CURSO DE MESTRADO EXECUTIVO
A R,EESTRUTURAÇÃO PATRIMONIAL DA
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CAIXA ECONÔMICA FEDERAL.
Uma análise sob a ótica dos mecanismos de
controle e da gestão do Estado,
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DISSERTAÇÃO APRESENTADA À ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DE EMPRESAS PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE
CURSO DE MESTRADO EXECUTIVO
TÍTULO
A REESTRUTURAÇÃO PATRIMONIAL DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. Uma análise sob a ótica dos mecanismos de controle e da gestão do Estado.
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO APRESENTADA POR:
CLÍCIO LUIZ DA COSTA VIEIRA
E
APROVADO EM
QK
/QL/).OOs.
PELA COMISSÃO EXAMINADORAÚfARCo AURÉLIO RUEDIGER
DqÓTOR EM SOCIOLOGIA
VICENTE .L~,""
DOurOREM
ERTO THffiY-CHERQUES
Agradeço ao professor Marco Aurélio Ruediger por aceitar orientar meu
trabalho. Aos meus filhos Vinicius e Felipe pelas horas que não pude compartilhar.
Este trabalho busca, mediante o estudo dos processos de intervenção do
Estado, no domínio econômico, correlacionar, com maior abrangência, razões
históricas que contribuíram, contribuem ou influenciam para a ocorrência de não
conformidades nos negócios públicos. A partir desse entendimento, utiliza-se a
CAIXA como objeto de estudo, estando ela inserida em um cenário sob forte
influência de diversos fatores históricos, buscando, enquanto empresa pública
bancária pertencente ao Estado Brasileiro e dele assumindo características e
sujeição a riscos (do próprio Estado e do seu "modus operandi"), continuar, de forma
sustentável e progressiva, a implementar políticas públicas e a garantir a sua
sobrevivência como instituição bancária tradicional.
A CAIXA sempre operou com a dualidade de ser um banco comercial e
prover políticas publicas, assumindo riscos, principalmente se for verificado o modelo
utilizado na concessão de créditos, notadamente, dos financiamentos habitacionais,
fator preponderante ao requerimento de reestruturação patrimonial por parte da
empresa.
Sua reestruturação foi conseqüência, dentre outros fatores, dessa dualidade.
A CAIXA, como agente distribuidor o fazia em detrimento da sua condição de
solvência.
É a partir da re-capitalização que o trabalho foca-se na verificação de
características gerenciais da CAIXA, visando a alternativas que contribuam para a
melhoria dos instrumentos de controle e gestão, de forma a garantir sua
ABSTRACT
Through the study of the State formation process, from an organic point of
view and its participation in the economic domain, this pape r tries to correlate, with a
wide reach, historical reasons, which contributed, contribute and influence the
disagreement problems in public procedures. From this understanding, CAIXA is
used as an study object, inserted in a scenario under strong influence from various
historical factors. Despite the fact of being a public banking company belonging to
the Brazilian State, and from it incorporating characteristics and being subjected to
risks (from the State and its "modus operandi"), it continues, in a progressive and
sustainable manner to deliver public policies, guaranteeing its survival as a traditional
banking institution.
CAIXA has always operated with a duality of providing public policies, taking
risks, especially when analysing the model used in the concession of credit for the
housing financing, a predominant factor in the request for the restructuring of the
assets by the company.
This restructuring, between other factors, was a consequence of this duality.
CAIXA, as an agent that delivers public policies, did this in detriment of its solvent
condition.
This paper focuses on analysing CAIXA's management characteristics,
hoping to find alternatives that can contribute for an improvement of these
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ... 11
1.1. DEFINiÇÃO DO PROBLEMA ... 12
1.2. OBJETIVOS ... 13
1.2.1. OBJETIVO FINAL ... 13
1.2.2. OBJETIVOS SECUNDÁRIOS ... 13
1.3. DELIMITAÇÃO DO ESTUDO ... 14
1.4. RELEVANCIA DO ESTUDO ... 15
1.5. METODOLOGIA APLICADA ... 15
1.6. DEFINiÇÃO DOS TERMOS ... 17
2. A GESTÃO DO ESTADO ... 20
2.1. DO ESTADO PATRIMONIAL E CLlENTELlSTA ... 21
2.1.1. A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO E A BUROCRACiA ... 24
2.2. DO MODELO DE GESTÃO DO ESTADO E DA RACIONALIDADE DAS ESCOLHAS PÚBLICAS E DE COMO ISSO CONTRIBUI PARA A NÃO CONFORMIDADE NO ÂMBITO DO ESTADO ... 28
2.2.1. TEORIA AGENTE X PRINCIPAL. ... 32
2.2.2. DE COMO RELAÇÕES PESSOAIS E REDES DE RELACIONAMENTO PRODUZEM NÃO CONFORMIDADES ... 37
2.3. CUSTOS VisíVEIS E "INViSíVEIS" DE NÃO CONFORMIDADES ... 39
2.4.1. LEGADOS POLíTICOS ... 48
2.4.2. A DÉCADA DE 90 - DOIS COMENTÁRIOS IMPORTANTES SOBRE O PAPEL DO ESTADO E A ESTRATÉGIA DOS BANCOS ... 51
2.4.3. A REFORMA ADMINISTRATIVA DE 1995 - INSTRUMENTOS DE CONTROLE E BANCOS FEDERAIS ... 52
2.5. DAS AÇÕES ESPECíFICAS DO GOVERNO EM RELAÇÃO A MUDANÇAS NOS BANCOS PÚBLICOS ... 56
2.5.1. DO COMITÊ DE COORDENAÇÃO GERENCIAL DAS INSTITUiÇÕES FINANCEIRAS PÚBLICAS FEDERAIS - COMIF ... 56
2.5.2. DA ORIENTAÇÃO ÀS MUDANÇAS ... 57
2.6. DOS MECANISMOS DE CONTROLE COLOCADOS A DISPOSiÇÃO DO ESTADOS - CARACTERíSTICAS ... 61
3. O FATO: A REESTRUTURAÇÃO PATRIMONIAL DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL ... 64
3.1. DA SITUAÇÃO DA CAIXA PRÉ-REESTRUTURAÇÃO PATRIMONIAL 64 3.1.1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS ... 64
3.2. EXIGÊNCIAS DE RECURSOS E "ESQUELETOS" ... 69
3.2.1. OS FATOS ECONÔMICOS QUE MOTiVARAM ... 69
3.3. O FOCO DO PROBLEMA: CRÉDITO IMOBILIÁRIO ... 72
3.4. A ENGENHARIA FINANCEIRA DA SOLUÇÃO ... 75
3.5. OS COMPROMISSOS ASSUMIDOS APÓS O PLANO DE REESTRUTURAÇÀO PATRIMONIAL ... 79
3.5.1. CRÉDITO IMOBILIÁRIO ... 79
3.5.2. SANEAMENTO E INFRA-ESTRUTURA URBANA ... 79
3.5.4. SERViÇOS FINANCEIROS ... 81
3.6. A RECAPIT ALIZAÇÀO ... 82
3.7. O PLANO DE LONGO PRAZO - AS INICIATIVAS ESTRATÉGICAS ... 83
3.8. A REPERCUSSÃO DA CAPIT ALlZAÇÀO ... 88
3.9. EM RESUMO ... 90
4. OS INSTRUMENTOS DE GESTÃO E CONTROLE ... 92
4.1. COMENTÁRIOS INiCiAiS ... 92
4.2. CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO E AS INICIATIVAS PRIORITÁRIAS - RISCO DE MERCADO ... 94
4.2.1. COMENTÁRIOS INiCiAiS ... 94
4.2.2. DUAS INICIATIVAS PRIORITÁRIAS COMO INDICADORES DE GESTAO ... 96
4.2.3. MONITORAMENTO ... 99
4.3. COMITÊS DE CRÉDITO E RENEGOCIAÇÃO - INDICADORES DE INADIMPLÊNCIA - RISCO DE CRÉDITO ... 105
4.3.1. COMENTÁRIOS INICIAIS ... 105
4.3.2. AVALIANDO A OPERAÇÃO DOS COMITÊS ... 108
4.4. AUDITORIA - PROCESSO DE COMPRAS E CONTRATAÇÕES X POSICIONAMENTO GEOGRÁFICO X EMPREGADOS PENALIZADOS - RISCO OPERACIONAL ... 111
4.4.1. COMENTÁRIOS INICIAIS ... 111
4.4.2. POSICI~NAMENTO E FOCO - EVENTOS X DISTRIBUIÇÀO GEOGRAFICA ... 112
4.4.3. A ATUAÇÃO DA ÁREA CENTRALlZDA ... 117
5.1. PRELIMINARES ... 122
5.2. COTEJANDO RESULTADOS COM OBJETIVOS ... 123
5.3. OS PARADOXOS ... 127
5.4. DECORRÊNCIAS ... 129
5.5. AS RECOMENDAÇÕES ... 130
SUMÁRIO DE QUADROS, TABELAS E FIGURAS
QUADROS
QUADRO 1- DELIMITAÇÃO DA ÁREA DE ATUAÇÃO DO ESTADO ... 53
QUADRO 2 - REDESENHO DO ESTADO •••••••••.•••••••••••••••••••.••••••••.•.••••••••••••• .••••..•.•••••••.•.. 54
QUADRO 3 - PRINCIPAIS INICIA TIV AS PARA TRANSFORMAR A CAIXA ... 83
QUADRO 4 - CONTEXTO DO OBJETO DO ESTUDO ... 93
TABELAS
TABELA 1 - PROPOSTA X REDUÇÃO DO DESEQUILÍBRIO ESTRUTURAL DA CAIXA •••••••••• 76
TABELA 2 - SEGREGAÇÃO DE ATIVOS E PASSIVOS X RECAPIT ALIZAÇÃO CAIXA ••••.•.•••••• 76
TABELA 3 - EXPECTATIVA DE RESULTADOSDA CAIXA NO 11 SEMESTRE DE 2001. ..••••••••••• 78
TABELA 4 - INICIATIVAS - MAPA FÍSICO-FINANCEIRO - NOVEMBRO 2001. •••••••••••••••••••• 100
TABELA 5 - INICIA TIV AS - MAPA FÍSICO-FINANCEIRO - AGOSTO 2002 ... 103
TABELA 6 - DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA DOS AUDITORES CAIXA •••••••••••••••••••.•••••••••.• 113
TABELA 7 - DISTRIBUIÇÃO QUALITATIVA DAS COMPRAS NA CAIXA EM 2001 ... 113
TABELA 8 - DISTRIBUIÇÃO DAS PUNIÇÕES DE EMPREGADOS NA CAIXA ••••••••••••.•••••••••• 113
FIGURAS
FIGURA 1-INADIMPLÊNCIA HABITACIONAL - VALOR ... 109
1. INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, as disciplinas associadas ao tema de gestão e controle
passaram a constar de forma cada vez mais importante da agenda dos
administradores, sejam eles públicos ou privados. Controles estão associados a
riscos e vistos como fatores críticos de sucesso na organização. Cada vez mais,
administradores verificam que não basta somente estar focado nos negócios e
clientes. É preciso que a alta administração dispense tempo e recursos em pensar
as estratégias de gestão e sintonia com instrumentos de controles de maneira que
se busquem resultados efetivos por um lado e se previnam não conformidades por
outro.
Atos e procedimentos que fogem as regras estabelecidas no âmbito público,
tem sido abordadas sob uma perspectiva restrita, que considera o fato, o caminho
percorrido, as pessoas envolvidas, as providências que foram adotadas ou não, sob
a ótica do modelo investigativo na forma corrente do jornalismo sensacionalista.
A Imprensa que sempre teve papel importante na cobrança de providências
e na apuração dos fatos, muitas vezes com maior veemência que autoridade
competente para tal, tem sido, via de regra, responsável inclusive pela punição dos
envolvidos. Esse tratamento dado ao fato, não poucas vezes no nível da
superficialidade, prescinde de um entendimento de abordagem mais ampla, de
forma a levar em conta, não ele em si, mas suas raízes, do ponto de vista histórico,
cultural ou da gestão administrativa. Isso permitiria que fossem explicitadas
minimamente, as razões pelas quais acontecem não conformidades, quais as suas
características, os "atores" envolvidos e o mais importante, a análise das causas e
ações preventivas e não somente corretivas , assim como a busca de ajustes nos
modelos gerenciais que minimizassem riscos ao invés de somente investigar e
buscar culpados, parte importante mas não completa da abordagem.
Nesse contexto, a dissertação toma como instrumento de estudo um banco
público, ambiente onde não só a estratégia de negócios tem que estar apoiada em
pilares sólidos, mas os aspectos relacionados a gestão, prevenção e controle,
representam um fator crítico de sucesso, uma vez que sua sobrevivência é
inteiramente dependente de, pelo menos, credibilidade e saúde financeira. Assim a
análise de fatos passados é muito importante, porém menos essencial que prevenir
ocorrências futuras. Dois vetores orientam o assunto:
• o interesse em fazer um estudo das questões relativas à governança do
Estado Brasileiro, principalmente dos aspectos relativos às razões históricas dos
problemas de não conformidade dos negócios públicos:
• o processo de reestruturação patrimonial que vinha desenhando-se para a
Caixa Econômica Federal e que foi implantado no segundo semestre de 2001.
1.1. DEFINiÇÃO DO PROBLEMA
Considerado o contexto colocado na introdução acima, em especial o
recente aporte de capital efetuado na organização e a mudanças gerenciais em
implementação, o presente trabalho pretende responder a seguinte questão:
"O modelo de gestão aplicado na CAIXA e os instrumentos de controle
disponíveis garantem a longo prazo o seu equilíbrio econômico financeiro e
1.2. OBJETIVOS
1.2.1. OBJETIVO FINAL
Identificar, a partir de um conjunto de indicadores mensuráveis, quais as
principais características da gestão e controle na empresa CAIXA e se elas estão
contribuindo, e de que forma, para o ajustamento econômico e financeiro da
organização.
1.2.2. OBJETIVOS SECUNDÁRIOS
Identificar as razões históricas que levaram a instituição a requerer um
aporte de capital de tamanha magnitude e principais fragilidades diagnosticadas na
gestão estratégica desta empresa pública;
Verificar as principais características e apontar eventuais fragilidades
estratégicas dos mecanismos de controle que nela atuam.
Analisar o estágio de implementação das principais mudanças de gestão
propostas com are-capitalização.
Buscar identificar práticas de gestão comum aos órgãos públicos brasileiros,
1.3. DELIMITAÇÃO DO ESTUDO
o
presente estudo pretende abordar, a partir da análise de algunsmecanismos de controle e gestão, as principais razões que levaram a CAIXA a
requerer um aporte de recursos da ordem de R51 B do tesouro nacional,
operacionalizado através da compra de ativos de baixa liquidez, injeção de capital e
transferência de ativos para uma empresa não financeira criada pelo Estado e as
medidas saneadoras adotadas, através do estabelecimento e avaliação de
indicadores quantitativos.
Dada a amplitude da empresa, a multiplicidade de áreas em que atua e a
diversidade dessas, delimitamos a investigação acadêmica aos principais fatos
motivadores do aporte, explicitando minimamente o contexto econômico,
organizacional e muitas vezes político em que aconteceram e as mudanças de
gestão e controle propostas a partir da re-capitalização.
Assim buscamos analisar indicadores absolutos dos avanços obtidos com a
implementação do plano de reestruturação da empresa.
Da igual forma foi possível, também através de indicadores claros, verificar
a consistência de resultados obtidos pelos instrumentos de controle, cotejando-os
com os aspectos operacionais da organização, o que possibilitou inclusive propor
alternativas de ajustes destas estratégias.
Estará sempre presente, ao longo deste trabalho, mostrar dados e fatos
correlacionados não só aos seus aspectos econômicos, mas também de que forma
1.4. RELEVANCIA DO ESTUDO
o
presente trabalho reveste-se de importância, na medida em que procuraanalisar os fatores que determinaram a intervenção do Estado, pela via econômica e
financeira, em uma de suas empresas. Busca explicitar a natureza desses fatores,
como se formou esse imenso contingente econômico.
Busca analisar também as características de gestão da estatal ao longo do
tempo e a contribuição dessa gestão para o agravamento dessa crise.
Levanta questões importantes sobre a forma pela qual o Estado exerce
controle sobre seus ativos e faz uma avaliação crítica, analítica, não subjetiva do
desempenho dessas propostas.
Permite assim uma ampla reflexão sobre a eficácia da estratégia do Estado
Brasileiro, ao estar presente de forma bastante visível no ambiente econômico do
País.
Pode este estudo beneficiar administradores públicos no entendimento de
algumas das variáveis presentes na gestão pública, dos riscos a que estão
submetidas às empresas e de como podem ser adotadas atitudes corretivas e de
ajuste a algumas práticas e estratégias do mercado.
1.5. METODOLOGIA APLICADA
A metodologia de pesquisa buscou identificar, num primeiro momento, o
escopo e amplitude do processo de reestruturação patrimonial da empresa,
investigando de forma analítica o alcance das medidas adotadas e seu impacto. Em
seguida, levantamos os diagnósticos gerenciais efetuados no período anterior ao
seguinte foi o de correlacionar tal contexto específico da CAIXA com a práxis do
Estado, constante da literatura acadêmica.
Utilizando a classificação proposta por VERGARA 1, a pesquisa realizada
foi classificada quanto aos seus fins, como:
• descritiva - expondo as característica técnicas e gerências do objeto de
estudo, estabelecendo correlações verificáveis e não subjetivas entre as diversas
variáveis presentes no contexto e mostrando os fatores que contribuíram para a
geração do processo de reestruturação.
• analítica - procurou esclarecer as características do objeto do estudo de
caso, tomando como referência a pesquisa descritiva e justificando razões para
adoção das linhas de estudo.
Ainda conforme VERGARA, quantos aos meios, utilizou-se de pesquisa:
• bibliográfica - por envolver estudo sistematizado, necessário à
compreensão dos elementos teóricos do estudo;
• documental - através da qual foram efetuados levantamentos e análises de
documentos internos a CAIXA, alguns de acesso restrito, relatórios internos, leis,
decretos, estatutos, planos orçamentários, balanços físicos e planos de governo.
o
método de estudo de caso foi escolhido por se tratar de um estudodelimitado, o que veio permitir a verticalização do conhecimento sobre o objeto do
estudo.
1 Vergara, Sylvia Constant. Tipos de pesquisa em administração. Cadernos EBAP.
Foram efetuadas entrevistas de esclarecimentos nas diversas fases do
projeto, com dirigentes da empresa. Elas foram conduzidas de forma não
estruturada e visavam sobremaneira obter esclarecimento, técnico e gerencial a
partir dos dados coletados na pesquisa documental. Eram assim, principalmente, de
esclarecimento.
Por fim importa salientar que, dada a característica do objeto, por muitas
vezes tivemos que conviver com alguma subjetividade, seja na leitura do material
coletado ou nas entrevistas de esclarecimento. Este fato com certeza, impõe
algumas limitações ao estudo.
1.6. DEFINiÇÃO DOS TERMOS
Accountability - Embora ainda não tenha recebido um conceito específico
em português, usamos a expressar a responsabilidade que a administração pública
deve ter na realização de suas atribuições perante a sociedade.
Controle Social- Refere-se ao controle, pela sociedade, do Estado além
das formas de controle formais e legais já existentes. Considera o aumento da
participação de fiscalização da sociedade sobre as ações do Estado, incluída aí
suas todas as suas organizações, impondo maior transparência.
Custos invisíveis Diz respeito a custos já incorridos (ou a ser
incorrido), mas de difícil mensuração numérica. A perda de preferência numa
oportunidade de investimento representa um custo invisível. A manutenção de uma
regalia ou privilégio representará um custo de difícil mensuração.
Efetividade - Diz respeito a real verificação do impacto de uma ação
Eficácia - Diz respeito ao cumprimento de um determinado objetivo, com requisitos qualitativos, como por exemplo: no menor tempo, no menor custo, com o
melhor resultado.
Eficiência - Utilizamos o termo no sentido de cumprimento de um
determinado objetivo, não considerando, contudo, requisitos qualitativos.
Esqueletos - O termo será utilizado para designar uma operação
comercial, cujo resultado final implicou em prejuízo para a organização, e que não
foram apropriados contabilmente na época correta. Diz respeito sempre a operações
passadas mal sucedidas, que aguardam decisões de gestão para sua correta
contabilização.
Não Conformidade - Utilizaremos o termo para referenciar qualquer ato
ou atitude que não guarde relação, sintonia, coerência, com uma determinada
regra. O escopo de regra abrange as legais, administrativas I burocráticas,
negociais ou éticas. Será utilizada sempre para identificar um desvio de conduta em
qualquer área do escopo da regra. Sempre representará um ato intencional e
desejado por uma ou mais pessoas.
Procedimento - utilizaremos o termo para referenciar um conjunto de
passos, previamente definidos e estabelecidos, de maneira formal, manual ou
eletrônica. Desdobra-se, no presente trabalho, em diferentes tipologias: Legais,
administrativos, operacionais, contábeis. Excepcionalmente utilizaremos para
designar um hábito ou um método cultural de fazer ou tratar determinado assunto.
Neste caso o texto explicitará o conceito.
Procedimento Administrativo - utilizaremos o termo para referenciar
Procedimento Contábil - utilizaremos o termo para referenciar qualquer
regra, manual ou eletrônica, relacionada a prática contábil da organização.
Procedimento Operacional- utilizaremos o termo para referenciar qualquer
2. A GESTÃO DO ESTADO
Para compreender os processos de gestão no âmbito do Estado Brasileiro,
convém estudar nosso objeto a partir do próprio processo de formação desse
Estado, do ponto de vista orgânico e na forma e conteúdo da sua participação no
domínio econômico. A abordagem deverá analisar:
• o patrimonialism02 e o clientelism03 entendidos a partir dos aspectos da
formação e características básicas do Estado Empreendedor Brasileiro;
• as características e racionalidade das escolhas públicas, decididamente uma
das razões para ocorrência de não conformidade no âmbito do Estado;
• os custos decorrentes das não conformidades, em especial suas
conseqüências econômicas e organizacionais e como acontecem os processos
decisório, sob a ótica individual do agente público;
• o processo de modernização sob o ponto de vista da economia e dos meios
de produção do Brasil.
Como contribuição a uma visão dos aspectos evolutivos dos mecanismos
de controle, procura-se correlacionar o Estado com esses controles e os respectivos
2 O termo patrimonialismo será utilizado dentro do conceito de apropriação privada dos
bens públicos, ou a cultura de aproriação daquilo que é público pelo privado, conforme Jaguaribe, 1958; Wahrlich, 1983; Guerreiro Ramos, 1983, APUD Martins, Humberto F. A em a Ética do patrimonialismo e a modernização da administração pública brasileira, publicado em Motta, Fernando C. Prestes & Caldas, Miguel P., Cultura Organizacional e Cultura Brasileira. Atlas, 1997.
3 O termo clientelismo é utilizado, segundo conceito de Speck, como um arranjo dos grupos de interesse que permeiam uma determinada sociedade, grupos esses compostos por agentes públicos e privados que se organizam em panelinhas, de forma a garantir sobrevivência política e econômica. Speck, Bruno Wilhem. Corrupção e sensibilidade nas democrácias latino-americanas. Artigo Publicado no Estado de São Paulo, em 17 março de 2000, sob o titulo "Mais capacidade de se indignar diante da corrupção".
-indicadores do estudo de caso CAIXA, ao mesmo tempo em que se busca explicar a
Gestão Corporativa.
2.1.00 ESTADO PATRIMONIAL E CLlENTELlSTA
Segundo Bresser Pereira4 o patrimonialismo está associado à incapacidade do governante de distinguir o bem ou patrimônio público de seus bens privados, o
que o leva a administrar a rés pública como se de sua propriedade fosse. Essa era
a administração típica dos Estados pré-capitalistas ou pré-modernos.
Para Silva5 existem, pelo menos, quatro características do Estado
pré-moderno:
• configura-se como uma extensão da família real e não é possível fazer
qualquer distinção entre os bens do rei e os bens da sociedade. Os da sociedade
misturam-se com os do príncipe;
• do ponto de vista social, também não é possível apontar uma definição clara
entre o que é a sociedade civil estabelecida e o Estado;
• está contido no conceito "weberiano" de patrimonialismo, considerando sua
herança patriarcal.
Denomina-se patriarcalismo a situação em que dentro de uma associação,
na maior parte das vezes econômica e familiar, exerce a dominação (normalmente)
uma pessoa de acordo com determinadas regras hereditárias fixas.
4 Bresser Pereira, Luiz Carlos. Gestão do setor público: uma estratégia e estrutura para um novo Estado. In Reforma do Estado e Administração Pública Gerêncial. 1999. pág 26.
5 Silva, Marcos Fernandes Gonçalves. A economia política da corrupção: o escândalo do
Denomina-se dominação tradicional toda dominação orientada
primordialmente pela tradiçã06.
Assim, o patrimonialismo é uma extensão para a sociedade de toda a
estrutura de dominação patriarcal, com apenas o diferencial de que um sistema
patrimonialista incorpora uma organização administrativa com um mecanismo de
remuneração. A forma de remuneração nessas sociedades pré-capitalistas dava-se
a partir de diferentes matrizes - ora pela apropriação de parte dos tributos, ora pelo
direito à concessão de terras, até em termos ultramarinos, como no caso Português em relação ao Brasil, ou pelos direitos de produção de determinados bens ou
serviços. Ainda segundo o autor, importantes diferenças devem ser lembradas em
relação ao processo de organização e controle da burocracia patrimonial:
• a forma de ingresso dos agentes sempre acontece pela via do nepotismo e
dos critérios pessoais do príncipe;
• apesar de uma forte hierarquia, a decisão acontece de maneira não formal,
até pela inexistência de regras explicitas, sobressaindo a tradição como
direcionamento;
• os responsáveis pela tomada de decisão não são considerados profissionais
e não têm critérios claros e fixos sobre as regras de remuneração;
• como decorrência do item anterior, existe no patrimonialismo uma enorme
dificuldade de se controlar os agentes, em especial quanto ao poder central em
relação a sua periferia.
Esse ponto é realçado na medida em que a privatização dos bens do
Estado, por parte dos soberanos, é seguida da privatização dos bens do soberano
por seus "burocratas" que estão na periferia do sistema. Se isso não é um problema
para comunidades pequenas, o mesmo não pode afirmar-se para as grandes
extensões territoriais. Weber7 já apontava as enormes dificuldades de se administrar
a "burocracia" patrimonial, entre as quais a mais importante, o constante esforço de
negociação entre o poder central e o poder local, envolvendo os critérios de
remuneração destes, remuneração essa também tipificada de diferentes formas
-troca de favores, presentes, parcela na arrecadação dos tributos, parcelas
territoriais, entre outras. Para weber8, o patrimonialismo foi a melhor expressão da
forma de poder e organização do Estado no período pré-moderno.
A expansão do capitalismo e da democracia de massas permitiu c
surgimento também da administração pública burocrática. A democracia, como
forma política de resguardar ao cidadão seus direitos civis, políticos e sociais, e de
reserva e proteção dos bens públicos. A burocracia, como ferramenta administrativa
de proteção do Estado, supera o patriarcalismo e o patrimonialismo. O capitalismo e
democracia fazem nascer, assim, um conceito diferenciado de rés publica,
diferenciada da rés principis e criam um instrumento administrativo para manter tal
segregação por meio da burocracia. Estabelece a superioridade do poder legal e
formal sobre as regras e procedimentos do poder patrimonialista.
7 Apud Silva, Marcos Fernandes Gonçalves. A economia política da corrupção: o
Segundo Silva9 no patrimonialismo, corrupção e nepotismo tinham uma
caracterização toda especial, em função da inexistência de regras de separação
claras entre as propriedades do Estado e as do soberano,.
Ao citar Weber, Silva 10 defende que essa passagem do patrimonialismo para
uma estrutura de Estado racional, burocrática e legal deveu-se a um processo de
evolução institucional do próprio Estado, que obrigou a separação já em caráter
formal, do bem público e do bem privado, associado à criação de uma camada burocrática assalariada, com formação profissional, trabalhando sob uma estrutura
racional, claramente definida, que sustenta e orienta, tanto a atividade econômica
quanto política da sociedade.
As duas visões são assim complementares e se sustentam sob a mesma
base.
2.1.1. A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO E A BUROCRACIA
Já virou lugar comum, que se repete nos compêndios de história, a
constatação de que no Brasil as instituições políticas precederam à formação social. Assim destaca-se quase em uníssono, tivemos Estado antes de ter povo, tivemos
9 Silva ressalva, contudo, que "em determinados casos ao longo da história, não houve uma
consciência acercado fenômeno. No entanto, o estudo de alguns exemplos retirados à
Europa mostram que a consciência clara da corrupção, bem como a emergência de regras
e leis que tinham por objetivo minimizá-los, surgem com o Estado moderno, com a
separação legal e moral entre o soberano e o poder constitucional, com o fortalecimento das
democracias e com a transição da dominação patrimonialista para a administração
burocrática racional e profissional."
Fazenda Pública antes de receita ou fato gerador, tivemos Judiciário antes de
demandas e contendas próprias de sua esfera. (Costa, Frederico et all1982:7).
No Brasil o Estado chegou antes da nação e esteve desde o "primeiro dia
da criação" regulado por um conjunto de normas, procedimentos, leis, alvarás, cartas
régias, funcionários, burocratas, cartórios e mais uma infinidade de mecanismos
imputados pelo braço direto e visível do poder regulador do Estado Português, ou
seja, o Brasil já nasceu excessivamente regulado 11.
Conforme Castor12, as coletividades humanas exigem no seu nascedouro,
condições mínimas de funcionamento no esboço do que será no futuro o desenho
do Estado. É preciso regular a vida coletiva de forma a se direcionar o
comportamento individual de seus membros, em função do bem-estar maior da
coletividade. Sem isso, os interesses individuais sobrepor-se-ão ao coletivo, pelo
caminho da imposição da violência, da manipulação, do esbulho ou de outras formas
de força. Em pouco tempo, teríamos a barbárie nas coletividades.
o
próximo passo nesse processo será a formalização de regras estáveis,sejam no âmbito administrativo ou jurídico, que substituirão as condutas
contumazes, elegendo-se ao mesmo tempo, mecanismos de manutenção e garantia
dessas regras - direitos. Ao ordenamento dessas regras, inclusive pelo
estabelecimento de graus de hierarquia na sua construção, de forma independente a
interesses e com suficiente poder para as manter, denomina-se Estado.
Nesse estágio, pessoas pagas substituirão voluntários, serviços comuns
serão compartilhados e pagos mediante a contribuição também comum; registros de
direitos, propriedades e deveres substituirão o testemunho individual e a posse
11 Castor, Belmiro Valverde Jobim. Os contornos do Estado e da burocracia no Brasil. 2001.
Pág 9
específica. Está, enfim, regulado para aquela sociedade o conjunto de regras,
direitos e obrigações, administrados e regulados por este Estado que acabou de ser
construído por aquela comunidade.
Não foi assim então o nosso caso, pois herdamos de Portugal um Estado
patrimonial no qual, segundo Faoro 13, os servidores estão presos a uma rede
patriarcal, em que cada agente representa a extensão da casa do soberano.
Entenda-se como agentes, os militares, empregados administrativos, parentes e
amigos do monarca que se notabilizavam pela grande intimidade com o monarca e
com a corte, o que lhes permitia negociar favores, autorizações, pequenas
concessões, perpetrar vilanias contra inimigos e ainda ser parte integrante de
pequenos e grandes negócios e inerentemente receber favores 14 .
No Brasil, a terra e os meios de produção não foram conquistados,
desbravados ou construídos, mas sim, obtidos por concessão do Estado Português,
que ao chegar aqui se apossou de tudo, implantando um controle centralizado e
cartorial, distribuiu autorizações, cartas régias concessões e permissões aos íntimos
da corte portuguesa.
Ainda segundo Castor15, dessa tradição colonial pelo menos duas heranças
poderosas permaneceram: (i) a maciça presença do Estado na vida dos Indivíduos
e Organizações Brasileiras, operando por meio da burocracia estatal, sempre de
maneira muito forte e (i i) o nascimento e manutenção de uma elite econômica,
eternamente associada ao Estado Brasileiro e dele dependente para obter uma série
de vantagens que lhes permitiram sobreviver fora das regras do mercado
competitivo. Tais vantagens incluíram, ao longo de nossa história, o controle de
preços, a limitação de oferta como mantenedor de margens de rentabilidade, a
13 Faoro, Raymundo. Os donos do poder. Formação do patronato político brasileiro. 1985. Pág 20.
14 Castor, 2001. Pág 19.
proteção contra a concorrência que no Brasil mais recente fez criar, por exemplo, a
reserva de mercado de informática ou a obtenção de subsídios para
matérias-primas, entre outras. Tivemos, assim, um "capitalismo protegido, privatista na
propriedade e semi-estatal na gestão".
Castor16 salienta que ao redor desse aparato estatal desenvolveu-se todo
um conjunto parasitário e periférico de "distribuidores, clientes preferenciais,
empreiteiros, e subcontratantes terceirizados, cujo relacionamento com o Estado e
suas empresas estatais foi freqüentemente balizado por atos pouco ligados
a
lógica econômica, como o favoritismo e o favor político, quando não o suborno e acorrupção".
É dentro desse contexto histórico, cultural e de costumes que o Estado
Brasileiro vai construir um conjunto substantivo de empresas estatais que, ao tempo
em que têm se inserem fortemente na economia do país, estão impregnadas de
hábitos e atitudes típicas de um Estado Patrimonial. Isso, ao longo do tempo, vai
ajudar a explicar os problemas de não conformidade e da pouca importância do
tema controle nas agendas das empresas e dirigentes públicos, o que no âmbito da
CAIXA, contribuirá para a formação, ao longo do tempo, de um passivo econômico,
cuja solução resultará no processo de reestruturação patrimonial que analisaremos
mais a frente.
2.2. DO MODELO DE GESTÃO DO ESTADO E DA RACIONALIDADE DAS ESCOLHAS PÚBLICAS E DE COMO ISSO CONTRIBUI PARA A NÃO
CONFORMIDADE NO ÂMBITO DO ESTADO
Certamente que razões de ordem históricas, culturais e de formação do
Estado Brasileiro contribuem para a baixa importância de uma gestão mais focada
em controle. Entretanto não respondem integralmente pela existência de não
conformidades no âmbito do Estado. Dois outros fatores ajudam a análise: (i) o
modelo de administração pública implementado e (ii) as pessoas envolvidas no
processo de tomada de decisão, observadas do ponto de vistas da racionalidade
que norteiam suas decisões e de suas redes de relacionamento.
Bresser17 defende uma administração pública gerencial orientada ao
cidadão, com políticos e funcionários atuando sob um conjunto determinado de
regras e com níveis de autonomia pré-determinados. O controle deixará de ser pela
conformidade burocrática do procedimento, para focar-se nos resultados
alcançados. Para ele, o foco do administrador público tem que mudar, sair do
processo formal e procedimental mente preventivo, orientado à norma escrita, para
buscar indicadores de resultados.
O autor reforça seu argumento, esclarecendo que toda a sistemática atual
de controles do Estado é preventiva, sem que isso aparentemente tenha contribuído
para diminuir a incidência de atos de nepotismo, não conformidade e corrupção, até
porque a complexidade e rigidez dos procedimentos de apuração e
responsabilização, têm favorecido os infratores, em detrimento do Estado.
É necessário combater o nepotismo, a corrupção, enfim, as não conformidades, e isso requer processos mais flexíveis. Defende ainda, que o Estado
brasileiro já evoluiu e que não mais se vislumbra nele os valores patrimonialistas e
17 Bresser Pereira, Luiz Carlos. Gestão do setor público: uma estratégia e estrutura para um
até percebe-se uma clara rejeição da sociedade em geral e das organizações em
todo o País, para com o assunto.
Sua argumentação afirma que os controle existentes estão defasados frente
às novas práticas de rent-seeking - atividade caçadora de renda 18 - dentro do
aparelho do Estado. Tais práticas estão mais refinadas, mais sutis, mais
informatizadas. Enfim, existe uma discrepância entre o ferramental disponível para o
controle da res pública e as novas práticas de privatização do Estado. A saída é
buscar um modelo de administração que valorize o mérito, a obtenção de resultados,
possibilite a eleição de indicadores que possam ser acompanhados. Para ele o setor
público tem que se alinhar aos modelos de gestão em prática no setor privado, e a
administração pública gerencial é o caminho para tanto, tendo o cidadão como
principal cliente, e recebedor dos serviços oferecidos pelos burocratas.
Ainda segundo o autor, as ferramentas para implementação do modelo são
a descentralização e a delegação de um determinado grau de autonomia e
confiança aos burocratas. Tal confiança seria limitada, controlada pelo conjunto de
resultados esperados e com um grau adequado de delegação.
Por outro lado, Silva 19 explicita que o Estado e o governo democrático
possuem falhas que abrem um espaço imenso para a dominação do interesse
privado sob o público, possibilitando que interesses não legítimos apossem-se da
res pública, que o agente público não pode ser comparado ao agente privado, que
as escolhas e as decisões públicas não possuem as mesmas características
18 O conceito de atividade caçadora de renda ou rent-seeking foi inicialmente desenvolvido
por Tullock. Para Silva, O "rent-seeking" surge tipicamente como uma atividade "parasitária" do Estado. O Estado arrecada tributos e os transfere, legal ou ilegalmente, por meio da produção de bens públicos, como segurança, e bens semi-públicos, como estradas e obras de infra-estrutura, para determinados segmentos da sociedade, os quais se organizam na forma de grupos de pressão. Por isso, não é possível imaginar um Estado, ou governo, gerencial puro.
19 Silva, Marcos Fernandes Gonçalves. O controle dos processos de licitação: uma análise de economia política. Revista de estudos econômicos da construção. Sinduscon-sp Vol 2 nr.
daquelas emanadas pelo setor privado, que as estruturas de incentivos - positivas
ou não - que atuam sob o público são absolutamente diferentes daqueles que atuam
sob o setor privado, que as escolhas públicas guardam uma racionalidade toda
própria que não é simétrica àquelas do setor privado. Enfim, que os pressupostos
colocados por Bresser Pereira são quiméricos à luz da realidade existente.
Assim, para Silva2o, não existe qualquer possibilidade de implantação de um
modelo gerencial puro no Estado Brasileiro, seja pela dimensão política da decisão
pública, seja pelo seu conjunto de características próprias, não sendo permitida uma
visão ingênua dessa realidade.
A verificação comparativa mostra que os dois autores concordam em que
punir os desvios é difícil e oneroso, logo também concordam que é ineficiente
qualquer ação a "posteriori". Discordam, contudo, na prescrição da solução. Bresser
Pereira21 aponta que a construção de indicadores mensuráveis, uma orientação ao
consumidor cidadão, o aumento e delineamento do nível de autonomia, a
descentralização administrativa e um controle mais abrangente, difuso e geral,
construindo uma administração pública gerencial, seja o caminho mais adequado.
Silva, por seu turno, propõe o caminho do controle prévio, de imposição de mais
rigidez nas escolhas públicas, mesmo que isso importe em mais custos visíveis, e
que essa é a forma mais eficiente para coibir os problemas de não conformidade em
todos os setores do Estado.
São fortes e práticos os argumentos propostos por Silva22, o que nos leva a
concordar com sua linha de argumentação. Para sustentar a sua exposição, ele
aproxima aspectos relacionados à economia, administração publica e ciência
política. Explicita: "Não há neutralidade das decisões públicas no que se refere aos
20 Silva, 1997. pág 15.
21 Bresser Pereira, Luiz Carlos. A reforma do Estado dos anos 90. Lógica e Mecanismos de Controle. 1997. Pág. 37.
interesses de grupos de pressão dentro e fora do Estado" e "a desconsideração
desse fato pode implicar diagnósticos inadequados
e
formulações legais que podem abrir espaço para o aparecimento de corrupção". O fundamento está naracionalidade que cerca cada escolha, seja ela pública ou privada. Tal racionalidade
impõe um vinculo direto com preferências do agente, frente às restrições que são
impostas para a escolha. A ordenação, classificação de valor, para as preferências
leva em conta regras, normas, leis, valores, ideologias e crenças. Assim, qualquer
que seja a escolha efetuada por um indivíduo, ela está direta e racionalmente
conectada a uma lógica toda própria, que considerou um conjunto de restrições,
quando tomada.
Elster23 afirma que essas escolhas são, do ponto de vista do agente,
eficientes uma vez que este "procura a melhor forma de atingir seus objetivos". O
autor considera que só a simples existência do Estado, gera gerada a possibilidade
de que recursos econômicos, que por definição são escassos, serem alocados por
critérios não competitivos para a organização ou entidade. Cita os exemplos dos
monopólios e cartórios, que inegavelmente transferem renda dentro da sociedade
de forma legal e os casos de manipulação de processos de aquisição, em que existe
uma lógica, uma racionalidade clara para o agente econômico, mas além de se
situar fora do amparo legal, é custoso para a sociedade de maneira geral e para as
empresas de forma especifica.
Todo esse processo é designado como atividade caçadora de renda e faz
com que se transfira renda, sem, contudo, gerá-Ia. Citando Arrovl4 mostra que
inexiste a possibilidade de escolhas coletivas racionais. A decisão de aquisição
pública é coletiva e cada indivíduo que participe dessa decisão estará colocando o
seu conjunto particular de racionalidades nela. Em continuidade, afirma que "não há
possibilidade de escolhas coletivas
e
públicas racionais. Há, na verdade,a
possibilidade de escolhas privadas dentro do Estado feitas por políticos
e
burocratas, que podem ter suas ações mais ou menos controladas pela constituição
e
pelas leis".Já para Olson25 a não existência de um modelo gerencial puro para o Estado está ligada ao fato de que tanto o mercado quanto o Estado não são
perfeitos e que políticos e burocratas exercem seus interesses dentro do governo,
fazendo valer também os interesses de agentes privados, que para isso contam com
grau adequado de organização e sintonizada forma de atuação dentro do aparelho
público. Na visão desses autores, o burocrata deve estar submetido a um forte
controle e a leis severas. Ao corroborar com a argumentação, acrescentamos que,
no caso de um banco, esse controle tem que ser prévio, para evitar o fato, que
acontecido não só é de difícil apuração, como pode comprometer de forma
irremediável a competitividade organizacional e o equilíbrio econômico-financeiro da
empresa.26
2.2.1. TEORIA AGENTE
x
PRINCIPALA adoção de uma estratégia de gestão alinhada ao tema do controle, seja
através da implementação de uma modelagem gerencial, seja pela submissão dos
burocratas a regras legais e normativas mais rígidas não aborda por completo os
problemas da racionalidade do agente na tomada de decisão. Outro ponto relevante
25 Apud Silva. 1995. Pág 45.
diz respeito a assimetria de conhecimento e informação na gestão das coisas do
Estado.
o
exercício pleno dos instrumentos de controle pelo Estado esbarra numaoutra questão grave que são os problemas de agências a que ele está submetido. A
Teoria da Agência ou problema do principal x agente refere-se à incapacidade de, tanto nas sociedades públicas quanto nas privadas, um determinado contratante,
delegar a execução de uma tarefa a um contratado, e por diversos motivos não ter
condições de exercer o controle adequado sobre este últim027. No âmbito do Estado,
diversas funções são delegadas a servidores públicos, que a principio devem agir
dentro de um conjunto de regras explícitas para atingir um determinado objetivo,
mas, como vimos anteriormente, tais servidores podem não observar,
necessariamente, a mesma racionalidade decisória que o executivo que lhe delegou
a tarefa, esperava ou aguardava. Tal executivo pode ser um político legalmente
indicado, até por força da sociedade que o elegeu, mas que não detêm o
conhecimento técnico ou administrativo amplo e necessário. Assim o agente passa a
usar a sua autonomia decisória para ações que não se coadunam com os objetivos
para os quais foi pago. O processo delegativo ocorre exatamente pela incapacidade
técnica, administrativa ou organizacional do principal em executar a tarefa. Em
grande parte dos casos, a incapacidade de fazer impõe também a incapacidade de
controlar.
Imagine, a titulo de exemplo, o problema de um determinado órgão público
que contrata uma empresa para fazer o projeto de uma obra, dada sua incapacidade
técnica de elaborar o projeto por não estar no núcleo de negócios. O principal, neste
caso, o órgão público, delegou a um terceiro - agente - a responsabilidade sobre
um conjunto de definições técnicas, que podem direcionar a execução do projeto a
27 Przeworski, Adam - Sobre o desenho do Estado: uma perspectiva agente x
outra empresa, que com ele fechou um acordo espúrio nesse sentido. A
manipulação pode se dar nas características do projeto, dos insumos, nos requisitos
de contratação, enfim uma infinidade de variáveis podem ser manipuladas. No caso,
o principal foi manipulado pelo agente, que conforme regras decisórias próprias,
tomou decisão que foi conveniente para si, mas não necessariamente para a
coletividade ou para o desejo do administrador (o principa~. Lógico que, dada a
simplicidade do caso existiriam alguns procedimentos a serem adotados pelo agente
público para evitar tais problemas, mas a questão torna-se grave quanto mais
complexo e específico é o assunto, ou quanto menor o nível de informação é
repassado ao principal pelo agente. Problemas de agência estão presentes em todo
o processo de tomada de decisão e é provavelmente, um dos grandes
incentivadores da não conformidade.
o
problema de agência, está sempre vinculado à questão de manipulaçãode informações e o agente vai sempre se apoiar nessa assimetria para aumentar a
distância e se beneficiar, segundo suas próprias regras, das decisões tomadas.
Embora entenda que o oferecimento de incentivos positivos ou negativos e o
estabelecimento de sistemáticas rígidas de extração de informações sejam o
caminho mais eficiente para evitar o problema, Przeworski deixa claro as
dificuldades em se estabelecer tais mecanismos na administração pública, seja
pelas dificuldades naturais que o Estado tem em formar seus quadros, seja pelo
pouco interesse que agentes tem de viabilizar um contexto de controle eficiente
dentro da máquina pública. Quando políticos e burocratas beneficiam-se de um
quadro de ineficiência administrativa, dificilmente trabalharam no sentido de prover
melhorias que, no longo prazo lhe sejam desfavoráveis. Embora problemas de
agência também estejam presentes no mercado privado, Silva28 defende que a
própria dinâmica do mercado faz com que atores ineficientes, com pouca
informação ou baixo nível de controle sejam excluídos, no que se convencionou
chamar de lei de mercado. No caso público, diferentemente, a ineficiência vai sendo
bancada pela sociedade. No caso específico da CAIXA do passado, isso se traduziu
num aporte direto e indireto de aproximadamente R$ 55 B.
Silva29 pressupõe que a adoção de mecanismos de explicitação das
informações é impossível de ser implementado no curto prazo, o que requer, para
controle do agente, em especial o público, a adoção de regras que limitem e
ordenem o indivíduo e que essas regras além de absolutamente explícitas, limitem a
sua ação, como uma das únicas alternativas de controle mais imediatas das não
conformidades. Suas propostas opõem-se a qualquer movimento de mais autonomia
para os empregados ou servidores públicos, conforme propõe a reforma
administrativa. Adicionalmente, sustenta que os custos de não conformidade são
bastante maiores que os malefícios advindos dos gastos com controles. Segundo
seu argumento:
• existem problemas de assimetria de informações, que levam os agentes, por
terem autonomia, a tomarem decisões conforme lógicas próprias, em detrimento do
interesse público;
• os processo tornam-se mais complexos a cada dia, o que pressupõe que os
mecanismos de controle criados, mantidos e controlados pelo Estado (principal), por
maiores que sejam, estarão sempre em desvantagem frente ao agente, que por sua
vez trabalhará para manter essa lacuna de informações;
• os custos da não conformidade vão sempre ser maiores que os ônus do
exercício de controle "a priori", e que estes devem ser o mais rígidos e leoninos
possíveis, justificando sua adoção com perda de autonomia do administrador
público.
Embora a abordagem até o momento tenha sido quase sempre sobre um
contexto ampliado de setor público/governo, temos convicção que os problemas de
agência são facilmente detectáveis no contexto de um banco público. Mais a frente
no nosso estudo de caso, quando abordamos a questão dos indicadores relativos as
iniciativas prioritárias, isso será melhor visualizado Também o modelo de gestão
aplicado pelo Poder Executivo sobre suas empresas públicas abre espaços enormes
para o fenômeno, na medida em que a qualificação técnica dos agentes tem-se
mostrado quase sempre de melhor qualidade que a do principal. Um exemplo prático
dessa melhor qualidade é o número de empregados dos bancos públicos
deslocados para o executivo, com funções de segundo e terceiro escalão. No caso
especifico da CAIXA, existem hoje atuando na administração direta 263 empregados
cedidos3o.
Assim, o aumento de autonomia decisória dentro da estrutura pública de
poder encontra resistência feroz, na medida em que os instrumentos de controle
existentes e os mecanismos de incentivo do Estado são insuficientes para manter a
ação e decisão do agente nos limites da legalidade, lucratividade e eficácia
solicitados pelo principal, fazendo com que este esteja ao sabor do primeiro,
fundamentalmente pelo poder de manipulação de informações do agente.
30 O conceito de cessão envolve duas modalidades: (i) com ônus para quem recebe - 174 empregados e (ii) sem ônus para quem recebe - 89 empregados. A orientação interna tem sido a de somente liberar pessoas quando o cargo a ser ocupado é de relevância, para a
2.2.2. DE COMO RELAÇÕES PESSOAIS E REDES DE RELACIONAMENTO PRODUZEM NÃO CONFORMIDADES
Aliado à questão da agência, outro problema muito próximo dessa abordagem é o entendimento da ótica econômica das pessoas envolvidas e dos
relacionamentos que essas pessoas constroem e dos tipos de incentivos que
recebem. Diversas são as categorias de relacionamentos enquadráveis, assim
como diversas são as formas pelas quais elas se manifestam. Para Bezerra31, os
vínculos criados entre as pessoas envolvidas podem ser de caráter pessoal, de
amizade, de patronagem ou de camaradagem. Para ele, estando presente essas
interações, está presente a condição para as transações, qual seja: a materialização
da não conformidade.
Especificamente as relações de patronagem envolvem o conceito de um
poder assimétrico, do tipo empregado x empregador ou gerente x subordinado.
Essa assimetria de poder pode acontecer tanto no campo formal
gerente/subordinado -, quanto no informal - status, acesso a recursos, acesso a
informações ou a relacionamentos que detêm poder. Segundo o autor, a relação de
patronagem envolve um conteúdo ético muito forte, por expor a troca de favores,
caracterizados na forma de bens, de serviços, ou como o próprio favor. Em síntese,
nas relações de patronagem existe uma forte relação de lealdade, pois uma parte
mais fraca depende diretamente da ação de outra para ter ou manter acesso a um
conjunto de recursos ou privilégios. Diferentemente da amizade ou da
camaradagem, nessa relação está presente, especificamente, uma razão
instrumental. Os vínculos permanecem enquanto permanecerem as razões que o
sustentam. É interessante esclarecer que nesse tipo de relação, não necessariamente está presente uma relação entre duas pessoas, mas uma
verdadeira "corrente de interesses" em que os relacionamentos perpassam entre
diversos membros dos grupos, o que Davis32 denominou de "cadeias de
patronagem". Essas cadeias estão vinculadas a interesses diversos, analíticos a
cada elo que a compõe, mudando de elo para elo o sentido da dependência - João
que depende de Manoel para se manter na posição X ,mas Manoel depende de
Vicente para usufruir do benefício Y, e assim sucessivamente.
Bezerra argumenta que existem ainda dois tipos de incentivos para que as
transações ocorram. O incentivo negativo, caracterizado pela ameaça de supressão
de um benefício ou imposição de uma penalidade, perda de um cargo ou função ou
diminuição pecuniária decorrente de um mecanismo burocrático qualquer, e o
incentivo positivo, que se manifesta pela retribuição material ou de fortalecimento de
um relacionamento, seja ela de parentesco, de amizade ou outro. Dessa forma,
afirma que as obrigações assumidas a partir dessas relações podem resultar em
ganhos sociais ou manutenção de uma determinada condição profissional, pessoal
ou de status ou ganhos materiais específicos.
Para efeito deste estudo, que aborda as questões de eficácia dos
mecanismos de controle, salientamos a importância do mecanismo negativo e das
relações de patronagem, uma vez que pretendemos ver de que forma ele pode estar
direcionando ou influenciando a alocação dos recursos envolvidos, dentro do modelo
de gestão. Reforça nosso direcionamento o fato de que, no caso do objeto do nosso
estudo, os relacionamentos oriundos de relações pessoais, vinculados à amizade, camaradagem ou parentesco tendem a serem mais fracos em função da forma de
ingresso na organização.
Uma abordagem complementar é feita por JOhnston33, quando conclui que
procedimentos não conformes guardam entre si quatro características:
• podem ser integrativas, no momento em que os agentes constroem redes de
trocas de informações e aqui de novo está presente a questão agente x principal e
interesses compartilhados;
• desintegrativa, no que tange às divisões e conflitos gerados pelos grupos
envolvidos em procedimentos não conformes e conformes;
• estáveis, quanto à temporalidade;
• instáveis, ainda em relação ao tempo.
o
ponto central da abordagem de Bezerra34 é a de que não conformidadeenvolve pessoas, que por sua vez mantém vínculos ou relações com suas
características próprias e que essa modelagem tem sido socialmente aceita, como
forma de garantir a consecução de um objetivo. Reforça isso ao citar Da Matta35
"não há brasileiro que não conheça o valor das relações sociais e que não as tenha
utilizado como instrumentos de solução de problemas ao longo da vida". Essa visão
confirma as dificuldades de atuação no campo do controle na organização, por estar
situado no centro da ocorrência dessas relações e depender direta ou indiretamente
da força delas para alcançar o seu objetivo.
2.3. CUSTOS VisíVEIS E "INViSíVEIS" DE NÃO CONFORMIDADES
Pouca ênfase gerencial em controle gera um sem número de conseqüências
e entre elas a mais próxima e visível está relacionada aos custos decorrentes.
33 Apud Bezerra, Marcos Otávio. Em nome das bases. Política, favor e dependência pessoal. Rio de Janeiro: Relume-dumara. ANPOCS 1999.
34 Bezerra, 1999. pág 74.
Segundo Silva36, na moderna economia política, existem 03 visões de custos para a
não conformidade. Essas visões são complementares e dão à análise das
interdependências entre regras legais, instituições/organizações e motivação dos
agentes e comportamento não conforme e conseqüências econômicas e sociais
desses atos não conformes.
Para o autor, a primeira visão está ligada à teoria dos caçadores de renda,
desenvolvida por Krueger e Tullock37. Segundo esses autores, todos os agentes
econômicos possuem como motivação básica a maximização de sua renda, dentro
ou fora das regras de conduta econômica ou social, podendo isso, implicar
transferências dentro da sociedade, sob diversas formas, entre as quais o monopólio
e a obtenção de privilégios. A atividade ligada à maximização dessa renda é chamada de caçadora de renda.
Para o autor, a atividade caçadora de renda implica um custo para a
sociedade e para organizações, uma vez que as empresas alocam recursos em
atividades ligadas à obtenção ou manutenção de seus monopólios ou privilégios,
entre as quais o 10bbing, a propaganda, a pressão política ou ainda a formação de
imagem da empresa ligada ao interesse de conquistar ou manter. Outro aspecto
relacionado à atividade caçadora de renda, para Silva38, é que essa se constitui num
mercado extremamente competitivo, onde diversos agentes atuam para obter o
mesmo conjunto de privilégios e que somente poucos ou alguns conseguirão
resultados. Isso significa que o resultado final traz consigo necessariamente uma
perda liquida de recursos econômicos, se olhado do ponto de vista das empresas
que querem obte tais regalias. Elas vão necessariamente incorrer em custos para
36 Silva, Marcos Fernandes Gonçalves. Corrupção e desempenho econômico. Os custos da
corrupção. Cadernos Adenauer. Nr 10. Dezembro 2000.
37 Silva, 2000. pág 65.
terem algum controle nas negociações e para administrarem de alguma forma o
relacionamento com quem influenciará na aquisição da oferta do produto ou serviço.
Silva 39considera ainda, que existe uma perda qualitativa importante para a
sociedade, uma vez que fornecedores de bens e serviços tendem a alocar seus
melhores e mais qualificados recursos na atividade caçadora de renda, certamente
em detrimento de atividades produtivas, o que pressupõe desperdício de recursos e
de talento dos dois lados - fornecedor e adquirente de produtos e serviços -, com
alto custo de oportunidade4o .
Do ponto de vista individual, Silva41 explica que:
"o incentivo para que os agentes busquem mais atividades caçadoras de
renda do que atividades produtivas está no fato de que determinadas regras do jogo
econômico, político
e
social (instituições governamentais, valores morais, regrasauto impostas) geram um sistema de incentivos (pay offs) que determina
a
alocaçãodos recursos econômicos (financeiros e humanos)".
Ainda sob a ótica do autor, a relação entre a teoria do caçador de renda e a
não conformidade ocorre na estrutura de incentivos que predomina nas sociedade e
nas organizações. De maneira geral, todos os agentes envolvidos caçam renda de
forma legal ou não, tendo como única variável a existência de restrições morais,
legais e custos associados de forma direta ou indireta à ação. Para ele, todos os
agentes envolvidos nas duas pontas dessa relação podem ser classificados como
caçadores de renda. A diferença para os não conforme é o fato de que agem fora
da lei e da regulamentação interna.
39 Silva, 2000. pág 83.
40 O conceito de custo de oportunidade citado, diz respeito ao "quantum" a ser dispendido para a obtenção do favor ou privilegio. Não está relacionado a nenhuma regra econômica ou de mercado, mas ao tamanho da oferta que um determinado individuo está disposto a fazer para obter determinadoo ganho, que no futuro será repassado ao produto, serviço objeto da barganha.
Propõe formas de minimizar a atividade caçadora de renda, enquanto
tipificada como não conforme:
• reduzir a regulamentação e prover um desenho organizacional que iniba as
oportunidades da atividade, mecanismo particularmente interessante que vamos
citar na análise da formatação dos comitês de compras;
• um sistema de crime e castigo que aumente os riscos da atividade não
conforme;
• criar uma ética do mérito e da correção, por meio de incentivos claros das
políticas organizacionais.
o
autor afirma que a não conformidade vai florescer com maior vigor (I) nassociedades com alto grau de inserção, regulação e controle do Estado na
economia, (i i) onde o governo tem baixo nível interno de controle sobre a sua
máquina pública e dos programas de governo e paralelamente com um sentimento
claro de ausência de risco em relação à atividade - impunidade - e (iii) alta
permissividade, tolerância da sociedade com relação ao fenômeno.
A segunda visão está ligada ao que se denominou "a economia política da
propina". A teoria sustenta-se na transformação de relações impessoais em
pessoais, tanto no tocante a agentes públicos em relação aos privados, quanto a
agentes privados em relação aos privados42, como forma de se transferir renda ou
facilidades num determinado contexto. Considerando o alto nível de regulação
existente no Governo e em suas Empresas, cria-se um ambiente propicio à geração
de condições que garantam, a parte privada, um tratamento diferenciado com a
42 A propina no caso de agentes privados em relação a outros agentes privados, que o autor