram mais pertinentes ao trabalho, tomando-se como base especialmente Tringali (1984). Dadas as características dos textos, entende-se que também se incursionou por trabalhos que trazem considerações sobre discurso religioso (ORLANDI, 1987; SATZER, 1987), e sobre gênero discursivo e tipo textual (MARCUSCHI, 1995; BAKHTIN, 1992; SILVA, 1999).

Busca-se uma caracterização das estruturas comparativas em geral (HALLIDAY & HASAN, 1976), e uma caracterização específica, de orientação funcionalista, em córpus de língua oral (NEVES et al., 2008) e escrita (Neves, no prelo) do português, em confronto com propostas de orientação semelhante, em língua espanhola (ALARCOS LLORACH, 1994; GUTIÉRREZ ORDÓÑEZ, 1997a; SÁEZ DEL ÁLAMO, 1999).

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São expostas informações sobre o movimento barroco (JOZEF, 1989; LITRENTO, 1974) e sobre a vida e a obra dos autores (SARAIVA, 1980; PAZ, 1982), e também uma síntese das principais ideias e argumentos que se encontram nos textos. Busca-se, afinal, um aprofundamento do contraponto entre o sermão de 1960 e a carta, com fundamentação em Ruiz e Theodoro (2000).

Para a análise do córpus, procedeu-se a uma identificação dos mecanismos comparativos apreendidos e selecionaram-se os mais relevantes ao objetivo da pesquisa. No decorrer das análises, recorreu-se constantemente a outras partes da pesquisa com a finalidade de demonstrar certos aspectos no funcionamento das comparações. Recorreu-se também à transcrição de trechos dos textos para demonstrar as informações apresentadas na análise.

1.5 Hipótese

O gênero sermão constitui-se como altamente retórico, considerando-se a definição de Tringali (1984, p. 15), pela qual retórica é ―a teoria do discurso persuasivo‖. Por outro lado, tendo em vista que, na carta escolhida, há um autor que realiza uma leitura crítica da estrutura e da retórica de um orador, essa peça também apresenta as características daquilo que se diz ser retórico, embora pertença ao gênero carta. Vem a propósito lembrar que, segundo Fávero e Koch (1987), todo discurso apresenta um teor argumentativo, em maior ou menor grau, dependendo do projeto discursivo do locutor. Para exemplificar, o autor situa exatamente os textos que pertencem ao gênero religioso, como o sermão, entre os casos em que o discurso pode atingir um grau máximo de orientação argumentativa.

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1.6 Córpus de análise

Como córpus de análise foram selecionadas três peças. A duas peças de língua portuguesa são o Sermão do Mandato de 1643 e o Sermão do Mandato de 1650, pregados pelo padre português Antonio Vieira. Os dois sermões fazem parte de um conjunto de seis sermões, de mesmo título, pregados por Vieira entre 1643 e 1670 (GOMES, 1995, p. 62). A peça selecionada de língua espanhola foi a Carta Atenagórica, escrita pela freira mexicana Sor Juana Inés de la Cruz, em 1690. A carta de Sor Juana é de forte caráter argumentativo, posicionando-se frente ao

Sermão do Mandato pregado em 1650. Nela, Sor Juana argumenta que ―aquilo que fora enunciado por Vieira não correspondia, com exatidão, à doutrina tradicional da Igreja Católica‖ (RUIZ e THEODORO, 2000). A carta foi enviada ao bispo de Puebla e não se sabe por que razão ela foi publicada. Essa carta gerou certa polêmica no vice-reino mexicano devido ao posicionamento da autora.

1.7 Estrutura do trabalho

Com a finalidade de alcançar os objetivos propostos, o presente trabalho se compõe da seguinte maneira, neste ponto de seu desenvolvimento:

 Capítulo 1: Introdução

 Capítulo 2: Bases teórico-metodológicas

 Capítulo 3: Caracterização das estruturas comparativas  Capítulo 4: Apresentação e contextualização do córpus

 Capítulo 5: Análise dos mecanismos comparativos nos textos de Antônio Vieira e Sor Juana

 Capítulo 6: Considerações finais

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No segundo capítulo apresentam-se as características principais da gramática funcional segundo Neves (1997), principalmente no que se refere às contribuições de Halliday. Estudam-se com mais precisão quatro questões de estreita relação com a pesquisa: a fluidez de categorias gramaticais segundo Neves (2010; 2011), as características semânticas e sintáticas das orações complexas segundo Halliday (1994), Neves (2010), Braga (2001) e Decat (2001) e o relevo na constituição do texto e no processamento de informação de acordo com Travaglia (2006). Apresentam-se também informações sobre componentes retóricos (TRINGALI, 1984) e tipológicos dos textos em análise (BAKHTIN, 1992; SILVA, 1999, ORLANDI, 1987, SATZER, 1987)

No terceiro capítulo descrevem-se as construções comparativas particulares e gerais das línguas portuguesa e espanhola, bem como suas implicações sintáticas, semânticas e pragmáticas à luz das considerações de Halliday & Hasan (1976), Neves et al. (2008), Neves (no prelo), Alarcos Llorach (1994), Gutiérrez Ordóñez (1997a) e Sáez del Álamo (1999).

No quarto capítulo apresentam-se, descrevem-se e avaliam-se os textos que compõem o córpus da pesquisa: os Sermões do Mandato de 1543 e de 1650, e a

Carta Atenagórica. São expostos, de forma sintetizada, o tema e as ideias principais de cada texto. Também se faz uma descrição do contexto histórico e cultural em que cada texto está inserido, (PAZ, 1982; RUIZ e THEODORO, 2000), bem como do estilo literário que cada autor representa em seu texto (JOZEF, 1989; LITRENTO, 1974, SARAIVA, 1980).

No quinto capítulo realiza-se uma depreensão dos mecanismos comparativos presentes no córpus e também das estruturas linguísticas usadas na construção desses mecanismos. Essa análise está composta de três partes, que se referem aos três textos que compõem o córpus. Tanto no terceiro quanto no quarto capítulo, os textos são tratados seguindo a ordem cronológica em que foram pregados ou escritos.

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2 BASES TEÓRICO-METODOLÓGICAS

2.1 Bases teóricas do funcionalismo

Uma vez que esta pesquisa se guia por princípios funcionalistas, a exposição dos pressupostos centrais da teoria funcionalista é de grande valia para esclarecer a visão adotada no tratamento das questões linguísticas que aqui se propõem. As informações que seguem, bem como as da subseção a seguir, sobre a gramática funcional, têm sua fonte em Neves (1997).

A definição do que caracteriza o Funcionalismo configura-se como uma tarefa bastante complexa, posto que a denominação se refere a um conjunto de visões e estudos heterogêneo no qual se assentam tanto propostas teóricas inovadoras como posicionamentos de simples rejeição ao formalismo. Contudo, existem diversos traços comuns presentes nos diferentes modelos, que permitem uma caracterização básica da visão funcionalista.

A questão fundamental da abordagem funcionalista é evidenciar de que maneira os usuários de uma língua se comunicam com eficiência por meio dela. As estruturas lingüísticas são tidas como configurações de funções para se alcançar a competência comunicativa. Ademais, é unânime a defesa de que a língua deve ser considerada um sistema não autônomo.

Entre as vertentes funcionalistas, encontra-se a que Van Valin (1990) qualifica como ―moderada‖, que é aquele em que este trabalho se insere. Para o autor, estão incluídos nesse grupo o funcionalismo de Dik, de Halliday e o dele mesmo. O funcionalismo moderado admite que a noção de estrutura é fundamental para a compreensão das línguas naturais. No entanto, considera inoportuno o tratamento dado à língua e suas estruturas pelo formalismo e pelo estruturalismo estritos. Dessa maneira, os estudiosos do funcionalismo tido como moderado apresentam propostas alternativas de exame da estrutura linguística, em que se exemplificam a semântica e a pragmática como áreas importantes para análise.

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como funcional mas também como dinâmica, pois o sistema lingüístico está sempre atrelado às funções que ele deve preencher, e o desenvolvimento da linguagem ocorre de maneira constante e dinâmica. Isso implica que, ao analisar as estruturas comunicativas, não se pode ignorar que elas são requeridas com a finalidade de exercer uma função, e que a relação entre a estrutura comparativa e sua função é estabelecida de maneira dinâmica. Também não se devem desvincular os mecanismos comparativos do propósito do evento de fala, dos participantes envolvidos e do contexto discursivo em que tais mecanismos são ativados.

Neste trabalho, a direção teórica tem base mais particularmente na proposta sistêmico-funcional de Halliday. O autor elaborou uma teoria de gramática funcional definida como sistêmica. Essa teoria de gramática sistêmica está baseada na teoria de John Rupert Firth e inspirada em Malinowski e Whorf. A descrição sistêmica da linguagem, atrelada à visão funcionalista, implica ver a gramática formada por um conjunto de estruturas sistêmicas. Para Halliday (1963 apud NEVES, 1997, p. 59), duas possibilidades alternativas estão envolvidas no aparelhamento da teoria lingüística: a ―cadeia‖ e a ―escolha‖, relacionadas respectivamente ao sintagma e ao paradigma. Ao usar a língua, o falante faz escolhas simultâneas entre as opções dispostas pela gramática em certos conjuntos (HALLIDAY, 1973, p. 365).

A perspectiva da gramática funcional de Halliday tem como eixos fundamentais os usos da língua, que moldam o seu sistema através do tempo, e a maneira pela qual os usuários dessa língua se valem de suas estruturas como meios para a expressão de significados. A gramática é responsável pela construção de elementos da língua que desempenham funções em relação ao todo. O texto figura como uma unidade semântica, e a gramática é a sistematização indispensável para estabelecer e evidenciar a apreensão do sentido de um texto.

2.2 A ativação dos mecanismos comparativos sob base funcionalista

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Por esse caminho, um estudo de mecanismos comparativos pode ter em conta a estrutura frasal em que ele é manifesto, porém, não deve limitar-se à frase, pois cada estrutura comparativa se relaciona invariavelmente com a totalidade na qual está inserida, que, pode ser a totalidade da peça, do gênero e do discurso selecionados. Sendo assim, e retomando o que foi apresentado na introdução, o trabalho se propõe caracterizar o uso das estruturas comparativas nas línguas portuguesa e espanhola, e explicitar em que medida essas estruturas servem como meios para uma finalidade comunicativa específica.

A continuação, serão tratados alguns temas mais específicos, de estreita relação com o objeto desta pesquisa, que são os mecanismos comparativos e a forma pela qual eles são ativados. Esses temas são apresentados segundo uma perspectiva funcionalista.

2.2.1 A fluidez de categorias gramaticais

A linguagem é uma projeção cognitiva, realizada pela mente humana, de um processo global. Para realizar tal processo, utilizam-se componentes da língua distribuídos linearmente. Essa linha é mais espacial na linguagem verbal escrita e mais temporal na linguagem verbal oral. Um fenômeno cognitivo constitutivo e fundamental da mente humana, e de estreita relação com a linguagem, é a competência para organizar categorias e atribuir propriedades a elas. Sendo assim, o estudo de uma língua em uso não pode negar nem combater esses preceitos. Sistematizar não é uma ação condenável, não obstante, categorizar não implica engessar as categorias. Além disso, o simples ato de ―etiquetar‖ elementos e tipos de combinações não é suficiente para entender de maneira eficaz como uma língua funciona.

Um dos aspectos linguísticos que serão levados em conta no decorrer deste trabalho é a fluidez dos limites de categorias gramaticais. Recorrendo à linguística cognitiva, podemos afirmar que a imprecisão de limites é uma qualidade inerente às noções manifestadas pela língua 1. Este aspecto tem destaque no âmbito do

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Funcionalismo e da lingüística sistêmico-funcional de Halliday. Trata-se da existência de contínuos entre as categorias, uma determinação difusa que leva ao reconhecimento de núcleos centrais de valores. É possível estabelecer gradações ao julgar que determinado elemento seja representante de determinada categoria.

A questão da fluidez de categorias gramaticais será retomada na subseção subsequente, especificamente no que concerne às relações semânticas expressas pelas orações complexas.

2.2.2 A articulação de orações

Quando se trata de articulação de orações, dois processos que aparecem com evidência nas gramáticas tradicionais são a coordenação e a subordinação. Genericamente, essas gramáticas consideram, como critério de classificação, a dependência sintática e semântica entre os termos envolvidos nos processos. Conforme tais critérios, a coordenação consiste na relação entre termos independentes e que, sozinhos, expressam sentido completo. Também se concebe que o termo coordenado não se compõe como adjunto do outro ao qual está atrelado. A subordinação implica a relação entre termos, na qual um deles (o subordinado) exerce no outro (o principal) uma função, e depende dele para constituir sentido (ROSARIO, 2007, p. 11 e 12).

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sopa e não te levo ao cinema!‖ 2. Para as autoras, embora a oração apresente valor semântico de subordinação, semelhante a ―(21‟) Se não comeres a sopa, não te levo ao cinema!‖, a oração é considerada como um caso de coordenação.

Antes de apresentar considerações teóricas sobre as construções comparativas específicas, é necessário esclarecer quais são as noções sobre o processo de articulação de orações que guiarão o exame que se propõe esta pesquisa. De acordo com a Gramática Tradicional, as construções comparativas específicas são classificadas como orações subordinadas adverbiais comparativas.

Com base na teoria funcionalista, entretanto, com foco na proposta hallidayana para descrição da organização das orações e tendo em conta o caráter fluido das categorias gramaticais, é possível fazer um estudo das orações complexas. De acordo com Neves (2001, p. 14), estudos realizados por pesquisadores de orientação funcionalista sobre os processos envolvidos na formação do enunciado têm demonstrado que o bloco intitulado ‗subordinação‘ não pode ser organizado considerando-se um único preceito. Como mostra Decat (2001, p. 109), alguns estudos têm adotado outros parâmetros para descrever as relações entre cláusulas 3 no processo de subordinação. Dentro desse grande bloco, estudiosos têm diferenciado as estruturas de ‗encaixamento‘ e de ‗hipotaxe‘ (definidas mais adiante), movidos pelo objetivo de descrever as relações entre cláusulas no nível do discurso.

Para conduzir esse exame, passaremos pelos focos de análise indicados por Neves (2010), em suas considerações sobre as relações adverbiais na combinação de orações. Os focos propostos são: o das relações lógico-semânticas, o das relações sintáticas e o dos modos de expressão.

2.2.2.1 Relações lógico-semânticas

As relações linguísticas não representam precisamente as relações lógicas. Contudo, a lógica pode ser muito útil para esclarecer as relações linguísticas.

2 Todos os exemplos apresentados neste capítulo são de autoria das fontes consultadas e se conserva a numeração e as formas de destaque (negrito, itálico, etc.) originais.

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Conforme já foi mencionado, a linguagem não reflete exatamente a mente humana, mas sim suas construções cognitivas.

Halliday (1994) especifica os processos de relações das orações complexas segundo dois sistemas: o sistema lógico-semântico (ou sistema das relações semântico-funcionais) e o sistema tático (ou das relações de dependência). No sistema lógico-semântico, as relações são inter-oracionais e podem ser de projeção ou de expansão. A relação de projeção se estabelece quando uma oração se projeta em outra como um fato, uma locução ou uma idéia. A relação de expansão se subdivide em elaboração, extensão e realce.

Uma oração primária é expandida por elaboração quando é parafraseada, especificada, comentada ou exemplificada por uma oração secundária. A expansão de uma oração primária por extensão ocorre quando uma oração secundária fornece a ela um novo elemento, uma exceção ou uma alternativa. A terceira subvariedade de expansão, exatamente aquela que o presente trabalho contemplará mais especificamente em seu desenvolvimento, é a expansão por realce, em que uma oração secundária proporciona alguma característica circunstancial (de tempo, lugar, modo, causa ou condição) à oração primária, realçando seu significado. Cada uma dessas variedades de relação cumpre diferente função semântico-funcional (BRAGA, 2001, p. 24).

2.2.2.2 Relações Sintáticas

Chega-se, então, ao modo como a língua se estrutura para expressar significados. É por meio do sistema sintático que o enunciado se organiza e se expressa. Com base em Halliday (1994), pode-se afirmar que:

O modo de produção de significados (um processo semântico) nas interações lingüísticas (um processo pragmático de negociação no contexto sociocultural) implica o modo como as pessoas usam a linguagem (um processo semiótico de significar por meio de escolhas) e o modo como a linguagem se estrutura para o uso (um processo ligado aos componentes metafuncionais: o textual o interacional e o ideacional).

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acordo com os sistemas propostos por Halliday (1994). Nessa perspectiva, os critérios semânticos estabelecem as relações do sistema lógico-semântico, enquanto as questões sintáticas definem as relações do sistema (sin)tático. A afirmação, praticamente redundante, é importante para estabelecer contraste com as definições gramaticais propostas historicamente, nas quais critérios semânticos e sintáticos às vezes se misturam. Além disso, por meio dessa desvinculação relativa de critérios semânticos e sintáticos, há a possibilidade de se considerar que uma relação lógico-semântica pode ser expressa por diferentes estratégias sintáticas, o que representa uma significativa adequação no tratamento das orações complexas (BRAGA, 2001, p. 25-30).

O sistema tático, ou de interdependência, abrange as relações entre todos os complexos (palavras, grupos, sintagmas ou orações). Para Halliday (1994), as relações dentro do sistema tático podem ser de parataxe ou de hipotaxe. A parataxe envolve as relações entre elementos de um mesmo estatuto, nas quais um inicia e o outro continua a sequência, uma relação de listagem. As relações de hipotaxe ocorrem entre elementos de estatuto diferente, em que um elemento é dependente, e o outro é dominante.

As combinações adverbiais, entre as quais se encaixam as comparativas, constituem um processo de subordinação adverbial segundo a Gramática Tradicional. De acordo com Halliday (1994), as combinações adverbiais constituem uma relação hipotática (de acordo com o sistema tático) de realce (de acordo com o sistema lógico semântico). Em Matthiessen e Thompson (1988), os processos de subordinação são caracterizados por apresentarem total inclusão de uma oração-margem em uma oração-núcleo. Uma oração subordinada se constitui como argumento oracional de outra oração. Devido ao fato de que esse encaixamento característico da subordinação não está presente nas orações adverbiais, Matthiessen e Thompson (1988) defendem que essas orações não se articulam por subordinação.

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apenas à subordinação. Para Halliday (1994), as relações por encaixamento envolvem constituência, não interdependência, e se situam fora do eixo tático.

A rigidez dos limites entre subordinação e coordenação também é contestada por Givón (1990), que identifica um continuum na hierarquia das articulações oracionais. A existência dessa fluidez também é sustentada por Lehman (1988) e Hopper e Traugott (1993), que afirmam que a extensão do continuum vai de um grau máximo de estatuto sentencial e autonomia das orações (coordenação: -dependência e -encaixamento) até um grau máximo de dessentencialização e de integração das orações (subordinação: +dependência e +encaixamento). Em uma zona intermediária do percurso está a hipotaxe (+dependência –encaixamento) e, consequentemente, a hipotaxe de realce de Halliday, em que se situam as orações comparativas.

Além do sistema de relações sintáticas, é possível observar, na organização das orações, também os modos de marcação: correlação e não-correlação. Conforme a definição de Módolo (2009), ―as orações correlatas exemplificam uma relação de interdependência, isto é, a estrutura das duas orações que se correlacionam está estreitamente vinculada por expressões conectivas‖. Grande parte das orações comparativas se constitui por correlação, como exemplificam as comparativas presentes em Neves et al. (2008): ―(5-20) mas ele fala mais do que

eu‖; ―(5-24) a verdade é que tanto no sexo feminino quanto no masculino há

sempre uma produção significante embora pequena mas de hormônio do sexo‖. Neves (2010, p. 135) afirma que a correlação não se define como uma categoria de relação sintática. Como se observará na análise das estruturas comparativas, as relações de interdependência (parataxe e hipotaxe) e os modos de marcação (correlação e não-correlação) constituem-se como dimensões independentes. Aqui será analisado mais detidamente o campo da hipotaxe e do realce de Halliday, tanto com ou sem ocorrência de correlação, segundo Neves, que indica:

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2.2.2.3 Modos de expressão

Matthiessen e Thompson (1988) propõem que as construções hipotáticas de realce refletem as relações retóricas presentes em um texto. As orações adverbiais representam a gramaticalização das unidades retóricas responsáveis por construir o discurso. Para Decat (2001, p. 150), por meio de um exame que chegue ao estágio suprassentencial é possível identificar se uma cláusula adverbial tem funções de conexão discursiva. Nesse sentido, a autora aponta a necessidade de uma abordagem funcional-discursiva para a descrição do comportamento das cláusulas adverbiais, que considere o contexto discursivo no qual as cláusulas ocorrem.

Sobre a classificação da oração adverbial, é frequente que a inferência sobre a relação expressa seja realizada de acordo com o conectivo que introduz a oração. Segundo Decat (2001, p. 123), a definição do tipo de cláusula adverbial deve ser feita no nível do discurso, e não somente na conjunção utilizada para iniciar a oração. A autora acrescenta que outras marcas textuais, como o modo verbal, também podem guiar essa definição. Há que verificar, essencialmente, qual o tipo de proposição relacional que surge da combinação das cláusulas.

O que também confirma a insuficiência do uso de uma conjunção como recurso exclusivo na classificação da oração adverbial é o fato de que as proposições adverbiais podem ocorrer por justaposição, ou seja, sem nenhuma marca formal que articule as orações. Decat (2001) examinou as relações adverbiais que emergem da articulação de cláusulas e demonstrou que a construção hipotática adverbial pode ser constituída por justaposição, e que a ausência da marca formal não impossibilita que se perceba a relação expressa na construção.

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A autora (2001) afirma que também no caso da hipotaxe de realce por justaposição, o contexto discursivo, aliado a possíveis marcas textuais, aparece como imprescindível para identificar o tipo de proposição expresso.

Decat (2001) trata ainda da ordem dos elementos em uma relação núcleo-satélite (anteposição ou posposição da oração adverbial com relação ao núcleo). Para ela, essa ordem está ligada, entre outros fatores: ao tipo de proposição relacional que emerge da combinação; ao discurso do qual a combinação faz parte; e à função que ela exerce no discurso. Segundo a autora (2001, p. 159), uma importante questão ligada à organização da informação a partir das cláusulas adverbiais é a ideia de tópico, que reflete o modo pelo qual o falante deseja anunciar as proposições explícitas e relacionar as proposições implícitas. De acordo com Givón (1979), o mecanismo de contraste FIGURA-FUNDO é um dos recursos disponíveis da linguagem para o destaque de elementos. Caracterizada como satélite, a oração adverbial geralmente é usada como fundo, informação adicional necessária ao entendimento do que é expresso no núcleo. Uma cláusula adverbial que costuma exercer função de fundo pode passar a funcionar como tópico se posicionada à esquerda do núcleo ao qual está vinculada.

Para Decat (2001, p. 159), esse mecanismo, de tornar alvo de destaque a oração adverbial, evidencia sua função na coesão e na organização do discurso. Ela apresenta algumas cláusulas que evidenciam a função contrastiva do tópico, como a cláusula condicional que aparece anteposta no exemplo da autora: ―(85) Se este movimento de reafirmação for considerado como uma reação em defesa do já conseguido, é possível contextualizar esses dois eventos. (DE4F, 25)‖.

As relações adverbiais produzem diferentes efeitos de sentido e apresentam valores que flutuam sobre os limites categoriais. Para a análise dos modos de expressão dessas relações, Neves (2010, p. 136) propõe quatro ângulos oriundos dos quatro expedientes de interrogação adverbial disponíveis para a construção do enunciado: onde? quando? por quê? e como?, bem como suas variantes de que modo?, para quê?, etc. O primeiro expediente (onde?) não gera combinação de orações e por isso não existe hipotaxe de realce de lugar.

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coisa atua conforme outra, ou que atua do mesmo modo que outra, por exemplo, implica comparar essas duas coisas. Se no resultado de uma comparação, o que se expressa não é a desigualdade, então teremos um valor de conformidade e/ou de modalidade. Como mostra Neves (2010, p. 142), a conjunção como serve de ilustração, pois tem caráter polissêmico, e em muitos casos tem valor comparativo, conformativo, e modal. Em alguns casos corresponde ao conectivo do mesmo modo que, como no enunciado: ―(4) Quero falar como o Coronel Moreira‖.

É claro que o uso de como implica um menor grau de valor modal que o conectivo do mesmo modo que. A proporção inversa também pode acontecer, e então uma relação de conformidade pode ter certo grau comparativo.

É comum que haja dificuldade em decidir como classificar de maneira mais adequada ou identificar qual é o valor semântico que prevalece. Para Neves (2010, p. 143) talvez essa seja a causa pela qual a Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB) excluiu a subclasse modal das orações subordinadas adverbiais, e as subclasses comparativa e conformativa passaram a abarcar esse tipo de construção, pois elas sempre envolvem o ―modo‖. Porém, mesmo sendo complexa a identificação do valor semântico expresso, existem algumas chaves para interpretação. Segundo Neves (2010, p. 143), a análise das orações deve considerar também o texto que as integra, e não somente as orações isoladas. A recorrência ao gênero do discurso é pertinente para a definição do sentido. Além disso, considerando o caráter polissêmico que as relações adverbiais podem apresentar, não há necessidade de definir apenas um valor semântico, já que os valores podem coexistir nas construções, em diferentes graus de proeminência.

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formal no primeiro termo que reclama contraparte no seguimento, com diferentes matizes de sentido.

Polarização negativa

Pede uma marca positiva, para acréscimo, restabelecimento ou compensação de uma noção cuja presença foi minimizada, mal valorizada, ou, mesmo, negada. É responsável pela quebra de linearidade da sentença, pondo de lado sua sucessão temporal. Marcas correlativas: não só... mas/como; senão... ao menos/pelo menos. 4

Quantificação

Contraparte que entra em cotejo com a primeira parte.

No mesmo plano, implica em relação comparativa de igualdade. Exemplo de marca correlativa:

O senhor deve imaginar que é nosso dever – dever da polícia – tomar tantos depoimentos quantossejam necessários para esclarecer a situação. (BB)”.

Com dependência, implica uma relação causativa-consecutiva. Exemplo de marca correlativa:

Marieta, porém, encarou-o com tanto ódio, que ele insensivelmente voltou atrás, encostando-se à parede úmida. (FR)‖.

Intensificação

Como a intensificação é uma relação adverbial de ―modificação‖, a contraparte pode ser

elaborada no mesmo nível ou constituir níveis hierarquizados.

Na relação de parataxe, a função da contraparte é compor um cotejo com o primeiro membro. Nesse cotejo não há dependência sintática entre os membros.

Exemplo de marca correlativa:

Penitência que decerto não será tão difícil quanto a outra. (OMU)‖.

Na relação de hipotaxe de realce, a função da contraparte para encerrar a relação adverbial anunciada é instaurar uma comparação em desnível ou uma relação causal-consecutiva.

Exemplo de marca correlativa (comparação de desnível):

“Que dura orquestra! Que furor insano! Que pode haver maior do que o oceano,

Ou que seja mais forte do que o vento?!” 5

Exemplo de marca correlativa (relação causal-consecutiva): ―Pus-me a cantar minha pena

com uma palavra tão doce, de maneira tão serena,

que até Deus pensou que fosse felicidade – e não pena.‖ 6

Quadro 1 - Expressões correlativas 7

4 Não há exemplos de na fonte consultada.

5 Esse tipo de construção é ilustrado em Neves (2010) com o poema Deus, de Casimiro de Abreu. 6 Esse tipo de construção é ilustrado em Neves (2010) com o poema A doce canção, de Cecília Meireles.

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Ainda sobre a função e o efeito de sentido que as correlações exercem no enunciado, Neves (2010) faz algumas considerações sobre a operação comparativa ligada à construção proporcional e à operação aditiva, o que vem apresentado nos dois parágrafos subsequentes.

As correlações de quantificação e de intensificação são de muita importância para a construção proporcional, que tem relação estreita com a relação comparativa. Ainda que nessas construções não haja a presença de conjunção (marca da subordinação de orações), tradicionalmente elas começam com quanto e são classificadas como subordinadas adverbiais proporcionais. Mesmo havendo uma hierarquização nessas combinações, já que a oração iniciada por quanto é sintaticamente dependente, há que se catalogar essas construções com muito cuidado, tendo em conta a possibilidade de relativização.

Quando a segunda oração começa com quanto, o efeito é, sobretudo, comparativo. Tendo-se em vista mais especificamente a correlação tão/tanto... quanto, percebe-se que o valor quantificativo ou intensificativo dos elementos se vê reduzido, e o que fica marcado com mais ênfase é a equidade dessa quantificação ou intensificação na relação entre dois elementos. A construção adquire, então, um valor de adição. O deslizamento também ocorre no sentido inverso. As construções correlativas aditivas do tipo não só... como/mas também têm certo valor comparativo. Como afirma Neves (2010, p. 148), em determinados casos ―pela adição se compara‖, em outros ―pela comparação se soma‖.

Desse modo, ainda com base na autora, pode-se afirmar que as relações adverbiais (por parataxe e hipotaxe) têm uma grande variedade de efeitos de sentido possíveis, e uma natureza dialógica/polifônica. As correlações são um meio pelo qual é possível explorar e usufruir dessa capacidade que as relações adverbiais apresentam. Os valores semânticos dessas relações se mesclam e têm seu grau de efeito alterado de acordo com diferentes parâmetros (NEVES, 2010, p. 148).

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2.2.3 A comparação no estabelecimento do relevo

Ao comparar, o interlocutor coloca em evidência certos elementos do texto. Essa função que a comparação exerce está estreitamente relacionada ao conceito de relevo. No desenvolvimento dos tópicos discursivos, como explica Travaglia (2006, p. 167 e 168), alguns elementos no texto, como partes do conteúdo, determinadas informações, mudanças de tópico, etc., podem apresentar um grau de saliência ao qual se dá o nome de relevo. Esses elementos podem estar em um plano mais elevado do que os demais elementos, o que se configura como um relevo positivo ou proeminência. Também pode ocorrer de os elementos estarem em um plano inferior, situação que configura um relevo negativo ou rebaixamento, segundo o autor.

Um exemplo disso é o uso que Vieira faz da comparação para dar proeminência às finezas de Cristo. No trecho do Sermão do Mandato de 1650, por exemplo, Vieira cria um plano elevado no qual figuram as finezas do amor de Cristo no fim de sua vida. Mais ainda, quando afirma a superioridade da superioridade das finezas que ele apresentará no sermão, ele cria um segundo plano mais elevado ainda:

Suposto que do amor de Cristo as finezas do fim foram maiores que as de todo o tempo da vida; entre as finezas do fim, qual a maior fineza? Esta comparação é muito diferente da que faz o Evangelho. O Evangelista compara as finezas do fim com as finezas de toda a vida, e resolve que as do fim foram maiores: eu comparo as finezas do fim entre si mesmas; e pergunto: destas finezas maiores qual foi a maior? O Evangelista diz quais foram as maiores de todas; e eu pergunto: qual foi a maior das maiores? Esta é a minha dúvida, esta será a matéria do Sermão (p. 190).

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Para Travaglia (2006, p.168), as razões que levam o falante a colocar elementos em relevo podem ser razões ideacionais oucognitivas, razões argumentativas e razões emocionais. O relevo pode instanciar-se nesses três planos (ideacional ou cognitivo, argumentativo e emocional), e esses tipos de relevo podem aparecer de maneira concomitante, pois não são excludentes (TRAVAGLIA, 2006, p. 170). O relevo se relaciona, então, às funções ideacionais e interacionais da linguagem (HALLIDAY, 1994).

Visto que o objetivo central deste trabalho é a análise das comparações, serão expostos alguns recursos de criação de relevo que estão mais relacionados às estruturas comparativas, no caso, os recursos sintáticos e os de construção textual.

Um exemplo de recursos sintáticos de formação de relevo fornecido por Traváglia (2006, p. 197) é o uso de predicados com valor semântico capaz de dar proeminência a elementos no texto, como por exemplo, as sequências é importante,

é urgente, é notório, e os verbos cumpre, urge e importa. Neste trabalho, considera-se que a comparação constitui também um recurso sintático de formação de relevo, pois por meio da combinação de estruturas linguísticas ela coloca certos elementos em planos diferentes.

O uso de parênteses, a repetição e a tematização são estratégias de construção textual geralmente apontadas como intervenientes na colocação de elementos do texto em relevo. Dessas estratégias, a tematização é a que aparece mais atrelada às estruturas comparativas no córpus de exame deste trabalho. De acordo com Travaglia (2006, p. 202), ao deslocar o tema à esquerda, o falante destaca o elemento tema que tem intenção de ativar ou reativar em seu enunciado.

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entre as finezas maiores e a maior de todas da qual Vieira tratará, assim como marca a relevância das finezas de Cristo e o foco informacional do sermão.

Na análise que aqui se propõe, se examinará como os autores fazem uso das comparações no estabelecimento de relevo, tanto negativo quanto positivo. Por meio de alguns trechos dos textos, se demonstrará como os autores constroem mecanismos contínuos de relevo, e como a comparação cumpre função primordial nesse procedimento no caso das peças analisadas.

2.3 A determinação da natureza do exame proposto

Os textos examinados neste trabalho apresentam alto grau de natureza retórica. Por isso, importa expor considerações sobre a Retórica, enquanto teoria do discurso persuasivo, da composição e do estilo. Dado que todos os textos tratam de temas teológicos, e que são escritos por religiosos da igreja católica, eles são exemplares característicos do discurso religioso, e dessa natureza também se ocupa este estudo. Contemplam-se também aspectos do gênero discursivo e do tipo textual a partir dos quais os textos de análise se configuram.

O método central de análise não é de análise retórica nem discursiva. Trata-se de uma análiTrata-se textual que tem em conta elementos gramaticais a Trata-serviço da comparação, em sua relação com a totalidade da peça e em um nível textual/discursivo. Sendo assim, uma apresentação de considerações sobre o estudo da retórica e sobre a configuração discursivo-textual das peças do córpus pode servir como aparato de incursão e compreensão crítica, complementando o aporte que se busca para apreender os mecanismos comparativos e sua função no texto e no discurso em que se constituem.

2.3.1 O componente retórico nos textos em análise

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retórica. Embora o termo de origem grega ―retórica‖ e o de origem latina ―oratória‖ se liguem, etimologicamente, ao significado de ―falar‖, e inclusive possam se substituir em alguns contextos, Tringali (1984, p. 15) os diferencia. O autor explica que, além do sentido teórico, ―oratória‖ também se refere à prática do discurso, ao conjunto de discursos de um determinado contexto, por exemplo, a oratória brasileira.

De acordo com Tringali (1984, p. 8), há várias retóricas, que, de certa forma, representam diferentes momentos históricos. A retórica antiga é a retórica por excelência, é a retórica integral pois envolve a totalidade de estágios do discurso. O nome deve-se ao fato de essa retórica ter surgido na Antiguidade Clássica. De origem grega, a retórica antiga se define como a ―teoria do belo discurso persuasivo‖, e se encontra registrada em Aristóteles, Cícero, Quintiliano (TRINGALI, 1984, p. 13). Segundo o autor, a retórica antiga sofreu um processo de cerceamento pelo qual foram emergindo as demais retóricas: a retórica clássica, a retórica das figuras, a retórica nova e a retórica semiótica.

A retórica clássica é definida por Tringali (1984, p. 13) como ―teoria da composição e do estilo‖ ou ―arte de escrever e falar bem‖. Ela se reforçou na época do classicismo da Renascença e se extinguiu no século XIX, com o nascimento da Estilística. A retórica das figuras está reduzida apenas às figuras de estilo ou figuras retóricas (exemplo: metáfora, metonímia, etc.). Ela teve vigência entre 1730 e 1830 e reaparece atualmente sob o nome de Retórica Geral. A retórica nova constitui-se como parte da lógica e a retórica semiótica lança mão do método semiótico para colocá-lo em prática em qualquer discurso e linguagem (TRINGALI, 1984, p. 13 e 14).

O período histórico em que se manifestou a retórica clássica (aproximadamente entre o classicismo da Renascença e o século XIX) é o mais próximo ao período em que foram escritos e publicados os textos do córpus. Todos os recursos da gramática, da poética e os que a literatura possa proporcionar são objeto de exploração e de domínio da retórica clássica. Essa retórica se completa com a poética em uma relação de influência recíproca, mesmo que de maneira não simultânea.

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persuasivo e nesta com um valor mais artístico. Na retórica das figuras elas aparecem como matéria absoluta (TRINGALI, 1984, p. 88-99). Dada essa presença constante das figuras nas primeiras retóricas, ainda que com valores e níveis de prestígio diferentes, é importante também apresentar considerações sobre a retórica das figuras. Além disso, há uma estreita relação entre o uso de figuras e o movimento barroco, do qual Vieira e Sor Juana são representantes. Tringali (1984, p. 99) comenta que ―as figuras [...] causam o efeito de ‗estranhamento‘ ou ‗maravilha‘ como diziam os barrocos‖.

Tringali (1984, p. 97-99) identifica duas fases que compõem a retórica das figuras: a primeira (1730-1830) foi atacada pelo Romantismo, que discordava do ensino impositivo (mas não do uso) das figuras; a segunda, também chamada de Retórica Geral, contribuiu para o estudo e a classificação das figuras. As figuras, por sua vez, são definidas, com base no autor (1984, p. 99), como alterações da linguagem, no âmbito da palavra, da frase, da expressão e do conteúdo, por meio de acréscimos, subtrações, repetições ou permutas, visando a uma finalidade poética, retórica ou estilística.

Da classificação apresentada por Tringali (1984, p. 102-113) que, segundo o próprio autor, fornece uma ―exemplificação abundante das figuras‖, segue um esquema adaptado, em que se apresentam apenas as figuras mais presentes nos textos do córpus, desempenhando função retórica, principalmente as que estão mais relacionadas ou combinadas com mecanismos comparativos:

 hibérbato ou anástrofe: inversão da ordem natural das palavras;  elipse: omissão de palavras que se subentendem pelo contexto;

 comparação: estabelecimento de semelhanças ou diferenças entre duas coisas;

 metáfora: estabelecimento de identificação e abreviação, comparação em que não aparecem expressões gramaticais comparativas;

 metonímia: atribuição de uma palavra, de uma coisa a outra coisa, com alteração de significado não por semelhança, mas sim por haver uma relação de contiguidade entre elas (causa e efeito, matéria e objeto, continente e conteúdo, etc.);

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 hipérbole: exagero expressivo por aumento ou diminuição;

 interrogação retórica: interrogação apenas formal que equivale a uma afirmação;

 paradoxo: afirmação contrária à crença geral estabelecida. 8

Sobre a comparação vista como figura, acrescente-se que ―há comparações comuns que se repetem, mas há comparações originais e até difíceis de se perceber, porque a comparação, em literatura, [...] pode ser subjetiva‖ (TRINGALI, 1984, p. 108).

2.3.2 A natureza tipológica dos textos em análise: gênero discursivo e tipo textual

Os aspectos gramaticais trazidos à discussão, neste estudo, não estão isolados dos aspectos discursivo-textuais das peças escolhidas para análise. Assim, com a finalidade de especificar as características dos gêneros discursivos e tipos textuais que configuram as peças em questão, cabe esclarecer quais são os conceitos aqui adotados para ―gênero discursivo‖ e ―tipo textual‖.

Aqui, assim como em Silva (1999, p. 87), o termo discurso é considerado como uma atividade sócio-comunicativa, desenvolvida por sujeitos sociais em relações de interação, a partir da qual se produz sentido. O discurso é materializado por meio do texto, um ―todo significativo‖ que independe de sua extensão, e de sua modalidade de expressão, oral ou escrita.

Segundo Bakhtin (1992), os gêneros do discurso são ―formas relativamente estáveis de manifestação do discurso‖ cujas características temáticas, estilísticas e composicionais são configuradas segundo as esferas de uso da língua. Essas características dos gêneros manifestam as formas de normatização dos processos interacionais, instauradas pelos sujeitos ao longo da história. Segundo o autor, os sujeitos aprendem a adequar seu modo de comunicar às formas do gênero que

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utilizam, bem como desenvolvem sensibilidade para reconhecê-lo na fala de outros sujeitos.

Conforme Bakhtin (1992), além da esfera de uso da linguagem (pública ou privada), outras condições envolvem o funcionamento dos gêneros discursivos, no que diz respeito ao seu processo de produção, recepção e difusão. Entre o conjunto de fatores, o autor aponta, entre outros, os interlocutores, o lugar e o papel em que esses sujeitos atuam no processo interlocutivo, o intuito discursivo do locutor e a projeção da compreensão responsiva que este faz do seu interlocutor. No caso das peças de Vieira e de Sor Juana, as condições de produção, recepção e difusão dos discursos também definem a maneira como eles serão materializados nos textos, nos gêneros discursivos escolhidos.

Tratando da heterogeneidade de gêneros que há em uma sociedade complexa, Bakhtin (1992) classifica os gêneros em primários e secundários. Os gêneros primários são aqueles que se instauram em instâncias privadas, de atividades cotidianas ou íntimas. Os gêneros secundários, por sua vez, aparecem em instâncias públicas, de atividades caracterizadas como mais formais. Entre os exemplos de gêneros secundários, Silva (1999, p. 95) menciona os sermões e as cartas comerciais. Assim, a análise que se fará adiante tem como objeto de análise textos pertencentes a gêneros discursivos secundários. A Carta Atenagórica de Sor Juana, ainda que seja destinada a uma pessoa específica, está relacionada a uma situação e a um modo de organização bastante formais.

Marcuschi (1995) usa o termo ―gênero textual‖, mas sua conceituação coincide com a de ―gênero discursivo‖ de Bakhtin (1992): ―A meu ver, essa diferença é somente de ordem terminológica, e não conceitual‖, diz Silva (1999, p. 98). Para Marcuschi (1995), a construção conjunta do trabalho linguístico nas atividades interlocutivas, da qual participam os sujeitos, não anula a possibilidade de uma atuação individual de cada um desses sujeitos, por meio da eleição que cada um faz de determinados recursos linguísticos.

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-discursivas, que incidem nos níveis micro e macroestruturais da configuração formal e conceitual do texto‖ (SILVA, 1999, p.101).

Para a autora, as formas de modalização das operações textual-discursivas, ou seja, dos tipos textuais, são a narração, a descrição, a dissertação/argumentação, e a injunção. No entanto, neste trabalho adota-se uma concepção diferente sobre a argumentação. Para a análise de Vieira e de Sor Juana, não se considera que a dissertação e a argumentação são a mesma coisa. Considera-se a dissertação como um tipo textual. De fato, na dissertação costuma haver argumentação, no entanto a argumentação é uma estratégia de construção textual, não um tipo textual.

Silva (1999, p. 101) aponta que cada modo enunciativo desempenha uma função específica de acordo com a configuração textual e com a finalidade comunicativa. Entre outros gêneros discursivos, a autora apresenta o sermão como exemplo de gênero em que a operação argumentativa pode valer-se de diferentes operações textual-discursivas. De fato, nos sermões que figuram neste trabalho, Vieira narra acontecimentos, descreve, comenta e avalia fenômenos, tudo com a finalidade de orientar seu percurso retórico e convencer seu interlocutor. Contudo, em sua organização estrutural, o modo de operação textual-discursiva predominante é a dissertação. Em muitos outros textos essa predominância de um dado tipo textual que se sobrepõe aos outros também é frequente.

Conforme Fávero e Koch (1987), ―num continuum argumentativo, podem-se localizar textos dotados de maior ou menor argumentatividade, a qual, porém, não é jamais inexistente‖, e alguns discursos estão carregados de um teor argumentativo elevadíssimo. Mais uma vez, o sermão, entre outros gêneros não só do discurso religioso mas também do publicitário, do jornalístico e do jurídico, é exemplo de gênero que apresenta um modo enunciativo argumentativo stricto sensu, em que a argumentação alcança seu grau mais elevado.

Referências

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