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Dificuldades vivenciadas por mães de pessoas com fibrose cística.

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DIFICULDADES VIVENCIADAS POR MÃES DE PESSOAS COM FIBROSE

CÍSTICA

1

Keila Okuda Tavares2, Maria Dalva de Barros Carvalho3, Sandra Marisa Pelloso4

1 Extraído da dissertação - Fibrose cística: múltiplos olhares para o ser ibrocístico, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Universidade Estadual de Maringá, em 2009.

2 Fisioterapeuta. Mestre em Ciências da Saúde. Docente do Departamento de Fisioterapia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Paraná, Brasil. E-mail: keilaokudatavares@gmail.com

3 Doutora em Enfermagem. Docente do Departamento de Medicina e dos Programas de Pós-Graduação em Ciências da Saúde e de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Paraná, Brasil. E-mail: mdbcarvalho@ uem.br

4 Doutora em Enfermagem. Docente do Departamento de Enfermagem e dos Programas de Pós-Graduação em Ciências e de Pós-Graduação em Enfermagem da UEM. Paraná, Brasil. E-mail: smpelloso@uem.br

RESUMO: O objetivo deste estudo é compreender as diiculdades vivenciadas por mães, no convívio e cuidado de seus ilhos com ibrose

cística. Estudo descritivo-exploratório de caráter qualitativo, cuja população foi composta por 14 mulheres e a coleta de dados realizada por meio de uma entrevista semiestruturada. A análise das falas permitiu identiicar duas unidades de signiicado: o tratamento da ibrose cística: enfrentando diiculdades; e o futuro da criança: a difícil convivência com a esperança de cura e de um desenvolvimento normal. As diiculdades vivenciadas pelas mães estão relacionadas à incredulidade do diagnóstico, o luto pela perda do ilho sonhado, a aceitação do inevitável e a luta pela vida e conforto de seu ilho. É importante que a equipe de saúde apresente outro olhar sobre o processo saúde-doença crônica para apoiar os indivíduos acometidos e suas famílias de forma mais eicaz e completa.

PALAVRAS CHAVE: Fibrose cística. Relações mãe-ilho. Família. Enfermagem.

DIFFICULTIES EXPERIENCED BY THE MOTHERS OF PEOPLE WITH

CYSTIC FIBROSIS

ABSTRACT: This study aimed to understand dificulties experienced by mothers in life with, and caring for, their children with cystic

ibrosis. A descriptive-exploratory study with a qualitative character, its population consisted of 14 women. Data collection involved a semi-structured interview. The statements’ analysis allowed the identiication of two units of meaning: ‘The treatment of cystic ibrosis: facing dificulties’; and ‘The child’s future: the dificult coexistence with the hope for a cure and a normal development’. Dificulties experienced by the mothers relate to disbelief regarding the diagnosis, the mourning for the loss of the dreamt-of child, acceptance of the inevitable and the struggle for the child’s life and comfort. It is important for the health team to present another perspective on the health-illness process regarding chronic illnesses in order to support individuals affected and their families in the most eficacious and complete way.

KEYWORDS: Cystic ibrosis. Mother-child relations. Family. Nursing.

DIFICULTADES VIVENCIADAS POR LA MADRE DE PERSONAS CON

FIBROSIS QUÍSTICA

RESUMEN: Este estudio tuvo como objetivocomprender las diicultades vivenciadas por las madres en la convivencia y en el cuidado de sus hijos con ibrosis quística. Es caracterizado como cualitativo, descriptivo e exploratorio. La población de estudio fue compuesta por 14 mujeres, la recolección de datos se realizó por medio de una entrevista semi-estructurada. El análisis de las entrevistas posibilitó identiicar dos unidades de signiicado: el tratamiento de la ibrosis quística: enfrentando diicultades; el futuro del hijo: la difícil convivencia con la esperanza de cura y un desarrollo normal. Las diicultades vivenciadas por las madres están relacionadas a la incredulidad del diagnóstico, al luto por la pérdida del hijo imaginario, a la aceptación de lo inevitable y la lucha por la vida y conforto del hijo. Es importante que el equipo de salud presente una nueva manera de mirar el proceso de salud/enfermedad crónica para que sea posible apoyar de forma más eicaz y completa las personas acometidas y sus familias.

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295 -Diiculdades vivenciadas por mães de pessoas com ibrose...

INTRODUÇÃO

A ibrose cística é uma desordem metabó

-lica sistêmica de origem genética que tem maior prevalência entre os caucasianos e menor entre os negros e asiáticos.1 No Brasil, pela miscigenação racial, os dados de prevalência não são lineares como em outros países.2 Assim, aqui a incidência

da ibrose cística pode variar bastante, porém,

estima-se que seja de aproximadamente 1/2.500 na região Sul, similar a da Europa, e 1/10.000 no restante do país.3

A ibrose cística se caracteriza por quadros

de tubulopatias obstrutivas, em órgãos como o pulmão e pâncreas,4 e a doença pulmonar crônica é considerada a principal responsável pela morbi-dade e mortalimorbi-dade.5 O diagnóstico pode ser feito com a associação do quadro clínico e da avaliação da concentração de cloro no suor6 ou por meio da

Triagem Neonatal, utilizando o teste da tripsina

imunorreativa.7 O diagnóstico da ibrose cística

afeta de maneira signiicativa o cotidiano de toda a família, principalmente do binômio mãe-ilho,

porque o doente na maioria das vezes é obrigado a viver em uma rotina de internações, tratamen-tos dolorosos, sequelas que impõem limitações e necessitam de longo período de supervisão e cuidado,8 interrupção das atividades cotidianas, desajuste financeiro, dor e convivência com a possibilidade real da morte.9

Vários estudos foram desenvolvidos no Pa

-raná abordando a ibrose cística isolada ou no con

-texto da Triagem Neonatal. A maioria deles aborda

aspectos epidemiológicos,10-11 nutricionais,12 agra-vos associados,13 testes diagnósticos14 e avaliação

do Programa de Triagem Neonatal.15 Apenas dois

estudos que abordaram a importância da organiza-ção de apoio aos portadores e a intersubjetividade

no contexto da família foram identiicados.16-17

Há poucos estudos nacionais que analisam as questões sociais e familiares envolvidas no

cotidiano dos portadores de ibrose cística. Este é

um aspecto importante a ser investigado, pois os centros de referência existentes no país e os

pro-issionais da saúde envolvidos no tratamento de

pessoas que apresentam essa doença necessitam

conhecer as diiculdades enfrentadas pelas mães

destes doentes para melhor gerenciar o atendi-mento e o cuidado.

Deste modo, justiica-se o presente estudo,

que tem como objetivo compreender as diiculda

-des vivenciadas por mães, no convívio e cuidado

de seus ilhos com ibrose cística.

MéTODOS

Trata-se de um estudo descritivo-explorató-rio de caráter qualitativo. A população do estudo

foi composta por mães de indivíduos com ibrose

cística, atendidos e acompanhados no Ambulató-rio de Fibrose Cística do Hospital UniversitáAmbulató-rio do

Oeste do Paraná (HUOP), no período de março a

abril de 2009. Este Ambulatório atende os

portado-res de ibrose cística da região Oeste do Paraná. As

mães foram contatadas, via telefone, e convidadas a participar da pesquisa. Após agendamento da entrevista, esta foi realizada na residência dos sujeitos em ambiente reservado. A coleta de dados foi realizada por meio de uma entrevista semies-truturada baseada na pergunta orientadora: “para você, o que é ser mãe de um indivíduo que tem

ibrose cística?” As entrevistas foram gravadas,

utilizando-se de um gravador digital, e transcritas na íntegra, para posterior análise.

Os textos das entrevistas transcritas foram

identiicados pela letra “M” (mãe), seguida por

números, e sua análise se baseou em direciona-mentos: leitura de cada texto transcrito na íntegra (mergulho nas falas); leitura de cada texto,

aten-do-se a questão orientadora, visando identiicar

“airmações” que apresentassem signiicados re

-levantes; descrição do que estava implícito nessas

airmações, levando em consideração a questão

norteadora; agrupamento das afirmações com

signiicados semelhantes, discriminando assim as “unidades de signiicado”; e, por im, foi realizada

a análise compreensiva das “unidades de signiica

-do”, para conhecer a essência do fenômeno estu

-dado.18 Para a discussão dos dados foi utilizado o referencial teórico relacionado ao tema do estudo.

Este estudofoi apreciado e aprovado pelo

Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos

da Universidade Estadual de Maringá (UEM)

(Parecer n. 661/2008) e foi conduzido de acordo

com os padrões éticos exigidos pela Resolução n.

196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Todas

as mães que concordaram em participar leram

e assinaram o Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido.

RESULTADOS

Na lista de pacientes do Ambulatório do HUOP constavam os nomes de 19 indivíduos com ibrose cística. Apenas uma mãe, que tinha dois

ilhos com a doença, não concordou em partici

-par. Foram entrevistadas 14 mães, pois três delas

(3)

apresentavam idades entre 25 e 50 anos, em média

37 anos. Em relação à forma de diagnóstico de seus ilhos, em 11 casos (64,71%) ele foi precoce, por meio da Triagem Neonatal, e em seis casos (35,29%) ele foi tardio. Quanto à idade dos ilhos que apresentavam a ibrose cística, dez (58,82%)

eram crianças, com idade entre seis meses e nove

anos; cinco (29,41%) eram adolescentes entre 12 e 18 anos; e dois (11,76%) eram adultos, um com 22 e o outro com 28 anos. Em relação às crianças que

tiveram o diagnóstico tardio, elas apresentavam em média dez anos quando ele foi estabelecido.

Com a leitura exaustiva das falas transcri-tas e sua análise emergiram duas unidades de

signiicado: “O tratamento da ibrose cística: en

-frentando diiculdades” e “O futuro da criança: a

difícil convivência com a esperança de cura e de

um desenvolvimento normal”.

O tratamento da ibrose cística: enfrentando

diiculdades

Durante muito tempo, as mães que tiveram o diagnóstico tardio tiveram que conviver com seus

ilhos apresentando complicações relacionadas à doença e ao tratamento inadequado, por um

diagnóstico equivocado. Relataram que a falta

de conhecimento dos proissionais da saúde para

poder estabelecer o diagnóstico correto acarretou

sofrimento a elas, aos ilhos e à família. Relembra

-ram a tristeza de ver os ilhos sempre “doentes”.

A única coisa que eles falavam que era, era bron-quite, só bronbron-quite, ai meu Deus. E todo mês aquele mesmo remédio (M5).

As mães, que tiveram o diagnóstico por

meio da Triagem Neonatal, relataram sofrimento e choque com a notícia que o ilho apresentava uma

doença grave e incurável. Algumas não aceitaram o diagnóstico, principalmente por causa do prog-nóstico. Muitas se emocionaram ao relatar essa vivência, lembrando que se sentiram totalmente desamparadas e perdidas.

[...] encarei com bastante angústia, estava muito angustiada (M6).

Nossa, foi um desespero. Eu não me conformava de jeito nenhum (M13).

Após a conirmação diagnóstica é necessário

o acompanhamento e tratamento dos indivíduos

que apresentam a ibrose cística. As famílias são

orientadas a procurarem a Associação de

Assistên-cia à Mucoviscidose do Paraná (AAMP), com sede

em Curitiba, onde também existem dois centros especializados de tratamento.19

As mães vivenciaram sentimentos positivos ao saber que a atenção especializada era uma rea-lidade no Estado, mas com o passar do tempo e com a rotina de viagens até a capital paranaense, começaram a experimentar o cansaço que esse tratamento e acompanhamento exigem. Algumas mães relataram que não conheciam Curitiba e que esse fato causou certo desconforto a elas nas primeiras viagens e que viajavam, pelo menos

uma vez por mês. Quando os ilhos apresenta

-vam alguma intercorrência, o número de viagens aumentava, pois elas não encontravam em seus

municípios de origem proissionais acostumados

a trabalhar com a doença. A distância entre as cidades dessas famílias até Curitiba, onde está

localizada a AAMP, é de 443 a 636 km. A região Oeste do Paraná passou a ter também um local de atendimento especializado, a situação icou

menos difícil, pois a distância entre os municípios de origem até o Hospital-escola varia entre 46

e 145 km. Mesmo assim, algumas mães relatam que distâncias “menores” podem ser difíceis de

enfrentar em casos de complicações.

Foi difícil, a gente não tinha noção, não tinha médico aqui, tudo era em Curitiba e não conhecia nada, ninguém [...]. Os primeiros médicos que a gente procurou, não deu certo, mesmo falando que conhecia a ibrose, não medicaram corretamente. Então foi bem difícil mesmo (M2).

A diiculdade por não ter médico perto. 100 km, quando ela desidratou, parecia uma eternidade pra eu chegar (M9).

Em alguns casos, as mães não contaram o problema a ninguém, nem mesmo para os fami-liares fora do seu grupo nuclear. Em outros, elas relataram que não receberam o amparo necessário da própria família. Em algumas situações são os

in-divíduos acometidos pela ibrose cística que optam por não contar às outras pessoas que apresentam

a doença. Um deles relatou que ao revelar a uma pessoa, ela se afastou do seu convívio.

Daí minha família, também, assim, quase que não me apoiaram. Quem me apoiou mais foi minha mãe (M13).

Outra diiculdade enfrentada pelas mães que

participaram do estudo é ter que conviver com o

tratamento diário da doença. É uma rotina cansativa

de horários, medicamentos e isioterapia respirató

-ria, além das visitas à equipe multidisciplinar. Além

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297 -Diiculdades vivenciadas por mães de pessoas com ibrose...

[...] só acho que é trabalhosa. Assim, meio estressante. Principalmente a época que ela tem que entrar com antibiótico, acho que mais inalação que o normal e isioterapia. É uma coisa assim, que as vezes cansa. Tem dia assim, que a gente está esgotada (M2).

[...] com seis meses ela pegou uma bactéria, que ela teve que icar internada vinte e um dias. Então pra mim aquilo foi um impacto. Vinte e um dias, você pensa assim, ‘meu Deus’. Normalmente a gente ica dois dias no hospital quando é uma coisa mais simples. Você acha que é bastante, então vinte e um dias [...](M10).

O futuro da criança: a difícil convivência com

a esperança de cura e de um desenvolvimento

normal

As mães relataram que é preciso aceitar que

o ilho tem a ibrose cística, encarar a doença de

frente e ser realista; admitem que conviver com a

ibrose cística não é fácil e que por isso devem ser

determinadas e persistirem nessa luta diária pelo

bem-estar do ilho. Apesar da rotina de tratamento da ibrose cística ser desgastante, elas não desistem

de cumprir todas as determinações da equipe de saúde; sabem o que devem fazer para manter os

ilhos longe de complicações e do risco de morte e reconhecem que se cada um izer a sua parte, bons

resultados serão alcançados.

[...] fazer o tratamento correto, procurar apoio,

tudo. E daí a coisa ica mais fácil. Agora se se dá as costas pra doença, aí acho que diiculta. Fazer de conta que ela não existe é pior (M1).

A experiência das mães com a doença crô-nica deu origem a uma situação de sofrimento e

preocupação. É comum nesses momentos o ape

-go à religião. Foi possível compreender que elas

acreditam que uma força maior possa proteger os

ilhos das complicações da ibrose cística e que até

mesmo uma cura possa acontecer. A fé permite a elas acreditarem que existe essa possibilidade

e esperam que seus ilhos possam recuperar to

-talmente a sua “saúde”, que eles possam “sarar”.

Porque os médicos explicam pra gente que não tem cura, mas pra Deus nada é impossível [...](M12).

Além da cura, as mães esperam que os ilhos

apresentem o crescimento e o desenvolvimen-to próprios de cada fase da vida. Esperam que eles passem pela fase da infância, adolescência e cheguem até a fase adulta, como qualquer outra

pessoa. Gostariam que eles estudassem e tives

-sem uma proissão, uma família, uma vida como

qualquer outro indivíduo. Elas apresentam sonhos

e expectativas que qualquer outra mãe tem em

relação aos ilhos.

[...] uma vida normal, de estudar, de ter o emprego dela. Lógico, vai ter que ter certos cuidados [...](M2).

[...] eu já sonho com ele, assim estudando, fazendo

faculdade e sendo uma criança normal (M6).

DISCUSSÃO

As mães que tiveram o diagnóstico tardio passaram durante muito tempo por uma peregrina-ção de hospitais, médicos, exames e total incerteza

do diagnóstico de seus ilhos. Esta situação era tão

estressante que permitiu sentirem-se aliviadas ao receber o diagnóstico, mesmo sendo de uma doença crônica. Trocaram a ambiguidade pela certeza, o que permitiu um sopro de ânimo e segurança com o tratamento correto e com ele a diminuição do

sofrimento dos ilhos. Contudo, isto poderia ser

evitado se tivessem recebido adequada assistência, acesso fácil aos serviços de saúde e, principalmente, comunicação adequada e valorização das

informa-ções sobre os sintomas do ilho.20

Já as mães que tiveram o diagnóstico precoce

passaram por uma fase de luto pela perda do ilho

imaginário. A elaboração dessa perda foi

permea-da de conlitos. Revelou-se uma experiência única

e intransferível, marcada pelo choro, desespero e ansiedade.21 Nesta situação, elas podem se sentir incompletas, incapazes e apresentarem ideias depressivas. O luto, mesmo sendo doloroso, é

necessário para a aceitação do ilho real e a partir

desta elaboração começa o processo de reversão e aceitação da realidade. A perda provoca uma avalanche de emoções que mudam a vida psíquica da pessoa, e a duração deste processo vai depender da intensidade da relação da pessoa com o objeto perdido. Reconhecer essa dinâmica no processo

de aceitação da perda do ilho imaginado é fun

-damental para o envolvimento das mães no ato de

cuidar do ilho com ibrose cística.22

Receber a notícia do diagnóstico, precoce ou tardio, é um acontecimento complicado, marcado pela tristeza, angústia e dúvidas. As mães se sentem ainda mais fragilizadas quando a equipe de saúde se limita a apenas transmitir o diagnóstico.É necessário que a equipe esteja disponível para responder os

questionamentos e orientá-las quanto à doença e seu

tratamento, o que pode diminuir o impacto desses sentimentos e contribuir para a aceitação.23

Os grandes aliados das mães nesta senda

(5)

centros especializados e as associações de apoio

ao portador e família. No Brasil, existem 33 cen

-tros especializados no tratamento da doença e 25

associações vinculadas à Associação Brasileira de Assistência à Mucoviscidose (ABRAM). Por meio

delas são distribuídos os medicamentos de alto

cus-to usados no tratamencus-to da ibrose cística. Nesses

locais, as famílias encontram apoio e orientações, além de outras famílias em situação semelhante para compartilhar experiências e informações.19

Os centros de tratamento e as associações também exercem outro trabalho importante, o da divulgação da doença. Muitos indivíduos têm o diagnóstico tardio, sendo tratados de forma inadequada durante grande parte de suas vidas, desenvolvendo alterações físicas e emocionais

importantes. No Brasil, a implantação do Pro

-grama de Triagem Neonatal para a ibrose cística

é um fato recente, podendo existir ainda muitos indivíduos que ainda não foram diagnosticados.

Quanto mais pessoas souberem da doença e suas manifestações, proissionais da saúde ou não, mais

casos poderão ser reconhecidos. Essa divulgação é extremamente necessária, já que as mães relataram enfrentar a falta de conhecimento e o preconceito

da população em relação à ibrose cística, o que

limita a sua rede de apoio.

A ibrose cística, apesar de não causar uma

alteração física visível, é uma doença desconhecida para a maioria da população. Muitas pessoas não procuram informações sobre ela ao se depararem com um indivíduo que a apresenta, pois é mais fácil evitar a situação de entrar em contato com

algo “diferente”. Por isso, informar a comunidade

em geral pode evitar esse tipo de comportamento e o isolamento das famílias.

Uma das mães deste estudo perdeu o marido alguns meses antes de ser entrevistada. Ela estava morando com a família da irmã, pois foi

incenti-vada a mudar de cidade para icar próxima aos

familiares, que se disponibilizaram a auxiliar no

cuidado dos ilhos. Mães de ilhos portadores da

doença crônica sentem necessidade desse tipo de atitude.21 Consideram a família, principalmente o marido e os seus próprios pais, a sua principal fonte de apoio.24 O fortalecimento de uma rede

social de apoio de mães de portadores de ibrose

cística passa por uma atitude de acolhimento por parte do companheiro e dos familiares fora do grupo nuclear.

A rede social de relacionamentos extrafa-miliar funciona como uma estratégia de

enfrenta-mento em longo prazo. Pessoas próximas tendem

a ajudar as outras a superarem as adversidades.25

Pais de pessoas com ibrose cística relatam a im

-portância de receber apoio de grupos sociais como os amigos, pais de crianças em situações

seme-lhantes, equipe de saúde e as associações. Nessas

instituições é possível compartilhar informações e experiências e também receber o incentivo para seguir adiante.16,26-27

Todas as mães entrevistadas relataram como

foi importante a presença de um proissional da

saúde e um ambulatório especializado no

aten-dimento da ibrose cística no Hospital Escola da região Oeste do Paraná. Não só pelo fato dele

conhecer a doença e ter possibilitado a criação de um centro de atendimento multidisciplinar na região, mas também pelo fato dele estar sempre disponível para esclarecer e acolher essas pessoas. Uma equipe de saúde com outra visão do processo saúde-doença crônica pode apoiar de forma mais

eicaz e completa os indivíduos acometidos e suas

famílias, por meio de uma atuação não voltada somente para a técnica, mas para a prática social. Esta situação não é comum no Estado, não são todas as regiões que contam com ambulatório

especializado em ibrose cística. A maioria (79%)

dos municípios do Estado é pequena, com 20.000 habitantes, e seus moradores não estão acostu-mados com a cidade grande, locomovem-se com

diiculdade nos grandes centros e isso com certeza

é um problema a mais a ser enfrentado.

Uma das maiores diiculdades enfrentadas pelas mães de indivíduos que apresentam a ibrose cística são as hospitalizações frequentes dos ilhos.

Os pais podem experimentar sensações de falta de controle e até mesmo de falta de liberdade em

relação às suas vidas, por causa da rotina de regras

e procedimentos do ambiente hospitalar. As mães

se colocam no lugar dos ilhos, passando a se sen

-tirem internadas também. O estado de saúde do

ilho gera constante tensão, por causa das incerte

-zas quanto ao seu desfecho e pela necessidade de assumir cuidados e não receberem as orientações

adequadas da equipe de saúde. Isso faz com que

iquem em constante estado de alerta.28

Há, também, casos em que a diiculdade de relacionamento entre os proissionais e as mães

compromete o compartilhamento de informações. Durante a hospitalização é importante a interação

com os proissionais da saúde, perceber como está

sendo vivido esse momento e como estão sendo afetados os indivíduos envolvidos, no intuito de auxiliar essas pessoas de forma mais completa.28

(6)

299 -Diiculdades vivenciadas por mães de pessoas com ibrose...

peito é possível transformar o ambiente hospitalar em um local menos angustiante.29

Mães que têm crianças com doença crônica, muitas vezes deixam o mercado de trabalho para

se dedicarem totalmente a elas. Isso pode estar

relacionado ao tipo de sequelas que a doença acarreta, como no caso de doenças que apresentam alterações físicas e mentais.24 Neste estudo somente

uma mãe parou de trabalhar para cuidar do ilho.

As que já trabalhavam continuaram trabalhando, pois mesmo recebendo do governo, de forma gratuita, os medicamentos de alto custo para o tra-tamento, necessitavam de uma renda maior para suprir outras necessidades advindas da doença.

Não há dúvida que essa tripla jornada (proissão,

dona de casa e cuidadora) contribui para a

poten-cialização das diiculdades que enfrenta.

Por outro lado, os discursos das mães revela

-ram que após o impacto inicial do diagnóstico, por

meio da aceitação e da vontade de vencer a ibrose cística, foi possível atribuir um novo sentido à vida e à doença. A estratégia foi conhecer a doença

para tomar o controle da situação, afastando os sentimentos de medo e impotência. Com o tempo foram se adaptando e começaram a enxergar o problema com outros olhos, assumindo atitudes

positivas frente à situação.

Um limite importante deste estudo foi o su-jeito de pesquisa que, por morar na região Oeste

do Paraná, tem um atendimento diferenciado no

ambulatório de uma cidade bem menor que a

ca-pital do Estado. Ele não enfrenta as diiculdades

inerentes a uma metrópole. Todavia, esse limite permitiu revelar a necessidade de novas políticas públicas de aumento e interiorização dos centros de referência, de modo a humanizar o atendimento

diminuindo as diiculdades das mães no enfren

-tamento de uma doença crônica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As falas revelaram que é importante a equipe de saúde apresentar outro olhar sobre o processo saúde-doença crônica para que ela possa apoiar

de forma mais eicaz e completa, os indivíduos acometidos pela ibrose cística e suas famílias, no

caso deste estudo as mães. Esse outro olhar é a compreensão do fenômeno ser mãe e cuidadora

de um portador de ibrose cística. Deste modo,

é necessário ter sensibilidade para perceber que essas famílias se deparam com um momento não

planejado em suas vidas, vivenciando muitas dii

-culdades a partir do diagnóstico como o

sofrimen-to e o choque com a notícia da doença grave e sem cura, o número reduzido de locais especializados no atendimento, o preconceito das pessoas em relação a uma doença pouco conhecida, a rotina cansativa do tratamento e as frequentes

hospita-lizações pela ibrose cística e suas complicações. É

importante compreender que essa condição não é passageira, que vai exigir da mãe uma dedicação

incondicional, uma atenção total às condições de

saúde do ilho e um conviver permanente e pró

-ximo com a morte.

Compreender como acontece o processo de adaptação em cada caso permite que diferentes abordagens educativas e relacionais sejam desen-volvidas, com o intuito de auxiliar essas pessoas

no seu caminhar com a ibrose cística. Um aspecto

importante que merece ser destacado é a existência

de um ambulatório para atendimento de ibrose cística no Oeste do Paraná, que facilitou a rotina

desgastante das mães. Este é um ponto que merece

relexão, indicando a necessidade de interiorizar

os centros de referência para um melhor cuidado e acompanhamento. Além de facilitar a mobilidade

da mãe e do ilho, permite um convívio mais pró

-ximo que facilita o controle da doença. Um centro de referência descentralizado prepara melhor os

diversos proissionais para um atendimento de

qualidade, no aspecto técnico e no aspecto hu-mano, exercendo de forma mais efetiva seu papel dentro das redes de apoio a esses indivíduos e seus familiares.

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Correspondência: Keila Okuda Tavares

Rua Paraná, 2447

85812-011 – Cascavel, PR, Brasil E-mail: keilaokudatavares@gmail.com

Referências

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