TRATAMENTO DAS COMPLICAÇÕES NEUROLÓGICAS DA
VACINAÇÃO ANTI-RÁBICA
P A U L O A . P . SARAIVA* J . LAMARTINE DE A S S I S * *
M A T E R I A L E MÉTODOS
F o r a m a n a l i s a d o s o s r e s u l t a d o s do t r a t a m e n t o de 33 p a c i e n t e s , de a m b o s o s s e x o s e i d a d e s d i v e r s a s , q u e a p r e s e n t a r a m c o m p l i c a ç õ e s n e u r o l ó g i c a s , d e e x t e n s ã o e i n t e n s i d a d e v a r i á v e i s , e m d e c o r r ê n c i a de a p l i c a ç õ e s da v a c i n a a n t i - r á b l c a , tipo F e r m i m o d i f i c a d a . Os p a c i e n t e s f o r a m i n t e r n a d o s no H o s p i t a l d e I s o l a m e n t o «Emílio R i b a s » e d i v i d i d o s e m t r ê s g r u p o s p a r a a v a l i a ç ã o do t r a t a m e n t o : a ) t r a -t a m e n -t o d e s u p o r -t e e s i n -t o m á -t i c o ( Q u a d r o 1 ) ; b) -t r a -t a m e n -t o i g u a l a o g r u p o a a c r e s c i d o de ACTH por v i a i n t r a v e n o s a ( I V ) n a s d o s e s de 25 a 50 m g e m i n f u s ã o g ô t a - a - g ô t a o u por v i a i n t r a m u s c u l a r (IM) n a s d o s e s de 25 a 50 m g / d i a e / o u c o r t i c o s t e r ó i d e s p e l a s v i a s oral ( V O ) , IM o u IV e m d o s e s v a r i á v e i s de acordo c o m o c a s o e a v i a de a d m i n i s t r a ç ã o u t i l i z a d a ( Q u a d r o 2 ) ; c) t r a t a m e n t o i g u a l a o grupo
No Estado de São Paulo ainda é freqüente a necessidade de vacinação
anti-rábica. Levantamentos elementares dão conta de milhares de cães que
perambulam pelas ruas, principalmente nos bairros populares das cidades.
Explica-se, assim, o grande número de aplicações da vacina anti-rábica e,
como conseqüência, de suas complicações neurológicas.
Dados preliminares, ainda sujeitos à confirmação, mostram uma
incidên-cia dessas complicações em proporção de 1:2000 pessoas vacinadas (com a
vacina tipo Fermi modificada), nos últimos 5 anos. As formas mais leves
são rever íveis espontaneamente, porém as mais severas podem levar ao
óbito ou deixar seqüelas graves. Para tratamento destas complicações foi
considerada, desde 1961, a possibilidade da via intratecal para administração
de corticosteróides em suspensão em veículos que retardem sua
elimina-ção
J.
2.
8>
1 0.
n.
1 3.
A finalidade deste trabalho é comparar os resultados obtidos com os
tra-tamentos de repouso e sintomático e o baseado na administração do ACTH
e/ou corticosteróides, com o acetato de metilprednisolona por via
intrate-cal (IT).
b a c r e s c i d o de a c e t a t o de m e t i l p r e d n i s o l o n a * por v i a IT, 4 m l (160 m g ) i n j e t a d o s
por p u n ç ã o raquearía ( L , - L4) , a p ó s c o l h e i t a d o líquido c e f a l o r r a q u e a n o para e x a m e ;
a i n j e ç ã o foi f e i t a de m o d o l e n t o , c o m a s p i r a ç ã o f r e q ü e n t e ( b a r b o t a g e ) p a r a f a -c i l i t a r a dispersão do m e d i -c a m e n t o , sendo repetida -cada 4 a 7 dias, -c o n f o r m e a r e s p o s t a (Quadro 3 ) .
R E S U L T A D O S
Os r e s u l t a d o s p o d e m ser a v a l i a d o s p e l a o b s e r v a ç ã o dos q u a d r o s 1, 2 e 3 . N o t e - s e que n o s c a s o s do g r u p o a ( Q u a d r o 1 ) , s e m t r a t a m e n t o específico, n ã o ocor-reu óbito a l g u m , t e n d o 8 p a c i e n t e s o b t i d o r e c u p e r a ç ã o i n t e g r a l . A p e n a s u m ( c a s o 9) ficou c o m s e q ü e l a ( b e x i g a n e u r o g ê n i c a ) , e s t a n d o a t u a l m e n t e e m t r a t a m e n t o e o b s e r v a ç ã o ( m e t i l p r e d n i s o l o n a e m s u s p e n s ã o por v i a I T ) . N o grupo b (Quadro 2 ) ocorreram dois ó b i t o s , u m a s e q ü e l a c o n s i d e r a d a i r r e v e r s í v e l ( p a r a p l e g i a crural s e n -s i t i v o - m o t o r a f l á c i d a c o m n í v e l e m D9, h á cinco a n o s ) , 6 c a s o s m e l h o r a d o s e 6
o u t r o s c o n s i d e r a d o s c u r a d o s . N o grupo c ( Q u a d r o 3 ) , ocorreu u m óbito c a u s a d o por a c i d e n t e s no a p a r e l h o de r e s p i r a ç ã o a r t i f i c i a l ; 6 p a c i e n t e s f o r a m c o n s i d e r a d o s c u r a d o s e dois m e l h o r a d o s .
C O M E N T A R I O S
Admitindo-se ser a complicação neurológica o resultado de uma reação
basicamente imunalérgica em resposta à exposição repetida a um antígeno
(vacina), parece razoável o emprego de drogas com atividades
anti-inflama-tórias e imunosupressoras, como os hormônios glicocorticóides '
¿<
4>
7>
9. No
Hospital de Isolamento "Emílio Ribas" esses hormônios foram usados no
tra-tamento das complicações neurológicas depois de suspensa a administração
da vacina, uma vez que eles podem ter interferência na produção de
anti-corpos anti-rábicos, especialmente os corticóides
5.
Considerando a relativa lentidão dos processos de recuperação e o
pos-sível benefício da corticóidoterapia, foi considerada útil sua aplicação no
espaço subaracnóideo, permitindo ação direta e imediata no sistema nervoso
e reduzindo, por outro lado, os efeitos sistêmicos
1 0. Isto foi obtido pelo
emprego da suspensão de acetato de metilprednisolona que se mantém em
níveis razoavelmente altos no líquido cefalorraqueano durante longo período
de tempo
1 3, diferentemente dos corticosteróides solúveis, que entram
rapida-mente em equilíbrio com os níveis plasmáticos
8.
As respostas clínicas, com o método adotado, foram surpreendentemente
boas, mesmo quando já se supunha estar a afecção entrando em fase de
cro-nicidade (casos 25 e 32), apesar do tratamento anterior pelo método clássico.
Não foram observados fenômenos irritativos ou tóxicos, locais ou gerais,
imputáveis a esse método terapêutico, o que confirma, de modo geral, as
re-ferências da literatura
J.
2.
6>
1 0.
1 1. Por outro lado, em um caso em que foi
feita necropsia (caso 26), não foram encontrados fenômenos inflamatorios
devidos à droga. Igualmente, não parece ter havido atividade sistêmica do
hormônio. Estes fatos, que sugeriram a outros autores *.
2>
6-
1 0>
1 1>
1 2o
em-prego do mesmo método de tratamento em outras moléstias do sistema
ner-voso, nos autorizaram novas tentativas terapêuticas em algumas afecções
neu-rológicas em que, até hoje, têm sido usados somente os métodos clássicos.
Considerando, finalmente, que a moléstia em foco tem caráter
reversí-vel espontaneamente, pelo menos de modo parcial, uma análise estatística
demandará número muito maior de observações, embora pareça justificada,
nesta casuística, a superioridade do método intratecal empregado.
R E S U M O
Os autores estudaram 33 pacientes com complicações neurológicas da
vacinação antirábica (tipo Fermi modificada) dividindoos, quanto ao t r a t a
-mento, em três grupos: a) tratamento sintomático e de manutenção (9
pa-cientes); b) tratamento igual ao do grupo a acrescido de ACTH e/ou corti¬
costeróides pelas vias oral, muscular ou venosa (15 pacientes); c)
tratamen-to igual ao do grupo a acrescido da administração de acetatratamen-to de metilpred¬
nosolona em suspensão por via intratecal (9 pacientes).
Referem os autores um caso com seqüela no grupo a; dois óbitos, um
caso com seqüela, 6 melhorados e 6 considerados curados no grupo b; um
óbito (acidente com o respirador) e nenhuma outra complicação ou seqüela
com os pacientes do grupo c no qual 7 foram considerados curados e um
melhorado. A impressão clínica, justificada pela recuperação mais rápida
e completa, foi a de que os melhores resultados foram obtidos no grupo c.
S U M M A R Y
Treatment of neurological complications in anti-rabies vaccination
Neurological complications in 33 patients following antirabies vaccination
(modified Fermi vaccine) were studied. For analysing purposes of the
therapeutic effects the patients were divided in three groups: the first group
with symptomatic treatment only (9 patients); the second with symptomatic
treatment plus intravenous or intramuscular ACTH or corticosteroids (15
patients); the third with symptomatic treatment plus intrathecal methyl¬
prednisolone acetate (9 patients).
R E F E R Ê N C I A S
1 . B O I N E S , G. J . — a ) R e m i s s i o n s i n m u l t i p l e s c l e r o s i s f o l l o w i n g i n t r a t h e c a l m e t h y l p r e d n i s o l o n e a c e t a t e . D e l a w a r e S t . m e d . J. 33:230235, 1 9 6 1 . b ) P r e -d i c t a b l e r e m i s s i o n s i n m u l t i p l e s c l e r o s i s . D e l a w a r e S t . m e -d . J.35:200-202, 1963. c) E r r a t i c p e r s i s t e n c e of i n t r a t h e c a l l y i n j e c t e d m e t h y l p r e d i n o s o l o n e a c e t a t e . D e l a w a r e S t . m e d . J . 36:210-212, 1964.
2 . B A K E R , A . C . — I n t r a t h e c a l m e t h y i l p r e d n i s o l o n e for m u l t i p l e s c l e r o s i s : e v a -l u a t i o n b y a s t a n d a r d n e u r o -l o g i c a -l r a t i n g . A n n . A -l -l e r g y 25:665-672, 1967.
3 . B R A N D R I N , M. W.; S M I T H , J . W . & F R I E D M A N , R, M. — S u p r e s s i o n of e x -p e r i m e n t a l a l l e r g i c e n c e -p h a l o m y e l i t i s by a n t i m e t a b o l i t e s . A n n . N . Y. A c a d . Sci. 122:356-368, 1965.
4 . B R I G G S , G. W . & B R O W N , M. W . — N e u r o l o g i c a l c o m p l i c a t i o n s of a n t i r a b i e s v a c c i n e : t r e a t m e n t w i t h c o r t i c o s t e r o i d s . J . A m e r . m e d . A s s . 173:802-804, 1 9 6 0 .
5 . B U R N S , K. F . ; S H E L T O N , D . F . ; L U K E M A N , J . M. & G R O G A N , E. W. — C o r t i s o n e a n d A C T H i m p a i r m e n t of r e s p o n s e t o r a b i e s v a c c i n e . P u b l . H l t h R e p . ( W a s h i n g t o n ) 75:441-445, 1960.
6 . B U S K I R K , C. V a n ; P O F F E N B A R G E R , L. A.; C A P R I L E S , L. F . & I D E A , B . V. — T r e a t m e n t of m u l t i p l e s c l e r o s i s w i t h i n t r a t h e c a l s t e r o i d s . N e u r o l o g y
( M i n n e a p o l i s ) 14:595-597, 1964.
7 . F E R R A R O , A. & R O I Z I N , L. — a ) E x p e r i m e n t a l a l l e r g i c e n c e p h a l o m y e l i t i s d u r i n g a n d f o l l o w i n g c o r t o n e a c e t a t e t r e a t m e n t . J . N e u r o p a t h . 12:373-386, 1 9 5 3 . b) H y p e r e r g i c e n c e p h a l o m y e l i t i s f o l l o w i n g e x a n t h e m a t i c d i s e a s e s , i n f e c t i o u s d i s e a s e s a n d v a c c i n a t i o n . J . N e u r o p a t h . 1 6 : 4 2 3 - 4 4 5 , 1 9 5 7 .
8 . F I S H M A N , R. A. & C H R I S T Y , N . P . — R a t e of a d r e n a l c o r t i c a l s t e r o i d s f o l l o -w i n g i n t r a t h e c a l i n j e c t i o n . N e u r o l o g y ( M i n n e a p o l i s ) 1 5 : 1 - 6 , 1 9 6 5 .
9 . GAMMON, G. A. & D I L W O R T H , M. J. — E f f e c t of c o r t i c o t r o p i n o n p a r a l y s i s of e x p e r i m e n t a l a l l e r g i c e n c e p h a l o m y e l i t i s . A r c h . N e u r o l . P s y c h i a t . ( C h i c a g o ) 69:649, 1953.
1 0 . G O L D S T E I N , N . P . ; M c K E N Z I E , B . F . & M c G U C K I N , W . F . — C h a n g e s in c e r e b r o s p i n a l f l u i d of p a t i e n t s w i t h m u l t i p l e s c l e r o s i s a f t e r t r e a t m e n t w i t h i n t r a t h e c a l m e t h y l p r e d n i s o l o n e a c e t a t e . P r o c . M a y o Clin.. 37:657-668, 1 9 6 2 .
1 1 . K U L I C K , S. A. — T h e c l i n i c a l u s e of i n t r a t h e c a l m e t h y l p r e d n i s o l o n e a c e t a t e f o l l o w i n g l u m b a r p u n c t u r e . J . M t , S i n a i H o s p . 32:75-78, 1965.
1 2 . S C H M I D T , E. — E r f a h r u n g e n m i t d e r i n t r a t h e c a l e n C o r t i c o s t e r o i d b e h a n d l u n g d e r P o l y s k l e r o s e u n d a n d e r e r n e u r o l o g i s c h e r E r k r a n k u n g e n . P s y c h i a t . N e u r o l , u. m e d . P s y c h o l . ( L e i p z i g ) 19:152-156, 1967.
1 3 . S E H G A L , A. D . — L a b o r a t o r y s t u d i e s a f t e r i n t r a t h e c a l c o r t i c o s t e r o i d s ; d e t e r -m i n a t i o n of c o r t i c o s t e r o i d s in p l a s -m a a n d c e r e b r o s p i n a l f l u i d . A r c h . N e u r o l . P s y c h i a t . ( C h i c a g o ) 9:64-68, 1963.
Clinica Neurológica — Faculdade de Medicina — Universidade de São Paulo