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Adesão à terapêutica medicamentosa: elementos para a discussão de conceitos e pressupostos adotados na literatura.

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Academic year: 2017

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Adesão à terapêutica medicamentosa:

elementos para a discussão de conceitos

e pressupostos adotados na literatura*

Adherence to prescribed therapy:

points for concepts and presuppositions discussion

* Apoio financeiro da Capes, Univali, Opas – Organização Pan-Americana de Saúde

Silvana Nair Leite 1

Maria da Penha Costa Vasconcellos 2

Abstract Research and discussion on

compli-ance with medical regimens have been taken because compliance is an important part of a treatment. This paper discusses the meanings adopted to compliance and the factors associ-ated to it in the current literature.

Presuppositions, concepts, methodologies, tar-get public and the doctor and patient roles ap-proach of studies on compliance were analyzed. The factors associated with compliance referred in the literature, such as the type of treatment, illness and doctors communication; the quali-tative, direct and indirect methodologies adopt-ed, many times with inspect character, were al-so discussed. We conclude that studies of med-ications use generally do not emphasize the patient role in the health/illness/treatment process, and so, can not be as comprehensive as necessary.

Key words Compliance, Adherence, Medical

regimens, Use of medication, Patient role

Resumo A questão da adesão à terapêutica

tem sido discutida e estudada por profissionais de saúde por se tratar de um ponto funda-mental para a resolubilidade de um trata-mento. Neste artigo são discutidos, a partir de estudos de adesão à terapêutica medicamen-tosa relatados na literatura, os significados adotados para o fenômeno da adesão e os fa-tores a ele relacionados. Estudos de adesão à terapêutica foram analisados quanto aos seus conceitos e pressupostos, metodologias empre-gadas e o papel designado para profissionais e pacientes envolvidos. São discutidos os pres-supostos teóricos encontrados nos estudos, e os fatores relacionados ao tema, que envolvem questões relativas ao tratamento, ao profis-sional de saúde e à doença, e as metodologias adotadas nestes estudos, que são baseadas em métodos diretos e indiretos e qualitativos, al-guns com abordagem fiscalizadora. Conclui-se que os estudos no campo dos medicamentos em geral não priorizam o papel do paciente no processo saúde/doença/tratamento, compro-metendo a capacidade dos estudos de obter uma compreensão mais ampla e profunda so-bre o tema.

Palavras-chave Adesão à terapêutica, Uso de

medicamentos, Papel do paciente, Tratamento medicamentoso

Faculdade de Farm·ácia, 1

Universidade do Vale do ItajaÃ. Rua Uruguai 458, Centro, 88302-202, ItajaÌ SC.

snleite@ccs.univali.br

Faculdade de Saúde 2

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Introdução

Enquanto o alto consum o de m edicam entos é demonstrado e discutido por diversos estudos e desperta preocupação em profissionais e au-toridades de saúde, a questão da não-adesão ao tratamento medicamentoso prescrito também tem tomado importância nas últimas décadas e está sen do in cluída n a lista de preocupações dos profission ais de saúde, jun tam en te com outros fatores que influem sobre uso racional de recursos terapêuticos. Se há na população o “folclore hipocon dríaco”, com o cita Bucher (1992), por que, então, tantas pessoas não ado-tam o traado-tamento que lhes é prescrito ou não o realizam adequadamente?

Vár ias resp ost as são en saiad as em est u -dos de adesão. E a conclusão é que “a não-ade-são, em algum grau, é universal” ( Jordan et al., 2000) e está relacionada a diversos fatores rela-tivos ao profissional de saúde, ao tratamento, à patologia e ao paciente (Paulo e Zanini, 1997; Nem es, 2000; Vasconcelos, 1996). E apesar de Ruejon (citado por Chaisson , 1998) afirm ar que “o n orm al é n ão aderir”, n a população a adesão ao prescrito profissionalm ente depen-de depen-de uma série depen-de fatores, uma espécie depen-de tria-gem , p ar a qu e ven h a a acon tecer, en qu an to as in dicações popu lares, com o as da vizin ha ou fam ília, são aceitas m ais facilm ente (Leite, 2000). Portanto, há o desejo de utilizar algum tipo de tratamento, de tratar os sintomas e ob-ter alívio, mas há controvérsias quanto à com-preensão desse fenômeno.

A relevância da questão na terapêutica é in-discutível: da adesão ao tratamento depende o sucesso da terapia proposta, a cura de uma en-fermidade, o controle de uma doença crônica, a prevenção de uma patologia. E se o paciente n ão adere? Por que isso acon tece? Será que o paciente sabe o que é aderir ou tem consciên-cia da questão?

Este artigo tem o intuito de discutir, a par-tir de uma reflexão teórica da literatura, os sig-nificados adotados pelos autores sobre a ade-são à terapêutica, os fatores a ela relacionados e a com preensão que se tem sobre o fenôm eno. Esta leitura reflexiva de trabalhos sobre o as-sunto pode ajudar a compreender esse univer-so com plexo no qual aparecem diferentes for-mas de investigação sobre o conceito.

Metodologia

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Buscando compreender o tema de forma mais am pliada e in tegrada à problem ática saúde/ doença/tratamento, vários textos relacionados ao uso de medicamentos serviram de base para a reflexão: sobre o uso racional de medicamen-tos e o m ercado farm acêutico, lista-se Bucher (1992), Balassubram aniam (1996), Chaisson (1998), Haaijer-Ruskamp e Hemminki (1993), Leite (2000), Sobravim e (2001); sobre as con-cepções populares de terapêutica e itinerários terapêuticos foram consultados os estudos de Loyola (1982) em Médicos e curandeiros, Bol-tanski (1985) em As classes sociais e o corpo, os textos de Menendez (1992) em “Grupo domés-tico y proceso saúde/enferm idad/atención” (Cuadernos Médico Sociales), Pachter (1994) em “Culture and clinical care” (JAMA), Vasconce-los (1996) e Ferreira (2001) em “A saúde em comprimidos” (Saúde em Debate).

Além desses, ainda foram utilizadas litera-turas sobre m etodologia de estudo e m étodos de estudos de utilização de m edicam en tos: Daly et al. (1997), Castro (2000), Milstein-Mos-cati et al. (2000).

Foi realizada, inicialmente, a leitura de toda a literatura selecion ada. A par tir do con heci-mento inicial sobre o assunto, alguns aspectos foram ressaltados para o aprofun dam en to da análise e discussão:

• os conceitos de adesão e pressupostos ado-tados;

• os fatores considerados relativos à adesão; e • a metodologia utilizada.

Foi útil nessa fase a orientação de Daly et al. (1997) para a análise de textos e materiais grá-ficos, que sugere ao pesquisador desven dar pontos explícitos e implícitos no material ana-lisado. Os autores recom en dam question ar o material quanto ao tom do texto, a linguagem utilizada, o propósito da história, os term os contraditórios utilizados, se há significados im-plícitos, se há “heróis e vilões” na história. Des-sa form a, a análise do m aterial torna-se apro-fundada revelando pontos importantes para a discussão do tema proposto.

Discussão dos temas em estudo

Conceito de adesão e pressupostos assumidos

O conceito de adesão varia entre diversos autores, m as, de form a geral, é com preendido como a utilização dos medicamentos prescritos

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ou outros procedimentos em pelo menos 80% de seu total, observando horários, doses, tempo de tratamento. Representa a etapa final do que se sugere como uso racional de medicamentos.

Entre os pressupostos assum idos pelos di-versos autores para o estudo da adesão, as dife-renças m ais evidentes encontram -se entre aqueles que focalizam o fenômeno no paciente e aqueles que procuram a compreensão em fa-tores externos ao paciente.

Os term os utilizados para definir a adesão refletem qual a com preen são que os autores possuem sobre o papel dos atores no processo. Segundo Brawley e Culos-Reed (2000), os ter-mos mais utilizados na língua inglesa adheren -cee compliance tem significados diferentes. Pa-ra os autores, o termo compliance, que pode ser traduzido como obediência, pressupõe um pa-pel passivo do paciente, e adherence, ou aderên-cia com o o term o utilizado para iden tificar um a escolha livre das pessoas de adotarem ou não certa recom endação. O entendim ento do papel do paciente como sujeito ativo, que par-ticipa e assum e respon sabilidades sobre seu tratamento, que adere ou não, é defendido por outros autores, com o Milstein -Moscati et al. (2000), Con rad (1985) e Dowell e Hudson (1997).

A form a com o é visto o papel do pacien te no seu tratam ento é refletida tam bém na for-ma como são discutidos os fatores relativos ao paciente na adesão, variando entre a tentativa de com preen são de seus valores e cren ças em relação à saúde, à doença e ao tratamento, até a identificação da não-adesão com o com porta-mento desviante e irracional. Neste último ca-so, a responsabilidade pela não-adesão ao tra-tam en to é defin ida com o ign orân cia dos pa-cientes ou responsáveis por eles sobre a impor-tância do tratamento, a pouca educação da po-pulação (presumindo que seria um comporta-m ento típico de classes comporta-m enos privilegiadas), ou com o sim ples desobediên cia de “orden s médicas”.

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o uso de medicamentos como resultado de um processo de decisão racional que leva em conta diversos determ in an tes, da dispon ibilidade à crença no tratamento (Haaijer-Ruskamp e Hem-minki, 1993), resultado da dinâmica de apren-dizagem social vivida (Brawley e Culos-Reed 2000) e da form a de con struir seu en fren ta-m ento à doença (Dowell e Hudson 1997). Se-gundo Kidd e Altm an (2000), essa construção deve ser compreendida não só no nível indivi-dual, mas também no meso e macro contexto, ou seja, nos níveis da comunidade e sociedade como um todo.

O porquê: fatores relacionados à adesão

A m aioria dos estudos de adesão é focada na grande questão que atormenta os profissio-n ais de saúde: por que cer tos pacieprofissio-n tes profissio-n ão aderem ao tratamento medicamentoso?

A form a com o é apresentada a questão da adesão pelos autores, a forma como a questão é pensada, elaborada, reflete-se nas categorias de an álise determ in adas para os estudos. Assim , os fatores relacionados ao fenômeno são lança-dos pelos pesquisadores para verificação n os estudos conforme seus pressupostos sobre o te-ma, como abordado anteriormente.

Entre os diversos fatores já citados na litera-tura, pode-se pensar primeiramente na falta de acesso ao medicamento. O mercado farmacêu-tico está concentrado nos países econom ica-m ente ica-m ais ricos e voltado às classes sociais mais abastadas. Sabe-se que os maiores investi-mentos estão no desenvolvimento de tratamen-tos para problemas que atingem essas popula-ções, em detrim ento dos m edicam entos de-mandados pelas necessidades mais comuns nos países m ais pobres (Sobravim e, 2001). Apesar de a despesa com m edicam entos representar grande parte do investimento em saúde públi-ca, em países como o Brasil a dispensação gra-tuita de medicamentos não cobre as necessida-des correntes, apesar dos grannecessida-des avanços nesse sentido como no caso da terapia anti-retroviral. No estudo realizado por Bran d et al. (1977), o prin cipal fator relatado para a n ão-aderência ao tratam ento por idosos foi o alto custo do m edicam en to. E as evidên cias disso estavam nos custos: o custo mensal das prescri-ções dos pacientes não-aderentes era em média o dobro do custo m en sal das prescrições dos aderentes. Logo, pode-se perceber que o maior n úm ero de m edicam en tos prescritos custa m ais, e se adere m en os. Pessoa et al. (1996)

também encontraram o acesso econômico co-m o causa da n ão-adesão à prescrição após atendimento em pronto-socorro pediátrico em 39,1% dos casos, e que o menor número de me-dicamentos e o menor custo melhoram a ade-são. Esse fator, sem dúvida, é um grande entra-ve para a adesão e deentra-ve ser o primeiro aspecto a ser avaliado, no entanto alguns estudos que relatam alto índice de não-adesão não referen-ciam a questão da disponibilização dos m edi-camentos, demonstrando que, para esses auto-res, o acesso ao medicamento não é um entrave im por tan te. Em países com o o Brasil, n o en -tanto, é um problem a crucial e deve ser o pri-meiro fator analisado: se o paciente tem acesso ao m edicam ento, então ele está em condições para aderir ou não ao tratamento.

O maior número de medicamentos prescri-tos e o esquema terapêutico também estão as-sociados à não-adesão mesmo quando o medi-camento é fornecido. Esse é um dos principais fatores relacionados ao m edicam ento que in-terferem na adesão aos anti-retrovirais, pois os esquemas terapêuticos normalmente são com-plicados e exigem um gran de em pen ho por parte do paciente, que precisa adaptar sua alim en tação, horários e ritalim o diário para cualim -prir o tratamento (Nemes, 2000; Jordan et al., 2000). Silvestre-Busto et al. (2001) en con tra-ram evidências que um tratamento de duas ses diárias é melhor cumprido que de três do-ses e que, apesar de vários estudos indicarem o decréscimo da adesão em tratamentos longos, na antibioticoterapia de crianças em seu estu-do esse daestu-do n ão se con firm ou. Além disso, também é importante citar que a percepção de efeitos colaterais causados pela terapia é um entrave para a adesão, o que pode ser chamado de efeito protetor da não-adesão, que seria uma não-adesão inteligente à terapêutica (Milstein-Moscati et al., 2000). Vê-se aqui que esses fato-res, normalmente identificados ao medicamen-to, na verdade estão relacionados à decisão do paciente de mudar seu ritmo de vida ou aceitar certos efeitos adversos.

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palha o seguimento do tratamento da tubercu-lose (Gonçalves et al., 1999). Alguns estudos de adesão em pediatria citam o fato de os pais não compreenderem a importância do tratamento ou a gravidade da en ferm idade com o um en -trave para a adesão (Pessoa et al., 1996; Jones, 1983), mas também que a percepção de maior gravidade da patologia está associada a m aior adesão, m esm o em tratam en tos m ais lon gos (Silvestre-Busto et al., 2001).

Cer tas publicações trazem com o questão central a importância do profissional de saúde para a adesão; algum as tratam a questão com importância extrema, como se a adesão ao tra-tamento fosse determinada exclusivamente pe-lo poder do médico de fazer seu paciente obe-decer a sua prescrição e dos m eios que utiliza para tal. De qualquer forma, fica evidente, pe-los resultados de diversos estudos, que um dos fatores decisivos para a adesão é a con fian ça depositada pelo pacien te n a prescrição, n a equipe de saúde ou n o m édico pessoalm en te (Teixeira et al., 2000; Balassubramaniam, 1996; Nem es, 2000; Paulo e Zanini, 1997; AlSham -mari et al., 1995).

Certas atitudes do prescritor, como lingua-gem , tem po dispensado para a consulta, aten-dimento acolhedor, respeito com as verbaliza-ções e questionam entos dos pacientes e m oti-vação para o cumprimento da terapia são fato-res citados na literatura. Entrevistando pacien-tes e profissionais de uma unidade de saúde de Itajaí (SC), a questão da linguagem e do back -groundcultural apareceu como um fator extre-mamente relevante. Os auxiliares de saúde, pes-soas da própria com unidade, com baixo grau de especialização, que compartilhavam as mes-mas crenças e costumes relativos à saúde da co-munidade, conseguiam que a clientela da uni-dade aderisse às suas recom endações, m esm o en tre aqueles pacien tes que n ão costum avam aderir à prescrição dos médicos da unidade. As recomendações e receitas de vizinhos e paren-tes também eram facilmente atendidas. Dentre os profissionais de saúde, aqueles que usavam linguagem m ais popular dem onstravam m ais respeito pelo paciente e suas crenças, assumiam atitude m en os discrim in adora e eram m ais acreditados pelos clien tes da un idade (Leite, 2000). Apesar da nítida influência sobre a ade-são, a relação médico-paciente não é suficiente para explicar o fenôm eno da não-adesão à te-rapêutica. É, sim , um dos possíveis en traves que pode e deve ser trabalhado pela equipe de atenção à saúde.

Algun s estudos, en tretan to, focalizam n o paciente (ou usuário de medicamentos) a ques-tão da adesão. Dowell e Hudson (1997), estu-dando o tema a partir da perspectiva do usuá-rio, descrevem um “m odelo de decisão tera-pêutica”. Segundo o m odelo, há na população de usuários de medicamentos três tipos: os que aceitam e procuram cumprir a prescrição mé-dica, os que aceitam as prescrições, porém não sem testar variações da prescrição e então op-tar pelo seguim ento ou não, e os sépticos, que não aceitam as prescrições médicas. De acordo com os autores, a aceitação do tratamento está in tim am en te relacion ada com a aceitação da própria doença e não tanto com outros fatores. Con rad (1985) den om in a essa espécie de teste que algun s pacien tes m ais ativos desen -volvem com seu tratamento de auto-regulação (self-regulation) e o descreve como uma forma de avaliar o estado atual da doença e da possi-bilidade de retirar ou diminuir a dose de medi-cam en tos, que acon tece prin cipalm en te em portadores de doenças crônicas. Isso, com a in-tenção de superar o estigma de doente crônico, pois o ato de tom ar o m edicam en to regular-m ente deregular-m onstra, o teregular-m po todo, que se é uregular-m doen te crôn ico. Além disso, estudos sobre a adesão a diversas terapias sugerem que o segui-mento rígido das prescrições implica certa in-terferência no cotidiano, o que não é desejado pelo usuário.

Os autores analisados colocam a necessida-de necessida-de se compreennecessida-der questões relacionadas ao paciente e ao meio em que está inserido, socio-cultural, com o im portantes no procedim ento de adesão à prescrição medicamentosa. Consi-deran do os fatores citados relacion ados à doença, ao tratamento e ao serviço de saúde, o que se percebe nos estudos é que m esm o alte-rando as situações, o grau de adesão continua sendo baixo. Entre os estudos de adesão dispo-níveis, o grau de adesão varia muito dependen-do dependen-do métodependen-do e dependen-do conceito de adesão utiliza-do, ficando em torno de 50% para a população infantil, por exemplo ( Jones, 1983), o que leva a acreditar que os fatores relacionados ao pa-ciente, m ais dificilm ente controlados, tenham sempre um peso grande na questão da adesão.

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terapêutico: todas as m otivações e bloqueios estarão presen tes em todos os n íveis da tera-pêutica, afetando a relação do paciente ou po-pulação com sua saúde e terapêutica. Todos os fatores apon tados para a adesão a um trata-m en to prescrito estão in fluen cian do o trata-m odo pelo qual um a pessoa, n a ocorrên cia de um a enfermidade, decidirá tratar-se.

Considerações sobre os métodos para o estudo da adesão

Quando o foco do estudo é adesão ao trata-mento prescrito, os métodos podem ser classifi-cados em diretos e indiretos, sendo que não há um m étodo considerado gold standard, com o cita Cram er et al. (1989). Os m étodos diretos são fundamentados nos ensinamentos de Hipó-crates, que já recom endava desconfiar das in-formações fornecidas pelos pacientes em rela-ção ao tratam ento. São baseados em técnicas analíticas que verificam se o m edicam ento foi administrado ou tomado na dose e freqüência necessária através da identificação de metabóli-tos do medicamento ou de marcadores quími-cos de maior permanência no organismo (Mils-tein-Moscati et al., 2000). Os métodos indiretos incluem entrevistas e a contagem das unidades de medicamentos que o paciente ainda possui. Por desconfiar da fidedignidade do m étodo, pois o paciente pode eliminar as doses que não foram utilizadas, alguns estudos utilizam um dispositivo para acondicionar o medicamento que registra os intervalos de retirada das doses, porém mesmo assim pesquisadores como Cra-m er et al. (1989) cogitam a possibilidade de o paciente retirar a dose da embalagem e não to-má-la. A própria avaliação do efeito farmacoló-gico esperado é um método para avaliar a ade-são ao tratam ento, ficando difícil nesse caso avaliar se a resposta terapêutica é diretam ente proporcional ao tratamento prescrito.

Um dos métodos mais utilizados é a entre-vista estruturada, por sua aplicação mais aces-sível e de m en or custo. O m aior problem a apontado para esse método é a superestimativa da adesão, pois m ais um a vez o paciente pode esconder do entrevistador ou do médico a for-m a cofor-m o realizou o tratafor-m en to n a realidade (Milstein-Moscati et al., 2000).

A limitação dos questionários estruturados, com questões objetivas, é discutida para qual-quer tipo de levan tam en to. Questões com o o con stran gim en to do en trevistado, seu desejo de responder o que seria o correto e a pressão,

m esm o que não intencional, da inquisição fa-zem deste um m étodo superficial. Todas essas considerações acerca da fidedignidade dos mé-todos são reflexos do tipo de abordagem adota-do nos estuadota-dos, que não prevê nenhum grau de aproximação com a realidade do paciente e de seu m eio e, por tan to, n ão in spira relação de confiança entre paciente e entrevistador, e nem com preensão do conjunto de signos que per-meiam a questão do uso de medicamentos.

Em nenhum momento é citado o direito do paciente de decidir sobre o seu corpo. Criam -se engenhocas eletrônicas e formas de cercar o pacien te por todos os lados e este n ecessita prestar contas do que faz e deixa de fazer com seu próprio corpo. Alguém já se perguntou com que direito o pesquisador pode colocar pacien-tes nessa situação de inquisição? Não se preten-de, com esta questão, desprezar os dados de es-tudos tradicionais de adesão à terapêutica, mas alertar para os significados que dados obtidos nestes modelos podem representar.

Haaijer-Ruskamp e Hemminki (1993), quan-do citam a pesquisa qualitativa na área de me-dicamentos de forma geral, referem-se aos mé-todos chamados qualitativos, como a pesquisa an tropológica. Nesse caso, são desenvolvidas metodologias que propiciam o estudo de deter-minados fenômenos em profundidade, como a pesquisa participante, a etnografia e as entre-vistas abertas, focando os objetivos do estudo em fatores sociais, culturais e psicológicos e sua influência no uso de m edicam entos, com o al-guns ensaios sobre adesão à terapia anti-retro-viral (Nem es, 2000; Teixeira et al., 2000). Esse tipo de abordagem pode con tem plar a com -preen são dos sign ificados do uso de m edica-m en tos e utilizar a con tribuição das ciên cias sociais para o entendimento da questão, prin-cipalm en te porque con sideram o cam po da saúde um corpo com plexo de conhecim entos que vão nortear as atitudes em relação aos cui-dados de saúde, entre eles, e não à margem de-les, a utilização de medicamentos. A perspecti-va do usuário é uma das maiores contribuições da abordagem , propician do a em ergên cia de fatores com plexos até então desconsiderados, como nos estudos de Dowell e Hudson (1997) e Conrad (1985), que identificaram a adesão à terapêutica prescrita com o o resultado de um processo de avaliação e aceitação de seu estado enquanto doente.

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risky, Green e Levine (1986). No primeiro caso, o questionamento sobre a adesão ou não à te-rapêutica é feito de form a am igável, tentando expressar o menor nível de pressão possível, ci-tando as dificuldades encontradas por outros pacientes, e solicitando que o paciente fale so-bre suas dificuldades. O segundo é o mais usa-do e validausa-do em espanhol para pacientes as-m áticos e hiper ten sos (Silvestre-Busto et al., 2001). Constituído de quatro perguntas básicas sobre horário, esquecim en to, percepção de efeitos colaterais e a ausên cia de sin tom as, o teste ten de a superestim ar a n ão-adesão, ao contrário do que se espera de métodos indire-tos, e não dá ao paciente a oportunidade de ex-pressar suas dificuldades e seu entendimento a respeito do tratamento. Apesar dos testes serem baseados em form ulários padron izados, sem aprofundamento individualizado, alguns auto-res citam a necessidade de que o paciente e en-trevistador tenham uma relação de confiança e de que a validade dos testes depende da since-ridade do entrevistado.

Reflexões finais

O tem a deste artigo, adesão à terapêutica m e-dicam en tosa, m erece um a profun da e con ti-nuada reflexão sobre seus sign ificados e “res-significados” nos atos de prescrição e dispensa-ção e na forma de consumo, por parte do pro-fission al de saúde e do pacien te. A an álise de estudos de adesão aqui relatada levan ta algu-mas questões que merecem ser discutidas. Uma delas é a questão do papel do paciente no pro-cesso saúde/doença/tratam ento. Muitos estu-dos n o cam po estu-dos m edicam en tos ain da des-con sideram o pacien te, ou o respon sável por sua saúde, como ser social, dotado de expecta-tivas, conhecimentos, interesses, e que tem va-lores socioculturais, que produzem sentidos e “ressignificações” sobre o uso ou resistência ao uso medicamentoso em seu processo ou estado crônico de adoecimento. O paciente é referido com o um espaço, o lócus on de um m edica-mento terá sua ação do ponto de vista da racio-nalidade médica (Luz, 1988).

Podem os obser var a partir de leitura m ais aprofundada das questões, excetuando o

qua-dro em que o paciente não tem acesso ao m e-dicamento, que o número de doses ou os efei-tos adversos serão empecilho para a adesão de-pen den do da percepção que o pacien te tem disso; que a própria doença é um fator interfe-ren te depen den do da form a com o o pacien te enfrenta a doença e seus sintomas, e que o pro-fission al de saúde in fluen ciará n a adesão n a m edida em que atingir o universo cultural do paciente e estabelecer com este comunicação e relacionamento efetivos, incluindo valorização do con sum o com o ben efício em seu corren te cotidiano, quando este se fizer necessário.

Portanto, é o paciente, ou o responsável por ele, o objetivo e o objeto das investigações e das ações para promover a adesão. Nele estão cen-trados os fatores que interferem na adesão à te-rapêutica, refletindo o contexto individual, fa-miliar e social. No entanto, a questão da adesão é discutida no nível profissional e reflete as ex-pectativas e opin iões profission ais. Motivos considerados sem importância pelo profissio-nal de saúde muitas vezes são aqueles que real-m en te deterreal-m in areal-m o seguireal-m en to ou n ão de determinado tratamento pelo paciente (Teixei-ra et al., 2000). Chama especial atenção a con-clusão de Al-Shammari et al. (1995) em seu es-tudo, em que a maioria dos pacientes com au-sência de adesão à terapêutica prescrita m en-cionou apenas poucos motivos para isto.

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Artigo apresentado em 22/3/2003

Aprovado em 1o/4/2003

Versão final apresentada em 12/7/2003

Referências

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