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Hibridismos regulatórios: uma análise do processo de agencificação no saneamento básico brasileiro

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Academic year: 2017

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1 FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS

ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DE EMPRESAS MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO

CELSO FLORÊNCIO DE SOUZA

HIBRIDISMOS REGULATÓRIOS: UMA ANÁLISE DO PROCESSO DE

AGENCIFICAÇÃO NO SANEAMENTO BÁSICO BRASILEIRO

(2)

2 CELSO FLORÊNCIO DE SOUZA

HIBRIDISMOS REGULATÓRIOS: UMA ANÁLISE DO PROCESSO DE

AGENCIFICAÇÃO NO SANEAMENTO BÁSICO BRASILEIRO

Dissertação para obtenção de grau de mestre apresentada à Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas

Orientadora: Prof. Dra. Alketa Peci

(3)

3 Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Mario Henrique Simonsen/FGV

Souza, Celso Florêncio de

Hibridismos regulatórios : uma análise do processo de agencificação no saneamento básico brasileiro / Celso Florêncio de Souza. – 2013.

74 f.

Dissertação (mestrado) - Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, Centro de Formação Acadêmica e Pesquisa.

Orientadora: Alketa Peci. Inclui bibliografia.

1. Agências reguladoras de atividades privadas. 2. Saneamento. 3. Políticas públicas. 4. Formulação de políticas. I. Peci, Alketa. II. Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas. Centro de Formação Acadêmica e Pesquisa. III. Título.

(4)
(5)

5 Agradecimentos

(6)

6 RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo entender como os fatores contextuais têm influenciado o processo de transferência do modelo de agência reguladora independente (ARI) no setor de saneamento básico brasileiro. Devido à divergência existente entre estes fatores contextuais, verificou-se que estão surgindo, pelo país, modelos distintos de ARIs. Sendo assim, a contribuição empírica desta dissertação está em, além de apresentar os fatores envolvidos na transferência do modelo, identificar os tipos de ARIs resultantes das divergências contextuais no saneamento básico. Estes modelos são: (i) ARI Estadual multissetorial, (ii) ARI estadual exclusiva de saneamento básico, (iii) ARI Municipal, (iv) ARI Regional ou Consorciada e (v) Buro/regulocracia. Entretanto, para chegar a estes resultados, foi necessário construir um modelo teórico que superasse as restrições existentes na literatura de policy transfer. Para tanto, esta teoria foi utilizada em conjunto com o path dependence, uma vez que, após as primeiras pesquisas no setor, verificou-se uma forte influência das variáveis históricas sobre o saneamento. Nesta interseção consiste a contribuição teórica deste trabalho, uma vez que, com a integração de elementos do path dependence na literatura de policy transfer foi possível romper com uma das principais limitações desta teoria: a unidirecionalidade da transferência.

(7)

7 ABSTRACT

(8)

8 TABELAS:

Tabela 1: Municípios com serviços de abastecimento de água por rede geral de distribuição, segundo as grandes regiões – 1989/2008

Tabela 2: Atendimento dos serviços de distribuição de água, coleta de esgoto, índice de tratamento e investimento realizados no ano – 2010

Tabela 3: Identificação dos entrevistados

Tabela 4: Agências reguladoras de saneamento básico

Tabela 7: Matriz de modelos possíveis de regulação em saneamento e respectivos exemplos Tabela 6: Principais agências reguladoras do país

QUADRO:

Quadro 01: Dimensões de análise

GRÁFICO:

Gráfico 1: Padrões de poluição (IDH x Impacto Ambiental)

FIGURAS:

Figura1: Modelo conceitual de transferência de políticas públicas regulatórias diante da trajetória de um setor

Figura 2: Estrutura do setor de saneamento durante o PLANASA: Período de 1970 a 1990 Figura 3: Estrutura do setor de saneamento após a lei de concessões

Figura 4: Trajetória do setor de saneamento básico brasileiro Figura 5: Estrutura atual do setor de saneamento básico

Figura 6: Transferências das ARIs no saneamento básico via modelo multissetorial estadual Figura 7: Transferências das ARIs estaduais de competência exclusiva sobre o saneamento básico

Figura 8: Transferência das ARIs no âmbito municipal Figura 9: Transferência das ARIs consorciadas

(9)

9

Sumário

1. INTRODUÇÃO ... 10

2. REFERENCIAL TEÓRICO ... 15

2.1 Teorias de intercâmbio de políticas públicas ... 15

2.2 Contribuições das teorias de intercâmbio de políticas para o processo de agencificação ... 16

2.2.1 De onde são tiradas as lições a serem transferidas? ... 19

2.2.2 Por que ocorre a transferência de políticas públicas? ... 20

2.2.3 Quem são os atores envolvidos no processo? ... 21

2.2.4 Restrições à transferência ... 23

2.3 A contribuição da perspectiva de path dependence ... 24

2.3.1 Eventos aleatórios ou contingências ... 25

2.3.2 Mecanismos de auto-reforço ou feefbacds positivos ... 26

2.4 Modelo conceitual ... 26

3. METODOLOGIA ... 28

3.1 Coleta de dados ... 28

3.2 Análise de dados ... 31

4. DISCUSSÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS ... 32

4.1 A trajetória histórica do setor de saneamento básico no Brasil ... 32

4.1.1 Histórico do setor ... 32

4.1.2 A aprovação do marco regulatório do setor sob a perspectiva de path fepenfence ... 38

4.2 O Processo de transferência das agências reguladoras no setor de saneamento Básico ... 42

4.2.1 O papel do marco legal na criação das agências do setor ... 42

4.2.2 Hibridismo de ARIs no setor de saneamento ... 46

5. CONCLUSÕES ... 67

5.1 Limitações da pesquisa ... 68

5.2 Sugestões de pesquisas futuras ... 69

(10)

10

1.

INTRODUÇÃO

A importância do saneamento básico para a qualidade de vida da população é amplamente reconhecida. A água é um recurso essencial à vida e o esgoto pela sociedade gerado, quando não destinado de maneira correta, causa, além de poluição hídrica e contaminação de solos, a proliferação de doenças como a diarreia, responsável pela morte de milhões de pessoas, sobretudo, crianças nas áreas subdesenvolvidas. A má qualidade dos serviços de saneamento básico denuncia o grau de desenvolvimento de uma região, já que este serviço é essencial e já universalizado nas economias mais desenvolvidas. O gráfico 1 mostra a diferença entre os impactos ambientais nos diferentes níveis de desenvolvimento humano medidos pelo IDH. Neste, verifica-se, que por um lado, as economias de baixo IDH possuem qualidade restrita nos serviços de água e esgoto e, por outro lado, os países de maior desenvolvimento humano causam outros tipos de impactos ao meio ambiente, como, por exemplo, a emissão de gases do efeito estufa.

Gráfico 1: Padrões de poluição (IDH x Impacto Ambiental)

Fonte: Baseado em PNUD (2011)

Nos últimos anos, no Brasil, houve uma expansão do número de municípios com abastecimento de água por rede de distribuição. Embora a Pesquisa Nacional de Saneamento

Índice de desenvolvimento humano Impacto

ambiental

Poluição

urbana

Emissão de

gases de

efeito estufa

Má qualidade

(11)

11 Básico de 2008 afirme que a grande maioria dos municípios brasileiros possui rede de distribuição de água, isso não significa que toda a extensão das cidades seja coberta pela rede, sendo que, na maioria destas, a infraestrutura ainda é incipiente, principalmente, nas áreas mais carentes. Esta água distribuída, em alguns casos, pode não ser tratada. Segundo o IBGE, no ano de 2008, 87,2% dos municípios, com rede de distribuição, forneciam água totalmente tratada, enquanto que em 6,2% das cidades a água era parcialmente tratada e, em 6,6% a água era distribuída sem nenhum tipo de tratamento.

Tabela 1: Municípios com serviços de abastecimento de água por rede geral de distribuição, segundo as grandes regiões – 1989/2008

Municípios com serviço de abastecimento de água

1989 2000 2008

Quantidade % Quantidade % Quantidade %

Brasil 4 245 95,9 5 391 97,9 5 531 99,4

Norte 259 86,9 422 94,0 442 98,4

Nordeste 1 371 93,8 1 722 96,4 1 772 98,8

Sudeste 1 429 99,9 1 666 100,0 1 668 100,0

Sul 834 97,3 1 142 98,5 1 185 7 99,7

Centro-Oeste 352 92,9 439 98,4 464 99,6

Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de População e Indicadores Sociais, Pesquisa Nacional de Saneamento Básico 1989, 2000 e 2008. Notas: Considera-se com serviço de abastecimento de água o município que, em pelo menos um distrito ou parte dele, informou abastecimento de água por rede geral de distribuição. Em 1989 o Brasil tinha 4 425 municípios; em 2000, 5 507 e em 2008, 5 564.

A situação do esgoto sanitário ainda é muito pior do que a distribuição de água. Segundo o estudo Progress on Drinking Water and Sanitation 2012 da Organização Mundial da Saúde, o país possui 13 milhões de habitantes sem acesso a banheiro. A PNSB (2008) aponta que 55,2% das cidades brasileiras tinham serviço de esgotamento sanitário por rede coletora – sistema mais apropriado para o assunto. Este dado torna-se ainda mais alarmante quando se analisa a baixa taxa de universalização destes serviços nos municípios onde já existe rede coletora instalada. Outras questões importantes nem são abordados por este dado, como, por exemplo, o tratamento do esgoto e a qualidade do serviço oferecido.

(12)

12 Das 100 maiores cidades do país, apenas seis possuem índice de tratamento acima de 80%, sendo elas: Sorocaba, Niterói, São José do Rio Preto, Jundiaí, Curitiba e Maringá.

Tabela 2: Atendimento dos serviços de distribuição de água, coleta de esgoto, índice de tratamento e investimento realizados no ano – 2010

Região

Água

(% da população

atendida)

Coleta de Esgotos

(% da população

atendida)

Índice Tratamento

de esgotos (%)

Investimentos

TOT URB TOT URB TOT TOT

N 57,5 71,8 8,1 10,0 22,4 0,37

NE 68,1 887,1 19,6 26,1 32,0 2,0

CO 86,2 95,3 46,0 50,5 43,1 0,7

S 84,9 96,0 34,3 39,9 33,4 1,2

SE 91,3 96,6 71,8 76,9 40,8 4,7

BRASIL 81,1 92,5 46,2 53,5 37,9 8,9

Fonte: Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento 2010 (SNIS)

Ainda segundo a SNIS 2010, as receitas geradas pelos serviços de água e esgoto alcançaram R$ 70,5 bilhões, em 2010, e os investimentos realizados, no mesmo ano, nesta área, somaram de R$ 8,9 bilhões, sendo que 94% deste total foram investidos pelos próprios prestadores dos serviços. Mesmo diante de um cenário tão carente de infraestrutura, segundo estudo De Olho no PAC, do Instituto Trata Brasil, até dezembro de 2011, apenas 7% das obras do PAC Saneamento haviam sido concluídas e 60% das obras estavam paralisadas, atrasadas ou ainda não iniciadas.

(13)

13 Diante de tamanha necessidade deste setor para a população, buscar instrumentos que possibilitem uma melhora dos serviços prestados é muito importante. Um avanço na governança desta atividade, através da criação de instituições de regulação para o setor, pode trazer grandes benefícios para a sociedade. Diante deste cenário acima descrito, entender o processo de agencificação, isto é, o processo de criação e consolidação de agências reguladoras no saneamento básico brasileiro faz-se relevante. Dessa forma, a presente pesquisa busca responder a estas questões orientadoras:

Quais são os fatores que influenciam o processo de criação de agências reguladoras de saneamento no contexto brasileiro?

Quais são os modelos de agências reguladoras independentes de saneamento que resultam desse processo?

Neste sentido, o trabalho tem por objetivo compreender o processo de agencificação a partir da ótica da transferência de modelo de “agência reguladora” no setor de saneamento básico no Brasil, tema este ainda pouco abordado dentro da literatura. De fato, a pesquisa parte do diagnóstico de que a agencificação, compreendida como o processo de criação e proliferação de agências reguladores independentes (ARI), é um fenômeno mundial e bastante expressivo também no contexto brasileiro. Entretanto, um conjunto de pressões externas, relacionados ao intercâmbio de políticas públicas e um conjunto de fatores internos, relacionado a dimensões contextuais, podem influenciar este processo de agencificação e resultar em formatos híbridos de ARIs.

Para responder nossa questão, será utilizado como marco teórico às literaturas de intercâmbio de políticas públicas, com destaque para policy transfer, a qual ajuda compreender as pressões externas à agencificação. Contudo, estas linhas analíticas, por si só não são capazes de explicar o fenômeno de estudo, sendo necessária a utilização complementar da teoria de path dependence. Isto porque, se por um lado, a proliferação de agências reguladoras está ligada a fatores externos abordados pelas literaturas de intercâmbio de políticas públicas, por outro, os aspectos históricos e as estruturas inerentes ao setor de saneamento básico podem influenciar o processo de transferência desse modelo.

(14)

14 2007, a qual define saneamento básico, em seu artigo terceiro, como os serviços, aparatos de infraestrutura e instalações operacionais de:

[...] a) abastecimento de água potável: constituído pelas atividades, infra-estruturas e instalações necessárias ao abastecimento público de água potável, desde a captação até as ligações prediais e respectivos instrumentos de medição;

b) esgotamento sanitário: constituído pelas atividades, infra-estruturas e instalações operacionais de coleta, transporte, tratamento e disposição final adequados dos esgotos sanitários, desde as ligações prediais até o seu lançamento final no meio ambiente;

c) limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos: conjunto de atividades, infra-estruturas e instalações operacionais de coleta, transporte, transbordo, tratamento e destino final do lixo doméstico e do lixo originário da varrição e limpeza de logradouros e vias públicas;

d) drenagem e manejo das águas pluviais urbanas: conjunto de atividades, infra-estruturas e instalações operacionais de drenagem urbana de águas pluviais, de transporte, detenção ou retenção para o amortecimento de vazões de cheias, tratamento e disposição final das águas pluviais drenadas nas áreas urbanas. (BRASIL, Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 1965, 2007)

(15)

15

2. REFERENCIDL TEÓRICO

2.1 Teorias de intercâmbio de políticas públicas

O intercâmbio de políticas públicas entre os mais diversos países vem assumindo um espaço privilegiado na agenda de pesquisa num cenário de crescente dependência dos sistemas políticos nacionais. De fato, a intensificação destas trocas entre diferentes regiões deve-se, sobretudo, aos avanços tecnológicos, que, por sua vez, ajudaram a facilitar e agilizar a comunicação entre os agentes políticos (DOLOWITZ; MARSH, 2000). Outro fator que tem influenciado este processo é a globalização, que impossibilita o isolamento econômico entre as nações, mesmo as que se encontram em diferentes graus de desenvolvimento (PARSONS, 1996).

Por outro lado, diante de um cenário mais globalizado, verifica-se um avanço de poder das corporações transnacionais e das instituições supranacionais, as quais passaram a exercer maior influência e poder nas sociedades contemporâneas, reduzindo, assim, a capacidade dos formuladores de políticas públicas de elaborar, com maior independência, suas próprias agendas (PARSONS, 1996). Para outros autores, a globalização é apontada como uma das responsáveis pela convergência de problemas entre a maioria dos países, ou seja, diferentes regiões passam a enfrentar, cada vez mais, desafios semelhantes. Para Bennet (1991), os Estados industriais modernos podem ter enfrentamentos análogos e, consequentemente, tendem a resolvê-los de maneira semelhantes. Dessa forma, uma resposta similar a um mesmo desafio pode não ser, necessariamente, resultado de uma cópia ou aprendizagem, mas sim de uma evolução paralela entre estes diferentes países (STONE, 2001).

(16)

16 Independentemente da perspectiva utilizada, não é raro encontrar exemplos de políticas públicas semelhantes que são adotadas em diferentes regiões ou nações. O modelo regulatório clássico via agências reguladoras independentes (ARIs) é, de fato, um produto desta “globalização” de políticas públicas. A regulação começou a se intensificar diante das crises orçamentárias pelas quais passaram grande parte das economias mundiais a partir da década de 70. Este período de conturbação econômica aumentou as pressões sociais sobre os governos e obrigou-os a buscarem artifícios que possibilitassem a execução de mais ações com uma necessidade menor de recursos.

Este cenário levou muitos países a adotarem, nas décadas seguintes, agendas neoliberais, das quais fazem parte a redução do papel do Estado e, consequentemente, as privatizações. Estas, por sua vez, para serem bem sucedidas, exigem certa segurança e credibilidade institucional, as quais são garantidas, em parte, pelas ARIs. O modelo brasileiro de regulação, como mostrado por Peci (2004), também surgiu neste contexto das privatizações. Entretanto, o processo de agencificação1 no contexto brasileiro gerou ARIs difíceis de serem explicadas apenas a partir dessa ótica, uma vez que agências se proliferaram em setores como cinema ou água, se multiplicaram/reduziram em vários formatos diferenciados nos níveis estadual e municipal, exigindo um aprofundamento da compreensão desse processo, para além da relação “privatização leva a regulação”.

2.2 Contribuições das teorias de intercâmbio de políticas para o processo de

agencificação

No campo de teorias de intercâmbio de políticas, alguns autores ganham destaque para compreender o processo de agencificação. Dois trabalhos de David Dolowitz e David Marsh, publicados nos anos de 1996 e de 2000, guiam boa parte da literatura de policy transfer. Os trabalhos desses autores, os quais são fortemente inspirados nos estudos de policy convergence, de Colin Bennett, e de lesson-drawing, de Richard Rose; buscam compreender o processo de transferência de políticas públicas através de oito questionamentos (STONE, 2001; EVANS; DAVIES, 1999).

As oito perguntas abordadas pelos autores são: (i) Por que ocorre o processo de transferência de políticas públicas? (ii) Quem são os principais agentes envolvidos nestas transferências? (iii) O que de fato é transferido? (iv) De onde são tiradas as lições a serem transferidas? (v) Quais são os diferentes graus da transferência? (vi) O que restringe o

1

(17)

17 processo de transferência de política pública? (vii) Como demonstrar este processo de transferência? (viii) Como o processo de transferência de políticas é relacionado com seu "sucesso" ou seu "fracasso"?

Outro trabalho de destaque na estruturação do policy transfer é o artigo de Evans e Davies (1999). Neste artigo, os autores propõem, dentre outros aspectos metodológicos, critérios de validação dos estudos desta abordagem, sendo eles: (i) tornar claro o objeto de análise, (ii) demonstrar quem são os agentes e os beneficiários da transferência, (iii) verificar se há evidências de não transferência, (iv) explicitar quais as evidências oferecidas para apoiar a alegação da transferência, e, por fim, (v) concluir sobre a natureza e a extensão da transferência que ocorreu. Estes autores ainda tem um papel importante na segmentação dos processos de transferências em fases, os quais vão desde o reconhecimento da política pública até seus resultados finais.

Conforme se pode observar, os dois modelos compartilham alguns pontos comuns de análise. Paralelamente, nem todos os aspectos por eles analisados são pertinentes para responder a pergunta de pesquisa desse trabalho, que foca no processo de agencificação. O quadro 1 tenta comparar os modelos, destacando os pontos em comum e apresentando as dimensões que são relevantes para o modelo analítico dessa pesquisa, assinaladas com X no quadro abaixo.

Quadro 01: Dimensões de análise Dolowitz & Marsh

Evans & Davies Modelo Analítico do Trabalho

1. Por que ocorre o processo de transferência de políticas públicas?

X

2. Quem são os principais agentes envolvidos nestas transferências?

2. Demonstrar quem são os agentes e os beneficiários da transferência

X

3. O que, de fato, é transferido? 1. Tornar claro o objeto de análise Olhar sob a ótica de divergência

4. De onde são tiradas as lições a serem transferidas?

X

5. Quais são os diferentes graus da transferência?

5. Concluir sobre a natureza e a extensão da transferência que ocorreu

Olhar sob a ótica de divergência

6. O que restringe o processo de transferência de política pública?

X

7. Como demonstrar este processo de transferência?

3. verificar se há evidências de não transferência

4. explicitar quais as evidências oferecidas para apoiar a alegação da transferência

(18)

18 8. Como o processo de

transferência de políticas é relacionado com seu "sucesso" ou seu "fracasso"?

Não aplicável

Quais os formatos ARIs que estão proliferando, na prática?

A seguir, serão analisadas com maiores detalhes as dimensões relevantes para a pesquisa, buscando identificar seu potencial na compreensão do fenômeno de agencificação no setor de saneamento no Brasil.

Em primeiro lugar, é importante destacar que os dois modelos partem da premissa de “convergência” de políticas públicas em diversos contextos e isto marca uma diferença substancial com a nossa análise, baseada na premissa da divergência, para a qual é razoável esperar que, no decorrer da transferência, cada contexto produza um arranjo institucional distinto, uma vez que se apropria das diferentes lógicas e arranjos da forma mais conveniente (RADAELLI, 2005; MOYNIHAN, 2006). Em outras palavras, espera-se que a pesquisa revele a proliferação de hibridismos de ARIs, ao invés de formas “homogêneas” ou convergentes de ARIs. De fato, outras pesquisas têm demonstrado diferentes percepções de agências, as quais levam a graus distintos de autonomia e controle, indicando que trata-se de um processo divergente, de modo que esses entes assumem trajetórias únicas em diferentes países e setores (VERHOEST & LAEGREID, 2010; POLLITT et.al., 2001; POLLITT& BOUCKAERT, 2000; YESILKAGIT & CHRISTENSEN, 2009; VERSCHUERE & BARBIERI, 2009).

Logo, a discussão sobre o que, de fato, é transferido ou a demonstração do processo de transferência será vista sob a ótica do no modelo de “agência reguladora independente”, sem entrar na análise do grau de transferência propriamente dita, uma vez que se assume que sempre ocorrerão divergências no decorrer deste processo.

(19)

19 serem transferidas, as ferramentas institucionais e as instituições com as quais é possível administrar e ou regular uma determinada política pública.

Esta definição faz-se importante, pois engloba o foco empírico deste trabalho, o qual se restringe a transferência das ARIs no saneamento básico no Brasil, não abordando a política pública de saneamento como um todo. Entretanto, espera-se que este processo de transferência seja caracterizado por divergências ao invés de convergência. Divergência esta, que, em parte, é explicada pelas restrições tratadas por Dolowitz e Marsh (2000) e, em parte, pelas características contextuais que serão analisadas a partir da ótica de path dependence. Estas restrições, quando não impedem totalmente a transferência, irão criar novas características ao modelo final, descaracterizando uma convergência.

Outro ponto importante do modelo de análise, diz respeito ao contexto de origem da transferência, isto é, à pergunta “De onde são tiradas as lições a serem transferidas?”.

2.2.1 De onde são tiradas as lições a serem transferidas?

Dolowitz e Mash (2000) defendem que existem três níveis de governo dos quais podem ser oriunda a política pública a ser transferida: o internacional, o nacional e o local. No que diz respeito à transferência entre nações, Dolowitz e Mash (2000) questionam a visão da literatura existente de que há países que transferem políticas públicas e outros que apenas as recebem. As transferências não necessariamente precisam ocorrer de países desenvolvidos para países em desenvolvimento. Elas podem ocorrer de países desenvolvidos para desenvolvidos (transferência norte-norte). Para justificar esta visão, estes autores citam como exemplo os programas que a Grã-Bretanha importou dos EUA durante os governos de Thatcher, Major e Blair (employment training scheme, training and enterprise councils e job seekers allowance) e o caso da Nova Zelândia que, inicialmente, recebeu transferências de políticas públicas da NPM (New Public Management) e depois tornou referência no assunto, passando a ser uma inspiração para os demais. Estas transferências norte-norte são, geralmente, voluntárias, ao contrário das norte-sul, as quais predominam na literatura, que possuem um caráter mais coercitivo, devido ao poder financeiro e político que os países ricos e as organizações supranacionais possuem sobre as nações mais pobres. Uma grande lacuna existente na literatura diz respeito as transferência sul-sul – entre países em desenvolvimento.

(20)

20 centrais se inspirarem nos subnacionais. Este é o caso da transfêrencia do modelo de ARI de saneamento básico, no qual as agências criadas no setor têm como benchmark as AIRs federais, especialmente, as de competência sobre infraestrutura, e também agências criadas nos niveis estaduais e municipais.

De fato, o processo de transferência das agências reguladoras, neste setor, no Brasil, deu-se dentro do contexto nacional, devido a já existência do modelo de ARIs no nível federal, estadual e até municipal. No nível federal, segundo Martins (2006) houve três gerações de criações de agências reguladoras. Todas estas gerações são anteriores ao marco regulatório do saneamento (lei Nº11.445/07) – aprovado em janeiro de 2007. As três gerações destacadas por este autor são:

• 1º geração (1995 até 1998): regulação econômica de setores de infraestrutura recentemente privatizados;

• 2º geração (1995 até 1998): regulação econômica e social com a finalidade de garantir direitos e proteção à sociedade;

3º geração (2001 até 2006): regulação econômica de serviços de transporte;

As primeiras ARIs com competência sobre o saneamento básico (municipais ou estaduais), precedentes ao marco regulatório do setor, também são posteriores às agências reguladoras federais de infraestrutura. Logo, aqui será assumida a perspectiva de Jordana, Levi-Faur e Marín (2005), a qual afirma que, na América Latina, a criação das novas ARIs é explicada, em grande parte, pelas transferências setoriais. Portanto, a criação das agências federais de infraestrutura levou a expansão deste modelo para o saneamento básico e, posteriormente, as próprias ARIs do setor ajudaram na replicação deste modelo nas demais unidades da federação.

Por fim, duas perguntas muito relevantes do modelo de Dolowitz e Marsh (1996), que se resgatam, parcialmente, no modelo de Evans e Davies, são particularmente relevantes para esta pesquisa: “Por que ocorre a transferência a transferência de políticas públicas?” e “Quem são os atores envolvidos no processo?, ou, para Evans e Davies, “quem são os agentes e os beneficiários da transferência”.

(21)

21 Para Dolowitz e Marsh (1996), o policy transfer ocorre devido à vontade ou a obrigatoriedade da implantação de políticas públicas originalmente utilizadas em outras regiões. Eles afirmam que os motivos pela escolha da transferência estão dentro de uma escala, a qual possui em uma de suas extremidades a transferência de caráter voluntário, fazendo uso do lesson drawing e de racionalidade perfeita; e, na outra ponta, a transferência coercitiva com a imposição direta de uma política pública pensada externamente.

Entretanto, tanto o modelo puramente coercivo, quanto o exclusivamente voluntário são difíceis de serem verificados na prática. Se por um lado, a literatura existente na área possui pouquíssimos casos de um modelo totalmente coercitivo, no qual os países mais poderosos, as organizações supranacionais e agências de fomento têm sido capazes de obrigar os governos a adotar programas e políticas públicas inflexíveis contra sua vontade, por outro lado, a racionalidade perfeita inerente a um modelo totalmente voluntário é impossível de ser alcançada. Isto é, a totalidade dos casos de transferência não se encontra nem em uma ponta, nem em outra da escala de policy transfer apresentada por Dolowitz e Marsh (2000). Ou seja, as transferências misturam elementos tanto espontâneos quanto impositivos. Mesmo um processo que se inicia de forma impositiva em países ou regiões através de pressões externas, ao longo do tempo, ganha características mais voluntárias ao longo do tempo.

Dolowitz e Marsh (2000) destacam alguns personagens inerentes ao processo de transferência que aumentam a complexidade da distinção entre o que é voluntário e o que é coercitivo. Por exemplo, os consultores externos, apesar de tentarem criar novos programas para seus contratantes, são fortemente influenciados pelo viés das experiências anteriores de suas regiões de origem, o que diminui o caráter espontâneo da transferência, uma vez que estes tenderão a implantar um modelo mais próximo possível do qual eles já estão familiarizados.

No caso da transferência do modelo de ARIs no saneamento básico brasileiro, a questão vai mais além de apenas um debate sobre coerção e voluntarismo, até porque, como demonstrado, a transferência não se deu entre um país emissor e um país receptor, mas ocorreu dentro do contexto nacional. Esta questão é muito complexa, uma vez que os atores envolvidos na transferência, os quais serão tratados abaixo, também atuam incentivando um processo voluntário ou criando meios de coerção, tal qual a lei Nr. 11.445/07.

(22)

22 Para compreendermos o papel dos atores envolvidos no processo, é importante expandir a ótica dos modelos acima apresentados, que partem do pressuposto de uma pressão vertical de transferência (do internacional para o nacional, do federal para o estadual e municipal e assim por diante). De fato, os processos de transferência podem receber várias pressões de natureza horizontal (no caso, de um setor para outro) ou vertical, inclusive de baixo para cima. Isto é, estas pressões não necessariamente precisam ser unidirecionais, podendo assumir um caráter de mão dupla (não apenas de cima para baixo como de baixo para cima), considerando que o processo de transferência de políticas públicas não é um projeto isolado, mas sim parte integrante do processo político, cujos atores políticos não ficam necessariamente circunscritos a um lado ou outro desse processo.

Entretanto, para os teóricos de transferência de políticas públicas, as decisões de transferência são respaldadas pela esfera política e ideológica que as envolve e, sendo assim, merecem destaque no processo de transferência os agentes políticos, tanto do lado de quem emana a transferência, quanto do receptor (EVANS; DAVIES, 1999).

Abaixo serão destacados os principais atores que potencialmente poderão participar num processo de transferência, de acordo com a literatura de transferência de políticas e, particularmente, das políticas regulatórias.

Políticos eleitos: a transferência de uma política pública dentro de um regime democrático passa diretamente pelos governantes. Sendo assim, a vontade destes é um dos vetores iniciais dentro do processo de transferência (EVANS; DAVIES, 1999). • Regulocracia (profissional de regulação): a regulocracia, ou seja, os profissionais

responsáveis pela regulação, não está presente na literatura de transferência de políticas públicas. Contudo, faz-se importante para a nossa análise, pois como apresentado por Gilardi, Jordana e Levi-Faur (2007), os regulocratas buscam desenvolver normas profissionais comuns, as quais tendem a valorizar a autonomia e, consequentemente, a uma expansão da abrangência das ARI.

(23)

23 • Corporações transnacionais: estas têm influência e poder capaz de impor a

determinadas localidades uma agenda (DOLOWITZ; MARSH, 2000). Sua atuação pode ser vista desde a realização de lobbys até o condicionamento de investimentos diretos a adoção de uma determinada política pública.

Instituições supranacionais: A existência destas instituições como FMI, OCDE, G-7 e ONU ajuda a formar uma resposta comum a diversos problemas similares aos países. Isso faz com que haja maior cooperação internacional, fazendo com que a elaboração de políticas públicas seja mais integrada e interdependente. Sendo assim, estas organizações têm desempenhado um papel cada vez maior na disseminação de ideias, programas e instituições ao redor do globo. Sua influência sobre os gestores locais pode ser direta, através de pressões e condicionamento de empréstimo ou, indireta, através da informação e técnicas disseminadas via conferências e relatórios (DOLOWITZ; MARSH, 2000; BENNETT, 1991; GILARDI 2011).

Demais Instituições: estas podem ser transferidas ou participar da transferência. Além disso, as organizações internacionais não-governamentais (ONGs) também estão aumentando sua influência sobre a política pública global por meio de sua capacidade de difundir idéias e informações em nível internacional (DOLOWITZ; MARSH, 2000).

Por fim, como acima já mencionado, a literatura de policy tranfer apresenta elementos que podem restringir uma transferência. Estes serão tratados a seguir.

2.2.4 Restrições à transferência

Alguns fatores podem vir a criar certos empecilhos à transferência de políticas públicas. Em seu modelo de policy transfer, Dolowitz e Marsh (2000) apontam certos elementos que podem restringir a implementação da transferência. Contudo, para o caso das ARIs em saneamento básico, muitos destes elementos não são verificados. Abaixo, destacam-se os mais importantes.

(24)

24 • A inexistência da implantação de políticas públicas semelhantes em diferentes

momentos de tempo. Caso uma localidade não possua nenhuma experiência com uma determinada política públicas similar, isto pode acarretar maior dificuldade durante a transferência.

As tecnologias inerentes ao processo. A transferência pode ser prejudicada caso a localidade receptora não disponha de toda a tecnologia necessária – tanto hardware, quanto software – para implantação desta.

O ambiente econômico. A questão econômica também pode restringir o sucesso de uma transferência, pois sua dinâmica impacta diretamente sobre a agenda de políticas públicas. Rose (1993) coloca que se devem considerar as restrições de recursos para implementar os programas.

Todavia, apenas estas questões levantadas pela literatura de intercâmbio de políticas públicas, por si só, não são capazes de explicar o porquê da transferência do modelo de ARIs no saneamento básico brasileiro. As lacunas teóricas são comuns dentro da teoria de policy transfer. Conforme apontado por Evans e Davies (1999), o “policy transfer” por si só não é suficiente para explicar um processo de transferência de políticas públicas. A utilização de outras teorias em conjunto com esta literatura é muito bem vinda devido ao fato desta ter uma excelente capacidade para combinar diferentes tipos de ferramentas teóricas (BESON; JORDAN, 2011). Neste sentido, para compreender os fatores que influenciam o processo de criação de agências reguladoras de saneamento no contexto brasileiro e os modelos de ARIs que surgem desse processo considera-se necessário compreender a trajetória histórica e institucional do setor, partindo do pressuposto que esta trajetória pode e vai influenciar a criação de ARIs. Para esta finalidade será utilizada a teoria de path dependence, analisada a seguir.

2.3 A contribuição da perspectiva de path dependence

(25)

25 institucional, ajudando a compreender de forma mais dinâmica sua influência ao longo do processo de criação da ARIs.

2.3.1 Eventos aleatórios ou contingências

Rhodes, Binder e Rockman (2006) possuem uma comparação interessante entre as instituições e o cimento. Para eles, as instituições, bem como o cimento, podem ser mais facilmente modificadas antes de “endurecer”, ou seja, a partir de um momento que uma instituição ganha certa maturidade, seus rumos tendem a ser menos flexíveis. Arthur (1990), um dos pioneiros desta abordagem, coloca que, uma vez definido os eventos aleatórios iniciais, pode-se criar locked-in, ou seja, um bloqueio a uma trajetória alternativa, mesmo que esta seja mais vantajosa. Estes eventos aleatórios ou contingências, descritos por autor Arthur (1990), estão associados a eventos exógenos e não previsíveis (MAHONEY; SCHENSUL, 2006). Outras pesquisas apontam a importância de um evento contingencial inicial para a formação de uma trajetória de dependência. Estes acontecimentos iniciais, por sua vez, vão direcionar um caminho particular a ser seguido e que, através dos mecanismos de auto-reforço, levam a uma dependência de trajetória, a qual torna cada vez mais improvável e extremamente custosa qualquer alteração no rumo já estabelecido (MARTIN, 2012; PETERS 1999).

Contudo, as contingências não são unânimes dentro da literatura de path dependence. Alguns trabalhos relevantes para área, sobretudo na ciência política – como Pierson (2004) –, não incorporam estes na teoria de path dependence. Para Pierson, os eventos aleatórios são características possíveis, mas não obrigatórias para a teoria em questão. Ainda na linha política, Thelen (1999), anteriormente a Pierson, já acreditava que uma trajetória não precisa, necessariamente, ser iniciada tendo como estopim uma contingência. Neste caso, os mecanismos de auto-reforço, os quais serão tratados na sequência, possuem um papel mais importante para o path dependence.

(26)

26 2.3.2 Mecanismos de auto-reforço ou feedbacks positivos

Além dos eventos contingenciais, caracterizam uma trajetória de dependência os mecanismos de auto-reforço ou feedback positivos. Estes instrumentos têm como principal exemplo ilustrativo o teclado QWERTY. Esta tecnologia pioneira, depois de ter sido adotada, teve como mecanismo de auto-reforço: (i) os ganhos de escala em sua produção e (ii) a criação de barreiras de uso para superar seus concorrentes, ou seja, uma vez que houve a aprendizagem desta ferramenta, a migração para outra tecnologia similar acarretou num custo ao usuário (VERGNE; DURAND, 2010). Esta barreira de conhecimento é muito difícil de ser rompida, uma vez que, conforme apontado por Castaldi e Dosi (2006), o novo conhecimento tem sua construção de forma cumulativa, sendo que uma nova tecnologia tem sua inserção facilitada caso utilize-se de conhecimentos já dominados pelas pessoas.

Estes mecanismos estão, em muitos casos, relacionados às “vantagens” que os atores de interesse da trajetória possuem, ou seja, a partir de um momento que um determinado ator passa a “ganhar” com o caminho estabelecido, este irá criar bloqueios para evitar um desvio que lhe imponha perdas. Neste sentido, Pierson (2004) destaca o papel destes atores políticos, os quais, quando podem impor as regras que serão vigentes no futuro, irão fazê-las de forma a criar instrumentos que os favoreçam, ou seja, intensificando o seu poder.

Arthur (1994) aponta quatro características principais dos mecanismos de auto-reforço, sendo elas: (i) imprevisibilidade, não se sabe a priori quais serão os mecanismos inerentes à trajetória, já que os eventos contingenciais também possuem aleatoriedade, ou seja, as contingências ocorrem ao acaso, sendo estas também imprevisíveis; (ii) potencial ineficiência, devido ao fato destes mecanismos dificultarem o avanço de alternativas mais eficientes; (iii) reforço da trajetória, estes mecanismos tem como função ampliar e reforçar os efeitos dos eventos contingenciais iniciais; e, por fim, (iv) a inflexibilidade, a qual é uma consequência da última característica, ou seja, graças aos mecanismos de reforço, criam-se barreiras a mudança no status quo.

Assim, diante das literaturas acima apresentadas, buscou-se criar um modelo conceitual a ser apresentado na sequência, integrando as duas perspectivas teóricas acima analisadas.

2.4 Modelo conceitual

(27)

27 básico brasileiro. Este hibridismo do modelo teórico deve-se, sobretudo, a falta de ferramental analítico na literatura de transferência de políticas públicas, a qual é minimizada com a teoria de path dependence.

Figura1: Modelo conceitual de transferência de políticas públicas regulatórias diante da trajetória de um setor

(28)

28

3. METODOLOGID

Esta pesquisa tem um caráter dedutivo-indutivo. Dedutivo devido ao fato do trabalho ter sido realizado a partir de uma lente conceitual que buscou integrar as teorias de transferência com a perspectiva de path dependence, conforme anteriormente demonstrada. Contudo, a pesquisa também assume um caráter indutivo, pois o modelo teórico não foi um limitante na busca pelo entendimento da questão de pesquisa, surgindo outros elementos no decorrer da pesquisa empírica, os quais ajudaram a formar um modelo conceitual final mais refinado e adequado ao setor, a ser apresentado nas conclusões deste trabalho.

A escolha da lente conceitual baseada, sobretudo, na literatura de “policy transfer” e path dependence leva a um trabalho de natureza qualitativa, pois, conforme apontado por Newmark (2002), esta linha analítica utiliza-se de um número de casos mais restritos. Contudo, os métodos qualitativos envolvem uma análise muito mais detalhada, na qual o pesquisador procura descobrir os detalhes que foram transferidos, os aspectos envolvidos na transferência, além das formas de transferência (NEWMARK, 2002).

A opção pela metodologia qualitativa deve-se, principalmente, aos fatores inerentes ao saneamento básico brasileiro. Como será visto mais a frente, este é um setor de muitas peculiaridades e de grandes tensões, o que leva a uma necessidade maior de inserção no campo, demandando um aprofundamento qualitativo em detrimento da quantidade de ocorrências observadas. Esta visão é corroborada por Langley (1999), que argumenta que os dados qualitativos têm um poder maior de compreensão dos processos devido à riqueza de detalhes nestes encontrados.

As etapas da pesquisa de campo realizada para responder às perguntas da pesquisa - identificar os fatores que influenciam a criação de ARIs no setor de saneamento e os modelos de ARIs resultantes desse processo - são descritas a seguir:

3.1 Coleta de dados

Um conjunto de instrumentos de coleta de dados foi utilizado no decorrer de pesquisa, conforme detalhado abaixo:

Pesquisa documental.

(29)

29 Ministérios, prefeituras, secretarias estaduais, etc.), além da análise do arcabouço legal, uma vez que, a regulação é regida tanto por leis e decretos de nível federal, quanto por legislação subnacional. Ainda no arcabouço legal destacam-se as análises dos projetos de lei que antecederam a lei Nr. 11.445/07, com ênfase nas duas propostas que deram origem ao texto final do marco regulatório do setor.

Observação participante

No decorrer de toda a pesquisa de campo, o pesquisador participou ativamente de vários eventos e encontros de setor, ao exemplo do Congresso ABAR. Também contribuíram para a observação participante, as conversas informais tidas com demais atores da área, as quais não estão registradas nas entrevistas. Ao todo foram contabilizadas 20 conversas registradas em field notes.

Entrevistas.

Miller & Glassner (2004) apontam que as entrevistas têm uma capacidade de ajudar num melhor entendimento dos contextos e interações sociais, sendo assim, estas possuem um caráter muito importantes para o trabalho. No total, foram realizadas 19 (dezenove) entrevistas com pessoas de grande relevância nos seus respectivos nichos de atuação.

As entrevistas foram semiestruturadas, uma vez que seus roteiros iniciais foram previamente elaborados utilizando-se do modelo conceitual acima demonstrado e levando em consideração o know-how dos entrevistados, ou seja, conforme a sua função e sua participação no processo de transferência de agências reguladoras. No início de cada entrevista sempre era apresentada a pesquisa e realizada uma questão aberta que mais se adequasse ao perfil do entrevistado. Exemplo 1 (ator político): como chegou-se ao texto final da lei Nr. 11.445? Exemplo 2 (regulocrata): Por que da criação da agência?

Isto ajudou na coleta informações que vão além das planejadas na construção do roteiro e serviram para aprimorar o referencial teórico. A tabela 3 traz os cargos dos entrevistados e sua identifica na pesquisa, a qual será utilizada nos resultados.

Tabela 3: Identificação dos entrevistados

Identificação Cargo Atores envolvidos na transferência

I1 Relator da lei Nr. 11.445/07 Político

(30)

30 As entrevistas ocorram durante todo o período da pesquisa empírica: janeiro de 2013 a agosto deste mesmo ano. A riqueza do conteúdo apresentando nas primeiras entrevistas influenciou fortemente as seguintes, uma vez que a análise do trabalho foi realizada durante todo este período, não se restringindo a apenas aos últimos meses, fato que levou a novos direcionamentos da pesquisa.

Contudo, as entrevistas têm como principal restrição o fato de que poucos atores, no nível municipal, bem como das agências consorciadas, terem sido entrevistados. Na tentativa de reduzir os déficits causados por esta limitação, foi intensificada a pesquisa documental (oficial e vinculada à imprensa). Também, justifica-se a ênfase nas entrevistas com regulocratas, devido à grande participação destes no processo de transferência, uma vez que a criação de ARIs ainda está ocorrendo ou é muito recente. Alguns atores, a exemplo do caso da Fundação RIO-ÁGUAS possuem maior dificuldade de se encaixar nas categorias teóricas acima, uma vez que estes são uma nova “categoria” observada na pesquisa empírica.

atuou na elaboração da lei Nr. 11.445/07

I3 Consultor jurídico da Câmara dos Deputados Político

I4 Presidente da Agência de Cachoeiro do

Itapemirim

Regulocracia

I5 Presidente de uma grande empresa de

saneamento

Ator político de path dependence

I6 Secretário estadual de planejamento Político

I7 Diretor de agência reguladora (Fundação

RIO-ÁGUAS)

Regulocracia/Burocracia

I8 Diretor saneamento AGENERSA Regulocracia

I9 Diretor técnico ARSAM Regulocracia

I10 Diretor jurídico ARSAM Regulocracia

I11 Diretor de saneamento ACFOR Regulocracia

I12 Diretor saneamento Alagoas Regulocracia

I13 Diretor saneamento ARCON Regulocracia

I14 Coordenador Saneamento da ATR Regulocracia

I15 Analista de regulação em saneamento ARSESP Regulocracia

I16 Presidente AGERBA Regulocracia

I17 Diretor AGERBA Regulocracia

I18 Analista Saneamento ADASA Regulocracia

(31)

31 3.2 Análise de dados

Para analisar os dados, foi utilizada a análise interpretativa. Esta análise foi realizada utilizando-se da codificação seletiva para análise interpretativa. Para Cassiani, Caliri e Pelá (1996), nesta etapa espera se a emergência de variáveis centrais e a interação destas com as categorias já existentes. Para as autoras, na análise interpretativa:

As condições causais, o contexto, as condições intervenientes, as estratégias e consequências formam as relações teóricas pelas quais as categorias são relacionadas uma a outra e à categoria central. Esse procedimento força o investigador a desenvolver alguma estrutura teórica e é denominando paradigma de análise. (CASSIANI; CALIRI; PELÁ, 1996, pag. 82)

No caso deste trabalho, a estrutura teórica desenvolvida está na união de elementos da teoria de path dependence com policy transfer. Para esta metodologia, a participação do pesquisador é fundamental. Esta característica interpretativa terá reflexo na exposição dos dados, uma vez que a análise e apresentação dos destes estarão dispostos conjuntamente no capítulo 4.

(32)

32

4. DISCUSSÃO E DNÁLISE DOS RESULTDDOS

O capítulo de discussão está dividido em duas partes distintas. Uma primeira sobre a trajetória do setor, a qual se faz importante para entender o path dependence do saneamento básico nacional, bem como sua influência na criação das ARIs. Já a segunda seção consiste na análise da transferência das agências reguladoras em saneamento básico vista sobre a perspectiva dos diferentes modelos de ARIs resultante neste setor.

4.1A trajetória histórica do setor de saneamento básico no Brasil 4.1.1 Histórico do setor

A provisão de saneamento básico urbano no Brasil não é nova. Os arcos da Lapa, no Rio de Janeiro, primeiro aqueduto do país, foram inaugurados em 1723. Anteriormente, as questões de saneamento se restringiam à drenagem de terrenos e instalação de chafarizes nas principais cidades da colônia. A primeira grande mudança no setor ocorreu quando D. Pedro II autorizou, em 1867, a contratação de uma empresa privada de limpeza e esgoto para a capital do Império devido às péssimas condições de higiene da cidade. Assim, o Rio de Janeiro foi uma das cidades pioneiras no mundo em termos de serviços de rede de esgoto, precedida apenas por Londres e Hamburgo (SILVA, 2002).

Desde então até a década de 30, os serviços de saneamento não tinham um caráter majoritariamente público, sendo estes também prestados por empresas privadas. Como os investimentos estatais no setor eram baixos, sobressaiam-se apenas os investimentos privados nos núcleos urbanos mais privilegiados. As constantes transformações ocorridas no país, nos anos seguintes, levaram o poder público a interferir de forma mais incisiva nesta questão, ampliando sua presença nesta área (HOLANDA, 1995). Contudo, segundo Sanchez (2001), até o final dos anos 50 não havia uma organização setorial no campo de saneamento básico, demonstrado pela inexistência de uma estrutura burocrática voltada para este fim.

A estruturação do setor iniciou na década de 60 com a expansão da escala para investimentos e planejamento no abastecimento de água devido a fatores como a intensificação da industrialização, crescimento populacional e, sobretudo, urbanização. Nesta época, o país já registrava uma realidade vergonhosa em saneamento, aquém até mesmo de muitos de seus vizinhos sul-americanos (SANCHEZ, 2001).

(33)

33 Habitação (BNH), o qual geria o montante arrecadado com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). O BNH, extinto em 1986, foi o responsável pelo financiamento da política de saneamento durante grande parte do regime militar. Quanto às competências, o decreto número 82.587, de 6 de novembro de 1978, estipulava que cabia ao Ministério do Interior a proposição de políticas públicas para o setor e a destinação dos recursos para investimento pelo PLANASA. Já às Companhias Estaduais de Saneamento Básico ficaram responsáveis pela execução do programa estadual de saneamento básico de acordo com as diretrizes impostas por Brasília.

Aqui cabe ressaltar a primeira contingência relevante para a nossa análise: o PLANASA. Com este plano, dois atores intensificaram sua presença na trajetória do saneamento básico: (i) a União e (ii) as companhias estaduais, as quais também inserem nas discussões os poderes executivos de seus respectivos estados. Neste período, a União fez uso de seu poder autoritário para concentrar as atividades estratégicas de planejamento, financiamento e tributação na esfera federal, ao mesmo tempo em que garantia aos estados a gestão dos serviços. Para tanto, era necessário que os municípios cedessem às empresas estaduais a prestação dos serviços em saneamento. Deste modo foram criadas, à época, as 26 companhias estaduais de saneamento básico e a CAESB (Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal), as quais permanecem até hoje.

Esta estrutura ainda mantém-se sólida, sendo que, atualmente, segundo a Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento, as empresas estaduais estão presentes em 3.943 municípios, atendendo mais de três quartos da população urbana brasileira em abastecimento de água. Este ator político pode e deve influenciar o processo de transferência de ARIs.

(34)

34 Esta intervenção do governo central através do seu plano de saneamento criou uma estrutura dual entre cidades e estados sobre a prestação destes serviços. Estes dois atores estiveram, e ainda estão, em trincheiras políticas opostas no que diz respeitos a pontos polêmicos sobre este assunto, como é o caso de sua titularidade da prestação dos serviços, que será abordada adiante.

Isto acontece porque ambos possuem fortes interesses nas companhias de saneamento devido aos benefícios que estas podem trazer a seus mandatários, tais como o uso eleitoral destas empresas. Em outras palavras, os governantes realizam investimentos em saneamento básico com recursos destas empresas a fim de conseguir maior capital eleitoral, além da utilização destas companhias como instrumento de barganha política e acomodação da base aliada (distribuição de cargos comissionados). Este uso das companhias de saneamento – por parte dos atores políticos – representa um dos mecanismos de auto-reforço, uma vez que as vantagens obtidas com estas empresas justificam boa parte dos interesses e das disputas neste setor.

(35)

35 Figura 2: Estrutura do setor de saneamento durante o PLANASA: Período de 1970 a 1990

O colapso do PLANASA com o fim do BNH e, consequentemente, dos recursos por este destinados ao financiamento das atividades do setor, levou a iniciativas pontuais e desarticuladas no decorrer dos anos 90 (VARGAS; LIMA, 2004). O saneamento ficou, no Brasil, durante muito tempo sem nenhuma grande diretriz política para a área, prevalecendo à estrutura de prestação de serviços anteriormente montada, embora o papel do governo federal sobre o planejamento e, principalmente, sobre o financiamento do setor tenha sido drasticamente reduzido. Sendo assim, o colapso do PLANASA, o qual representa mais uma contingência a trajetória é marcado não pela entrada de um novo ator, mas sim pela grande redução da atuação do executivo federal sobre o setor.

Neste contexto, as companhias tanto municipais quanto estaduais passaram a buscar recursos de forma independente e os investimentos em expansão da rede de água e esgoto ficaram comprometidos.

O final do PLANASA ocorre no mesmo momento em que a sociedade brasileira passa por inúmeras transformações políticas e sociais, sendo um marco deste período o retorno à democracia e a aprovação de Constituição Federal de 1988. Com esta, houve uma maior descentralização do poder entre os entes federados, o que, segundo O’Neill (2004), possibilitou aos municípios uma série de instrumentos tanto administrativos quanto políticos que proporcionaram uma redistribuição não apenas de recursos, mas também de direitos e de responsabilidades que, até então, estavam centralizados nas mãos do executivo federal. Os poderes da União também foram delegados as demais esferas de poder como o legislativo e o judiciário.

(36)

36 saneamento, não trazendo novas configurações ou dinâmicas que impactem sobre nosso foco de análise.

Após 1988, a primeira grande mudança para o setor de saneamento, no âmbito legal, veio com a aprovação da lei de Concessões. A lei Nr. 8.987 de 1995, a qual representa mais uma contingência para a trajetória, foi um marco importante para a inserção do setor privado na área de infraestrutura, sendo esta a base legal para a concessão de serviços públicos, inclusive o saneamento básico. A partir de 1995, o ator privado tornou-se relevante na prestação de serviços de saneamento, inserindo-se tanto no jogo político, quanto no econômico da atividade. A figura 3 apresenta a estrutura do setor após a aprovação da lei de concessões, destacando a entrada do novo ator político, o setor privado, seja via participação como concessionário privado, seja via capital aberto nas já existentes companhias estaduais.

Figura 3: Estrutura do setor de saneamento após a lei de concessões

A lei de concessões é fruto de uma ideologia existente a época sobre a diminuição do papel do estado na economia. Esta ideologia neoliberal levou ao programa de privatizações federal e, consequentemente, a criação das primeiras ARIs para o setor de infraestrutura conforme visto no referencial teórico. Contudo, este processo de desestatização também pode ser verificado nos estados. A renegociação das dívidas dos estados com a União, aliado a um processo de maior ajuste fiscal no nível estadual – devido, dentre outras motivações, a Lei de responsabilidade fiscal – levou os estados a aderirem às privatizações de empresas públicas e concessões dos serviços de infraestrutura.

(37)

37 nestas discussões, sendo que alguns estados, a exemplo do Rio de Janeiro, conseguiram transferir para a iniciativa privada parte dos serviços que eram realizados pelas companhias estaduais. Contudo, as concessões dos serviços de saneamento também foram observadas em municípios atendidos pelos sistemas autônomos.

É importante verificar que estas concessões refletem elementos da trajetória do setor. Nas cidades onde a prestação dos serviços era de responsabilidade da empresa estadual, a concessão foi realizada de forma conjunta entre poder municipal e estadual. Em Manaus, embora a concessão tenha sido realizada pela prefeitura, este processo foi acordado entre municípios e estado, pois a companhia tinha sua propriedade compartilhada.

Neste contexto de concessões municipais (sistemas autônomos) e municipais acordadas com os respectivos governos estaduais (companhias estaduais), nascem as primeiras agências reguladoras do setor ainda sobre forte influência das primeiras agências setoriais federais e, posteriormente, das demais agências em nível subnacional. A criação destas ARIs será tratada com mais cuidado na seção “Hibridismo de ARIs no setor de saneamento”.

A partir de 2007 uma nova contingência altera a dinâmica do setor de saneamento: o marco regulatório do setor, via Lei Nr. 11.445/07 e decretos posteriores. Devido a relevância desta questão, está contingência será analisada com maior detalhe no próximo tópico. A Fig. 4 resume a trajetória histórica do saneamento básico no Brasil à luz da teoria de path dependence. Nela, destacamos as contingências e os mecanismos de auto-reforço inerentes no processo histórico deste setor.

(38)

38 4.1.2 A aprovação do marco regulatório do setor sob a perspectiva de path dependence A lei Nr. 11.445/07 assume um caráter muito importante na expansão das ARIs no saneamento básico. Isto porque, o marco regulatório deste setor insere, no âmbito legal, a necessidade de um ente regulador no saneamento básico e explicita as principais características que estas instituições devem seguir, dando, a partir desse momento, um caráter coercitivo ao processo de criação das ARIs. Faz-se importante lembrar que a questão regulatória é apenas um dos pontos tratados nesta legislação. A tabela 4 mostra que, realmente, a lei Nr. 11.445/07 impulsionou a criação de novas ARIs.

Tabela 4: Agências reguladoras de saneamento básico

Anteriores a

2007

Posteriores

a 2007

Sul 2 9

Sudeste 2 8

Centro-Oeste 5 -

Norte 4 3

Nordeste 8 6

21 26

Total 47

Fonte: ABAR (2008)

Como até agora visto, a trajetória do setor de saneamento básico evoluiu de forma a inserir novos atores e, consequentemente, ampliou os mecanismos de auto-reforço disponíveis, influenciando os pontos de veto. Isto porque, estes novos atores também possuem forte influência sobre a agenda política, podendo vetar uma mudança no status quo do setor. Assim, criou-se um quadro de rigidez institucional, o qual foi responsável por levar ao fracasso de outras propostas de leis que tratavam de saneamento básico, a exemplo dos projetos de lei: (i) Nr.53 de 1991, (ii) Nr. 2.763/2000, (iii) Nr. 4.147/2001 e (vi) Nr. 1.144/2003.

(39)

39 O projeto de lei Nr. 5.296 de 2005, elaborado pelo Ministério das Cidades com ampla consulta popular e de forte viés municipalista, foi levado a Câmara dos Deputados pela Casa Civil. Esta proposta era muito mais extensa e contemplativa, sobretudo, em aspectos sociais, devido à forma com que foi redigida, na qual buscou incluir muitos grupos sociais e políticos. Contudo, na questão contratual, esta proposta gerava uma maior insegurança jurídica, uma vez que condiciona a adequação dos contratos aos pareceres do Ministério das Cidades sempre que os prestadores dos serviços demandassem aos recursos federais.

Já o projeto de lei Nr. 155 de 2005 foi elaborado, em grande parte, no Fórum dos Secretários Estaduais de Saneamento. Este, por sua vez, era fortemente apoiado pelos governos dos maiores estados da federação e tinha como principal característica a busca por maior segurança institucional para, assim, assegurar os investimentos feitos pelas companhias estaduais e atrair capital privado para o setor. Este projeto apoiado pelos governadores foi à base da regulação que consta na lei Nr. 11.445.

Da proposta que tramitava na Câmara, foram inseridas na redação final, basicamente, questões referentes às informações que as prestadoras de serviços deveriam fornecer as entidades reguladoras, além da realização, por parte da agência, de relatórios e estudos sobre a regulação e fiscalização dos serviços de saneamento. Este projeto caminhava em desacordo com os objetivos do PL do Senado em muitos aspectos, tal como a subordinação dos reajustes das tarifas à aprovação dos conselhos populares. Esta prática ia contra os interesses das concessões, já que colocava em risco a remuneração destes investimentos.

Além dos governadores, o capital privado também participou do projeto de lei Nr. 155 de 2005. Segundo I3, “os grupos privados organizados realizaram lobby na aprovação da lei 11.445/07, principalmente em favor da proposta do Senado”. Contudo, este interesse não era apenas unilateral, se por um lado os interesses privados queriam maior segurança para entrar no setor, por outro lado, os parlamentares, sobretudo os ligados a proposta dos governadores, também buscavam criar meios de atração do capital privado. Este interesse fica claro na fala de I1 (parlamentar ligado ao projeto de lei Nr. 155):

“Não há hipótese de se ter um serviço concedido que não seja regulado e como nos visávamos à parceria com a iniciativa privada no setor, obviamente que sempre se teve em mente a regulação.”

(40)

40 • ABDIB (Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base),

• CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção) • FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo)

• FIRJAN (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro) • CNI (Confederação Nacional das Indústrias).

Diante de tamanha divergência existente, a saída encontrada foi à criação de uma comissão mista entre as duas casas, a qual é pouco usual no Congresso Nacional. Esta proporcionou ao marco regulatório um trâmite mais fácil entre as duas casas, tendo um papel fundamental na redação de um texto mais consensual, uma vez que, se fossem votadas separadamente, as chances de aprovação destas propostas seriam muito reduzidas. Sendo assim, a lei só foi possível por adotar um caráter consensual que não alterava os rumos da trajetória já estabelecida, ou melhor, que ajustava-se aos interesses dos três atores que se consolidaram ao longo da trajetória do setor. Segundo I1,

Todo mundo acreditava que a lei não seria aprovada. Foi construído um consenso em relação ao saneamento. Conseguiu porque não era grandiosa e nem pretensioso demais [a lei Nr. 11.445/07]... o importante era criar um sistema jurídico que contemplasse todas as iniciativas e que fosse convidativo a todos os entes, com segurança jurídica aos investidores, independente de sua natureza.

Este marco regulatório estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico e explicita como um de seus princípios fundamentais a universalização dos serviços do setor, criando um grande desafio de política pública, uma vez que ainda existe uma vasta proporção da população brasileira sem acesso, em suas residências, a serviços como água potável encanada e coleta de esgoto.

O capítulo V desta lei trata exclusivamente sobre a questão da regulação dos serviços de saneamento básico. Segundo este, a regulação deve atender os seguintes princípios: “[...] I - independência decisória, incluindo autonomia administrativa, orçamentária e financeira da entidade reguladora; II - transparência, tecnicidade, celeridade e objetividade das decisões” (BRASIL, Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, 2007).

Imagem

Gráfico 1: Padrões de poluição (IDH x Impacto Ambiental)
Tabela  1:  Municípios  com  serviços  de  abastecimento  de  água  por  rede  geral  de  distribuição, segundo as grandes regiões – 1989/2008
Tabela 2: Atendimento dos serviços de distribuição de água, coleta de esgoto, índice de  tratamento e investimento realizados no ano – 2010
Tabela 3: Identificação dos entrevistados
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Referências

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