REVISTA
PAULISTA
DE
PEDIATRIA
www.rpped.com.br
ARTIGO
ORIGINAL
Vivências
dos
adolescentes
soropositivos
para
HIV/Aids:
estudo
qualitativo
Eliana
Galano
a,
Egberto
Ribeiro
Turato
b,
Philippe
Delmas
c,
José
Côté
d,
Aida
de
Fátima
Thomé
Barbosa
Gouvea
a,
Regina
Célia
de
Menezes
Succi
ae
Daisy
Maria
Machado
a,∗aEscolaPaulistadeMedicina,UniversidadeFederaldeSãoPaulo(EPM-Unifesp),SãoPaulo,SP,Brasil bFaculdadedeCiênciasMédicas,UniversidadeEstadualdeCampinas(Unicamp),Campinas,SP,Brasil cInstitutetHauteEcoledelaSantéLaSource(HES-SO),Lausanne,Suíc¸a
dUniversitéduQuébecàMontréal(UQAM),Montreal,Canadá
Recebidoem25demaiode2015;aceitoem16deagostode2015 DisponívelnaInternetem27deoutubrode2015
PALAVRAS-CHAVE Infecc¸ãopelo HIV/psicologia; Acontecimentosque mudamavida; Pesquisaqualitativa; Adolescente
Resumo
Objetivo: Explorarossignificadosatribuídospelosjovensa‘‘viveraadolescênciacomoHIV’’ emumgrupodepacientesqueadquiriuainfecc¸ãoaonascimentoeoselementosimplicados naadesãoaotratamentoantirretroviral.
Métodos: Pesquisadenaturezaqualitativa,com20sujeitos(13a20anos),acompanhadosem servic¸os especializadosnotratamentodaAidspediátrica emSãoPaulo,Brasil.Foramfeitas entrevistassemidirigidascujoroteirofoicompostoporquestõessobresuashistóriaspessoais, dificuldadeseexperiênciasqueenfrentamdiantedainfecc¸ãopeloHIV/Aids.
Resultados: Ser‘‘normal’’e‘‘diferente’’foramquestõescentraisnodiscursodos participan-tes.Entretanto,acondic¸ãodeumavidanormalégarantidamediantearesponsabilidadecom asaúde,aressalva dequesejamantidoosegredododiagnósticoeaspreocupac¸õescoma transmissãodovírusedivulgac¸ãodoHIVaoparceirosexual.Asrespostassobreotratamento
apontamqueaadesãoéumprocessodinâmicoeenvolvemomentosdemaioroumenor
inte-resseemrelac¸ãoaoscuidadoscomasaúde.Osadolescentestêmplanoseprojetose,apesar deoHIVserconsideradoumagenteestressor,prevaleceramperspectivaspositivasdiantedo futuro.
Conclusões: ViveraadolescênciacomoHIVenvolvedimensõesdelicadas,quenecessitamser reconhecidas elegitimadas pelosprofissionais que acompanham atrajetória desses jovens. Trata-sedepossibilitarumespac¸onoqualoadolescentepossarefletireencontrarapoiopara asquestõesrelacionadasàconstruc¸ãodesuasexualidadeecuidadoscomseuprópriocorpo. ©2015SociedadedePediatriadeSãoPaulo.PublicadoporElsevierEditoraLtda.Esteéumartigo OpenAccesssobalicençaCCBY(https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt).
DOIserefereaoartigo:http://dx.doi.org/10.1016/j.rppede.2015.08.019
∗Autorparacorrespondência.
E-mail:daisymmachado@gmail.com(D.M.Machado).
0103-0582/©2015SociedadedePediatriadeSãoPaulo.PublicadoporElsevierEditoraLtda.EsteéumartigoOpenAccesssobalicençaCC
KEYWORDS HIVinfection/ psychology;
Life-changingevents; Qualitativeresearch; Adolescent
ExperiencesofadolescentsseropositiveforHIV/AIDS:aqualitativestudy
Abstract
Objective: Explorethemeaningsattributedbyyoungindividualsabout‘‘livingasan adoles-centwithHIV’’inagroupofpatientsthatacquiredtheinfectionatbirthandtheelements involvedwiththeadherencetoantiretroviraltreatment.
Methods: Qualitativestudy,involving20subjects(aged13-20years),followedatservices spe-cializedinthetreatmentofpediatricAidsinSãoPaulo,Brazil.Semi-structuredinterviewswere carriedoutofwhichscriptconsistedofquestionsabouttheirpersonalhistories,experiences anddifficultiestheymustfacewhilelivingwithHIV/Aids.
Results: Being‘‘normal’’and‘‘different’’werecentralissuesvoicedbytheparticipants. Howe-ver,anormallifesituationisguaranteedbybeingresponsiblewithone’shealth,thecondition thatthediagnosisbekeptsecretandconcernsaboutHIVtransmissionanddisseminationtoa sexualpartner.Theanswersabouttreatmentshowthatadherenceisadynamicprocessand involvesmomentsofgreaterorlesserinterestinrelationtocareforone’shealth.The adoles-centshaveplansandprojectsandalthoughHIVisconsideredastressor,positiveperspectives forthefutureprevailed.
Conclusions: ToliveasanadolescentwithHIVinvolvessubtledimensionsthatneedtobe recog-nizedandlegitimizedbyprofessionalswhofollowthetrajectoryoftheseyoungindividuals.It isnecessarytoallowaspaceinwhichtheadolescentscanreflectandfindsupportregarding issuesrelatedtotheconstructionoftheirsexualityandcareofone’sownbody.
©2015SociedadedePediatriadeSãoPaulo.PublishedbyElsevierEditoraLtda.Thisisanopen accessarticleundertheCCBYlicense(https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/).
Introduc
¸ão
Naterceiradécadadaepidemiadovírusdaimunodeficiência humana(HIV),profissionaisdesaúde,pesquisadorese cuida-doresdeparam-secomaprimeiragerac¸ãodeadolescentes ejovensque adquiriuainfecc¸ão pormeiodatransmissão vertical. Ao longo dos anos, buscou-se garantir o acesso ao tratamento que possibilitasse aumento da expectativa devidadessas crianc¸as e contemplassesuas necessidades psicossociais.Assurpreendentesdemandasdeumadoenc¸a recém-descritanãopermitiramaosprofissionais que aten-diamessascrianc¸as suspeitarqueelaspudessem chegarà adolescência,comtodososdesafiosqueaissoseassociam. Essegrupopopulacionalapresentaparticularidadesdistintas dospacientes adultosoujovens que contraírama doenc¸a no período da adolescência.1 Muitos deles já perderam
seuspaisem decorrênciadasíndromedaimunodeficiência humana(Aids),oqueresultaemlutosprecoces,rupturasde lac¸osafetivoserearranjosfamiliares.2
À adolescência, fase devida permeada por mudanc¸as, descobertas, busca de identidade e autonomia, se acres-centaumadoenc¸acarregadade atributosestigmatizantes eacomplexaheranc¸adossegredosqueenvolvemas famí-liasafetadaspeloHIV. Trabalhosqualitativosidentificaram queas principaisdificuldades referidas pelos jovens soro-positivos englobaram a revelac¸ão diagnóstica a terceiros, osrelacionamentosinterpessoais, aadesãoao tratamento e o fardo psicológico de viver com uma doenc¸a crônica associada à morte, ao preconceitoe à exclusão social.3,4
Pesquisas sugerem que os desafios relacionados aos ado-lescentesinfectados peloHIV sãoconstantese, portanto, necessitamseridentificadoseaprofundados.5,6
Paraosprofissionaisquebuscamcuidardosseus pacien-tes em todasassuasdimensõesé fundamental identificar asparticularidades,os desejose asdificuldades,na pers-pectivadosprópriosadolescentes.Oobjetivodesteestudo foi explorar, por meio dametodologia qualitativa,os sig-nificadosatribuídospelos jovensao fenômenode‘‘viver a adolescência com o HIV’’ em umgrupo de pacientes que adquiriuainfecc¸ãoportransmissãoverticaleoselementos implicadosnaadesãoaotratamentoantirretroviral.
Método
Pesquisadenaturezaqualitativa,feitapormeiode entrevis-tascomquestõesabertas,constituídasapartirdedimensões presentesnasvivênciasdosjovensdiantedainfecc¸ãopelo HIV/Aids:(1)Históriadevida;(2)Adolescênciae soroposi-tividadee(3)Cuidadoscomasaúdeetratamento.
antirretroviral.Paraacaptac¸ãodossujeitos,osprofissionais dos diferentes servic¸os identificaram osadolescentes que nãoapresentavam dificuldadesparaverbalizarsuas neces-sidadeseexperiênciasdeseradolescentesoropositivo.
Osencontroscomosjovensforampreviamente agenda-dosefeitosem localreservado.Ainterrupc¸ãodainclusão de novossujeitos ocorreu por meioda saturac¸ão teórica, ouseja,nomomentoemqueseobservouumaredundância nodiscursonasúltimasentrevistas,deformaqueo acrés-cimodenovasinformac¸õesnãoalterariaacompreensãodo materialobtido.7,8
As entrevistas foram gravadas com o assenti-mento/consentimento dos participantes e responsáveis e transcritas dos verbatins. Como opc¸ão para facilitar a organizac¸ão dos dados, usou-se o software Nvivo 9 (Qualitative Solutions and Research Pty Ltd, Austrália, 1994).
Os pesquisadores fizeram uso de um referencial teó-ricobaseadonosconceitosbásicosdapsicologia dasaúde, quecompreendeseusdeterminantescontextuaise respos-tas adaptativas àssituac¸ões desfavoráveis na experiência devidados participantes. Assim,em diversasleituras flu-tuantes,emergiram categoriasparadiscussão, apartir de núcleosdesentidodoconjuntodasentrevistasfeitas.Para garantir o rigor do processo de análise, o conteúdo do materialfoicodificadoportrêspesquisadoresdeforma inde-pendente e, posteriormente,validado porum profissional experienteemcodificac¸õesdeentrevistasqualitativas.
O estudo foi aprovado pelas instâncias reguladoras de cadaumdoscentroscolaboradoresepelaComissãoNacional deÉticaemPesquisa(Conep),n◦ 15.693.Todosos
partici-pantesquetinhamatingidoamaioridadeeresponsáveispor menoresde18 anosassinaramo TermodeConsentimento Livre e Esclarecido, após terem sido informados sobre os benefíciosepossíveisriscosdapesquisa.Nocasodos meno-res, além do responsável legal, os entrevistados também liam e assinavam o Termode Assentimento Livree Escla-recido.
Resultados
Aamostrafoicompostapor11meninasenovemeninoscom média de 17 anos. Atabela 1 descreve ascaracterísticas sociodemográficasdosadolescentesqueparticiparamdessa fasedotrabalho.
A análise do material das entrevistas possibilitou a elaborac¸ão de duas grandes categorias com seis subcate-gorias, conforme atabela 2.A categoria ‘‘Adolescênciae soropositividade’’dizrespeitoàsprincipaisvivênciasdoser adolescente soropositivo para o HIV/Aids e emergiram as subcategorias que envolvemo ‘‘ser normal’’e ‘‘ser dife-rente’’, a ‘‘convivência com o silênciododiagnóstico’’ e as implicac¸ões da doenc¸a nos ‘‘relacionamentos afetivos esexuais’’.Asegundacategoriarefere-seaoscuidadoscom asaúdeetratamento,englobasubcategoriasassociadasaos principaisobstáculos,motivac¸õeseintervenc¸õesdesejadas.
Adolescênciaesoropositividade
‘‘Ser normal’’e ‘‘ser diferente’’foram questõescentrais quepermearamodiscursodosparticipantes desteestudo.
Tabela1 Distribuic¸ãodascaracterísticas sociodemográfi-casdosadolescentes
Características Populac¸ão(n=20)
Sexo
Feminino 11
Masculino 09
Faixaetária(anos)
13a15 08
16a18 08
19a20 04
Escolaridade(anosdeestudo)
5a8 07
9oumais 13
Etnia/cor(autorreferida)
Branca 08
Negra 01
Parda 11
Religião
Sim 18
Não 02
Comquemmora
Paie/oumãe 12
Outrosparentes 06
Pessoasforadafamília 01
Instituic¸ão 01
Pai 04
Mãe 08
Orfandade
Paiemãe 03
Areferênciaànormalidadefoievidenciadapelasnarrativas queigualamseucotidianoaodeoutrosadolescentesquenão convivemcomdoenc¸ascrônicas:elestrabalham,estudam, passeiameinteragemcomparenteseamigos.
Normal,nãomudanada!Éamesmacoisa.Eujogobola,
euando,eufac¸otudo!Tábomdemais...(Masc.,14anos)
Tabela 2 Categoriase subcategorias criadas apartir da análisedasentrevistas
Categorias Subcategorias
Aadolescênciae soropositividade
Sernormalxserdiferente Convivênciacomosilêncio dodiagnóstico:do destinatárioaoportador dosegredo
Relacionamentosafetivos esexuais
Oscuidadoscomasaúde
etratamento
Obstáculosparao
tratamento:adimensão
Entretanto, a condic¸ão de ‘‘ter uma vida normal’’ é garantidamediantearesponsabilidadedoscuidadoscoma saúdeearessalvadequesejamantidoosegredodo diag-nóstico.
Elesnãosabemdomeuproblema,jamais!Todosacham
queeusouumapessoaperfeita...Levandootratamento
asério,vocêviveumavidanormal.(Masc.,18anos)
Algumasvezes,amenc¸ãoàdiferenc¸aéclaramente assu-midapelos entrevistados e baseia-se, especialmente,nas restric¸õesimpostaspelaconvivência comumadoenc¸a crô-nica,comousodasmedicac¸õesefrequêncianasconsultas médicas.
Vocêé diferente dos outros,vaitomarremédio, fazer
tratamentoeviraomédicoparaorestodavida...Você
sesente diferente porquetem umsegredo! (Fem., 14
anos)
Para a maioria dos participantes deste estudo, a ‘‘convivênciaemanutenc¸ãodosegredo’’emtornodoHIVé algoquefoiincorporadosemquestionamentos.Dizrespeito àesferadavidaprivadae falar sobreovírus podecausar desconforto,constrangimentoeriscoderejeic¸ãodevidoaos estigmas associadosao HIV. Nesse sentido,inúmeras falas dosentrevistadosreproduzem essasmensagensque foram apreendidasaolongodavida.
Eununcativecoragemdecontar,nãotemnecessidade,
euaprendiassim!(Fem.18anos)
Nas narrativas dos entrevistados, observou-se que o conhecimentosobreo HIV permanecereservado àfamília nuclearoua parentesde confianc¸aea amigosmuito pró-ximos.Aindaassim, assuntosreferentes àdoenc¸a nãosão compartilhados mesmo entre aqueles que sabem sobre a infecc¸ão.
[QuemsabedoHIV?]Minhamãeemeupai,maisninguém!
Paraeleseparamimécomoseeunãotivesse!(Masc.,
18anos)
Em setratando dos ‘‘relacionamentos românticos’’, os jovensdescrevem fortespreocupac¸ões com a transmissão dainfecc¸ãoaoparceirosexual,atéentreaquelesqueainda nãotiveramexperiênciasamorosasousexuais.Entretanto, houveumconsensodequeoexercíciodasexualidadedeve serfeitocomresponsabilidadeecuidadosredobrados, refle-xões que não são compartilhadas com as pessoas de seu convívio.
Quandovocêpensaquevaiterrelac¸õessexuais,vocêfica
commedodetransmitiroHIV.[Vocêpensamuitonisso?]
TodomundoquetemHIVpensa!(Fem.,15anos)
Na perspectiva dos participantes, a confidencialidade em torno dadoenc¸a deixa deser compatívelnocontexto dasrelac¸õesamorosase, independentementedeidade ou gênero,elesconsideramquedeclarac¸ãodasorologiadeverá ser feita em algum momento do relacionamento. Entre-tanto, saber qual o melhor momento e decidir em quem confiarparacontarsãoquestionamentosacompanhadospor angústias e inquietac¸ões. As principais dificuldades rela-tadas dizem respeito ao temor do abandono advindo do preconceitoeàconvicc¸ãodequeosegredo,quando
confi-adoaooutro,poderánãosermantidoporessecomopassar dotempo.
Para contar para o namorado você tem que estar um
tempocom ele,ter certeza que eleama você...seas
pessoassoubessemprovavelmentenemficariamcomigo.
(Fem.,20anos)
Cuidadoscomasaúdeetratamento
Omaiorincômodo(‘‘obstáculo’’)aotratamentodizrespeito à rigidez quantoao horário das medicac¸ões, que impõem restric¸õesdeatividades,comoviagensoufestascomos ami-gos. Com frequência, o ciclo do sono dos adolescentes é interrompido,elesprecisamacordarcedooudormirtarde paratomarosremédios.
Nasfériasouquandonãotemaulaeutenhoqueacordar
as3h30pratomaroremédioedepoisacaboperdendoo
sono...(Masc.,17anos)
Efeitosindesejáveis,comonáuseas,doresdeestômago, mal-estaregostoruimequantidadedecomprimidos ingeri-dos,foramrelatadoscomobarreirasparaumaboaadesão. Estadosdepressivos,irritabilidade,nervosismo,estresse, conflitos familiares e sentimentos de revolta por não aceitac¸ão da doenc¸a também foram associados com os momentosdeperdasdedosesouinterrupc¸ãodotratamento medicamentoso.
Eu sinto revolta, muita raiva com a vida e com todo
mundo.Quersaber,seforpraeumorrer,eumorrologo...
Aminhavidaécomosefosseseparadaemduascoisas...
[Separada como?]De ter consciência do queé ter HIV.
(Fem.,17anos)
Atabela3ilustraoresumodosprincipaisobstáculosda adesão.O medo de adoecer que seliga ao desejode ter umavidasaudávelparapodertrabalhar,estudare concre-tizarplanosfoiaprincipal‘‘motivac¸ão’’mencionadapelos participantesparaamanutenc¸ãodotratamento.
Tabela3 Cuidadoscomasaúdeetratamento---obstáculos
Obstáculos
Dimensãoobjetiva
Obstáculos Dimensãosubjetiva
Interferêncianasatividades cotidiana:interrupc¸ãodo sono
Estadosdepressivos, irritabilidade,nervosismo eestresse
Efeitosindesejáveis: náuseas,doresde estômagoemal-estar
Sentimentosderevoltae nãoaceitac¸ãodadoenc¸a
Característicasdos medicamentos: palatabilidadee quantidadede comprimidosingeridos
Conflitosfamiliares
Crenc¸adequeos antirretrovirais ocasionamprejuízos àsaúde
Tomarasmedicac¸õesatua como
lembretedoHIV,condic¸ão
Em algunscasos,anecessidadedeobteraprovac¸ãopor parte demédicos, parentesou namorados(as) são outros fatores que colaboraram na direc¸ão de uma boa adesão aosmedicamentos.Damesmaforma,oreconhecimentode suaimportânciaparadiminuic¸ãodosriscosdetransmissão, especialmenteaosparceirossexuais,mostrouforte influên-cianacontinuidadedotratamento.
Ébomvocêterummédicoquetratavocêdesde
peque-nininha,quevocêconfia.Issofazcomqueeumemotive
enuncapenseemparar...(Fem.,15anos)
Finalmente,entreas‘‘intervenc¸õesdesejadas’’,os ado-lescentes qualificam como positivos as orientac¸ões, os esclarecimentos easinformac¸õesquesãofornecidas roti-neiramentepelosprofissionaisdosservic¸os.
O contato estreitoe a relac¸ão deconfianc¸a construída comaequipequeosacompanhadesdeamaistenrainfância foramcitadoscomoaspectoscentraisparaumaboaresposta à adesão. A relevância das atividades grupais ou espac¸os para conhecer outras pessoas que vivemcom o HIV tam-bémforamdestacadospelosentrevistados,poisencorajam adiscussãoeoenfrentamentodevivênciasqueenvolvemo adolescentesoropositivo.
Euacholegalagentefazerpalestras,grupos.Euqueria conhecerbastantegentequetivesseHIV!(Fem.,16anos)
Além disso,elesqueremterconhecimentosatualizados sobre os avanc¸os científicos e sugerem que sejam abor-dados temas que abarquem preocupac¸ões futuras, como casamento e formas para evitar a transmissão àspessoas desuaconvivência.
Prevenc¸ão,medicamento,família...Sãoosassuntosmais
importantes.Conversar, saberumpoucomais sobreos
cientistasqueestãoatrásdacura...(Masc.,17anos)
Enquanto,paraalgunsjovens,motivar,insistirese lem-brardas medicac¸ões sãomanifestac¸ões depreocupac¸ãoe afeto,paraoutros,ainsistência porpartedeprofissionais deadesãoperfeitaocasionadesconfortoe sentimentosde queestãosendodesrespeitadosseusdireitosdeinterrupc¸ão momentânea ou não do tratamento. Há ocasiões em que eles preferem mentir para evitar as reac¸ões de irrita-bilidade ou decepc¸ão por parte dos médicos e parentes (tabela4).
Tabela4 Cuidadoscomasaúdeetratamento---motivac¸ões eintervenc¸ões
Motivac¸ões Intervenc¸õessugeridas
Medodeadoecer Informac¸õesatualizadas
Teracompanhado
experiênciaspregressas negativas
Atividadesgrupaiseapoio psicológicoindividual Consultasquereforceme incentivemotratamento, semexcessivascobranc¸as Reconhecerseupapelna
diminuic¸ãodosriscos detransmissão Necessidadedeobter
aprovac¸ão
Pressionarmenos,porqueémuitapressão...Amédica,
apsicólogapressionando,falandotemquetomar,senão
vaimorrer.Tambémtentarentendermuito...Porque,
porquê?Porqueeunãoqueroentraremcontatocoma
realidade,porqueeutenhomedo!(Masc.,17anos)
Discussão
Estainvestigac¸ãocontribuiuparaconhecerasexperiências psicossociaisda primeira gerac¸ão de jovens que adquiriu oHIV por transmissãovertical, por meioderelatossobre suashistóriasde vidae obstáculosenfrentados, num con-textodeumadoenc¸acrônica,comvistasainstrumentalizar oprofissionaldesaúdeparamelhorcuidardoseupaciente. Nasdiversasdimensõesdocotidiano,comoparticipac¸ão ematividades sociais,escolae trabalho,emergem no dis-cursodosadolescentesreferênciasdeumavidanormal,ou seja,comumouigualaosdemaisjovensquenãosão infec-tadospelo vírus. Oesforc¸o dosadolescentes soropositivos pelabuscadanormalidadefoidescritopordiferentes pes-quisadoresqueseocuparamdeestudarasnecessidadesdos jovensquevivemcomoHIV.9,10
Comopode servisto, apercepc¸ão danormalidade e o sentimentode igualdadesãojustificadospelaausênciade sintomasoucaracterísticasfísicasdeumcorpodoente, fato-resque, por sua vez, podem influenciarnegativamente a adesãoaotratamento.10Entretanto,observam-se
sentimen-tosdeambivalênciaquandoessesjovenssãoconfrontados com a necessidade de cuidados que envolvem um trata-mento interminável e rotineiras consultasmédicas. Outra ressalvaemrelac¸ãoànormalidadedizrespeitoàconvivência com o segredo dodiagnóstico e a possibilidade de trans-missãodovírus,achadosquetambémsãoconsistentescom outrosestudos.5,9
Umtemarelevanteequemerecedestaqueespecialdiz respeito à dinâmica do segredoque envolve ospacientes infectadospelo HIV/Aids.Acomunicac¸ão dodiagnósticoa terceirosnãoéumprocessosimples,poisrevelaracondic¸ão sorológica podedeixar o indivíduo vulnerável ao estigma social,aospreconceitoseàdiscriminac¸ão,aspectos ampla-menteidentificadosnapopulac¸ãodeadultosquevivemcom oHIV/Aids.4Osresultadosdesteestudosugeremqueo
silên-ciosobre o HIV aindapermanece restrito às famílias que vivem e convivem com a infecc¸ão e, na perspectiva dos entrevistados,asrazõesquejustificamessecomportamento foramassociadasaomedodopreconceito,darejeic¸ãoedo isolamentosocial.11-14 Apesar disso, figura nodiscursodos
adolescentesquearevelac¸ãodiagnósticadoHIVdeveráser compartilhada,emalgummomento,comosatuaisou futu-rosparceirossexuais,umatomadadedecisãocercadapor medoseambivalências.Mesmodiantedaausênciade parâ-metrosclarosedefinidosparaacomunicac¸ãodainfecc¸ão, éprecisoconfiarparacontar,tergarantiasdequeooutro guardarásegredoe,emalgumassituac¸ões,empregarouso desondagemparaconhecerasconcepc¸õesqueosparestêm sobreadoenc¸a.15
autores.4,16,17 Ainda nocontexto das relac¸ões românticas,
desejos e ansiedades decorrentes da condic¸ão sorológica misturam-see,porvezes,prevalecemcomportamentosde esquivadiante deaproximac¸ões afetivas,comoobservado emdiversaspublicac¸ões.4,18
Em relac¸ão aoscuidados coma saúdee o tratamento, os resultados deste estudo sugerem que a adesão ao regime medicamentoso é um processo dinâmico, envolve dimensões subjetivas e objetivas e momentos de maior ou menor interesse em relac¸ão ao acompanhamento clí-nico. Apesar do cansac¸o diante das medicac¸ões e, por vezes, do desejo de interrupc¸ão do tratamento, a maio-riadosjovens desteestudomostrou-seconsciente deque seguirasrecomendac¸õesprescritasé a condic¸ão necessá-riaparaa manutenc¸ãodeumaboa qualidadedevida. Os achadosdestainvestigac¸ãomostraram-seconsistentescom outrosestudos que descrevemque a adesão é favorecida pelacrenc¸anaeficáciadasmedicac¸ões19 equandoos
cui-dados com a saúde tornam-se prioridade em suas vidas. Aaceitac¸ãodacondic¸ãosorológicaeoreconhecimentoda morte,quesurgemcomoalcancedamaturidade,também foramfatoresdecisivosparaamanutenc¸ãocorretado tra-tamento.Ovínculoentrepacienteeprofissionaleoapoio familiar fomentama motivac¸ão para o enfrentamento do processosaúdeedoenc¸a.20Poroutrolado,alguns
adolescen-tesnãogostamdesesentirpressionadoseconsideramque asatitudesde cobranc¸a dos cuidadoresviolam seus direi-tose autonomiapara decidirsobreo tratamento. Quanto àsbarreirase aosobstáculosparaocumprimento da ade-são,osparticipantescitaramosefeitosadversosdoremédio esua interferêncianasatividades cotidiana.Nadimensão subjetiva,momentosdetristeza,estresseoumesmoo sim-ples desejo de viver uma vida sem a lembranc¸a do vírus justificamas interrupc¸ões, mesmo que momentâneas, do tratamento.
Quandosetratoudasintervenc¸õesdesejadas,osjovens declararam que se sentem satisfeitos com a assistência recebida no ambiente pediátrico, cercado de atenc¸ão e demonstrac¸ãodeafetoporpartedosprofissionais.De qual-quer maneira, eles desejam informac¸ões mais detalhadas sobreasformasdeprevenc¸ãodatransmissãodovírus,com discussãodetemasquereportemaosavanc¸ostecnológicos, assimcomoaosdilemasvivenciadospeloserjovemno con-texto dasoropositividade. Em algunscasos, as atividades grupaissãorecomendadas,poisfavorecema identificac¸ão com seus pares e, consequentemente, a manutenc¸ão do sentimentodenormalidade.
Esteestudoapresentalimitac¸õesporqueseusresultados nãosãogeneralizáveis eretratamparcialmentea comple-xidadedevivênciasdoprocessodoadolescernocontexto dasoropositividadeparao HIV.Pesquisas longitudinaissão recomendadasparaexplorar ascondic¸ões sociaise os ris-cos emocionaisimplicados nessa trajetória. Além disso, a metodologiaqualitativa ainda se mostra pouco familiar à comunidade científica e aos pediatras que se ocupam da assistênciadessascrianc¸aseadolescentes.
Conclui-se, a partir dos relatos, que ‘‘viver a adoles-cênciacomoHIV’’envolvedimensõesdelicadas,taiscomo silênciosesegredos,buscadanormalidade,constatac¸ãodas diferenc¸as,dilemasdatransmissãodovíruse,ainda,gestão do tratamento medicamentoso. Reconhecer tais aspectos
poderáservircomoorientac¸ãoaotrabalhodaequipe multi-profissional,especialmenteao dospediatras,cujocuidado transcendeocontroledadoenc¸afísicaedareplicac¸ãoviral.
Financiamento
Fundac¸ão de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp),Projeton◦ 2010/08302-8.
AgenceNationaledeRecherchesurleSidaetles Hépati-tesVirales(ANRS),protocolon◦ 12.238.
Conflitos
de
interesse
Osautoresdeclaramnãohaverconflitosdeinteresse.
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