Domingo 7.9.2014
l
País
l
O GLOBOl
13
Acesso ao SUS é o problema mais presente
Artigo
MONITORAMENTO NAS REDES SOCIAIS
Mapa de reclamações por serviços especializados
NA WEB
bit.ly/1rJIGh4
Saúde nas redes: mapa de
reclamações por serviços
especializados
em torno do modelo de gestão integrada do sistema, reunindo as esferas federal, estadual e municipal de governo.
Mas existe também demanda crescente por consultas em especialidades de média e alta complexidade, conforme revela o mapa de men-ções. A reivindicação por maior acesso a consul-tas e exames se mostra presente em todas as re-giões e tende a crescer. As referências aos planos de saúde também mostram insatisfação com o tempo de espera, além de preços altos, falta de cobertura e acesso negado a procedimentos.
O mapa das redes em relação à Saúde indi-ca, assim, a necessidade de que os entes fe-derativos priorizem a questão da falta de mé-dicos em atendimento básico e também em especialidades no planejamento de políticas públicas para o setor, bem como uma maior atenção a temas de gestão e ainda de regula-ção do setor privado de Saúde.l
M
onitoramento de rede realiza-do pela DAPP-FGV registrou, entre 29 de agosto e 5 de se-tembro, 75 mil referências a temas na área da Saúde. A falta de médicos para atenção básica e nas especialidades de média e alta complexidade é o maior motivo de queixas nas redes, revelando a extensão do problema da escassez de pro-fissionais. O volume baixo de reclamações sobre infraestrutura e remédios sugere, por outro lado, que as unidades de saúde e o acesso a medicamentos aparecem em melhor situação.A análise das menções classificadas por área revela que as referências relacionadas a atendimento são cerca de quatro vezes maio-res do que “falta de infraestrutura” e “falta de remédios” somados. É possível afirmar, as-sim que a questão do acesso ao Sistema Úni-co de Saúde (SUS) é o problema mais presen-te, retrato este que é reforçado pela nuvem de palavras sobre SUS, em que se destacam as termos “filas” e “esperar”.
O cenário da Saúde observado nas redes sugere, nesse sentido, que a demanda por mais recursos para o setor — reivindicação bastante presente no debate público — deve ser acompanhada pela discussão mais ampla
Em Goiás,
Mais Médicos
não chega aos
quilombolas
-CAVALCANTE (GO)-No Vão de Almas, Eduardo Fernando da Cunha foi dado como morto. O trabalhador rural está recluso, passa os dias e as noites agachado numa cabana de adobe e palha, num isola-mento que chegou a ser confun-dido com a morte. Ninguém sabe o que ele tem — o aparente transtorno mental e os relatos de dores físicas já duram 14 de seus 60 anos. Nunca houve um diag-nóstico. A medicina não chega ao Vão de Almas. Faz seis anos que Eduardo esteve com um médico, no consultório de uma cidade a mais de 500 quilômetros dali.
— Uma vez, no banco, não quiseram pagar a aposentado-ria dele. Acharam que ele já ti-nha morrido — diz um de seus irmãos, Benedito, de 50 anos.
Vão de Almas está encravada numa região montanhosa, de difícil acesso, a 90 quilômetros da pequena cidade de Caval-cante, uma das mais pobres de Goiás. O povoado é um dos que abrigam as famílias kalun-gas, a comunidade quilombola que ocupa o maior território no país. São oito mil pessoas que carregam as tradições de escravos fugidos da opressão.
Os kalungas foram privados de assistência em saúde básica, historicamente. Há um ano, o Mais Médicos chegou à região. Dois médicos cubanos e uma brasileira passaram a atender em Cavalcante. Mas, até agora, o Mais Médicos não chegou às comunidades quilombolas. A atuação dos médicos se restrin-ge aos dois postos de saúde do município. Os kalungas preci-sam de um pau-de-arara para buscar atendimento médico em Cavalcante. E exames médicos simples, pelo SUS, só são obti-dos na capital do estado.
Goiâ-nia está a 520 quilômetros de Cavalcante.
No início do programa, a pre-sidente Dilma Rousseff prome-teu prioridade às comunidades quilombolas. Ela chegou a anunciar março deste ano co-mo limite para que todos os quilombos fossem incluídos no Mais Médicos. Os kalungas ain-da estão à margem.
A CADA PRÉ-NATAL, R$ 100 Para buscar atendimento médico em Cavalcante, são quatro horas em cima de um caminhão. O Vão do Moleque, onde vivem 350 fa-mílias, é ainda mais distante: 120 quilômetros, ou seis horas numa carroceria coberta com lona. Uma vez por mês, um caminhão da prefeitura faz o percurso de graça. Até cem pessoas se espre-mem por um lugar.
Nesses paus-de-arara, as mu-lheres grávidas estão sempre presentes. Elas vão atrás de exa-me pré-natal na cidade. Do-mingas Francisco Rodrigues, de 44 anos, está grávida de seis me-ses do oitavo filho. Com o mari-do e o filho de 5 anos, ela aguar-dava o caminhão para chegar em casa. A cada pré-natal, o ca-sal gasta R$ 100 com transporte. O agente de saúde de Vão de Almas, Anísio Pereira Dias, de 53, resume a rotina dos kalungas:
— Médico aqui não vem. A gente costuma falar que a pes-soa só vai ao hospital quando já é para levar o defunto. E na unidade de saúde falta tudo. Exame, prevenção, raios-X.
A comunidade kalunga do Engenho 2, que fica a 26 quilô-metros de Cavalcante, tem um posto de saúde. Uma placa do governo federal sinaliza que a unidade deveria ter sido refor-mada até junho deste ano. Nem a reforma ocorreu nem as por-tas do postinho estão aberpor-tas.
A ideia inicial era que um profissional do Mais Médicos
desse expediente no Engenho 2, onde vivem 120 famílias, du-as vezes por semana. Nos últi-mos dois meses, ocorreu ape-nas uma visita. Com a unidade fechada, as fichas dos pacien-tes ficam retidas, o que dificul-ta o atendimento na cidade. FALTAM EXAMES BÁSICOS Francisco Maia, de 57 anos, está há 16 anos numa cama, sem o movimento das pernas e com um limitado movimento das mãos, por conta de um acidente vascular cerebral (AVC). Tem a companhia do pai, Leopoldo Maia, de 85, o seu Lió. Ele conta que o filho só melhorou depois de procurarem um curandeiro em Campos Belos, a 130 quilô-metros de Cavalcante. A receita do curandeiro foi um punhado de ervas medicinais e não comer carne de porco e de gado. Seu Lió acha que o filho está melhor:
— O recurso na cidade é pou-co. A gente precisa ir para fora. Os hospitais de Goiânia e de Brasília nunca deram jeito. Ele só arran-jou melhora em Campos Belos.
Um dos médicos cubanos é Li-van Curbelo, de 45, há dez meses em Cavalcante. Ele conta que a falta de exames básicos é proble-ma comum a diferentes regiões onde o Mais Médicos chega.
— Essas comunidades são muito isoladas. As carências são muito fortes nos lugares mais intrincados — diz Livan.l
Famílias kalungas viajam no mínimo
quatro horas para ter atendimento
VINICIUSSASSINE
Enviado especial
vinicius.jorge@bsb.oglobo.com.br
FOTOS DE JORGE WILLIAM
Isolamento.
Eduardo Fernando Cunha passa os dias numa cabana, com dores e aparente transtorno mental
Unidade fechada.Na comunidade kalunga do Engenho 2, o posto de saúde ainda aguarda reforma
Poucos recursos.
Leopoldo Maia, com o filho Francisco, que está há 16 anos numa cama, após AVC
NA WEB
glo.bo/WqWvof