PERSISTÊNCIA DA ANASTOMOSE CARÓTIDO-BASILAR. A
PROPÓ-SITO DE UM CASO REVELADO PELA ANGIOGRAFIA CEREBRAL
JOSÉ Z A C L I S *
A primitiva artéria trigeminal, que estabelece a comunicação entre a ca-rótida interna e a artéria basilar, é normal e constante na fase embrionária. Com a maturação do sistema vascular intracraniano, da mesma forma que diversos outros vasos embrionários, a artéria trigeminal é ocluída. Às vezes, entretanto, um desses vasos deixa de sofrer a involução habitual, permane-cendo funcionante mesmo no indivíduo adulto, o que acontece mais freqüen-temente com a artéria trigeminal. A persistência, no indivíduo adulto, da anastomose entre os sistemas carotídeo e vértebro-basilar através da primi-tiva artéria trigeminal determina modificações na hemodinâmica intracrania-na, cuja demonstração constitui o principal motivo da presente publicação.
Foram publicados, até agora, 22 casos de persistência da anastomose rótido-basilar. Os 16 primeiros constituíram achados de autópsia. Os 6 ca-sos mais recentes foram revelados pela angiografia cerebral: o primeiro foi
publicado por Sutton1
em 1950; Harrison e Luttrell2
, em 1952, relataram 3 casos, um dos quais confirmado pela necrópsia; em janeiro de 1955 foram
foram publicados mais dois casos, sendo um de Murtagh e col.3
, no qual, além da anastomose carótido-basilar havia aneurisma da artéria cerebral média do
mesmo lado, e outro de Schaerer 4
, cujo paciente apresentava anastomose ca-rótido-basilar associada a outras anomalias vasculares do encéfalo. Em to-dos os casos publicato-dos, da mesma forma como no caso descrito a seguir, a presença da anastomose carótido-basilar foi achado ocasional; nenhuma sin-tomatologia parece depender diretamente dessa anomalia.
O B S E R V A Ç Ã O — P . D . P., 1 7 anos, b r a n c o , do sexo masculino, admitido no A m b u -latório d a Clínica N e u r o l ó g i c a do H o s p i t a l das Clínicas em 1 9 - 1 0 - 1 9 5 3 ( r e g . 3 4 2 . 2 4 6 ) . Desde a idade de 1 2 anos o paciente v i n h a apresentando crises c o n v u l s i v a s g e n e r a -lizadas com intervalos de u m mês a p r o x i m a d a m e n t e . O e x a m e clínico-neurológico resultou inteiramente n o r m a l , assim como o liqüido c e f a l o r r a q u e a n o e outros e x a m e s subsidiários de rotina. O E E G mostrou discretas a n o r m a l i d a d e s difusas. C o m G a r -denal e H i d a n t o í n a a f r e q ü ê n c i a das crises diminuiu sensivelmente. E m 3 - 1 - 1 9 5 5 novo t r a ç a d o eletrencefalográfico mostrou foco c o n v u l s i v ó g e n o f r o n t a l direito. E m v i r t u d e deste novo d a d o foi solicitado e x a m e a n g i o g r á f i c o . N ã o tendo sido designado o l a d o a ser e x a m i n a d o e por i g n o r a r m o s o resultadesignado designado E E G , iniciamos a a n g i o -g r a f i a , ao acaso, pelo l a d o esquerdo.
Angiografia cerebral via carótida esquerda (1011955): calibroso vaso a n a s t o m ó
tico entre o segmento intracavernoso d a carótida interna e o terço superior da a r -téria basilar. Esta anastomose arterial, mais visível na incidência lateral (fig . I A ) , é t a m b é m identificável na incidência sagital (fig . I B ) ; do segmento infraclinóideo d a carótida ela se dirige p a r a dentro e p a r a cima, indo confundir-se, sobre o plano médio sagital, com a porção cranial d a a r t é r i a basilar. T a m b é m as duas artérias cerebrais posteriores são visíveis desde sua o r i g e m ( f i g . I B ) .
A angiografia cerebral via carótida direita (18-1-1955) mostrou, a l é m dos ramos
cerebrais desta artéria, o segmento da cerebral anterior esquerda situados a c i m a da comunicante anterior. Todos esses vasos a p r e s e n t a v a m t r a j e t o e calibre normais (fig. 2 ) .
A angiografia cerebral via artéria vertebral direita (1241955) mostrou, de i m
-portante, ausência de i m a g e m da a r t é r i a cerebral posterior e dos demais ramos do l a d o esquerdo ( f i g . 3 ) .
C O M E N T Á R I O S
Analisando, em conjunto, os dados das três etapas angiográficas do caso em aprêço, resulta que existe indiscutível anastomose carótido-basilar do lado esquerdo, a qual pode ser responsabilizada pelas modificações observadas na hemodinâmica intracraniana.
Já foi demonstrado e brilhantemente documentado em filme cinemato-gráfico 5
que a artéria basilar se comporta, em condições normais, como se fôsse um vaso de dupla luz; o sangue proveniente de cada uma das artérias vertebrais circula na metade ipsilateral da basilar sem que o sangue de uma e de outra metade se misture. Porém, aumentando a pressão arterial em uma das vertebrais, o sangue desta passa também para a metade contrala-teral da artéria basilar, misturando-se ao sangue proveniente da vertebral, cuja pressão é mais baixa. A artéria cerebral posterior dêste lado receberá portanto sangue proveniente de ambas as artérias vertebrais enquanto sua homônima de outro lado receberá sangue proveniente apenas da vertebral na qual a pressão foi aumentada.
O fato de não aparecer imagem da anastomose carótido-basilar quando o contraste é injetado na artéria vertebral (fig. 3) demonstra, até certo ponto, que o sentido da corrente sangüínea no interior dessa anastomose é da ca-rótida para a basilar e comprova, também, que a pressão na caca-rótida é su-perior à pressão na basilar.
Quanto ao sentido da corrente circulatória no interior do vaso anasto¬
mótico, Sutton 1
salienta que é da carótida para a basilar. Da mesma forma,
Harrison e Luttrell 2
julgam que, nos 3 casos por êles publicados, as angio¬ grafias demonstram êsse fato. Não conhecemos o artigo original de Sutton e não sabemos, por isso, quais as provas apresentadas em favor dessa afir-mação. Mas, as angiografias publicadas por Harrison e Luttrell não consti-tuem prova suficiente de que o sentido da corrente seja obrigatòriamente aquêle; elas demonstram apenas que, injetada a substância rádio-opaca na ca-rótida, o vaso anastomótico ficou contrastado. Para comprovar que o sen-tido da corrente é invariável, e sempre da carótida para a basilar, seria ne-cessária, a nosso ver, uma contraprova, isto é, que, injetando o contraste em uma das vertebrais, a imagem da artéria anastomótica não aparecesse. A rigor, nem mesmo preenchendo o requisito da contraprova, teremos a certeza, cientificamente aceitável como absoluta, de que a imagem da anastomose deixou de aparecer por não ter o contraste penetrado na sua luz em virtude da resistência oposta à sua progressão pela corrente em sentido contrário.
Finalmente, a presença, na figura 2 (angiografia cerebral via carótida direita), do segmento da artéria cerebral anterior distalmente situado em relação à comunicante anterior não tem qualquer significado como indicando modificação da hemodinâmica; trata-se de ocorrência freqüentíssima em an-giografias normais, relacionadas com a velocidade de injeção do contraste, com o calibre da comunicante anterior e com outros fatores de menor im-portância.
R E S U M O
Publicando êste caso, o autor eleva para 23 o total dos casos registrados de persistência da anastomose carótido-basilar. Trata-se de caso cujo pa-ciente foi submetido a estudo angiográfico injetando o contraste sucessiva-mente em ambas as artérias carótidas e no sistema vértebro-basilar. Êste é o sétimo caso com demonstração angiográfica da persistência da comuni-cação entre a carótida e a basilar. A presença desta anomalia condiciona modificações na hemodinâmica intracraniana demonstradas neste caso.
S U M M A R Y
tebral artery. Persistence of carotid-basilar anastomosis causes intracranial hemodynamic changes which are discussed by the author based on the angio-graphic findings.
B I B L I O G R A F I A
1 . S U T T O N , D . — C i t . p o r H A R R I S O N e L U T T R E L L2
. 2 . H A R R I S O N , C. R . ; L U T T R E L L , C. — P e r s i s t e n t c a r o t i d b a s i l a r a n a s t o m o s i s . T h r e e a n g i o g r a p h i c a l l y d e -m o n s t r a t e d cases w i t h o n e a n a t o -m i c a l s p e c i -m e n . J. N e u r o s u r g . , 10:205-215 ( -m a i o ) 1953. 3 . M U R T A G H , F . ; S T A U F F E R , H . M . ; H A R L E Y , R . D . — A c a s e o f p e r s i s t e n t c a r o t i d b a s i l a r a n a s t o m o s i s a s s o c i a t e d w i t h a n e u r y s m o f t h e h o m o l a t e r a l m i d d l e c e -r e b -r a l a -r t e -r y m a n i f e s t e d b y o c u l o m o t o -r p a l s i s . J. N e u -r o s u -r g . , 12:46-49 ( j a n e i -r o ) 1955. 4 . S H A E R E R , J. P . — A c a s e o f c a r o t i d - b a s i l a r a n a s t o m o s i s . W i t h m u l t i p l e a s s o c i a t e d c e r e b r o v a s c u l a r a n o m a l i e s . J. N e u r o s u r g . , 12:62-65 ( j a n e i r o ) 1955. 5 . M C D O N A L D e F O T T E R — T h e s t r e a m s in t h e b a s i l a r a r t e r y . F i l m e c i n e m a t o g r á f i c o c o l o r i d o . F i l ¬ m o t e c a da S o c i e d a d e B r a s i l e i r a d e C u l t u r a I n g l ê s a ( Μ . 1 5 ) .
Clínica Neurológica. Hospital das Clínicas da Fac. Med. da Univ. de São Paulo —