Doença oclusiva da artéria basilar:
aspectos clínicos e radiológicos
Tese apresentada à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo para obtenção do Título de Doutor em Ciências
Área de Concentração: Neurologia Orientadora: Dra Adriana Bastos Conforto
A Deus, que sempre caminha ao meu lado e nos momentos mais difíceis me
carrega em seus braços.
Aos meus pais, Orlando e Dôra, pela sua constante dedicação e seu
enorme amor, sempre acreditando e me apoiando em todas as conquistas.
Ao meu esposo, Alexandre, pela sua compreensão e amor que me
sustentam a cada dia, e também pelo seu incondicional apoio.
A minha filha, Giulia, fonte de alegria e inspiração para os meus dias.
À minha orientadora, Dra Adriana Bastos Conforto, pela compreensão e paciência, e por me ensinar a cada dia a superar minhas dificuldades e enriquecer meu conhecimento.
Ao Prof Dr Milberto Scaff, pela orientação constante em todo o meu aprendizado em Neurologia.
Ao Prof Dr Paulo Eurípedes Marchiori, pelos conhecimentos compartilhados e ao Dr Fábio Iuji Yamamoto, pelo apoio na discussão dos casos.
Ao Dr Paulo Puglia Jr, Dra Claúdia Costa Leite, Dra Maria das Graças Martin, Dr Cristiano Venturim de Barros, Dr José Guilherme Caldas, pelo auxílio na execução desta tese.
Aos médicos e assistentes do departamento de Neurologia, pelo apoio na identificação e discussão dos casos.
Aos colegas médicos residentes de Neurologia, pelo auxílio na identificação e acompanhamento dos pacientes.
Às secretárias e funcionários do departamento de Neurologia, pelo incondicional apoio e auxílio em todas as etapas deste projeto.
Aos meus parentes e amigos, por compartilhar seu apoio nos momentos bons e difíceis desta jornada.
Esta tese está de acordo com as seguintes normas, em vigor no momento desta publicação:
Referências: adaptado deInternational Committee of Medical Journal Editors
(Vancouver)
Universidade de São Paulo. Faculdade de Medicina. Serviço de Biblioteca e
Documentação.Guia de apresentação de dissertações, teses e monografias.
Elaborado por Anneliese Carneiro da Cunha, Maria Júlia de A. L. Freddi, Maria F. Crestana, Marinalva de Souza Aragão, Suely Campos Cardoso, Valéria Vilhena. 2ª ed. São Paulo: Serviço de Biblioteca e Documentação; 2005.
Lista de Siglas
Lista de Figuras
Lista de Tabelas
Lista de Anexos
Resumo
Summary
1. INTRODUÇÃO 1
2. OBJETIVOS 5
3. REVISÃO DA LITERATURA 7
3.1. Histórico 8
3.2. Fisiopatologia 9
3.3. Epidemiologia 11
3.4. Fatores de risco para doença vascular 13
3.5. Características clínicas 14
3.6. Diagnóstico radiológico 16
3.7. Tratamento 17
3.8. Prognóstico 20
3.9. Visão atual 21
4. CASUÍSTICA E MÉTODOS 24
4.1. Casuística 25
4.2. Métodos 26
4.2.4. Tratamento 31
4.2.5. Prognóstico 31
4.2.6. Estatística 32
5. RESULTADOS 34
5.1. Aspectos clínicos 35
5.2. Aspectos radiológicos 39
5.3. Etiologia 45
5.4. Tratamento 46
5.5. Prognóstico 47
6. DISCUSSÃO 49
6.1. Aspectos clínicos 50
6.2. Aspectos radiológicos 54
6.3. Etiologia 58
6.4. Tratamento 59
6.5. Prognóstico 61
6.6. Limitações 63
6.7. Considerações finais 64
7. CONCLUSÕES 66
8. REFERÊNCIAS 69
9. ANEXOS 80
AB Artéria Basilar
ACAI Artéria Cerebelar Ântero-Inferior
ACS Artéria Cerebelar Superior
ACP Artéria Cerebral Posterior
AComP Artéria Comunicante Posterior
ACPI Artéria Cerebelar Póstero-Inferior
AD Angiografia Digital
AGRM Angiografia por Ressonância Magnética
AIT Ataque Isquêmico Transitório
AVCI Acidente Vascular Cerebral Isquêmico
AVE Artéria Vertebral
BASICS Basilar Artery International Cooperation Study
DAP Doença Arterial Periférica
DCO Doença Coronariana
DCV Doença Cerebrovascular
DLP Dislipidemia
DM Diabetes Mellitus
DOAB Doença Oclusiva da Artéria Basilar
DP Desvio-padrão
EMR Escala Modificada de Rankin
FA Fibrilação Arterial
Universidade de São Paulo
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INR International Normalized Ratio
REGARDS Reasons for Geographic and Racial Differences in
Stroke
RM Ressonância Magnética
SPSS Statistical Package for Social Sciences
TBG Tabagismo
TC Tomografia computadorizada
TOAST Trial of Org 10172 in Acute Stroke Treatment
TOF-MOTSA Time-of-flight multiple overlapping thin-section
acquisition
VPN Valor preditivo negativo
VPP Valor preditivo positivo
Figura 1. Topodiagnóstico anatomoclínico 40
Figura 2. Localização do infarto na ressonância magnética 40
Figura 3. Exemplo de lesão pontina 41
Figura 4. Exemplos de acometimento de terço médio isolado e de
oclusão da artéria basilar 43
Figura 5. Oclusão da artéria basilar 44
Figura 6. Classificação dos subtipos de acidente vascular cerebral
isquêmico 45
Figura 7. Prognóstico funcional através da escala modificada de Rankin
Tabela 1. Dados de idade e sexo nos principais estudos de doença
oclusiva da artéria basilar 11
Tabela 2. Freqüência (%) dos principais fatores de risco para doença
vascular na doença oclusiva da artéria basilar em uma série prospectiva 14
Tabela 3. Comparação entre os principais sinais e sintomas da fase
aguda da doença oclusiva da artéria basilar em série retrospectiva x
prospectiva 16
Tabela 4. Dados demográficos 35
Tabela 5. Fatores de risco para doença vascular 36
Tabela 6. Quadro clínico do acidente vascular cerebral isquêmico 37
Tabela 7. Principais sinais e sintomas do ataque isquêmico transitório
precedente 38
Tabela 8. Grau de estenose e localização da doença oclusiva da artéria
Anexo B. Termo de Consentimento Livre e Esclarecido 83
Anexo C. Aprovação do Projeto de Pesquisa pela Comissão
de Ética para análise de projetos de pesquisa do Hospital das Clínicas
da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo 85
Anexo D. Protocolo para coleta de dados 86
Anexo E. Critérios de definição dos fatores de risco para
doença vascular 89
Anexo F. Protocolo para análise dos aspectos radiológicos
na Ressonância Magnética 91
Anexo G. Protocolo para análise angiográfica 92
Anexo H. Critérios para Classificação do Trial of Org 10172 in
Acute Stroke Treatment (TOAST) dos subtipos etiológicos de
Acidente Vascular Cerebral Isquêmico 94
Anexo I. Entrevista estruturada da Escala de Rankin modificada 98
Anexo J. Aprovação do adendo de participação no estudo
multicêntrico BASICS (Basilar Artery International Cooperation Study)
pela Comissão de Ética para análise de projetos de pesquisa do
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade
Paulo; 2008.
O objetivo deste estudo foi descrever as características demográficas,
clínicas, radiológicas e o prognóstico da doença oclusiva da artéria basilar
(DOAB), em uma população multiétnica. Foram estudados 40 indivíduos
com infartos no território da artéria basilar (AB) confirmados por ressonância
magnética, que sobreviveram após 30 dias à fase aguda do acidente
vascular cerebral isquêmico (AVCI). Todos os doentes apresentavam
estenose ≥ 50% ou oclusão da AB, documentada por angiografia por
ressonância ou angiografia digital. Foram registrados: idade, sexo, grupo
étnico, fatores de risco para doença vascular, quadro clínico na instalação do
AVCI, local do infarto, segmento arterial acometido, grau de estenose e
presença de circulação colateral. A escala modificada de Rankin (EMR) em
30 dias e após seis meses do evento isquêmico foi avaliada, assim como a
taxa de recorrência de eventos vasculares isquêmicos. Associações entre
dados demográficos, aspectos clínicos, radiológicos e prognóstico foram
analisadas pelo teste da razão de verossimilhança ou pelo teste exato de
Fisher. A comparação entre a pontuação na EMR em 30 dias e seis meses
foi realizada pelo teste de Wilcoxon. Sessenta por cento dos pacientes eram
homens e 33%, afro-brasileiros. A média (± desvio-padrão) de idade foi 55,8
± 12,9 anos. A maioria (90%) dos pacientes apresentou múltiplos fatores de
risco para doença vascular. Ataques isquêmicos transitórios (AIT)
ponte (85%) e o terço médio da AB foi o mais freqüentemente afetado
(33%). Oclusão arterial esteve presente em 58% dos casos. Lesões mais
graves foram observadas em caso de acometimento do terço médio da AB
(p=0,001). Aterosclerose de grandes artérias foi a etiologia mais comum do
AVCI (88%), sendo mais freqüente nos pacientes acima de 45 anos
(p<0,001). Somente um paciente foi tratado com trombólise intra-arterial e a
maioria foi tratada com anticoagulação na fase aguda. A pontuação na EMR
melhorou significativamente após seis meses (p<0,001). Podemos concluir
que obtivemos alguns resultados diferentes de outras séries de países
desenvolvidos, como maior proporção de afrodescendentes e oclusão da AB
em pouco mais da metade dos casos. Taxas de AIT precedendo o AVCI,
freqüência alta de aterosclerose como etiologia e bom prognóstico funcional
foram semelhantes a descrições da literatura. Estes resultados representam
um avanço no conhecimento da DOAB em nosso meio.
Paulo; 2008. xx p.
The aim of this study was to describe demographical, clinical,
radiological findings and outcome in stroke survivors with basilar artery
occlusive disease (BAOC). We studied 40 patients with infarcts in the basilar
artery (BA) territory confirmed by magnetic resonance imaging (MRI), who
survived for at least 30 days after acute stroke. All patients had ≥ 50% BA
stenosis or occlusion, documented by magnetic resonance or digital
subtraction angiography. The following characteristics were registered: age,
sex, ethnical group, vascular risk factors, symptoms and signs, infarct
location, site and degree of BA stenosis, and presence of collateral
circulation. Modified Rankin Scale (MRS) scores at 30 days and six months
after the ischemic event were evaluated, as well as transient ischemic attack
(TIA) and stroke recurrence rates. Associations between demographical,
clinical, radiological features and outcome were analyzed with
Likelihood-ratio and Fisher´s exact tests. The comparison between MRS scores at 30
days and six months was made with the Wilcoxon test. Sixty percent of the
patients were male and 33% were Afro-Brazilian. Mean age was 55.8 ±12.9
years. Most of the subjects (90%) had multiple vascular risk factors. TIAs
preceded strokes in 48% of the patients. Eighty per cent had history of
arterial hypertension. The most common neurological symptom was
vertigo/dizziness. Most of the infarcts were located in the pons (85%) and the
Large-artery atherosclerosis was the most common stroke etiology (88%)
and was more frequent in patients older than 45 years (p<0.001). Only one
patient was treated with intra-arterial thrombolysis and most of the others
received anticoagulation. MRS scores improved significantly at six months
(p<0.001). In conclusion, we observed different results compared with other
series, such as: greater proportion of afrodescendents, higher frequency of
atherosclerosis and BA occlusion. Rates of preceding TIAs and good
outcome at six months were similar to previously published data. These
results represent a step forward towards understanding BAOC in a large
Brazilian urban center.
1. Introdução
Em todo o mundo, a doença cerebrovascular (DCV) persiste como
importante causa de incapacidade funcional e óbito, apesar do avanço dos
métodos diagnósticos e terapêuticos dos últimos anos1. Entretanto2, existem
poucos estudos sobre a incidência e a prevalência da DCV na América do
Sul.
No Brasil, apesar do atual declínio da taxa de mortalidade por DCV,
esta doença ainda é a principal causa de morte natural na população,
independentemente de sexo e faixa etária3,4. A incidência de acidente
vascular cerebral (AVC) na cidade de Matão, no estado de São Paulo, foi
estimada em 137/100.000 habitantes por ano5, porém pouco se sabe sobre
a incidência e a prevalência desta doença em outras regiões do país. Novas
pesquisas são necessárias para auxiliar o entendimento e a programação de
novas estratégias de diagnóstico, tratamento e redução da
morbimortalidade6.
Os AVCs podem ser subdivididos em duas grandes categorias,
isquêmicos (AVCIs) ou hemorrágicos (AVCHs). Em países desenvolvidos, os
AVCIs ocorrem em 80% dos casos e acometem o território vertebrobasilar
em 20% dos casos7. No Brasil, há relatos de proporção de 63,5 a 85% de
AVCI em relação ao total de AVCs5,8.
A irrigação arterial encefálica é feita por dois territórios: o anterior, ou
carotídeo, e o posterior, ou vertebrobasilar9. A artéria basilar (AB), um tronco
tronco encefálico (responsável por funções vitais), dois terços do cerebelo e
termina se ramificando em artérias cerebrais posteriores (ACPs),
responsáveis por parte do suprimento arterial do mesencéfalo, do tálamo e
dos lobos temporais e occipitais7,10.
A AB é freqüentemente acometida por aterosclerose, levando a
estenose e/ou oclusão do lúmen arterial10, mas pode ser alvo de outras
lesões arteriais, como a dissecção, e também de embolia. No início do
século XIX, apareceram os primeiros relatos associando a doença oclusiva
da artéria basilar (DOAB) a um habitual desfecho fatal. Contudo, nesta
época, a confirmação do diagnóstico semiológico, habitualmente, era feita
por necropsia11,12. Em um banco de dados de AVCIs acometendo o território
vertebrobasilar, a DOAB foi descrita em cerca de 22% dos casos10,
representando aproximadamente 5% do total de AVCIs13.
O diagnóstico da DOAB passou a ser mais preciso, rápido e acessível
com o advento da arteriografia convencional14,15, assim como da
ressonância magnética (RM) e posteriormente, da angiografia por
ressonância (AGRM)16. Todavia, o prognóstico permanecia desfavorável,
com altas taxas de morbimortalidade14,15. Em 2004, foram publicados os
resultados da maior série prospectiva de DOAB (n=87)17. Nesta casuística
norte-americana, o prognóstico foi avaliado na alta, sendo mais favorável
que em estudos anteriores: seqüelas graves ocorreram em apenas um
quinto dos afetados e a taxa de mortalidade foi 2,3%17.
Não há informações publicadas sobre DOAB no Brasil e na América do
propõe a realizar a caracterização clínica e radiológica da DOAB em doentes
que sobreviveram à fase aguda, atendidos em um hospital universitário em
São Paulo. Visamos ampliar a compreensão de diagnóstico, etiologia,
2.Objetivos
Os objetivos deste estudo, em relação a indivíduos com DOAB que
sobreviveram à fase aguda após o AVCI, são:
2.1 Avaliar aspectos clínicos e radiológicos.
2.1.1 Em relação aos aspectos clínicos, caracterizar:
a. Dados demográficos;
b. Fatores de risco para doença vascular;
c. Quadro clínico.
2.1.2 Em relação aos aspectos radiológicos, caracterizar:
a. Localização do infarto;
b. Caracterização angiográfica de grau de estenose, local de
acometimento arterial e presença de circulação colateral.
2.2 Descrever a etiologia do AVCI.
2.3 Descrever o tratamento utilizado.
2.4 Avaliar o prognóstico em 30 dias e em seis meses após o evento
3. Revisão de Literatura
3.1. Histórico
Hayem (apud Caplan10), em 1868, foi o primeiro a descrever as
características clínicas e patológicas da oclusão fatal da AB. Em 1882,
Leyden caracterizou os sinais e sintomas da DOAB, descrevendo o típico
quadro clínico de cefaléia, vômitos e vertigem, hemiplegia cruzada, paralisia
facial periférica, distúrbios da motricidade ocular e disartria, evoluindo para
coma com elevação de temperatura11. Porém, durante muito tempo, os
relatos de estenose e/ou oclusão da AB foram descritos apenas em séries
de necropsias.
Apenas em 1946, Kubik e Adams12 sugeriram a possibilidade de
diagnóstico ainda em vida, baseado em estudo clínico e patológico de 18
casos fatais. Já nesta série, em 11 casos, a DOAB foi atribuída à
aterosclerose e todos apresentavam infartos pontinos. Os autores
ressaltaram as seguintes características clínicas relevantes para suspeita
diagnóstica: início abrupto com perda da consciência associada com sinais
focais, indicando lesão pontina e/ou mesencefálica, além de envolvimento
bilateral. Ainda descreveram o seguimento de sete casos de sobreviventes
com características clínicas semelhantes aos relatados na série.
Em 1920, com o surgimento da arteriografia convencional, o estudo in
vivo da DOAB se tornou possível. Em 1953, Seldinger (apud Wolf13),
introduziu a angiografia cerebral por cateterização femoral, permitindo o
o diagnóstico angiográfico em vida de oclusão da AB14, por cateterização
vertebral. LaBauge et al.15, em 1981, publicaram sua experiência com 158
doentes com diagnóstico de oclusão da AB por angiografia ou necropsia e
suas características clínicas e radiológicas.
Em 1993, após o aparecimento de métodos não-invasivos como a RM
e a AGRM, Bogousslavsky relatou uma série suíça consecutiva de 70
doentes com AVCIs em território vertebrobasilar e a DOAB16 foi
diagnosticada em 26 (37,1%) casos. Em 2002, também na Suíça, Devuyst
apresentou uma série retrospectiva, de 88 indivíduos com DOAB, subdividos
em dois grupos: (1) diagnóstico por angiografia digital (AD) ou AGRM
(n=43), e (2) diagnóstico por necropsia (n=45)17. Em 2004, Voetsch e
colegas18 descreveram aspectos clínicos e radiológicos de 87 indivíduos
com AVCI ou ataque isquêmico transitório (AIT) e DOAB, nos Estados
Unidos. Os dados foram obtidos de forma prospectiva e consecutiva, entre
1988 e 1996, entre 407 pacientes incluídos no New England Medical Center
Posterior Circulation Registry.
3.2. Fisiopatologia
Os principais mecanismos causadores de estenose ou oclusão da AB
são trombose e embolia. Outras causas menos freqüentes são dissecção
arterial, displasia fibromuscular e vasculites. Na DOAB de origem embólica,
a fonte pode ser cardíaca ou arterio-arterial. A dissecção da AB é muito rara,
porém dissecções da artéria vertebral podem ser associadas à embolia
A trombose da AB é freqüentemente secundária a aterosclerose
levando a estenose ou oclusão arterial10. A aterosclerose é uma doença
crônica e evolutiva que afeta predominantemente a camada intimal das
artérias de médio e grande calibre. A formação da placa ateromatosa pode
levar a estenose do lúmen vascular, formação de aneurisma, calcificação,
ulceração, trombose e tromboembolia19. Apresenta alta prevalência na
população mundial, sendo um dos mais importantes fatores de risco
associados ao AVCI e a doenças cardiovasculares20.
No Northern Manhattan Stroke Study, aterosclerose intracraniana
causou aproximadamente 8% dos AVCIs, sendo localizada na AB em 28%
dos casos21. A aterosclerose intracraniana causa 70.000 casos de AVCI/ano
nos EUA e seu diagnóstico se tornou mais freqüente com o advento de
novas técnicas de neuroimagem, como a AGRM22. O acometimento de
vasos intracranianos por aterosclerose é mais comum e mais grave em
negros, orientais e mulheres, principalmente se estas forem diabéticas23.
Na China, a aterosclerose intracraniana corresponde a 33-50% do total
de AVCIs e mais de 50% dos AITs. A partir destas considerações e tendo
em vista o alto percentual de orientais na população mundial, foi postulado
que a aterosclerose intracraniana possa ser considerada o subtipo mais
comum de AVCI no mundo, apesar do predomínio de acometimento
3.3. Epidemiologia
A DOAB apresenta, nas principais publicações descritas até hoje,
predomínio em indivíduos do sexo masculino e em idosos, como observado
na Tabela 1.
Tabela 1. Dados de idade e sexo nos principais estudos de doença oclusiva
da artéria basilar.
Autor, Ano Idade média (anos) Homens (%) Total (n)
Kubik e Adams, 194612 59,0 67 18a
Devuyst, 200217 67,5 71 88a
Von Campe, 200325 60,3 67 24a
Voestch, 200418 61,2 67 87b
aEstudo retrospectivo;bEstudo prospectivo
No Northern Manhattan Stroke Study, a idade média dos indivíduos
com aterosclerose intracraniana (64 ±12 anos) foi menor que naqueles com
AVCI por doença aterosclerótica extracraniana (72±9 anos)21.
Apenas no estudo de Voestch et al18 foram descritas características
étnicas na DOAB: 87% dos doentes eram brancos. Contudo, em outros
trabalhos, maior incidência de estenose intracraniana sintomática em
qualquer território cerebral foi descrita em negros, assim como maior
mortalidade por AVCI24,26-28.
Em uma amostra norte-americana com doença oclusiva sintomática
do território vertebrobasilar, indivíduos negros apresentaram níveis
mellitus, maior acometimento da região distal da AB, estenoses
intracranianas mais graves, assim como maior proporção de doença
intracraniana sintomática29.
Em nosso país, não encontramos dados sobre a proporção de
brancos e não-brancos em doentes com DOAB. A composição étnica do
Brasil, contudo, é bastante diferente da norte-americana, apresentando
grande heterogeneidade devido à miscigenação entre europeus, africanos,
ameríndios e seus descendentes no processo inicial da formação do país, e
à inclusão de imigrantes de países europeus e asiáticos, principalmente a
partir do século XIX30.
De acordo com o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) realizado em 200030,31, entre 170 milhões de brasileiros,
53% se autoclassificaram como “brancos”, 38% como “mulatos”, 6% como
“negros” e 3%, como “outras categorias”. O perfil étnico de doentes
atendidos no Pronto-Socorro de Clínica Médica do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC/FMUSP) mostrou
distribuição semelhante32. Porém, existem discrepâncias entre resultados de
autoclassificação étnica e estudos de variabilidade genética baseados em
análise de ácido desoxirribonucléico30,33,34: brasileiros classificados como
brancos freqüentemente apresentam grande proporção de marcadores
genéticos indicativos de ancestralidade africana e ameríndia, enquanto
indivíduos negros apresentam proporção elevada de marcadores de
ancestralidade européia. Portanto, em nossa população, conclusões a
de uma forma geral, parte do princípio de que as etnias “branca” ou “negra”
no Brasil não correspondem às mesmas definições nos Estados Unidos,
mas ao contrário, estão inseridas em um contexto de alta miscigenação e de
importantes diferenças entre microrregiões do país.
A escassez de informações sobre características de DCV em
populações multiétnicas e em países não desenvolvidos, nos quais ocorrem
dois terços das mortes por DCV no mundo1, ressalta a importância da
realização de estudos nesta área.
3.4. Fatores de risco para doença vascular
Entre os principais fatores de risco para doença vascular descritos na
DOAB estão: HAS, tabagismo (TBG), diabetes mellitus (DM), dislipidemia
(DLP), doença coronariana (DCO), doença arterial periférica (DAP), AVC
prévio (Tabela 2). Doentes com estenose intracraniana sintomática, com
altos níveis de pressão arterial e colesterol total, apresentam maior risco de
Tabela 2. Freqüência (%) dos principais fatores de risco para doença
vascular na doença oclusiva da artéria basilar na maior série prospectiva
descrita.
Fator de risco Voestch, 200418
Hipertensão Arterial Sistêmica 67
Tabagismo 30
Dislipidemia 38
Diabetes Mellitus 31
Doença Coronariana 33
Doença Arterial Periférica 18
Doença Cerebrovascular Prévia 28
Ausência de fatores de risco 10
3.5. Características clínicas
O quadro clínico da DOAB apresenta uma vasta gama de sinais e
sintomas decorrentes da irrigação de território tão rico em estruturas e
funções36.
Uma característica marcante da DOAB é a presença de sintomas
motores bilaterais como dupla hemiparesia ou hemiparesia alternante10.
Fisher37 ressaltou que a hemiparesia pode fazer parte de várias síndromes
vertebrobasilares, apresentando-se como hemiparesia motora pura,
Em 1990, Ferbert38 descreveu 85 doentes com DOAB definida por
angiografia seletiva, que apresentaram vertigem e náuseas como os
sintomas premonitórios mais freqüentes, seguidos por cefaléia, nucalgia,
hemiparesia, diplopia, disartria, hemianopsia, hemihipoestesia, zumbido e
hipoacusia, ‘drop attack’ e confusão. A variedade de sintomas da mesma
doença em um grupo específico de indivíduos foi salientada.
O diagnóstico clínico da DOAB pode ser subdividido, com base
anatomoclínica, em dois grupos: síndrome de oclusão do terço proximal e
médio da AB e síndrome do topo de basilar10. A lesão do terço proximal e
médio ocasiona, principalmente, isquemia pontina com predomínio de
déficits motores e oculomotores, de modo especial envolvendo o olhar
conjugado horizontal. Por sua vez, a síndrome de topo de basilar é marcada
por mais alterações do nível de alerta e sinais oculomotores do olhar
conjugado vertical. Os sinais e sintomas iniciais mais comuns da DOAB,
descritos em uma série retrospectiva e comparados aos de uma série
prospectiva, estão listados na Tabela 3.
Outra característica importante é a alta taxa de ataque isquêmico
transitório (AIT) precedendo em alguns dias o AVCI por DOAB, variando de
Tabela 3. Comparação entre os principais sinais e sintomas da fase aguda
da Doença Oclusiva da Artéria Basilar em série retrospectivaae prospectivab.
Sinais e Sintomas Von Campe,
2003a, 25(n=24)
Voestch,
2004b, 18(n=87)
Alteração do nível de consciência 50* 18
Déficits motores 92 57
Sinais bulbares 63 74
Sinais cerebelares 21 50
Vertigem/desequilíbrio 54 54
Anormalidades oculomotoras 63 45
Alterações pupilares 29 5
Cefaléia 42 41
*Todos os valores estão descritos sob forma de porcentagem.
3.6. Diagnóstico Radiológico
O diagnóstico de infarto no território da AB pode ser feito com maior
precisão com a RM, mesmo na fase aguda39. Métodos menos invasivos
como a AGRM e o Doppler transcraniano apresentam alto valor preditivo
negativo, sendo importantes para exclusão de lesões significativas e triagem
dos pacientes, mas apresentam valor preditivo positivo relativamente baixo
para o diagnóstico de estenoses intracranianas. Deste modo, a angiografia
digital (AD) persiste como padrão-ouro para diagnóstico do local e
A ponte e o cerebelo, isolados ou em associação com outros locais do
território da AB, correspondem às regiões mais freqüentes de infarto na
maioria dos estudos de DOAB10,16. A porção mais acometida da AB é o terço
médio10,16,18. Existe maior freqüência de estenose que oclusão, na maior
parte das séries estudadas10,16,18. A extensão da área isquêmica depende de
vários fatores como circulação colateral adequada, fatores hemodinâmicos
como hipovolemia, evolução da obstrução arterial e resistência dentro da
microcirculação19.
Acredita-se que a presença de circulação colateral seja um importante
fator prognóstico na DOAB10,40. Huber41 citou, como principais vias de
circulação colateral para o território posterior intracraniano, as anastomoses
entre: artéria occipital (ramo da artéria carótida externa) e ramos musculares
da AVE distal (V4); artéria espinhal anterior e AVEs; artéria cerebelar
póstero-Inferior (ACPI), cerebelar ântero-inferior (ACAI) e cerebelar superior
(ACS); artéria coróidea anterior (ramo da artéria carótida interna) e coróidea
posterior (ramo da artéria cerebral posterior - ACP); ramos temporais da
ACP e artéria temporal posterior; ramos occipitais da ACP e artéria
pericalosa; além da importante artéria comunicante posterior (AComP) que
conecta a circulação anterior com a posterior.
3.7. Tratamento
O tratamento da DOAB na fase aguda pode ser feito através de
trombólise endovenosa, ou por procedimentos mais invasivos como
A profilaxia secundária envolve o controle dos fatores de risco, além de
terapia medicamentosa, seja antiagregação plaquetária ou anticoagulação.
O uso de anticoagulação na terapia da estenose intracraniana foi
descrito pela primeira vez em 1955, por Milikan (apud Chimowitz42). Ainda
não sabemos qual o tratamento ideal para DOAB, mas por muito tempo a
anticoagulação foi preconizada na fase aguda e nos casos de
comprometimento neurológico grave10.
Em 1998, os resultados parciais do estudo WASID (Warfarin-Aspirin
Symptomatic Intracranial Disease)21 mostraram que as taxas de recorrência
de AVC nos doentes com estenose da AB ou da AVE foram maiores que
naqueles com estenose de sifão carotídeo ou de artéria cerebral média
(ACM), assemelhando-se às taxas da estenose carotídea extracraniana
maior ou igual a 70%, e foram diretamente proporcionais aos graus de
estenose. A recorrência de AVCI foi menor no grupo de doentes tratados
com anticoagulante oral (warfarina).
No mesmo estudo42, após seguimento médio por 1,8 anos de 569
doentes, o risco de eventos adversos superou o benefício da terapia
anticoagulante em relação à antiagregação com aspirina, em AVCI causado
por estenose intracraniana. No WASID, foram incluídos apenas doentes com
estenose 50-99% e a AB foi acometida em 20% dos casos. Na análise
univariada dos resultados em subgrupos, nos 57 doentes com estenose de
AB submetidos à anticoagulação, a freqüência do desfecho primário (AVCI,
AVCH ou morte por doença vascular) foi significativamente menor (16%) que
do trabalho não consideraram haver benefício clinicamente relevante, uma
vez que as taxas de recorrência de AVCI foram semelhantes nos grupos
tratados com anticoagulantes e com aspirina43.
Devido a limitações do estudo WASID, controvérsias em relação ao
possível benefício da anticoagulação persistem na literatura44. Em primeiro
lugar, níveis-alvo de anticoagulação foram estabelecidos de acordo com
valores de International Normalized Ratio (INR) entre 2 e 3, com controle
mensal, mas esta meta foi atingida em somente 63% dos indivíduos. Em
segundo lugar, a inclusão de hemorragias de menor gravidade, que não
levam a incapacidade comparável àquela proporcionada por um AVCI, em
“complicações hemorrágicas”, gerou uma maior proporção de “hemorragias”
no grupo tratado com warfarin. Em terceiro lugar, considerando apenas os
doentes cujo alvo terapêutico de INR foi atingido com o uso de warfarin, o
risco de recorrência de AVCI foi cinco vezes menor que naqueles nos quais
os níveis de INR se mantiveram abaixo do desejado. Portanto, é possível
que, especificamente nos casos de DOAB, a monitorização rigorosa dos
níveis de INR durante o tratamento com warfarin diminua o risco de
recorrência de AVCI.
O risco de novo AVCI para doentes com estenose intracraniana
sintomática é maior na fase aguda, nas mulheres e naqueles com estenose
>70%45. Hacke46, em 1988, descreveu uma série retrospectiva de 65
doentes mostrando melhor prognóstico da trombose do território
vertebrobasilar tratada por trombólise intra-arterial (uro ou estreptoquinase)
anticoagulação). O primeiro relato de caso de trombólise endovenosa na
terapia aguda da DOAB, com bom resultado, ocorreu em 199047. Em uma
recente meta-análise, Lindsberg48 mostrou que a trombólise intra-arterial foi
associada à taxa de sobrevida similar à trombólise endovenosa, porém com
maior índice de recanalização. A janela terapêutica usada na trombólise
intra-arterial em AVCI de circulação posterior apresenta maior variação,
existindo estudos em que o procedimento foi realizado até 48 horas após o
início dos sintomas49.
Ainda não existe nível de evidência classe I, mas a tendência atual é
reconhecer a trombólise intra-arterial como padrão-ouro para o tratamento
da fase aguda da oclusão da AB50. Uma dificuldade importante a ser
enfrentada é o atendimento de casos que apresentem DOAB, dentro da
janela terapêutica para trombólise. Em um estudo realizado no
Pronto-Socorro de Neurologia51, apenas 10,8% dos doentes com AVC chegaram ao
hospital nas primeiras três horas após o início dos sintomas, e 39,9%, entre
três e 24 horas. Portanto, é de se esperar que uma proporção considerável
de doentes atendidos por AVCI em nossa instituição, assim como em outros
hospitais, não sejam elegíveis para tratamento trombolítico endovenoso ou
intra-arterial.
3.8. Prognóstico
Em relação ao prognóstico, existe uma escala de larga utilização, fácil
aplicação e boa concordância inter-examinador, para avaliação da
Anexo H). Foi demonstrada alta taxa de concordância inter-examinador na
aplicação desta escala através de entrevista estruturada, seja de forma retro
ou prospectiva53.
Devuyst et al17, em 2002, observou que a presença de disartria,
alterações pupilares, envolvimento de nervos cranianos bulbares e distúrbios
de consciência foram significativamente associados com pior prognóstico
(p< 0,001). Os distúrbios de consciência ou presença simultânea de três
sinais ou sintomas foram associados a pior prognóstico em 100% dos casos.
Nesta série, a mortalidade foi alta (50%).
Voetsch e colegas18, em 2004, mostraram que a mortalidade da DOAB
em 30 dias foi baixa, e apenas um quinto dos doentes apresentou seqüelas
graves. A taxa de mortalidade foi 2,3%; 75% dos doentes evoluíram sem
seqüelas ou com déficits mínimos. Os fatores preditivos de pior prognóstico
foram alterações de consciência, anormalidades pupilares e tetraparesia.
Por análise univariada, os piores prognósticos correlacionaram-se com
envolvimento do segmento distal, embolia e oclusão da AB. Com base neste
estudo, questionou-se a idéia de que a DOAB esteja invariavelmente
associada a um péssimo prognóstico neurológico, e foi proposta a
necessidade de novos estudos para desfazer os mitos existentes sobre esta
condição.
3.9. Visão atual
A DOAB permanece sob foco, principalmente após os avanços
possibilidades terapêuticas, como a trombólise46-48, mas ainda existem
poucos estudos prospectivos.
O BASICS54 (Basilar Artery International Cooperation Study) é um
estudo multicêntrico, prospectivo e observacional sobre oclusão de AB
confirmada por AGRM, AD e/ou angiotomografia. Nossa instituição
participou deste projeto (Anexo J). Os dados para este estudo foram
coletados de setembro/2002 a setembro/2007, em 42 centros em 12 países,
com total de 624 doentes consecutivos. Doentes com oclusão bilateral das
artérias vertebrais e enchimento retrógrado da AB foram excluídos. A média
de idade dos doentes foi de 64 anos, com leve predomínio masculino (63%).
AITs prévios ao AVCI ocorreram em 18% dos doentes. Em relação à
etiologia, no BASICS, a definição de embolia foi a presença de
recanalização completa da AB durante o seguimento e ausência de
evidência de dissecção, ou comprometimento neurológico mais intenso no
início da instalação dos sintomasefonte cardíaca ou vertebral de emboliaou
ausência total de outras lesões por aterosclerose em artérias cerebrais. A
etiologia foi considerada aterosclerose quando foi diagnosticada estenose
maior que 50% na AB antes da oclusão, ou foi evidenciada estenose
residual após recanalização, na ausência de fonte de embolia cardíaca ou
vertebral, ou houve antecedente de AITs ou AVC no território da AB, na
ausência de fonte de embolia cardíaca ou vertebral. De acordo com estes
critérios, a embolia foi responsável por 37% dos casos e a aterosclerose, por
35%. Houve maior acometimento de região proximal da AB (44%).
Antitrombóticos (anticoagulantes ou antiagregantes) foram administrados em
30% dos casos, trombólise endovenosa em 17%, e a associação de
trombólise endovenosa e intra-arterial, em 7%. Prognóstico favorável,
definido por pontuação entre 0 e 3 na EMR, ocorreu em 30% dos indivíduos.
A taxa de mortalidade foi 38%. Os fatores de melhor prognóstico foram:
idade menor que 70 anos, lesão distal, pequenos infartos e patência da AB
durante o seguimento. A presença de AVCI prévio e alterações isquêmicas
em neuroimagem antes do tratamento foram associadas ao pior prognóstico.
A descrição desta série de casos de DOAB visa ampliar os
conhecimentos sobre os aspectos clínicos e radiológicos desta doença em
4. Casuística e Métodos
4.1 Casuística
Neste estudo observacional, inicialmente, foram identificados 41
casos de AVCI e DOAB, diagnosticados de forma consecutiva, no Pronto
Socorro de Neurologia, Enfermaria da Neurologia, e/ou Ambulatório de DCV
da Divisão de Clínica Neurológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), no período de
01/01/2002 a 31/08/2007. A proposta inicial em relação ao tamanho da
amostra desta série de casos foi de 25 casos em um período de cinco anos,
mas optou-se por manter a inclusão de doentes até agosto de 2007. Neste
período, 41 doentes preencheram os critérios de participação e um caso foi
excluído por qualidade insuficiente dos exames radiológicos. Os principais
dados dos 40 doentes desta série estão sintetizados no anexo A.
A coleta de dados foi feita na fase aguda do AVCI em 22 indivíduos, e
durante o acompanhamento ambulatorial nos demais. O tempo médio entre
o AVCI e a avaliação inicial para inclusão no estudo foi de 6 ±8 dias (média
±desvio-padrão), nos casos examinados pela própria pesquisadora na fase
aguda. Nos demais casos, o tempo médio entre o AVCI e a inclusão no
estudo foi 1066±951 dias.
Todos os doentes ou responsáveis assinaram o termo de
consentimento livre e esclarecido (Anexo B). O projeto de pesquisa foi
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo (CAPPesq) (Anexo C).
4.1.1 Critérios de inclusão:
• Diagnóstico de AVCI em território de irrigação da AB,
confirmado através da anamnese, exame neurológico e
exames de neuroimagem (tomografia computadorizada de
crânio[TC]e/ou RM).
• Diagnóstico de DOAB (estenose ≥ 50% ou oclusão)
estabelecido através de AGRM e/ou AD.
• Idade > 18 anos.
• Sobrevida após evento isquêmico superior a 30 dias.
4.1.2 Critérios de exclusão:
• DOAB, sem evento isquêmico associado de território da AB.
4.2 Métodos
4.2.1 Avaliação dos aspectos clínicos
Os dados foram obtidos através de anotações dos prontuários
médicos, de entrevista e avaliação neurológica realizadas nas consultas
médicas de acompanhamento de rotina com os indivíduos sobreviventes,
utilizando-se fichas padronizadas (Anexo D).
A avaliação clínica foi realizada pela pesquisadora responsável em
acompanhados regularmente pela pesquisadora responsável sob supervisão
direta da orientadora.
4.2.1.1 Dados demográficos
Registraram-se: idade, grupo étnico e sexo.
O grupo étnico foi definido com base nos critérios do Censo
Demográfico de 2000 do IBGE através de autoclassificação do próprio
paciente nas seguintes categorias: branca, preta, amarela (de origem
japonesa, chinesa, coreana), parda (ou mulata, cabocla, cafuza, mameluca
ou mestiça) ou indígena. Após a autoclassificação, foram subdivididos em
brancos, afro-brasileiros (preto + parda), asiáticos ou amarelos e
indígenas31.
4.2.1.2 Fatores de risco para doença vascular
Registrou-se a presença dos seguintes fatores de risco para doença
vascular: HAS, DM, DLP, TBG, DCO, Fibrilação Atrial (FA), Valvopatias,
Enxaqueca, História Familiar de DCO e/ou AVC, Antecedentes de AVCI/AIT,
DAP.
As definições usadas para cada fator de risco encontram-se no Anexo
E.
4.2.1.3 Quadro clínico
Nos doentes avaliados somente no ambulatório, os dados referentes
médicos e de informações fornecidas retrospectivamente pelos doentes e
familiares. Os demais doentes foram avaliados pela própria pesquisadora na
fase aguda (Anexo D).
Os detalhes da história clínica e exame físico da instalação do AVCI
foram classificados em18: alteração de nível de consciência, hemiparesia ou
hemiplegia, tetraparesia ou tetraplegia, sinais bulbares e pseudobulbares,
sinais cerebelares, vertigem e desequilíbrio, náuseas, anormalidades
sensitivas, zumbido e alterações auditivas, anormalidades oculomotoras,
alterações pupilares e cefaléia.
De acordo com os sinais e sintomas apresentados, subdividiu-se o
topodiagnóstico clínico em sintomas de topo de basilar ou de terço médio e
proximal da basilar10.
4.2.2 Avaliação dos Aspectos Radiológicos
Os dados radiológicos foram avaliados por radiologistas mascarados
em relação ao quadro clínico, segundo protocolo específico para
classificação.
4.2.2.1 Local do infarto
Foram analisados imagens de RM realizadas em aparelhos de 1,5
Tesla, modelos GE Signa Profile e GE LX (General Eletric Sistemas
Médicos, Milwaukee, EUA), pela técnica de spin-eco com seqüências
pesadas em T1 antes e após administração endovenosa de contraste
(fluid-attenuated inversion recovery), com aquisição multiplanar. Os
resultados foram classificados segundo protocolo (Anexo F) e os infartos
categorizados conforme local de acometimento55 em ponte, mesencéfalo,
cerebelo (subdividido em território da ACAI, ACS ou ACPI), tálamo e região
occipitotemporal. Foi também avaliada a presença de qualquer
acometimento por lesões isquêmicas antigas ou microangiopatia em outros
territórios vasculares cerebrais.
4.2.2.2 Características angiográficas
4.2.2.2.1 Grau e local da estenose da AB
Os exames de AGRM foram realizados em aparelhos de 1,5 Tesla,
modelos GE Signa Profile e GE LX (General Eletric Sistemas Médicos,
Milwaukee, EUA), pela técnica de 3D TOF-MOTSA (time-of-flight multiple
overlapping thin-section acquisition) com imagens de intensidade máxima
(MIP) tridimensionais, com aquisições sensíveis a fluxo arterial.
A AD foi realizada através de punção da artéria femoral comum
unilateral pela técnica de Seldinger com cateter PIG-TAIL (5,0 F) para
estudo do arco aórtico e troncos supra-aórticos, com posterior introdução de
cateter Simmons 2-5F para estudo de artérias carótidas e vertebrais. Foi
utilizado contraste não-iônico, sob anestesia local.
Os exames de AGRM e AD foram avaliados segundo Anexo G. Em 16
doentes, foi realizada apenas AGRM e em outros seis, apenas AD. Dezoito
doentes foram submetidos à AGRM e AD, e nestes foram considerados
A quantificação do grau de estenose foi feita através da medida da
relação entre o menor diâmetro existente na área estenótica e o diâmetro
acima da dilatação pós-estenótica. O grau de estenose foi subdividido em
estenose 50%, 70%, 90% e/ou oclusão.
O local da doença estenótica ou oclusiva da AB foi classificado em
proximal, médio, distal, ou associação entre eles, conforme a seguinte
definição: proximal = da origem da AB até a emergência da ACAI; médio =
após a emergência da ACAI até a emergência da ACS; e distal = após a
emergência da ACS até o início da artéria cerebral posterior (ACP)10, 41.
Também foi registrada a presença de qualquer grau de acometimento
arterial sugestivo de aterosclerose em outros locais do território
vertebrobasilar ou carotídeo.
4.2.2.2.2 Circulação colateral
A circulação colateral41 foi definida na AGRM e/ou AD (Anexo G) como
presente, quando houve:
- Persistência do padrão fetal da AComP ou seja, quando a ACP se
originou da artéria carótida interna através da AComP, sendo a AComP e a
ACP de mesmo calibre; ou
- Circulação colateral através da AComP. Neste caso, a ACP se
4.2.3 Etiologia
A definição do mecanismo etiológico do evento isquêmico foi efetuada
através da classificação do estudo TOAST (Trial of Org 10172 in Acute
Stroke Treatment)56, 57(Anexo H): aterosclerose de grandes vasos, embolia
de origem cardíaca, doença de pequenos vasos (lacuna), AVC de outra
etiologia determinada e AVC de etiologia indeterminada.
4.2.4 Tratamento
Foram registrados os tipos de tratamento usados na fase aguda do
evento e após seis meses do AVCI, como:
- Antiagregação plaquetária através do uso de ácido acetilsalicílico,
ticlopidina ou clopidogrel; ou
- Anticoagulação oral pelo uso de warfarina sódica com controle
mínimo mensal de INR (International Normalized Ratio); ou
- Associação de ambos.
No Ambulatório de DCV, o controle de INR foi realizado no mínimo,
mensalmente, sendo que intervalos menores foram utilizados quando
julgado necessário.
4.2.5 Prognóstico
A avaliação da capacidade funcional foi feita em dois momentos, 30
dias e seis meses após AVCI, através de entrevista estruturada da ERM
subdividida em sete categorias (0-6) e agrupada na análise estatística em
citado no Anexo I. Foi registrada a realização ou não de fisioterapia nos
primeiros seis meses após o AVCI.
4.2.6 Estatística
Para os objetivos principais de caracterização demográfica, clínica e
radiológica foi realizada análise estatística descritiva. A idade apresentou
distribuição normal, sendo apresentada como média e desvio-padrão da
média (DP). Variáveis qualitativas como sexo, grupo étnico, presença de
fatores de risco para doença cerebrovascular, presença de determinados
sintomas clínicos e sinais neurológicos, mecanismo etiológico do AVCI, local
de infarto, grau e local de estenose da AB na angiografia, e presença de
circulação colateral foram agrupados conforme descrito anteriormente para
cada tópico, e suas freqüências foram calculadas.
Análises “post-hoc” foram utilizadas para a comparação entre
variáveis, na amostra disponível ao final dos cinco anos de coleta de dados.
O teste de Mann-Whitney foi utilizado para comparar idades de homens e
mulheres. O teste da razão de verossimilhança ou o teste exato de Fisher
foram utilizados para comparar freqüências das variáveis citadas acima, bem
como para investigar a associação entre estas variáveis e o prognóstico
funcional.
O teste de Wilcoxon foi utilizado para comparar as pontuações de
todos os pacientes na ERM, 30 dias e seis meses após o evento isquêmico.
em dois grupos de pacientes (submetidos ou não a fisioterapia) em 30 dias e
em seis meses, assim como a melhora na pontuação (30 dias x seis meses).
Calculamos a sensibilidade e a especificidade entre o topodiagnóstico
segundo exame clínico e radiológico, da seguinte forma58:
- Sensibilidade = proporção de indivíduos com a doença, que têm um
teste positivo.
- Especificidade = proporção dos indivíduos sem a doença, que têm
um teste negativo.
Também os valores preditivos positivo e negativo, conforme abaixo:
- Valor preditivo positivo = probabilidade de doença em um paciente
com resultado positivo.
- Valor preditivo negativo = probabilidade de não ter a doença quando
o resultado é negativo.
Toda a análise estatística foi realizada pelo software estatístico SPSS
5. Resultados
5.1. Aspectos clínicos
5.1.1. Dados demográficos
Os dados referentes à idade, sexo e grupo étnico estão apresentados
na Tabela 4.
Tabela 4.Dados Demográficos.
Homens Mulheres TOTAL (%) p
Idade
Média± DP 57,8 ±17,5 52,8±17,2 55,8±12,9 0,201
45 anos 3 5 8 (20) 0,232
> 45 anos 21 11 32 (80)
Grupo Étnico
Brancos 16 10 26 (65)
Afro-Brasileiros 7 6 13 (33) 0,583
Asiáticos 1 0 1 (2)
TOTAL (%) 24 (60) 16 (40) 40(100)
1Teste de Mann-Whitney;2Teste de Fisher;3Teste de Razão de Verossimilhança;
A maioria dos indivíduos era de etnia branca, com idade superior a 45
anos. Houve predomínio do sexo masculino. Não houve diferença de idade
ou grupo étnico (brancos ou não-brancos) entre homens e mulheres. Não
5.1.2. Fatores de risco
A freqüência dos principais fatores de risco para doença vascular
encontra-se listada na Tabela 5.
Tabela 5.Fatores de risco para doença vascular.
Fatores de risco Total (%)
Hipertensão Arterial Sistêmica 32 (80)
Tabagismo 23 (58)
Dislipidemia 21 (53)
História familiar de Acidente Vascular Cerebral 18 (45)
História familiar de doença coronariana 12 (30)
Acidente Vascular Cerebral Isquêmico prévio 11 (28)
Enxaqueca 9 (23)
Doença Coronariana 9 (23)
Diabetes Mellitus 6 (15)
Doença Arterial Periférica 2 (5)
Os três principais fatores de risco para doença vascular presentes
neste estudo foram HAS, TBG e DLP. A HAS foi mais freqüente nos doentes
idosos (p=0,004).
A mediana do número de fatores de risco em cada doente foi de 4,0
(1-7). Todos os doentes apresentaram pelo menos um fator de risco, e 90%,
5.1.3 Quadro clínico
Os principais sinais e sintomas no evento isquêmico, apresentados
em ordem decrescente, são apresentados na Tabela 6.
Tabela 6. Quadro clínico do Acidente Vascular Cerebral Isquêmico.
Sinais e sintomas Total (%)
Vertigem/desequilíbrio 24 (60)
Hemiparesia/hemiplegia 24 (60)
Sinais cerebelares 23 (58)
Anormalidades Oculomotoras 20 (50)
Alteração do nível de consciência 20 (50)
Anormalidades sensitivas 19 (48)
Cefaléia 17 (43)
Náuseas 14 (35)
Sinais Bulbares/pseudobulbares 13 (33)
Tetraparesia/Tetraplegia 8 (20)
Zumbidos/alterações auditivas 4 (10)
Alterações pupilares 4 (10)
Múltiplos sinais e sintomas estiveram presentes na fase aguda após o
AVCI; 27 doentes tiveram mais que três sintomas (68%) e 14, mais de cinco
(35%).
O sintoma mais comum nos doentes na fase aguda foi
45 anos (p=0,013). A vertigem correlacionou-se com DOAB mais grave
(p=0,007), acometendo o terço médio da AB, isoladamente (p=0,012) ou de
forma multissegmentar (p=0,025), e com etiologia aterosclerótica (0,017).
Nenhum doente apresentou vertigem como sintoma único. A vertigem esteve
associada com maior freqüência a alterações oculomotoras (67%) e sinais
cerebelares (63%).
O sinal mais comumente encontrado foi a hemiparesia, porém não
houve qualquer caso de hemiparesia isolada. Em metade dos indivíduos,
houve associação de hemiparesia com vertigem e/ou sinais cerebelares.
O AIT com sintomas de comprometimento do território da AB,
precedeu o AVCI em quase metade dos casos. O tempo médio entre AIT e
AVCI foi de 3,2 ± 8,4 meses (1 dia-36,5 meses). O AIT teve duração menor
que uma hora em 17 indivíduos, e maior que uma hora em cinco, sendo que
três apresentaram AIT com ambas as durações. Os doentes com AITs
precedendo o evento isquêmico apresentaram DOAB mais grave, com maior
taxa de oclusão (p=0,026).
Os principais sintomas relatados durante o AIT estão apresentados na
Tabela 7.
Tabela 7. Principais sinais e sintomas do ataque isquêmico transitório
precedente
Sinais e Sintomas TOTAL (%)
Vertigem
Fraqueza em ambos os membros inferiores Diplopia
Hemiparesia com alternância dos lados
A Figura 1 mostra as proporções de topodiagnóstico através do exame
clínico. O topodiagnóstico clínico identificou síndrome clínica de terço
proximal e médio de basilar, isoladamente, em 28 doentes (70%) e de topo
de basilar, isoladamente, em três (8%), sendo ambas as síndromes
presentes em nove doentes (22%).
5.2. Aspectos radiológicos
5.2.1 Local do infarto
As localizações dos infartos nas imagens de RM são apresentadas na
Figura 2. A ponte foi o principal local de infarto (85%) (Figura 3). Dezenove
doentes apresentaram acometimento de cerebelo na região do território da
ACPI.
A Figura 3 exemplifica acometimento pontino em síndrome de terço
proximal e médio, e de tálamo associado à lesão temporo-occipital em
síndrome de topo de basilar.
A prevalência de lesões nas imagens de RM foi 87,2% na síndrome
de terço médio e proximal, e 62,5% na síndrome de topo de basilar. A
sensibilidade do diagnóstico topográfico através do exame clínico em
relação à localização do infarto pela ressonância magnética foi 91,2% para
síndrome de terço proximal e médio, e 40% para síndrome de topo de
basilar. Entretanto, a especificidade foi alta (86,7%) na síndrome de topo de
basilar e nula para terço proximal e médio. Em relação aos valores preditivos
positivo (VPP) e negativo (VPN) encontramos, para topo de basilar, 83,3% e
46,4%, respectivamente. Na síndrome de terço proximal e médio, obtivemos
Figura 1. Topodiagnóstico clínico
93%
45%
8% 8%
23%
PONTE CEREBELO MESENCÉFALO TÁLAMO TEMPORO-OCCIPITAL
TERÇO PROXIMAL E MÉDIO TOPO DE BASILAR
Figura 2. Local do infarto na ressonância magnética
85%
48%
43% 43%
13%
PONTE CEREBELO MESENCÉFALO TÁLAMO TEMPORO-OCCIPITAL
Figura 3. Exemplos de lesão pontina em síndrome de terço proximal e
médio (seta larga; A) e lesões de tálamo (seta larga; B) e região
temporo-occipital (seta curva; B) em síndrome de topo de basilar, em imagens de
ressonância magnética (seqüência de difusão).
5.2.2 Características angiográficas
Os resultados da classificação angiográfica do grau e local de
estenose estão descritos na Tabela 8.
A DOAB, nos doentes acima de 45 anos, acometeu preferencialmente
o terço médio da AB (Figura 4), seja de forma isolada (p=0,039) ou
associada a outros segmentos (p=0,018).
Os doentes brancos apresentaram suboclusão/oclusão da AB em
Tabela 8. Grau e Local da Doença Oclusiva da Artéria Basilar (n=40)
LOCALIZAÇÃO da LESÃO OCLUSIVA DA ARTÉRIA BASILAR TOTAL (%)
Terço Proximal 9 (23)
Terço Médio 12 (30)
Terço Distal 3 (8)
Proximal e Médio 5 (13)
Médio e Distal 0
Proximal e Distal 0
Proximal e Médio e Distal 11 (28)
Segmentos Agrupados
Proximal 25 (63)
Médio 28 (70)
Distal 14 (35)
Segmento único 26 (65)
Multissegmentar 14 (35)
GRAU DE ESTENOSE DA DOAB
Estenose≥50% 7 (17)
Estenose≥70% 5 (13)
Foi observada estenose em apenas um segmento da AB na maioria
dos indivíduos. A circulação colateral esteve presente em 78% dos doentes
segundo AGRM e/ou AD (Figura 4). Ocorreu oclusão da AB em pouco mais
da metade dos doentes (58%).
Figura 4. Exemplos de acometimento de terço médio isolado (seta branca) e
de oclusão da artéria basilar (seta negra), neste caso com presença de fluxo
na artéria comunicante posterior, em imagem de angiografia digital com
incidência de vertebral direita póstero-anterior (A) e carótida direita em perfil
(B).
Em nove doentes, a AGRM mostrou ausência ou redução quase total
do sinal de fluxo, sugerindo suboclusão/oclusão da AB. A AD confirmou
Figura 5. Confirmação da oclusão da artéria basilar (setas brancas)
encontrada em angiografia por ressonância magnética em seqüência
3D-TOF arterial (A e B) na angiografia digital (seta escura) em incidência de
vertebral esquerda perfil (C).
A circulação carotídea foi avaliada por AGRM e/ou AD em 34 doentes,
sendo encontrado algum grau de acometimento aterosclerótico em 18 (53%)
doentes. Em 14/33 (42%) doentes nos quais foi feita avaliação das AVEs
intra e extracranianas, havia algum grau de lesão aterosclerótica nestas
artérias. A falta de avaliação da circulação anterior (6/40) ou das AVEs
(7/40) foi decorrente de ausência ou qualidade insuficiente das imagens.
Nos doentes com acometimento do terço médio da AB, de forma
isolada ou multissegmentar, foi observado maior gravidade da DOAB, com
maior freqüência de suboclusão/oclusão (75%; p=0,021), assim como maior
freqüência de comprometimento aterosclerótico de outros vasos cerebrais
5.3. Etiologia
Em relação aos mecanismos etiológicos dos eventos isquêmicos,
classificados segundo os critérios do estudo TOAST, os resultados obtidos
estão demonstrados na Figura 6.
Os doentes com idade superior a 45 anos apresentaram maior
freqüência de aterosclerose como etiologia do AVCI (p<0,001).
Nos doentes com AVCIs por “outra etiologia determinada”, três foram
decorrentes de dissecção arterial da artéria basilar e um, por embolia
iatrogênica durante procedimento de AD diagnóstica. Em apenas um doente,
apesar de toda a investigação complementar, o mecanismo etiológico
permaneceu indeterminado. Não foi identificado nenhum caso de AVCI de
etiologia cardioembólica.
Figura 6. Classificação dos subtipos de Acidente Vascular Cerebral
Isquêmico na Doença Oclusiva da Artéria Basilar segundo critérios do Trial
of Org 10172 in Acute Stroke Treatment (TOAST).
82%
10% 8%
Aterosclerose de grandes artérias
Outras causas determinadas
A aterosclerose de grandes vasos foi mais evidente nos indivíduos
acima de 45 anos (p<0,001) e naqueles com presença de múltiplos fatores
de risco para doença vascular (p=0,030). Os doentes com este subtipo
etiológico apresentaram HAS (p<0,001) e TBG (p=0,006) com maior
freqüência.
5.4. Tratamento
Treze doentes (33%) eram tratados com terapia antiagregante antes
do evento isquêmico: por antecedentes de DCO em cinco doentes, de DCV
em sete e por ambas as indicações em um paciente.
Na fase aguda do evento, foi realizada terapia trombolítica
intra-arterial com lise mecânica associada, em um paciente. Uma paciente foi
submetida à colocação de stent sete dias após o evento isquêmico, sendo
tratada com anticoagulação até o procedimento e, posteriormente, com
antiagregação.
A terapia medicamentosa foi a mais utilizada na fase aguda, com
anticoagulação instituída em 31 doentes (78%). A terapia anticoagulante foi
mantida em 28 (90%) até o final do seguimento de seis meses, sendo feito
troca para antiagregação no restante devido à melhora significativa da
estenose.
Houve complicações decorrentes de anticoagulação durante o
seguimento em oito doentes (28%), porém apenas em três foi necessário o
uso de vitamina K e em nenhum deles houve sangramento de grande monta
Os doentes que fizeram uso de terapia anticoagulante na fase aguda
do AVCI, seja por via oral ou parenteral, apresentaram maior taxa de AIT
precedendo o evento (p=0,021), maior acometimento do terço médio
(p=0,025), assim como doença aterosclerótica cerebral difusa (p=0,023).
Em dois doentes, foi realizada troca de antiagregação por
anticoagulação após a fase aguda, devido à ocorrência de novos AITs em
vigência de tratamento antiagregante.
5.5 Prognóstico
O prognóstico foi avaliado através da escala EMR, em 30 dias e em
seis meses após o evento isquêmico, conforme mostrado na Figura 7.
Bom prognóstico (EMR 0-2) ocorreu em 48% dos doentes em 30 dias
e em 78%, em seis meses. A mediana da EMR em 30 dias foi de 3 e em seis
meses, passou para 1. A melhora em pontuação na ERM foi
estatisticamente significante (p < 0,01).
Figura 7. Prognóstico funcional (EMR) em 30 dias (preto) e seis
meses (cinza).
30 dias; 48% 30 dias; 52%
6 meses; 78% 6 meses; 22%
Houve recorrência de evento isquêmico em cinco doentes (12%),
sendo todos do tipo AIT. A recorrência de AIT foi associada à anticoagulação
inadequada (INR abaixo da meta ideal de 2-3) em três doentes, e a hipofluxo
no território arterial estenótico por hipotensão arterial nos demais.
Ocorreu evolução desfavorável com óbito durante o seguimento em
um doente (45 dias) devido à insuficiência respiratória aguda. Portanto, a
mortalidade em seis meses, nesta série, foi 2,5%.
Nenhum sinal ou sintoma clínico foi associado significativamente ao
prognóstico (p>0,05). As demais variáveis analisadas (idade, sexo, grupo
étnico, fatores de risco, etiologia, tratamento, local do infarto, grau e local da
estenose da AB, circulação colateral) também não apresentaram correlação
significativa com a EMR em 30 dias ou seis meses.
Nos dezoito pacientes submetidos à fisioterapia (45%), a mediana da
pontuação na EMR em 30 dias foi 4 (variação: 1-4), enquanto que, nos não
submetidos, foi 2 (0-5).
A diferença entre a EMR em 30 dias nos dois grupos foi significativa
(p= 0,025). A melhora na pontuação na EMR, de 30 dias para seis meses,
foi significativamente maior nos pacientes submetidos à fisioterapia
(mediana da diferença=1) que naqueles não submetidos (mediana da
diferença=0,5), (p= 0,024). Porém, não houve diferença significativa na
pontuação da EMR em seis meses, entre o grupo submetido à fisioterapia
6. Discussão
6.1. Aspectos Clínicos
6.1.1 Dados demográficos
Nesta série brasileira, conseguimos perceber características
semelhantes e também diferenças, em relação às publicações de séries
prospectivas de países desenvolvidos, quanto a perfil demográfico, fatores
de risco, mecanismo etiológico, assim como características clínicas,
radiológicas e prognósticas.
A idade média de nossos doentes (55,8 anos) foi ligeiramente menor
que na maioria dos estudos de países desenvolvidos. Este resultado
corrobora as informações de que o AVC ocorre em uma idade mais precoce
na América Latina, em relação a países desenvolvidos1. Assim como
relatado em estudos anteriores16-18,54, observamos predomínio do sexo
masculino na DOAB, porém de forma menos marcante que em séries
anteriores. Voestch18 descreveu que as mulheres foram significativamente
mais idosas que os homens, porém tal associação não esteve presente em
nosso estudo.
Em trabalhos anteriores, a etnia não teve influência sobre qualquer
característica clínica. Em estudo realizado no Pronto-Socorro de Clínica
média de nossa instituição, em 2003, os doentes atendidos apresentaram
composição étnica muito semelhante ao estudo populacional brasileiro
(Censo 2000)31: 54% dos indivíduos foram classificados como brancos e
autoclassificaram como não-brancos, sendo este valor um pouco menor em
relação à população atendida em nossa instituição e na população brasileira
em geral, porém maior que no maior estudo norte-americano sobre DOAB
(13%)18. Independentemente da autoclassificação, uma característica
importante de nossa amostra é que, por ser brasileira, deve apresentar uma
taxa de miscigenação muito maior que a norte-americana. Portanto, em
relação a todos os comentários sobre “brancos” e “não-brancos”, devemos
considerar que estas definições, e a composição étnica dos indivíduos em
questão, diferem bastante das norte-americanas30,33,34, em função da
ancestralidade e de peculiaridades regionais.
Verificamos que as lesões foram mais graves (maior grau de
estenose) em brancos que em não-brancos. A interpretação deste resultado
deve ser cautelosa: pode ter havido influência de um viés de seleção, uma
vez que nossa casuística restringe-se a sobreviventes. Portanto, indivíduos
não-brancos que tenham apresentado lesões ainda mais graves, com
mortalidade maior na fase aguda, podem não ter sido incluídos em nossa
amostra. Nos Estados Unidos, indivíduos afrodescendentes apresentam
maior mortalidade por AVC do que indivíduos brancos24. Por outro lado, é
possível que fatores genéticos em brancos miscigenados, ou fatores
socioeconômicos, não avaliados em nosso estudo, tenham influenciado esta