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Insuficiência renal aguda secundária a acidentes ofídicos botrópico e crotálico. Análise de 63 casos.

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INSUFICIÊNCIA RENAL A G U D A SECUNDÁRIA A ACIDENTES OFÍDICOS BOTRÓPICO E CROTÁLICO. ANALISE DE 63 C A S O S

C a r l o s F a r i a S a n t o s A M A R A L ( 1 ) , N i l s o n Alves d e R E Z E N D E ( 4 ) , O r l a n d o Antônio d a S I L V A ( 3 ) , M a r i a M ô n i c a Freitas R I B E I R O ( 5 ) , R e n a t o A l m e i d a M A G A L H Ã E S ( 2 ) , R i c a r d o José d o s R E I S ( 6 ) , José

G u i l h e r m e C A R N E I R O ( 6 ) & José R o b e r t o S i q u e i r a C A S T R O ( 6 )

R E S U M O

Sessenta e três pacientes com insuficiência renal aguda secundária a acidente ofídico foram tratados no C T I do Hospital das Clínicas da UFMG. Em 32 pacien-tes (51%) o acidente foi produzido por serpenpacien-tes do gênero Bothrops (grupo bo-trópico) e em 32 pacientes (49%) pela cascavel sul-americana (grupo crotálico). As principais complicações apresentadas pelos pacientes foram a uremia (100% dos casos), hiperpotassemia (89% dos casos), anemia (78% dos casos), infecção urinária (37% dos casos), hiper-hidratação (17% dos casos), parada cardíaca (14% dos casos) e edema agudo dos pulmões (11% dos casos). Cinco pacientes do grupo crotálico (16%) tiveram insuficiência respiratória aguda atribuída à ação neurotóxica do veneno, quatro dos quais se recuperaram completamente. Sete pacientes do grupo botrópico (22%) tiveram necrose cortical renal diagnos-ticada em cinco através da biópsia renal e em dois na necropsia. Quarenta e cinco pacientes (71%) foram tratados com diálise peritoneal e a hemodiálise foi ne-cessária em dois pacientes, um dos quais havia sido submetido a diálise perito-neal. Em 17 pacientes (27%) o tratamento foi conservador. Cinqüenta e cinco pacientes receberam alta hospitalar, quatro dos quais com insuficiência renal crônica secundária a necrose cortical renal e oito (13%) faleceram. Os óbitos fo-ram atribuídos a edema pulmonar agudo em quatro pacientes, a estado de cho-que em dois pacientes e a coma e infecção respiratória após parada cardíaca em dois pacientes.

UNITERMOS: IRA — Acidente ofídico humano — Bothrops jararaca — Grotalus d. terrificus

I N T R O D U Ç Ã O

Os acidentes ofídicos, pela freqüência com que ocorrem e pela morbidade e mortalidade

que ocasionam, constituem importante proble-ma médico nos países tropicais. N o Brasil, es

T r a b a l h o realizado n o Centro d e T r a t a m e n t o Intensivo d o H o s p i t a l d a s Clínicas d a U n i v e r s i d a d e Federa l de M i n a s Gerais, B e l o H o r i z o n t e , M G — B r a s i l .

( 1 ) P r o f e s s o r A d j u n t o d o D e p a r t a m e n t o d e C l í n i c a M é d i c a d a F a c u l d a d e de M e d i c i n a d a U F M G . M é d i c o d o Centro d e T r a t a m e n t o Intensivo d o H o s p i t a l d a s Clínicas d a U F M G

(2) P r o f e s s o r Assistente d o D e p a r t a m e n t o d e C l í n i c a M é d i c a d a F a c u l d a d e de M e d i c i n a d a U F M G . M é d i c o d o Centro de T r a t a m e n t o Intensivo d o H o s p i t a l d a s Clínicas d a U F M G

( 3 ) P r o f e s s o r Assistente d o D e p a r t a m e n t o de Clinica M é d i c a d a F a c u l d a d e d e M e d i c i n a d a U F M G

( 4 ) P r o f e s s o r A u x i l i a r d e E n s i n o d o D e p a r t a m e n t o de C l i n i c a M é d i c a d a F a c u l d a d e d e M e d i c i n a d a U F M G . M é d i c o d o Centro de T r a t a m e n t o Intensivo d o H o s p i t a l d a s Clínicas d a U F M G

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tima-se que, por ano, ocorrem entre 80.000 a 115.000 acidentes ofídicos, ocasionando 2.000 óbitos2 i. A maioria destes' acidentes deve-se a serpentes dos gêneros Bothrops e Crotalus, sen-do raros os produzisen-dos pelas corais (gênero Micrurus e Leptomicrurus) e por ofídios do gê-nero Lachesis,

Os acidentes botrópicos e crotálico podem ocasionar envenenamento sistêmico, com pos-sibilidade de surgir alterações graves no orga-nismo a ponto de colocar em risco a estabili-dade dos sistemas fisiológicos principais. Estas alterações decorrem mais frequentemente de complicações neurológicas levando a depressão e parada respiratória, observadas no envenena-mento crotálico M « , distúrbios da coagula-ção hipotensão arterial, choque e insuficiên-cia renal aguda 5,6,13,19,26.

A insuficiência renal aguda ( I R A ) é uma complicação grave e potencialmente recuperá-vel dos envenenamentos botrópico e crotálico. Pode decorrer de alterações anatômicas do tipo glomerulunefrite aguda2 0, necrose tubular agu-da 5,6,13,19,26 e necrose cortical 2,3,8,12, São es-cassos os trabalho onde se avaliam os resulta-dos do tratamento intensivo dessa complica-ção observada nesses envenenamentos 13,19,26. Por este motivo muitos aspectos relacionados com sua evolução não se encontram estabeleci-dos.

Este trabalho tem por objetivo analisar os resultados do tratamento intensivo de 63 pa-cientes internados no CTI do Hospital das Clí-nicas da UFMG com IRA secundária a aciden-tes ofídicos botrópico e crotálico.

CASUÍSTICA E MÉTODO

No período de julho de 1969 a julho de 1985 foram admitidos no Centro de Tratamen-to Intensivo do Hospital das Clínicas da Uni-versidade Federal de Minas Gerais 63 pacien-tes com I R A secundária a acidenpacien-tes ofídicos produzidos por serpentes dos gêneros Bothrops ( B . jararaca, B. jararacussu e B . neuwiedi) e Crotalus ( C . durissus terrificus).

O diagnóstico dos acidentes ofídicos crotá-lico e botrópico baseou-se na identificação da serpente causadora da picada pelo paciente ou

acompanhantes e nas manifestações clínicas ca-racterísticas destes acidentes.

O envenenamento crotálico foi caracteriza-do pela presença de acometimento renal (he-mogiobinúria, oligúria, elevação dos níveis sé-ricos de uréia e creatinina) associado a sinais decorrentes da ação neurotdxica do veneno como alterações do estado de consciência, pto-se palpebral bilateral (fácies neurotóxica), fra-queza muscular generalizada e diplopia secun-dária a oftalmoplegia, com mínimas alterações no local da picada. As manifestações clínicas de envenenamento botrópico incluiram as altera-ções no local da picada, como a dor acompanha-da de edema, eritema, equimoses, flictenas san-guinolentas e de necrose nos dias subseqüentes, estando ausentes sinais de comprometimento neurológico.

O diagnóstico de I R A foi suspeitado quan-do o paciente, após o acidente ofídico, desen-volveu oligúria (volume urinário inferior a 400 ml em 24 horas) ou anúria (volume urinário inferior a 100 ml em 24 horas) e não apre-sentou diurese expressiva após administração endovenosa de 200 mg de furosemide, estando ausentes condições etiológicas de oligúria pré ou pós-renal. O diagnóstico foi confirmado ao se constatar elevações progressivas dos níveis séricos de uréia e de creatinina. A constata-ção destas alterações laboratoriais em pacien-tes que não desenvolveram oligúria ou anúria após a picada caracterizou a I R A como sendo de alto débito.

O diagnóstico de necrose tubular aguda foi suspeitado quando o paciente em sua evolução apresentou recuperação da função renal tradu-zida pela normalização dos níveis séricos de uréia e de creatinina e aumento progressivo da depuração de creatinina até valores próxi-mos da normalidade. O diagnóstico foi confir-mado através de estudo anatomopatológico nos pacientes que faleceram.

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necrose cortical foi confirmado quando o estu-do anatomopatológico da "biópsia ou material obtido em necropsia revelou necrose de coagu-lação do córtex renal associada em alguns ca-sos a presença de trombos no interior das ar-teríolas e alças glomerulares, ou outros -acha-dos compatíveis com seqüela de necrose

cor-tical renal.

Ao serem admitidos no C T I , os pacientes foram submetidos a avaliação das funções cir-culatória, respiratória e neurológica, visando a detecção e tratamento imediato das instabili-dades. Logo após o exame clínico e sempre que julgados necessários foram realizados ra-diografia do tórax, ECG e exames laboratoriais que incluíram o hemograma, urinálise (quando não havia anúria), medida do pH e gases do sangue arterial e dosagens séricas de uréia, creatinina, glicose, códio, cloretos e potássio. Todos os pacientes foram mantidos em regime de observação constante e o ECG foi monito-rizado continuamente objetivando a detecção de arritmias cardíacas ou sinais de hiperpotas-semia.

O tratamento da I R A foi de início conser-vador e incluiu o controle rigoroso do balanço hídrico, a prevenção e correção dos distúrbios hidro-eletrolíticos e ácido-básicos e das com-plicações e dieta contendo aporte calórico e ni-trogenado adequados. O tratamento dialítico, sobretudo e diálise peritoneal, foi indicado quando estavam presentes uma ou mais das seguintes situações: a) hiperpotassemia grave, traduzida por níveis de potássio superior a 7,0 mEq/L; b ) acidóse metabólica grave, com pH arterial inferior a 7,25; c ) hiper-hidratação, es-pecialmente com manifestações de congestão pulmonar e insuficiência cardíaca; d ) hiper-catabolismo proteico acentuado com elevações

dos níveis séricos de uréia superiores a 50 mg%

por dia. O tratamento de complicações como a hiperpotassemia e outros distúrbios eletro-líticos e ácido-básicos, insuficiência respirató-ria aguda, insuficiência cardíaca congestiva, ede-ma pulmonar, choque e parada cardíaca obe-deceram às rotinas estabelecidas para o ser-viço 1 B.

Considerou-se o início da fase diurética da IRA quando o volume urinário em 24 horas foi superior a 500 ml. Os pacientes receberam alta

do CTI para enfermaria do hospital após o iní-cio da fase diurética da IRA quando a função renal já era suficiente para manutenção da es-tabilidade do paciente sem o auxílio do método dialítico ou quando a biópsia renal evidenciou a presença de necrose cortical renal. Os pa-cientes receberam alta do hospital quando hou-ve normalização dos níhou-veis séricos de uréia e creatinina e da depuração de creatinina. Aque-les que desenvolveram necrose cortical renal receberam alta hospitalar quando se recusaram a permanecer internadas e suas condições isó-cio econômico-culturais impediram a realização

de transplante renal ou quando a função renal residual permitiu mantê-los vivos sem o auxílio de um método dialítico. Os pacientes que fa-leceram foram necropsiados quando se obteve o consentimento dos familiares.

ABSERVAÇÔES

Em 32 pacientes a IRA se deveu a aciden-te ofídico botrópico (grupo botrópico) e em 31 pacientes a acidente ofídico crotálico (grupo crotálico).

Grupo botrópico

Características clínicas — Dezoito pacientes eram do sexo masculino e 14 do feminino, A idade dos pacientes variou de 16 a 74 anos, com média de 46,5 ± 15,2 anos. Em 21 pacien-tes o local da picada foi nos membros inferio-res, sendo que dois desenvolveram gangrena, e em 11 pacientes a picada ocorreu nos membros superiores. Vinte e cinco pacientes receberam dose não especificada de soro antiofídico em in-tervalos de 30 minutos a cinco dias após a pi-cada, sendo que em 10 pacientes o soro foi administrado nas primeiras seis horas.

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dias. E m três pacientes a I R A foi classificada como de alto débito. Vinte e quatro pacientes foram tratados com diálise peritoneal, um dos quais necessitou de hemodiálise em decorrên-cia de peritonite. Esse método também foi utilizado em outra paciente na qual a preseriça

de aderências intra-abdominais impediu a ins talação de cateter para diálise peritoneal. Em sete pacientes o tratamento foi conservador. As principais complicações apresentadas pelos pacientes encontram-se relacionadas na Tabe-la I .

Evolução — Vinte e sete pacientes recebe-ram alta hospitalar. Cinco falecerecebe-ram em anú-ria, sendo o óbito devido a edema pulmonar em quatro pacientes e a choque misto (hipo-volêmico 4- tóxico)- em um paciente com gan-grena extensa do membro inferior esquerdo. Em 25 pacientes o diagnóstico anatômico sus-peitado da I R A foi a necrose tubular aguda, sendo confirmado em dois pacientes através da necropsia. Em sete pacientes o diagnósti-co anatômidiagnósti-co da IRA foi a necrose diagnósti-cortical diagnosticada em cinco através da biópsia re-nal cirúrgica e em dois através da necropsia. Quatro pacientes desse grupo receberam alta hospitalar com insuficiência renal crônica. A permanência dos pacientes no CTI variou de um a 33 dias. Foi de um a 10 dias em 16 pa-cientes, de 11 a 20 dias em 10 e superior a 20 dias em seis pacientes. A permanência hospita-lar foi de um a 20 dias em 10 pacientes, de 21 a 40 dias em oito e superior a 40 dias em oito, não sendo determinada em três pacientes.

Grupo crotálico

Características clinicas — Vinte e cinco pa-cientes eram do sexo masculino e seis do fe-minino. A idade dos pacientes variou de qua-tro a 63 anos, com média de 30,5 ± 17,2 anos. Em 28 pacientes o local da picada foi nos mem-bros inferiores, em dois nos memmem-bros superio-res e num paciente o local não foi

identifica-do. Vinte e sete pacientes [receberam dose não especificada de soro antiofídico em intervalos de 30 minutos a nove dias após a picada, sendo que em 12 pacientes o soro foi administrado nas primeiras seis horas.

Características da IRA — O intervalo de tempo entre a picada e o início da oligúria ou anúria variou de oito horas a três dias, sendo menor que 24 horas em 14 pacientes. O tempo decorrido entre a picada e a admissão no CTI variou de um a 13 dias, sendo 18 pacientes ad-mitido nos primeiros três dias, seis entre o quarto e sexto dia e sete entre o sétimo e 13.' dia após o acidente. Vinte e sete pacientes ti-vram fase oligoanúrica com duração média de 9,6 ± 4,0 dias. Em três pacientes a I R A foi classificada como de alto débito. Vinte e um pacientes foram tratados com diálise perito-neal, um dos quais necessitou também de he-modiálise em decorrência de infecção abdomi-nal. E m 10 pacientes o tratamento foi conser-vador. As principais complicações apresenta-das pelos pacientes encontram-se relacionaapresenta-das na Tabela I.

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piratona, recebendo alta hospitalar sem

seqüe-la. Um paciente apresentou mialgia intensa e

edema muscular, sendo suspeitado o diagnósti-co de rabdomiólise, o qual foi diagnósti-confirmado atra-vés da elevação dos níveis séricos de creatino-fosfoquinase ( C P K ) , detecção de mioglobina através de imunoeletroforese contra soro anti-mioglobina humana e biópsia muscular.

Evolução — Vinte e oito pacientes recebe-r a m alta hospitalarecebe-r com função recebe-renal recebe-

recupe-rada. Três faleceram, um em decorrência de

choque hipovolêmico secundário e ruptura es-pontânea do b a ç o constatada na necropsia e dois devido a infecção pulmonar e coma pós-p a r a d a cardíaca secundária a insuficiência res-piratória aguda. A m b o s apresentaram recupe-ração d a função renal e e m u m dos

pacien-tes o óbito ocorreu no 285.° dia de internação.

Em todos os pacientes o diagnóstico

ana-tômico suspeitado da I R A foi a necrose tubu-lar aguda, sendo confirmado e m u m através de estudo anatomopatológico.

A permanência dos pacientes no C T I variou

de u m a 36 dias, sendo de u m a sete dias em

11 pacientes, de oito a 14 dias e m 10, de 15 a

21 dias e m cinco e superior a 22 dias e m

cin-co. O período de hospitalização foi de u m a

15 dias em seis pacientes, de 16 a 30 dias em

13 e superior a 30 dias e m nove pacientes, não

sendo determinado e m três pacientes.

DISCUSSÃO

A I R A é u m a complicação frequentemente

observada e m pacientes vítimas de

envenena-mento ofídico 5,6,io,íi,i3,i9,26,28.A s ie s o e s

anatô-micas renais causadoras desta complicação são a glomerulonefrite aguda27, necrose tubular

agu-da io,ii,i5,25,28,29 e necrose cortical renal 10,11,14,

22,25,28,30, e m b o r a e m alguns casos não sejam

identificadas alterações histológicas u . Estas lesões f o r a m t a m b é m observadas e m nosso meio nos envenenamentos produzidos p o r

ser-pentes dos gêneros Bothrops e Crotalus 2,3,5,6

8,12,13,19,26.

A patogênese da I R A secundária a

aciden-tes ofídicos botrópico e crotálico não se

encon-tra estabelecida. O veneno botrópico possui

ati-vidades coagulante e proteolítica w^w*. Com

base nestas ações, os mecanismos que têm

si-do propostos para explicar as lesões renais no envenenamento" botrópico são a coagulação in-travascular disseminada, a nefrotoxicidade dire-ta atribuída à ação proteolítica do veneno e/oü espasmo dos vasos renais decorrente da libera-ção de substâncias vasoativas pelo veneno bo-trópico. Evidências clínicas io,n,i5,28 e experi-mentais 7 apoiam estes mecanismos como cau-sadores das lesões renais no envenenamento produzido por Vipera russellx, serpente cujo veneno também possui ações coagulante e pro-teolítica 2 4. As lesões renais observadas no en-venenamento crotálico têm sido atribuídas às ações hemolítica2 4

e nefrotóxica direta1 7 do veneno crotálico, à hipotensão arterial e ao choque. A liberação de mioglobina secundária à rabdomiólise, complicação recentemente des-crita no envenenamento produzido por Crotalus durissus terrificus * e observada num paciente dessa casuística, pode ser outro mecanismo en-volvido na gênese das lesões renais no aciden-te crotálico. Entretanto, estudos experimentais são necessários para definir não só este meca-nismo como outros envolvidos na patogênese da I R A ocasionada pelos venenos botrópico e crotálico.

A realização de biópsias renais nos pacien-tes com I R A secundária a acidente ofídico po-deria contribuir para elucidar a patogênese e os tipos histológicos das lesões observadas nes-tes acidennes-tes. Entretanto, julga-se que tal con-duta não se justifica desde que não influência a conduta terapêutica a ser adotada e encerra risco potencial de ocasionar complicações gra-ves ao paciente. Na casuística apresentada, a biópsia renal foi um procedimento executado apenas quando se suspeitou da presença de ne-crose cortical como causa da IRA. Nesta even-tualidade, a confirmação do diagnóstico se im-põe pelas implicações prognósticas e terapêu-ticas associadas com esse tipo anatômico de IRA.

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botrópico, particularmente à sua forte ação coa-gulante. Entretanto, como a média de idade dos pacientes desse grupo foi significativamen-te maior que a do grupo crotálico, não se pode afastar a possibilidade de que a existência pré-via de alterações vasculares renais secundárias à hipertensão arterial, observadas na biópsia renal de dois pacientes com necrose cortical renal, possa ter contribuído para a instalação desta complicação.

Nos dois grupos de pacientes foram identi-ficadas complicações atribuídas à IRA, como a uremia, hiperpotassemia, acidose metabólica, anemia, hiper-hidratação e edema agudo dos pulmões. No grupo botrópico, quatro dos

cin-co óbitos ocin-corridos estiveram relacionados a esta última complicação. Apesar do motivo da admissão no CTI da maioria dos pacientes ter sido a I R A , durante a internação alguns des* tes pacientes desenvolveram complicações gra-ves decorrentes do envenenamento ofídico co-mo o estado de choque e a insuficiência res-piratória aguda, esta diagnosticada em cinco pacientes do grupo crotálico (16%). Quatro destes pacientes tiveram parada cardíaca pron-tamente recuperada, três dos quais, juntamen-te com o pacienjuntamen-te que não apresentou parada cardíaca, receberam alta hospitalar sem seqüe-las. A constatação destes fatos demonstra a im-portância da admissão dos pacientes com I R A secundária a acidente botrópico e crotálico.em Centros de Tratamento Intensivo pelo alto ris-co destes pacientes desenvolverem outras ins-tabilidades graves dos sistemas fisiológicos principais decorrentes não só da própria IRA como também das ações sistêmicas dos vene-nos botrópico e crotálico. Estes centros, dota-dos de recursos humanos e materiais adequa-dos, permitem a observação constante dos pa-cientes, a detecção e o tratamento precoce des-tas instabilidades. Mesmo quando o paciente não apresente manifestações de envenenamen-to sistêmico e tenha recebido o soro antiofídi-co, deve ser mantido em observação clínica até que se afaste a possibilidade de complica-ções. Em relação ao comprometimento renal, esta conduta é reforçada quando se verifica nes-ta casuística que alguns pacientes só manifes-taram oligúria ou anúria a partir do segundo dia após o acidente. A falta de seguimento clí-nico explica porque mais de um terço dos pa-cientes teve diagnóstico tardio de IRA, sendo

admitidos no CTI entre o terceiro e sétimo dia após a picada, alguns já apresentando à in-ternação sintomas urêmicos, acidose metabóli-ca grave e edema agudo dos pulmões. Por ou-tro lado, a ausência de oligoanúria não afasta a possibilidade de comprometimento renal. Na casuística estudada, seis pacientes tiveram I R A de alto débito e o diagnóstico só foi feito ao se constatar elevação progressiva dos níveis sé-ricos de uréia e creatinina.

A diálise peritoneal foi utilizada em 45 dos 46 pacientes (73%) que necessitaram de um pro-cedimento dialítico para tratamento da IRA. A escolha deste método se deveu à sua eficá-cia e à facilidade com que é executada, não re-querendo equipamentos e materiais de custo elevado e podendo ser realizada em centros mais carentes de recursos.

A ineficácia do soro antiofídico em preve-nir a instalação da IRA nos 52 pacientes que o receberam talvez se explique pelo tempo decor-rido entre a picada e sua administração e/ou por dose inadequada do mesmo. A observação de que 32 pacientes (51%) estavam oligúricos ou anúricos já no primeiro dia após o aciden-te ofídico sugere que as lesões renais se insta-lem precocemente.

Dos 63 pacientes analisados, 55 receberam alta hospitalar, quatro dos quais com insufi-ciência renal crônica secundária à necrose cor-tical renal, e oito (13%) faleceram.

Além da morbidade e mortalidade ocasio-nada pela IRA, a permanência no CTI e no hospital foi prolongada, o que, sem considerar outros fatores, encarece sobremaneira o tra-tamento desta complicação. Estes fatos ressal-tam a importância das medidas preventivas con-tra os acidtntes produzidos por serpentes pe-çonhentas e, nos casos onde sua ocorrência não pode ser evitada, da administração precoce do soro antiofídico em doses adequadas. Na casuís-tica analisada, o uso de botas protetoras po-deria ter impedido o acidente ofídico nos 49 pacientes cuja picada ocorreu nos membros in-feriores.

SUMMARY

(7)

Sixty-three patients with acute renal failure (ARF) following snake bite were treated in the Intensive Care Unit of Hospital das Clmicas of Federal University of Minas Gerais. I n 32 pa-tients (51%) ARF followed Bothrops snake bite and in 31 patients (49%) followed Crotalus du¬ rissus terrificus snake bite. The main compli-cations presented by the patients were uremia (all cases), hyperpotassemia (89% of the cases), anemia (78% of the cases), urinary tract in-fection (37% of the cases), overhydration (17% of the cases), cardiac arrest (14% of the ca-ses) and acute pulmonary edema (11% of the cases). Five patients bitten by Crotalus duris¬ sus terrificus (16%) presented acute respira-tory failure attributed to the neurotoxic ve-nom action and four of them recovered com-pletely. Seven patients bitten by Bothrops sna-kes (22%) had renal cortical necrosis. In five patients the diagnosis of this complication was made by renal biopsy and in two patients it was made at necropsy. Seventeen patients were given conservative treatment for ARF. Perito-neal dialysis was necessary in 45 patients (71%) and hemodialysis in two patients, one of them had also received peritoneal dialysis. Fifty-five patients were discharged from the hospital, four of them with chronic renal failure secon-dary to renal cortical necrosis, and eight pa-tients died (13%). Deaths were attributed to acute pulmonary edema in four patients, to shock in two patients and to coma and pul-monary infection following cardiac arrest in two patients.

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Referências

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